Ambiente
e Origem
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"Quem quer que acenda a tocha da guerra na Europa nada pode desejar senão o caos".Adolf Hitler, 21 de maio de 1935A 30 de janeiro de 1933, Hitler ascendeu ao poder na Alemanha. Essa data marca, tanto quanto o pode fazer uma simples data, o fim do período "após-guerra", na história européia. Durante os catorze anos que se lhe seguiram, os estadistas tiveram seu pensamento subordinado à guerra passada, às suas lições e aos problemas que ela deixou por solucionar. De 1933 em diante, eles se viram forçados a subordinar cada vez mais seu pensamento à próxima guerra, e não à que passara.Em busca da pazO problema relevante, que as nações tiveram que enfrentar depois de 1918, foi o da criação de um mundo pacífico. A frase "uma guerra para terminar com a guerra" oculta uma profunda emoção nascida da revolta contra a barbárie da guerra, como meio de se solucionar disputas. Mas se uma repetição da pavorosa catástrofe tivesse de ser evitada, as condições capazes de torná-la possível deveriam ser removidas. Particularmente, o direito soberano de toda nação, de perturbar a paz na busca das respectivas finalidades nacionais, era algo que devia ser abolido. A insistência em torno desse direito e a recusa das Grandes Potências em subordinar suas ambições individuais ao bem-estar geral, resultaram na anarquia internacional que produziu a guerra de 1914. A estabilidade da paz, somente poderia ser assegurada pela eliminação da violência e a substituição dos métodos legais nas questões internacionais.Assim, um dos maiores temas na história do mundo de após-guerra, é o esforço em favor do estabelecimento de um método para a solução pacífica das questões. O Covenant da Liga das Nações asseverou, em seu preâmbulo, ser desejo dos signatários promover a cooperação internacional "aceitando a obrigação de não recorrerem à guerra" e "pelo firme estabelecimento da compreensão do direito internacional, como a verdadeira regra de conduta entre os governos". O Covenant procurou pôr em prática esses princípios pelo assentamento de um modo de agir definitivo, em favor dos acordos pacíficos e pela criação de penalidades, ou "sanções", contra qualquer Estado que violasse essas resoluções. Por meio do Pacto de Paris, ou Pacto Kellog, sessenta e dois Estados concordaram em renunciar à guerra como "instrumento de política nacional" - isto é, como método de efetivar suas exigências ou de satisfazer suas ambições - e prometeram que somente por meios pacíficos procurariam ajustar suas disputas. Em adição a esse acordo geral, tratados específicos de conciliação e não-agressão foram concluídos por muitos Estados com os seus vizinhos. Mesmo assim, a possibilidade da guerra sob certas circunstâncias ainda permaneceu; mas se esses acordos tivessem sido fielmente observados, teriam representado um longo passo em prol da eliminação da guerra no mundo moderno.Nesses acontecimentos, a República Alemã teve parte louvável. A amargura que se seguiu à guerra, e que achou expressão num conflito contínuo e inútil, entre vitorioso e vencido, começou a atenuar-se pelo ano de 1924. Os aliados reconheceram a necessidade de aceitar a Alemanha como componente normal da sociedade européia das nações. A Alemanha, por sua vez, sob a orientação de Stresmnann, abandonou a atitude de resistência e vingança, em favor de uma política de "reconciliação e realização". O resultado imediato dessa mudança foi o Tratado de Locarno em 1925. A Alemanha trocou mútuas garantias, com a Bélgica e a França, prometendo ambos os lados jamais entrar em guerra um contra o outro, e resolver por meios pacíficos "as questões de qualquer espécie que surgissem entre eles". Os tratados alemães de arbitramento com a Polônia e a Tchecoslováquia formaram parte do mesmo acordo. Em 1926, um tratado de não-agressão foi firmado entre a Alemanha e a Rússia. No mesmo ano, a Alemanha ingressou na Liga das Nações e aceitou as obrigações do Covenant. Em 1928, ela foi um dos signatários originais do Pacto de Paris, e, em 1929, suas relações pacíficas com a Rússia foram reforçadas por um tratado de conciliação entre as duas potências. De tais ações poder-se-ia deduzir que a Alemanha estava pronta para tomar parte ativa, senão dirigente, na causa da paz.Atrás desses auspiciosos acontecimentos, contudo, outros, menos promissores se estavam processando. Subsistiam muitas das primitivas concepções de pré-guerra. A atitude de desconfiança e receio, legada pela guerra passada, custava a se desvanecer. E, o que não é menos importante, a tentativa de criar um mundo pacífico originou-se da situação estabelecida pelos tratados de 1919. Não há necessidade de se discutir aqui a sabedoria ou justiça dos tratados. É bastante se reconhecer que uma das suas causas fôra o anseio de se proteger contra qualquer novo ataque das potências derrotadas. As nações vitoriosas sentiram que deviam permanecer bastante fortes para jugular qualquer tentativa dessa natureza - ou melhor ainda, que os seus inimigos deviam tomar-se impotentes para repetir a agressão de 1914. Se um sistema de paz permanente pudesse ser estabelecido, essa atividade de desconfiança seria talvez abandonada. Mas até que pudessem confiar na eficácia de um sistema de segurança coletiva, no qual um Estado ameaçado pelos seus vizinhos pudesse contar com a proteção de outros Estados, as nações acharam que deveriam continuar confiando na sua própria superioridade de força.O resultado foi que a idéia de se resolver disputas por negociações, ao invés da força, teve na prática um êxito muito limitado. As nações vitoriosas mostravam-se relutantes em conceder quaisquer vantagens substanciais das quais seus antigos inimigos se pudessem um dia utilizar contra ela. Isto significou que a Alemanha, por sua vez, se desiludiu de toda a idéia de soluções pacíficas. Stresemann conduziu a sua política com dificuldade, contra um forte elemento nacionalista, que acreditava mais na violência que na conciliação. Quando a política de Stresemann demonstrou ser incapaz de produzir os resultados esperados, e quando, além disso, a Alemanha mergulhou com o resto do mundo na depressão de 1929, o caminho estava aplainado para a derrocada de sua política de moderação e para a volta ao ódio e à violência.
A filosofia de Hitler
O ódio e a violência levaram
Hitler ao poder. Ele simbolizava um ponto de vista inteiramente
hostil aos ideais que animavam os esforços tendentes ao
estabelecimento de uma paz permanente. Contra o conceito de uma
comunidade de nações, ele se batia por um nacionalismo fanático.
Contra a idéia do domínio do direito, ele antepunha a supremacia da
força armada. Os esforços que resultaram na criação da Liga das
Nações e assinatura do Pacto de Paris estavam baseados na crença
de que a paz não só era desejável como possível, e de que
disputas entre nações poderiam ser solucionadas por meios de
pacíficas negociações. O espírito que Hitler representava
recusava-se a admitir que os desejos da Alemanha pudessem ficar
comprometidos por concessões feitas a outras nações. Esses desejos
tornaram-se "direitos" que não poderiam ser preteridos,
que nem mesmo ficariam sujeitos a negociações, mas teriam que ser
concedidos à Alemanha - ou a conseqüência seria a guerra.
Os alemães que adotaram esse
ponto de vista, encontraram um objetivo concreto de ataque no Tratado
de Versalhes. Por esse tratado, a Alemanha perdeu uma oitava parte de
seu território de pré-guerra, inclusive terras que tinham sido suas
durante gerações, e mesmo séculos. Perdeu mais de seis milhões de
sua população, muitos alemães que assim ficaram separados da
mãe-pátria. A perda do território significou a privação de
importantes recursos, tais como carvão e ferro; e, além disso, a
perda das antigas colônias, privou a Alemanha de outras fontes de
abastecimento. Essas perdas serviram para desmantelar-lhe a
organização econômica pré-guerra, e suas probabilidades de
recompor-se ficaram gravemente dificultadas pelas reparações de
guerra que lhe foram impostas. Além disto, o tratado imprimiu-lhe
humilhações como a "mentira de culpada pela guerra",
pelas quais ela aceitou a responsabilidade pela guerra de 1914; as
restrições sobre suas forças armadas de terra e mar e a proibição
de ter uma força aérea militar; a criação de uma permanente zona
desmilitarizada em ambas as margens do Reno, nas quais nem tropas,
nem fortificações eram permitidas; e um exército aliado de
ocupação, que permaneceria em solo alemão pelo menos durante
quinze anos depois da paz.
O primeiro objetivo da
Alemanha nazista foi o de quebrar esses grilhões impostos pelo
acordo da paz. Mesmo reconhecendo a perda da Alsácia-Lorena como
definitiva, a Alemanha se recusava a aceitar indefinidamente uma
situação que deixasse sua fronteira ocidental indefesa contra uma
invasão. Na sua fronteira oriental, a Alemanha estava completamente
insatisfeita com os limites de 1919. A perda de Dantzig, o
desmembramento da Silésia, a criação do Corredor Polonês, que
separou terras alemães, tudo, enfim, era olhado como afrontas
intoleráveis aos direitos nacionais alemães. O retorno final desses
territórios tornou-se, pois, um objetivo consistente da política
exterior alemã.
Mas os objetivos de Hitler
foram muito além disto. Embora tivesse adotado tanto a atitude
militarista como as ambições pangermânicas, que existiram na
Alemanha de antes da guerra, acabou por completo com os objetivos da
diplomacia de antes da guerra. Bismarck, depois da sua vitória sobre
a França, renunciou qualquer desejo de maior extensão das
fronteiras alemães. Descrevendo a Alemanha como um "Estado
saciado", ele se concentrou na construção de alianças e de
amizades que a garantissem contra ataques. Quando os seus sucessores
iniciaram uma política expansionista, fizeram-no mais na esfera
colonial que na européia. Hitler, no Mein Kampf, manifesta o seu
desdém por ambas as políticas. Não é bastante para a Alemanha
recuperar as terras que perdeu como resultado da guerra. "A
exigência do restabelecimento das fronteiras de 1914, é uma loucura
política... As fronteiras de 1914 nada mais significam para o futuro
da nação alemã " E a seus olhos a volta das colônias, pelo
menos no momento, é igualmente sem importância. "Para a
Alemanha, a única possibilidade de realizar uma política
territorial solidamente alicerçada consiste na conquista de terras
novas na própria Europa."
Atrás dessa idéia jazem as
teorias raciais e nacionalistas de Hitler: raça como fundamento de
todo o progresso humano, e pureza de sangue como fundamento da raça.
"O povo não perece por perder guerras, mas pela perda daquela
força de resistência, que é contida apenas no sangue puro." A
raça mais alta, a criadora exclusiva da cultura moderna, é a ariana
ou nórdica, que se corporifica da maneira mais pura nos alemães. É
dever sagrado dos germânicos manter essa pureza e assegurar a sua
supremacia sobre as raças inferiores que os rodeiam.
E o dever fundamental dessa
raça superior, não é somente o de sobreviva, mas também o de
expandir-se. O Estado "deve garantir à raça que ela cumpre uma
finalidade sobre este planeta". A Alemanha tem que possuir toda
a terra que for necessária para que o seu povo tenha conforto e
segurança. "O direito à terra e solo pode ser mudado para
dever, uma vez que sem extensão de solo, uma grande nação se veja
condenada à ruína." isso se aplica não somente à atual
população da Alemanha, mas ao seu crescimento futuro. "Hoje
somos 80 milhões de alemães na Europa. Mas a justeza desta política
externa não ficará estabelecida, senão quando dentro de um simples
século 250 milhões de alemães estejam vivendo neste continente."
Esta é a doutrina que se
resume na frase "sangue e solo". Envolve ela a determinação
de reunir todos os alemães num só Estado, e a de adquirir terra
bastante para lhes prestar apoio de acordo com o valor de sua
superioridade racial. "Sem dúvida, tal política territorial
não pode achar por exemplo a sua finalidade cumprida no Camerum, mas
sim quase que exclusivamente na Europa". Mas onde na Europa pode
a Alemanha encontrar terras para a expansão de sua população?
Somente naquela grande planura setentrional que se estende para o
leste das fronteiras alemães. "Falando de terras na Europa,
hoje em dia apenas podemos referir-nos em primeira instância à
Rússia e aos Estados fronteiriços sob a sua influência. Eles
parecem ser o caminho que o destino nos aponta". E os povos
inferiores que já vivem nessas terras, não têm direito algum que
prevaleça contra as necessidades do alemão superior. Como já o
expressou grosseiramente Alfred Rosenberg: "A honra racial exige
território, e território bastante. Numa luta assim não pode haver
consideração por vis poloneses, tchecos, etc. O terreno tem de ser
limpo para os camponeses alemães".
Um programa desse modo
revolucionário, não deixa claramente lugar para métodos de
moderação. Stresemann, com suas limitadas aspirações, pôde ter
esperança em ser afinal atendido por meio de negociações
pacíficas. Hitler não podia esperar tal coisa e, de fato, não teve
desejo algum de adotar esse meio. Ele o repudiou deliberadamente em
favor de uma solução pela força. "A reconquista de
territórios perdidos" - diz ele no Mein Kampf "não pode
ser obtida com solenes apelos a Deus todo-poderoso, ou por meio de
piedosas esperanças numa Liga das Nações, mas apenas pela força
armada". E, de fato, este método é não somente necessário,
mas admirável. "Aqueles que querem viver devem lutar, e os que
não quiserem combater neste mundo de eternas lutas, não merecem
viver... Nas guerras eternas, tornou-se grande a humanidade - na paz
eterna, a humanidade se arruinaria".
A Alemanha e o desarmamento
A qualquer um que percebeu o
significado desse programa, deve ter ficado claro que a Alemanha de
Hitler precisava ser tratada de um modo muito diferente do da
Alemanha de Stresemann. Contudo, a despeito de seu interesse pela
ascenção de Hitler, as potências demonstraram pouca compreensão
da natureza fundamental da metamorfose que assim teve lugar, não
somente na Alemanha, mas também na situação internacional. Elas
estavam talvez menos dispostas que nunca a fazer concessões de
grande alcance que pudessem enfraquecer a sua presente situação de
segurança; mas o método do gradual ajuste pela negociação, foi
ainda o que tentaram aplicar nas suas relações com o novo regime.
E, de fato, a despeito da
crescente impaciência da Alemanha, esse método lhes trouxe já
importantes benefícios. O mais notável foi a solução da questão
das reparações. Haviam sido feitos esforços para modificar e
regularizar suas dificuldades econômicas por meio do Plano Dawes de
1924 e do Plano Young de 1929; e quando o último destes planos
fracassou como resultado da depressão, ficou finalmente claro que
toda a política de reparações se tornara impraticável. Ela foi
abandonada em conseqüência da conferência de Lausanne de 1932;
embora certas reivindicações fossem pró-forma mantidas e apesar de
uma tentativa ter sido feita para encadear a resolução com o
problema do débito da guerra, a resolução significou para todos os
efeitos que o problema das reparações chegara a um fim.
Outro terreno em que a
Alemanha obteve uma vantagem importante, se bem que muito mais
limitada, foi o do desarmamento. As nações vitoriosas se colocaram
na obrigação moral de tomar medidas reais nesse terreno. O Covenant
da Liga asseverava que isso era necessário para a manutenção da
paz. A cláusula do Tratado de Versalhes que impôs o desarmamento à
Alemanha, afirmou que isto foi feito "com a finalidade de tornar
possível a iniciativa de uma limitação geral dos armamentos de
todas as nações." Numa nota à Alemanha a respeito dessa
cláusula, os aliados tinham dito:
As potências aliadas e
associadas desejam tornar claro, que as suas exigências em relação
ao armamento alemão, não foram feitas unicamente com o objetivo de
tornar impossível à Alemanha retomar a sua política de agressão
militar. Elas também representam os primeiros passos para a redução
e limitação dos armamentos, o que constituiria um dos mais
frutíferos preventivos da guerra e cuja realização deverá ser um
dos primeiros deveres da Liga das Nações.
Quando, pois, se reuniu a
primeira conferência do desarmamento, em fevereiro de 1932, a
Alemanha achou que tinha o direito de exigir que essa promessa fosse
cumprida, ou que a Alemanha fosse libertada das limitações que lhe
tinham sido impostas. Ficou demonstrado ser difícil a adoção do
primeiro caso, e a França em particular mostrou-se relutante em
aceitar o segundo. Apesar de tudo, um acordo foi conseguido a 11 de
dezembro de 1932 - acordo por meio do qual a Inglaterra, a França e
a Itália concordavam com o princípio de "igualdade de
direitos, num sistema que daria segurança a todas as nações".
O passo foi dado somente depois que a Alemanha se retirou da
conferência de desarmamento, e a efetiva aplicação do princípio
foi passível de nova dilação. Mas a própria aceitação do
princípio, foi uma concessão muito real. Não mais foi possível
resistir-se indefinidamente às reivindicações da Alemanha neste
terreno.
Cedo tornou-se aparente,
entretanto, que Hitler tinha pouca intenção de aguardar o lento
progresso das negociações - se é que tinha mesmo algum desejo de
obter um acordo negociado. Pelo mês de março de 1933, seus desafios
tinham ido tão longe que a Grã-Bretanha se viu compelida a
apresentar uma série inteiramente nova de propostas, numa tentativa
para solver o impasse. A 13 de maio, um discurso do vice-chanceler
von Papen, fez com que o mundo aguardasse com alarme, em suspense, a
mensagem que Hitler devia dirigir ao Reichstag quatro dias mais
tarde. Um apelo direto do presidente Roosevelt, teve o efeito de
moderar a linguagem de Hitler, mas não a sua atitude fundamental. Já
ele estava pondo em jogo as táticas que se iriam tornar familiares,
que consistiam na apresentação de propostas aparentemente razoáveis
e, em seguida, na fuga a qualquer negociação efetiva pela rejeição
de tudo que pudesse significar uma garantia de sua boa fé. O clímax
sobreveio a 14 de outubro de 1933. Na manhã desse dia, tinha sido
discutida em Genebra uma nova proposta britânica que considerava um
gradual desarmamento geral, sob a condição da Alemanha abster-se do
rearmamento durante o intervalo necessário à realização da
iniciativa. À tarde desse mesmo dia, Berlim anunciou a retirada da
Alemanha, não somente da conferência, mas também da Liga das
Nações. Foi o sinal de que Hitler tinha abandonado toda az
pretensão de uma ação coletiva em favor do desafio, baseado na
força.
Duas outras tentativas de
manter a Alemanha associada aos esforços conjuntos desenvolvidos
pelas outras potências, tinham fracassado nesse ínterim. Em junho,
uma Conferência Econômica Mundial teve lugar em Londres. Em agosto,
ela foi protelada numa atmosfera de desapontamento e desilusões. Mas
no decorrer da conferência, a Alemanha tinha revelado a idéia que
fazia das soluções econômicas, num memorando em que exigia a
devolução das colônias alemães e a liberdade de agir à vontade
contra a Rússia. Em julho, realizou-se em Roma uma conferência e
nela Mussolini buscou um acordo que aplainaria o caminho do desejo
mútuo da Alemanha e da Itália de revisar o tratado de paz, com o
apoio benevolente da Grã-Bretanha a sobrepor-se à oposição da
França. Mas a idéia somente conduziu a um Pacto das Quatro
Potências, pacto tão inútil que nenhuma delas se deu sequer ao
trabalho de o ratificar. Pelo mês de outubro, a Alemanha estava
convencida de que, no momento, iria mais longe, caminhando sozinha.
A Alemanha se rearma
A despeito da gravidade da
situação, o governo britânico preferiu manter-se otimista.
Recusou-se a admitir que a brecha fosse permanente ou que os métodos
de conciliação fossem daí por diante igualmente ineficazes. "A
Alemanha não é objeto de imposições" - disse Sir John Simon.
"Ela é parte numa discussão... Saudamos as garantias de Herr
Hitler de que o único desejo da Alemanha é a paz e de que ela não
tem intenções agressivas". A Grã-Bretanha, portanto, assumiu
o papel de mediadora, numa tentativa de afastar as dificuldades,
particularmente as existentes entre a França e a Alemanha. "A
questão política central" - como disse Sir John Simon - "é
como conciliar a exigência alemã de igualdade com o desejo de
segurança da França." Para esse fim a Grã-Bretanha encorajou
ativamente negociações diretas entre os dois Estados, baseadas na
aceitação de uma medida limitada e controlada de rearmamento a
favor da Alemanha.
Nada resultou desses esforços.
A França estava determinada a encarar o rearmamento alemão como um
perigo. A Alemanha por sua vez acompanhava suas ofertas com condições
que pareciam anular limitações efetivas. Em tais circunstâncias, a
França ficou mais determinada que nunca a tornar sua segurança
absolutamente certa antes que se visse diante de uma Alemanha
rearmada e agressiva; e em 1934 o primeiro ministro francês,
Barthou, efetuou ativos esforços com essa finalidade.
O resultado foi o projeto de
um Locarno oriental. A crescente preocupação da Rússia com o
crescimento da Alemanha Nazista fê-la cada vez mais desejosa de
tomar parte nos esforços em favor do estabelecimento de segurança
coletiva. A profissão de fé hitleriana de pacíficas intenções
deu uma oportunidade para a apresentação do novo projeto como uma
prova de sua sinceridade. A França pode ter se mostrado céptica
sobre o resultado, mas a Grã-Bretanha estava ansiosa por não deixar
de tentar todos os esforços. Enquanto ela própria não estava
disposta a aceitar novas incumbências, deu sua benévola aprovação
à idéia de um pacto de mútuas garantias entre a Alemanha e suas
vizinhas orientais, inclusive a Rússia, e a um complementar tratado
de garantias entre a Rússia e a França, tratado a que a Alemanha
teria uma oportunidade de se associar e o qual seria um elo com
Locarno e o Covenant. Mas toda a esperança numa realização
compreensiva desses planos desfez-se a 10 de setembro de 1934, quando
uma nota alemã estabeleceu tantas condições para a discussão da
proposta, que elas praticamente tiveram o significado de uma rejeição
imediata.
Entrementes, multiplicaram-se
os sinais da intenção alemã de levar a sua política agressiva ao
limite máximo que permitisse o seu estado de relativa fraqueza. O
fato de que, a despeito das limitações impostas pelos tratados, ela
já começara a rearmar-se, foi revelado pelo orçamento alemão de
março de 1934. Ao mesmo tempo, um discurso de Hitler acentuando os
tópicos provocadores da mudança de fronteiras e da unidade racial
fez crescer o alarme tanto na França como nos pequenos Estados
fronteiriços à Alemanha. Não tardou muito que fatos concretos
viessem aumentar essa sensação de perigo. A campanha alemã no
Sarre, onde se realizou um plebiscito em janeiro de 1935, foi
caracterizada pelas táticas nazistas de fanfarronice e ameaça; e,
embora a votação que devolveu aquela área à Alemanha tivesse
significado a solução pacífica do que poderia ter sido um problema
perigoso, ela não foi, talvez, senão um infeliz encorajamento dos
métodos e aspirações nazistas. A pressão nazista sobre Dantzig
tornou-se fator seriamente inquietante. A agitação nazista em torno
do Memel avolumou-se quase até o perigo de um ataque à Lituânia.
Mais sérias que todas, as provocações nazistas na Áustria
conduziram em julho de 1934 ao assassínio do chanceler Dollfuss e à
perspectiva de uma invasão alemã. Não constituiu surpresa o fato
de que durante esse ano os pequenos Estados começaram a esquecer
suas diferenças e a reunir-se com o fim de proteger-se mutuamente. A
formação de um pacto balcânico em fevereiro e de um pacto báltico
em setembro e - mais notável ainda - a corrida tardia dessas
pequenas nações para o reconhecimento da União Soviética,
mostraram como sentiram o vento que estava soprando.
O governo britânico, contudo,
continuava a esperar o melhor, e o retorno do Sarre à Alemanha
parecia apresentar uma oportunidade para novos esforços. Hitler, ao
tempo de sua retirada da Liga, tinha asseverado que o Sarre
representava a única exigência territorial alemã à França.
"Quando o território do Sarre tiver sido restituído à
Alemanha, somente um louco poderá considerar a possibilidade de uma
guerra entre os dois Estados." Sendo Hitler sincero, não
parecia haver razões para que um acordo não fosse conseguido.
De conformidade com isto, e
como resultado de uma reunião em Londres, a França e a Grã-Bretanha
apresentaram uma série de propostas a 3 de fevereiro de 1935. Elas
propuseram "uma geral convenção livremente negociada entre a
Alemanha e as outras potências", a qual envolvia a remoção
das restrições em torno do rearmamento alemão, em troca da volta
da Alemanha à Liga das Nações e o abandono de sua parte de todas
as intenções agressivas por meio da participação numa série de
tratados de não-agressão e de assistência mútua.
A formal resposta alemã foi,
como de costume, plausível e especiosa. Expressando um desejo
sincero de "promover a salvaguarda da paz", ela se mostrou
a favor de pactos bilaterais, como preferíveis a um tratado geral.
Mas a verdadeira resposta alemã foi dada na forma de uma ação que
mostrou a diferença entre as palavras e as ações. A 10 de março,
o general Goering anunciou que a Alemanha já tinha, em violação ao
tratado, criado uma força aérea militar. E a 16 de março, enquanto
Sir John Simon esperava ir dentro de poucos dias a Berlim para
discutir as recentes propostas, um decreto alemão anunciou a
restauração do alistamento obrigatório e a criação de um
exército de cerca de 550.000 homens.
Política conciliatória
britânica
O resultado mostrou o sucesso
daquela política de passo-a-passo que era o alicerce da tática
hitleriana. "Um hábil conquistador" - tinha Hitler escrito
no Mein Kampf - "imporá sempre que possível as suas exigências
ao conquistado por meio de fatos consumados. Porque a rendição
voluntária mina o caráter de um povo; e com um povo assim pode-se
calcular que nenhuma dessas opressões em detalhe fornecerá razões
bastantes para que torne a recorrer às armas." Aplicando este
princípio, ele o ampliou pelos constantes esforços para dividir e
isolar seus adversários, e uma tentativa para desarmá-los depois de
cada golpe de violência que era apresentado como a última das ações
dessa natureza. A oferta de uma base aparente para a paz futura.
Cedo tornou-se visível que
neste caso não havia perigo algum de um recurso à guerra. Embora a
Grã-Bretanha protestasse, ela não se uniria à França na
consideração da possibilidade de medidas punitivas. A Grã-Bretanha,
a França e a Itália se reuniram em Stresa em abril para condenar a
ação alemã - condenação ecoada uma semana mais tarde pela Liga
das Nações. A Alemanha não teve obstáculos; e os acontecimentos
que se seguiram poderiam, sob certos aspectos, sugerir que a Alemanha
estava no caminho de ainda outros avanços como resultado de seu
provocante recurso à política da força.
Porque, afinal de contas,
impunha-se a pergunta: agora que a Alemanha tem armas, de que modo
provavelmente vai usá-las? Todos os que acreditavam em que os
verdadeiros propósitos de Hitler estavam expressos no Mein Kampf,
viram-se obrigados a prever que uma Alemanha rearmada seguiria uma
política de agressão baseada na força. Mas à linguagem do livro
poder-se-ia contrapor as expressões de devoção à paz tão
freqüentes nos discursos de Hitler. A despeito de uma série de
ações que poderiam parecer curiosamente em desacordo com essa
aspiração, uma parte da opinião britânica mostrou-se fortemente
inclinada a aceitar a palavra de Hitler e desenvolver esforços, até
agora fúteis, para o encontro de uma base permanente de concórdia.
Em conseqüência, apenas nove
dias depois que a Alemanha anunciou o seu rearmamento, Sir John Simon
e Mr. Antony Eden visitaram Berlim e conferenciaram com Hitler e seus
oficiais. Embora tivesse sido anunciado depois do encontro que "as
aspirações dos dois governos são assegurar e reforçar a paz
européia promovendo a cooperação internacional", nenhum
resultado específico foi conseguido; e a alegada amistosidade das
conversações não impediu a Grã-Bretanha de unir-se à censura à
Alemanha em Stresa e Genebra. Mas em maio uma nova oportunidade
surgiu para explorar ainda mais as perspectivas de conciliação.
Essa oportunidade se
apresentou quando do discurso de Hitler perante o Reichstag, a 21 de
maio de 1935. Uma vez mais, ele negou quaisquer propósitos
agressivos e insistiu em que uma Alemanha forte e satisfeita seria
uma contribuição à paz européia. E ainda mais, subordinou a
política alemã a treze pontos que pareciam adequados para oferecer
uma base real a um acordo construtivo. Reiterando sua exigência por
uma real eqüidade, Hitler lhe acrescentou a promessa implícita de
voltar à Liga se esta fosse separada do Tratado. Prometeu respeitar
para o futuro não somente as cláusulas territoriais de Versalhes,
mas todos os tratados voluntariamente firmados; e foi tornado claro
que isso envolvia a aceitação da zona desmilitarizada ao longo do
Reno. Renovou a oferta de concluir pactos de não-agressão com os
vizinhos da Alemanha, e aduziu a isto ofertas de um pacto aéreo
suplementar ao de Locarno, aceitação de um esquema justo e prático
para a limitação dos armamentos e "um arranjo internacional
que evitará de um modo efetivo e tornará impossíveis todas as
tentativas de interferência externa nos negócios de outros
Estados".
Essas ofertas, encorajadoras
ao primeiro relance, mostraram-se notavelmente artificiosas mal foram
feitas tentativas para transformá-las em realidade. A idéia de um
pacto aéreo jamais passou de uma troca de pontos de vista; e um
questionário britânico tendente a obter uma explanação mais
precisa das idéias de Hitler encontrou contínua escapatória. Um
acordo se seguiu rapidamente, mas este dificilmente podia ser
encarado como um obstáculo aos progressos de Hitler ou contribuição
à segurança coletiva.
Este foi o acordo naval
anglo-germânico. Durante a visita de Sir John Simon, Hitler tinha
apresentado suas exigências por uma igualdade com a França no ar, e
por uma armada igual a 35% da marinha britânica. Estas exigências
foram repetidas em seu discurso de 21 de maio. A Grã-Bretanha não
teve esperança alguma de fazer a França concordar com a igualdade
aérea alemã, mas ela também teve em vista o fato de ter a Alemanha
criado uma força aérea eficiente a despeito de todas as objeções.
Ficou convencida de que a Alemanha iria rearmar-se; faltava apenas
saber se o rearmamento seria limitado por um acordo definitivo ou
livremente realizado sem nenhuma restrição efetiva. A Grã-Bretanha,
portanto, decidiu-se a negociar em torno da questão naval; e sua
decisão foi reforçada quando recebeu a informação de que em
abril, já haviam sido dadas ordens para a construção de doze
submarinos alemães, cujas partes tinham sido manufaturadas no
inverno anterior. O resultado foi o tratado naval anglo-germânico de
18 de junho de 1935. A Alemanha não só obteve o direito de
construir uma força naval igual a 35% da britânica; ela também se
reservou o direito de igualdade em submarinos, sob a condição de
que, no presente, não fosse além de 45 por cento.
"Consideramos este
acordo" - disse o Primeiro Lord do Almirantado ao público
britânico - "essencialmente como uma contribuição à paz
mundial... Temos de lidar com o problema essencialmente prático de
que a Alemanha já está construindo uma frota que está fora dos
limites assentados no Tratado de Versalhes; o que fizemos foi, por
acordo com a Alemanha, circunscrever os efeitos que pudessem decorrer
dessa decisão unilateral". Nem todos ficaram satisfeitos com
esta explicação. O povo britânico, recordando-se dos estragos
produzidos pelos submarinos durante a guerra de 1914, sentiu-se
chocado por ver essa arma devolvida à Alemanha. A França, por sua
vez, achou-se ultrajada pela aceitação dessa nova violação de
tratado pela Alemanha, aceitação registrada sem consulta à França
e em menos de dois meses depois da adesão da Grã-Bretanha à
condenação da Alemanha em Stresa. Estas reações, e o fato da
Grã-Bretanha ter-se resolvido a arrostá-las, foram uma demonstração
do desejo de encontrar uma base ajustada e estável para as relações
com a Alemanha, mesmo ao preço das mais graves concessões.
Locarno e Renânia
A maneira da França abordar o
problema foi completamente diferente. Desde o fim da guerra a França
tinha estado receosa do restabelecimento militar alemão e resolvida
a pôr-se em guarda contra tal fato. Falhando nos esforços para
obter uma garantia militar da Grã-Bretanha, ela se lançou a
alianças com os pequenos Estados da Europa oriental, os quais também
careciam de proteção contra os desejos das potências derrotadas de
recuperar os territórios perdidos. Estas ligações de certa maneira
enfraqueceram quando a França pareceu não desejosa ou incapaz de
oferecer oposição efetiva durante o período inicial do governo de
Hitler. Pelo verão de 1934, entretanto, a França estava fazendo
novos esforços, não somente para fortalecer amizades existentes
como para atrair-lhes também a Rússia. A Grã-Bretanha, resolvida a
evitar a divisão da Europa em dois campos hostis iguais aos que
existiram antes de 1914, insistiu em que o tratado deveria ajustar-se
à estrutura do Covenant da Liga e apresentar-se à Alemanha em
termos de igualdade. Por meio de interpretações extremamente
engenhosas, essas condições foram triunfalmente obtidas. A 2 de
maio de 1935, foi assinado um tratado, pelo qual a França e a Rússia
prometeram apoio mútuo contra a agressão, em termos especificamente
vinculados ao Covenant e compatíveis com a participação alemã.
Mas a Alemanha de jeito nenhum
ficou abrandada com esse convênio. A sua objeção de que o tratado
foi na realidade dirigido contra si podia constituir um
reconhecimento implícito de intenções agressivas, mas apesar de
tudo, não foi molestada por isto. Até então seus progressos tinham
sido feitos com êxito em relação à França e à Inglaterra.
Agora, tinha de levar em conta a Rússia; e se as suas atividades
provocassem guerra, seria uma guerra em duas frentes, igual a que
Bismarck sempre procurou evitar e igual à precipitada pelos seus
mais ineptos sucessores em 1914.
A par disto, houve um fator
altamente emocional. Hitler e o movimento nazista eram os inimigos
declarados e mortais do bolchevismo. As páginas do Mein Kampf estão
prenhes de diatribes contra os comunistas e de ataques aos dirigentes
da Rússia como "comuns criminosos tintos de sangue, a escória
da humanidade." O espetáculo da França procurando a ajuda dos
Sovietes foi apenas menos chocante que a compreensão de que os
Sovietes agora tinham a garantia da ajuda da França.
O primeiro passo de Hitler em
resposta foi de uma simplicidade impudente. Acusou a França do
rompimento de um tratado. Num memorando de 29 de maio de 1935, o
governo alemão expressou a opinião de que qualquer ação militar
baseada no pacto franco-soviético seria "uma flagrante violação
do Tratado de Locarno". Se o problema se tivesse limitado à
discussão de um princípio, teria sido apenas mais um exemplo
divertido de Satanás censurando o pecado. Mas esta reivindicação
trazia consigo uma conseqüência prática de vital importância
tanto para a França como para a Alemanha.
Pelo Tratado de Versalhes, a
Alemanha estava proibida de construir fortificações ou de manter
forças armadas na Renânia ou numa faixa de 50 quilômetros a leste
do Reno. A despeito do rearmamento e conscrição, a fronteira
ocidental da Alemanha estava, assim, aberta à invasão francesa. Com
a entrada da Rússia no quadro, este apresentava um perigo mais grave
que nunca. Se a Alemanha quisesse ter um caminho livre para o leste,
teria, a todo o custo, que barrar o caminho aberto a oeste.
Já foi tornado claro que a
Alemanha não teve escrúpulo algum em violar o Tratado de Versalhes.
Mas a zona desmilitarizada estava garantida pelo Tratado de Locarno -
o tratado que Hitler, a 21 de maio, tinha prometido respeitar. Se,
contudo, a França realmente tivesse rompido o Tratado de Locarno,
Hitler poderia sentir-se livre de seus compromissos. Este foi o ponto
de vista que ele resolveu não somente adotar, mas agir sobre essa
base. A 7 de março de 1936, tropas alemãs marcharam sobre a
Renânia, numa demonstração designada como ocupação "simbólica"
- simbólica, com a duração de uma semana, com a participação de
90.000 homens.
O estado-maior alemão
tinha-se oposto ao movimento, convicto de que dessa vez a França
lutaria. O estado-maior francês queria a luta. Mas Hitler ao
escolher essa oportunidade fizera-o com característica astúcia. A
França e a Grã-Bretanha já estavam envolvidas na situação criada
pela invasão da Etiópia e a adoção por parte da Liga de sanções
contra a Itália. Um voto impondo sanções de petróleo, que a
Grã-Bretanha estava advogando, podia conduzir à guerra. Sob as
circunstâncias era improvável que a Itália, embora um dos
garantidores de Locarno, - entrasse em ação contra a Alemanha. O
outro garantidor, a Grã-Bretanha, sofria a pressão da França por
promessas de ação, mas mostrava uma aversão arraigada a
comprometer-se. E a França estava envolta no turbilhão político
precedente a uma eleição que enfraquecia as mãos de seu governo
para negócios estrangeiros.
Assim, Hitler jogou e ganhou.
A Itália não agiu. A Grã-Bretanha associou-se a um apelo francês
à Liga, e aprovou a oferta francesa de submeter a questão da
validade do Locarno à corte de Haia, mas se recusou a considerar uma
ação militar ou a solicitar à Liga uma ação contra a Alemanha. A
usual oferta alemã de uma nova base de paz, incluindo uma série de
pactos de não-agressão, pode ter contribuído para essa moderação.
Indubitavelmente a Grã-Bretanha estava menos impressionada que em
ocasiões anteriores. O discurso de Hitler a 24 de março mostrou
quão pouco um documento assinado poderia fazê-lo respeitar
compromissos. "Se o resto do mundo se cinje à letra de
tratados, eu me cinjo a uma eterna moralidade. Eu, como representante
do povo alemão, devo assegurar à nação o direito de viver e de
salvaguardar sua honra, liberdade e interesses vitais."
Expressando "alguma dúvida em torno da concepção mantida pelo
governo alemão sobre a base em que os futuros entendimentos fossem
fundados", Mr. Eden dirigiu àquele governo um questionário em
que solicitava explicações precisas sobre os vários pontos de
Hitler, demonstrando ao mesmo tempo que as negociações por um
tratado seriam inúteis "se uma das partes doravante se sentisse
livre para negar suas obrigações sob o fundamento de que ela, na
ocasião, não estava em condições de concluir um tratado a cujo
cumprimento se obrigara". Não surpreende o fato da Alemanha,
depois de procurar uma resposta evasiva a essas perguntas
desastradas, ter-se decidido em suma a deixar de responder. A
despeito disto, a Grã-Bretanha ainda prosseguiu nos esforços para
chegar a alguma base de entendimentos.
A Grã-Bretanha garante a
França
Mas justamente com esses
esforços desenvolveu-se uma ocorrência de grande importância. A
Grã-Bretanha não reconheceu que o Tratado de Locarno se tivesse
invalidado. Se a Alemanha repudiou o tratado, é porque naturalmente
não podia obter vantagens dele. As garantias à França e à
Bélgica, contudo, ainda permaneciam de pé, e sua importância tinha
aumentado. A 19 de março, a Grã-Bretanha prometeu assistência à
Bélgica e à França no caso de agressão não provocada e inaugurou
conversações militares entre os estados-maiores. Mas, enquanto que
pelo tratado de Locarno não havia a obrigação para a França de
auxiliar a Grã-Bretanha se esta fosse atacada, a nova adaptação,
que alcançou uma base precisa pelos fins de novembro, tornou essa
obrigação recíproca. Com efeito, a ação alemã tinha
transformado o Locarno de uma garantia de que a Alemanha participava
numa aliança contra ela - numa aliança que a França em vão
procurou obter mesmo desde 1919. Em julho de 1934, como uma das
conseqüências do assassínio de Dollfuss, Mr. Baldwin tinha
asseverado que a fronteira da Grã-Bretanha estava no Reno. A
ocupação alemã da Renânia, seguida como foi do prolongamento do
serviço militar para dois anos e da inauguração de um Plano
Quatrienal nas linhas de uma economia de guerra, fez agora a
Grã-Bretanha reconhecer que ela devia ter-se postado com todas as
suas forças atrás dessa linha.
Assim foi inaugurada a
política dual que mais tarde foi definida por Lord Halifax. "Nossa
primeira resolução é impedir a agressão. No momento, a doutrina
da força barra o caminho a um acordo. Mas se a doutrina da força
fosse abandonada, todas as questões relevantes seriam facilmente
solvíveis. A política britânica descansa sobre um duplo alicerce
de propósitos. Um deles é a nossa determinação de resistir à
força. O outro é o reconhecimento de nossa parte do desejo do mundo
de prosseguir na obra construtiva da paz". As conversações
militares foram a expressão do primeiro propósito. O segundo foi
corporificado nas tentativas britânicas de obter uma conferência em
que um novo Locarno ficasse estabelecido - tentativas que finalmente
ruíram como um resultado da guerra civil espanhola.
O Eixo Roma-Berlim
O significado vital da luta na
Espanha foi vividamente resumido num memorando escrito pelo capitão
Liddell Hart ao ministério da Guerra da Grã-Bretanha, em março de
1938. "As pessoas que falam em evitar outra Grande Guerra"
- asseverou ele - "já estão vinte meses atrasadas. A segunda
Grande Guerra do século XX começou em julho de 1936... A
assistência direta que a Itália deu com a força aérea e a
assistência indireta que a Alemanha deu com a força naval,
transportando as tropas de Franco da África para a Espanha; foram as
primeiras operações da guerra atual... Que nós, neste país,
deixamos de ver essa "guerra em progresso" é devido ao
fato de ainda estarmos pensando politicamente, enquanto os Estados
ditatoriais pensam militarmente".
Fosse qual fosse a base de seu
pensar, havia um pensamento grave e dominante na mente dos governos
britânico e francês: o pensamento de evitar que a guerra espanhola
se alastrasse e envolvesse a Europa. Com este propósito, eles
advogaram uma política generalizada de não-intervenção. Era uma
política admirável na teoria, mas o seu valor prático foi anulado
pela formal recusa da Alemanha e da Itália de cumprir suas
promessas. Procurando salvaguardar a paz, as democracias abstinham-se
de agir, enquanto os ditadores mandavam homens e material para a
Espanha. A política evitou uma guerra aberta, mas encurtou em muito
o caminho para o conflito final, pois que a cooperação de Hitler e
Mussolini conduziu ao eixo Roma-Berlim e pôs um fim ao isolamento
alemão.
Uma aliança entre a Alemanha
e a Itália é um dos objetivos essenciais contidos no Mein Kampf.
Durante três anos, as suspeitas italianas quanto às intenções
alemães na Áustria estiveram no caminho. Mas pelo ano de 1936, a
Itália desviou sua atenção do Danúbio e concentrou-se no
Mediterrâneo. Os acontecimentos haviam mostrado quão úteis essas
duas potências podiam ser uma à outra. A recusa alemã de
participar das sanções contra a Itália diminuiu grandemente a
eficiência dessas sanções. A ação alemã na Renânia impediu a
continuação e endurecimento das sanções, fato que poderia ter
tido as mais sérias conseqüências. A Alemanha, por sua vez, tinha
dado uma clara ilustração da utilidade da Itália como freio da
Grã-Bretanha e da França. E agora os dois Estados estavam lutando
lado a lado para esmagar o governo republicano da Espanha. E entre o
entendimento a respeito da Espanha e a colaboração num âmbito
europeu, ia apenas um passo.
E, de fato, no começo de
1936, haviam sido tomadas medidas nesse sentido. As visitas dos
representantes oficiais começaram em março, e, em julho, foram
assinados acordos sobre comércio e aviação. Em julho chegaram a um
acordo sobre a Áustria. O reconhecimento alemão da conquista da
Etiópia foi um gesto amigável e bem recebido. A 25 de outubro, foi
assinado um acordo que estabelecia a unidade de esforços na esfera
diplomática e a cooperação na Espanha e no Danúbio. A 1o
de novembro, em Milão, Mussolini proclamou a aproximação como "um
eixo em torno do qual todos os Estados europeus animados pelo desejo
da paz podem colaborar".
A conseqüência imediata
dessa colaboração foi o desaparecimento da Áustria.
A anexação da Áustria
A ascensão de Hitler ao poder
fizera declinar o entusiasmo austríaco por uma união com a
Alemanha, mas aumentara a pressão nazista sobre a Áustria, tanto no
interior como no exterior. Já em maio de 1933, correram boatos sobre
um possível golpe nazista. As organizações nazistas andavam ativas
dentro do país; através da fronteira vinha uma torrente contínua
de rádio-propaganda e injúrias; importante fonte de renda foi
aniquilada com a taxação em mil marcos dos "vistos" aos
turistas alemães que se destinavam à Áustria; uma "Legião
Austríaca" de refugiados nazistas foi formada em solo alemão.
A Áustria logo sentiu a necessidade de uma proteção substancial
contra a sua agressiva vizinha.
Pelo ano de 1934, os apelos do
chanceler Dollfuss causaram alguma impressão entre as potências. A
17 de fevereiro, a França, Itália e Grã-Bretanha anunciaram terem
chegado a um "comum ponto de vista quanto à necessidade de
manter-se a independência e integridade da Áustria, em conformidade
com os seus tratados pertinentes ao caso." Mas era preciso algo
mais que a manifestação de pontos de vista. Em março, uma série
de acordos entre a Áustria, Hungria e Itália, materializados no
protocolo romano de colaboração econômica e política, mostrou que
Dollfuss se tinha lançado nos braços de Mussolini.
Os protocolos deixaram de
salvar o próprio Dollfuss, mas, provavelmente para o momento,
salvaram a Áustria. Em julho, uma tentativa de levante nazista
resultou no assassínio de Dollfuss, mas fracassou na deposição do
governo; e a pronta concentração de tropas italianas na fronteira
foi uma advertência eficaz a Hitler para que não interferisse. O
acontecimento de algum modo aumentou a preocupação da França e da
Grã-Bretanha pela liberdade austríaca. A 27 de setembro estas duas
potências e a Itália reafirmaram a sua declaração do mês de
fevereiro anterior. Em janeiro de 1935, a França e a Itália
prometeram consultar-se no caso de ameaça à independência
austríaca. A 3 de fevereiro, a Grã-Bretanha concordou com unir-se a
tais consultas. O compromisso foi reafirmado em Stresa, em abril. E
em março de 1936, a reafirmação dos protocolos de Roma pareceu uma
garantia do apoio de Mussolini.
Na verdade, entretanto, a
desabrochante amizade entre Hitler e Mussolini já tinha amortecido
os zelos deste com relação à independência austríaca. Mussolini
estava agora ansioso por ver a Áustria em paz com a Alemanha, mesmo
que fosse ao preço de concessões. Em conseqüência, o chanceler
Schusschnigg, que sucedeu a Dollfuss, sentiu-se na obrigação de
concluir o acordo austro-alemão de 11 de julho de 1936. Neste,
Hitler reconheceu "a plena soberania do Estado Federal
Austríaco"; mas a vaga promessa da Áustria de, em troca,
reconhecer que era um Estado germânico, e agir nessa conformidade,
encerrou possibilidades suficientemente alarmantes para aqueles que
confiavam na continuação de sua independência.
Também aqui havia a questão
de até onde as promessas de Hitler mereciam crédito. Na primavera
de 1933 ele dissera que não nutria o pensamento de invadir país
algum. No seu discurso de 21 de maio de 1935, asseverara: "A
Alemanha não pretende, nem deseja interferir nos negócios internos
da Áustria, anexar a Áustria ou realizar um Anschluss." Quando
da ocupação da Renânia, ele anunciara que a luta alemã pela
igualdade estava concluída, e que "nós não temos exigências
territoriais a fazer na Europa." E ao compromisso específico à
Áustria em julho ele poderia ter acrescentado a sua garantia de 30
de janeiro de 1937 de que "já passou o período das chamadas
surpresas."
Mas contra essa resolução
apresentou-se a reiterada insistência nazista em torno da união de
todos os alemães num só Reich. Na primeira página do Mein Kampf,
Hitler tinha escrito: "A Áustria germânica deve tornar à
grande pátria alemã. . . Sangue comum pertence a um Reich comum".
O problema era portanto saber em que palavras de Hitler acreditar; se
nas faladas ou nas escritas. E neste, como na maioria dos casos, eram
as pessoas que acreditavam no Mein Kampf que estavam com a razão.
Dentro de um ano, a contar de
suas últimas garantias, Hitler se decidiu a marchar sobre a Áustria.
O general von Fritsch, chefe do exército alemão, e o barão von
Neurath, ministro das Relações Exteriores, opuseram-se a isso. Em
fevereiro de 1938, eles foram afastados, como parte do expurgo geral
nos postos mais altos. Uma vez mais, Hitler antepunha sua vontade à
opinião dos peritos que receavam que tal ato significasse a guerra.
Os acontecimentos sucederam-se
rapidamente. A 8 de fevereiro, o chanceler Schusschnigg foi convidado
para uma entrevista com Hitler em Berchtesgaden, e quatro dias mais
tarde, lá comparecia. Esperava ele poder confundir Hitler com a
apresentação de provas duma trama nazista que violou o acordo de
1936. Ao invés disto, foi submetido a críticas prenhes de ameaças.
Sob a ameaça de invasão, Schusschnigg concordou com a remoção de
restrições contra o Partido Nazista e admissão de dois
simpatizantes nazistas a postos ministeriais. Em troca, Hitler
prometeu reafirmar a independência da Áustria.
Tornou-se em breve evidente
que isto era apenas o começo. Em seu discurso de 20 de fevereiro
Hitler proclamava em altos brados sua vontade de ser o protetor de
todos os alemães, mas não assumiu nenhum compromisso específico
quanto à liberdade austríaca. Sentindo-se traído, Schusschingg
decidiu agir com coragem e firmeza. Iniciou negociações com os
dirigentes da classe trabalhadora, cujas organizações tinham sido
desfeitas nos dias sangrentos de fevereiro de 1934; e anunciou um
referendum para o dia 13 de março sobre a questão da independência
austríaca.
Essa última medida precipitou
a ação. Mussolini chamou-a de "uma arma que explodirá em
vossas mãos." Hitler estava certo de que dessa vez não haveria
tropas italianas no Passo do Brenner. Von Ribbentrop, em Londres,
assegurava ao governo britânico que Hitler não tinha intenção
alguma de atacar a Áustria. A França, como um dos resultados da
demissão do premier Chautemps, estava sem governo. Demonstrações
nazistas irromperam na Áustria. A imprensa alemã clamou contra
atrocidades austríacas. Um ultimato expedido ao meio-dia de 11 de
março exigia que fosse revogada a convocação do plebiscito. As
quatro da tarde, um segundo ultimato exigia a demissão de
Schusschnigg às sete e trinta. A rejeição de qualquer um dos dois
ultimatos significaria uma invasão alemã. Afim de evitar corresse
sangue, Schusschnigg capitulou. Um governo apressadamente formado por
chefes nazistas convidou Hitler a mandar tropas à Áustria afim de
preservar a ordem. Na manhã do dia 12, a invasão começou. No dia
13, a Áustria era formalmente anexada. No dia 14, Hitler entrou
triunfalmente em Viena, sua primeira conquista incruenta.
Bastava somente dar uma
olhadela ao mapa para se ver que a Tchecoslováquia seria a próxima.
A crise de maio de 1938
A própria existência da
Tchecoslováquia era uma afronta para certos princípios fundamentais
do credo nazista. Dentro das fronteiras desse Estado, principalmente
na zona ocidental conhecida como região dos sudetos, havia mais de
três milhões de habitantes de raça alemã, os quais, com seus
ancestrais, tinham estado ali durante séculos. Até 1919, tinham
sido súditos não da Alemanha, mas do império dos Habsburgos. Mas a
idéia da gente de sangue alemão viver sob o domínio eslavo,
desafiou as doutrinas raciais nazistas. A política de reunir todos
os alemães num só Estado devia estender-se aos sudetos.
Mas, além da voz do sangue,
havia o apelo do solo. A Tchecoslováquia apresentava-se como um
formidável obstáculo ao programa nazista de expansão para o leste.
Essa "fortaleza construída por Deus no coração da Europa",
como a chamou Bismarck, estava reforçada por obras modernas de
defesa e guarnecida por um exército bem equipado. Mais que isto, ela
estava de aliança com a França, e assim era um instrumento de
possível guerra em duas frentes. Tinha de ser isolada e esmagada,
para que ficasse livre o caminho às ambições nazistas.
Mas, acima de tudo, a
Tchecoslováquia tinha entrado em relações estreitas com a Rússia.
Um tratado, concluído ao tempo da aliança franco-soviética, previa
assistência mútua sob a condição de que também a França
cumprisse as suas obrigações. A idéia de que um pequeno Estado
vizinho tenha aceito auxílio bolchevista contribuiu para enfurecer
os nazistas. Mais e mais a Rússia estava sendo apresentada ao povo
alemão como seu inimigo mortal, e os espólios a serem ganhos da
Rússia eram acenados, sedutores, diante de seus olhos. Os atos da
reunião de Nuremberg em setembro de 1936 tinham sido compostos na
maioria de diatribes contra as Sovietes. Hitler declarara: "Se
tivéssemos os montes Urais com o seu incalculável depósito de
tesouros em matérias-primas, a Sibéria com as vastas florestas e a
Ucrânia com os tremendos campos de trigo, a Alemanha sob a direção
nacional-socialista nadaria em fartura".
Essa hostilidade ao
bolchevismo tomou forma no pacto Anti-Comintern, firmado pela
Alemanha e Japão em novembro de 1936. Embora dirigido contra a
comunismo mais que à Rússia especificamente, a sua promessa de
tomar severas medidas contra as atividades comunistas "internas
ou externas" não deixava nem um pouco de ser ameaçadora,
apesar de seu caráter vago. A Itália aderiu ao acordo em 1937; a
Espanha, Hungria e Manchukuo apuseram-lhe mais tarde as assinaturas.
Em contraste com esses aliados na luta, a Tchecoslováquia se
apresentava a Hitler como um Estado que estava sendo "usado pelo
bolchevismo como o ponto de ingresso. Não fomos nós que procuramos
um contacto com o bolchevismo, mas o bolchevismo usou esse Estado
para abrir um canal para a Europa central". Rumores de aviões e
bases russos em solo tcheco foram usados para emprestar apoio a essa
acusação. A idéia de que a Tchecoslováquia era um instrumento ao
ataque russo à Alemanha, foi facilmente estendida à crença de que
os próprios tchecos eram bolchevistas.
Quando a Áustria foi anexada,
a Alemanha dera garantias de que não tinha desígnio algum referente
à Tchecoslováquia. Tornou-se claro, pouco depois, que essa promessa
tinha mais ou menos o mesmo valor que os anteriores compromissos
nazistas. A tática já usada contra a Áustria foi novamente posta
em prática. Uma torrente de insultos foi dirigida pelas autoridades
e pela imprensa da Alemanha contra os tchecos e seus líderes.
Acusações precipitadas de atrocidades tchecas foram espalhadas pelo
rádio. Fomentou-se o descontentamento interno entre eslovacos e
alemães; e entre estes o instrumento foi o Partido alemão dos
Sudetos, chefiado por Konrad Henlein.
Esse grupo tinha conseguido
nova proeminência em conseqüência da depressão e da subida de
Hitler ao poder. De 1933 em diante, recebeu ele cada vez maior apoio
do Estado alemão. Suas exigências, contudo, na ocasião
limitavam-se a uma maior liberdade dentro da Tchecoslováquia.
Autonomia e não anexação, era a sua reivindicação oficial até
as vésperas do Munique.
A anexação da Áustria
encorajou Henlein para um novo gesto de atrevimento. A 25 de abril de
1936, o seu programa de Carlsbad continha a reivindicação da quase
completa independência para todos os alemães dentro do Estado, numa
base que os entregava praticamente à direção de Hitler. Em maio, a
organização das tropas de assalto sudetas foi outro sinal de que se
preparavam perturbações.
As potências, e
particularmente a Grã-Bretanha, estavam ainda relutantes em ir ao
encontro dos acontecimentos. Cinco dias depois da conquista da
Áustria, a Rússia propôs uma conferência em que fossem estudados
os meios de impedir nova agressão. A Grã-Bretanha considerou-a
prematura e recusou-se a assumir novos compromissos na Europa
oriental. A proposta soviética, disse Chamberlain a 24 de março,
"envolvia menos a consulta com um ponto de vista a ser assentado
do que o concertar de ação contra uma eventualidade que ainda não
se apresentara." Mas, recusando quaisquer garantias antecipadas,
ele aduziu à advertência: "Onde paz ou guerra estão em jogo,
obrigações legais não ficam envolvidas, e se a guerra rebentasse
certamente não ficaria confinada àqueles que assumiram tais
obrigações". Em outras palavras, embora a Grã-Bretanha não
prometesse adesão, também não prometeu ficar de lado.
A extensão do perigo ficou
demonstrada na crise que culminou a 21 de maio. As eleições
municipais tchecas estavam marcadas para 22 de maio. No dia 19 chegou
a notícia da concentração de onze divisões alemães na fronteira.
Aos pedidos ingleses de informações, a Alemanha respondeu que os
movimentos de tropa eram "rotina". Mas um incidente
ocorrido na fronteira e a recusa de Henlein de continuar as
negociações que haviam sido realizadas com o governo, convenceu os
tchecos de que uma invasão estava em projeto. Na sexta-feira, 21 de
maio, guarneceram suas fortificações fronteiriças e apelaram para
a Grã-Bretanha e a França. O governo francês prometeu ficar ao
lado dos tchecos. A Grã-Bretanha concordou em vir em apoio da
França. A ação francesa também atrairia a Rússia. Na
segunda-feira a crise tinha passado, com a negativa indignada da
Alemanha de que tivesse quaisquer desígnios em relação à
Tchecoslováquia, e decisão de Henlein de reabrir as negociações
com o premier Hodza.
O Pacto de Munique
Mas isso serviu apenas para
diminuir temporariamente a tensão. A questão sudeta tinha levado a
Europa à beira de uma conflagração geral. O ponto de vista
britânico exigia urgentemente uma nova tentativa de "consulta
para um acordo", antes que nova crise tornasse a guerra
inevitável. A França estava igualmente ansiosa por uma solução
pacífica. Uma sugestão alemã de que as quatro potências
ocidentais "arbitrassem" a questão foi rejeitada a 22 de
julho. Mas os tchecos sofriam pressão no sentido de fazerem as
maiores concessões possíveis aos sudetos; e a 4 de agosto, no papel
de "investigador e mediador", Lord Runciman chegou a Praga.
A situação nas seis semanas
seguintes caracterizou-se pelo aumento das concessões tchecas e por
uma agressividade cada vez maior por parte dos nazistas. A 5 de
setembro, foi apresentado um plano liberal, que dava aos sudetos
alemães autonomia local e plena participação no governo central.
Mas a esse tempo a imprensa alemã estava publicando clamorosas
histórias de atrocidades e denunciando os tchecos como mentirosos,
torturadores e assassinos que queriam chapinhar em sangue alemão, e
as desordens provocadas por alemães pareciam aplainar o caminho para
uma intervenção.
"Estamos convictos"
- disse Sir John Simon a 27 de agosto - "de que com boa vontade
de todos será possível encontrar-se uma solução que satisfaça
todos os interesses legítimos". Mas a Alemanha estava resolvida
a obter uma solução de acordo com o seu ponto de vista, mesmo ao
risco de guerra. A fase final foi inaugurada pelo discurso de Hitler
em Nuremberg, a 12 de setembro de 1938. O Estado nazista, bradou ele,
estava rodeado de conspiradores, desde democratas até bolchevistas.
Os sudetos alemães estavam sendo tratados como animais ferozes. A
Alemanha não se submeteria a um tratamento assim. Desde maio que os
alemães apressavam a conclusão de suas obras fortificadas no oeste.
"Não mais estou disposto, em circunstância alguma, a encarar
com intérmina tranqüilidade o prosseguimento da opressão dos
compatriotas alemães na Tchecoslováquia".
O discurso foi o sinal para
distúrbios na região dos sudetos. Segundo parecia, esperava-se que
o exército alemão atravessasse de uma vez a fronteira. Mas não
houve invasão, e a polícia tcheca logo restaurou a ordem. A 15 de
setembro, Henlein pela primeira vez exigiu claramente a anexação. O
governo tcheco respondeu ordenando a sua prisão, e ele fugiu para a
Alemanha. Apesar das ameaças de Hitler, Praga se manteve firme.
Era preciso saber-se, contudo,
se uma atitude firme não fez senão aumentar o perigo da guerra. A
14 de setembro, o premier Chamberlain decidiu-se a uma tentativa
pessoal de chegar a um acordo com Hitler. "Em vista da situação
cada vez mais crítica" - telegrafou - "proponho avistar-me
convosco com uma proposta tendente a encontrar uma solução
pacífica". No dia 15, ele chegou de avião e encontrou-se com
Hitler em Berchtesgaden.
Na entrevista que se seguiu,
Chamberlain. descobriu que "a situação era muito mais aguda e
muito mais premente do que eu tinha imaginado." Teve a impressão
de que Hitler estava determinado a anexar a região dos sudetos e
estudava uma invasão imediata. O máximo que ele prometeria seria,
caso a Grã-Bretanha aceitasse as suas exigências, e se nada novo
ocorresse para forçá-lo a uma ação, refrear-se de hostilidades
ativas até Chamberlain ter tempo para consultar o seu gabinete. "Não
tenho dúvida alguma" - disse mais tarde Chamberlain na Câmara
dos Comuns - "de que somente a minha visita evitou uma invasão
para a qual tudo tinha sido preparado".
No dia 16, Lord Runciman
comunicou a substância do relatório que mais tarde vasou numa carta
ao primeiro ministro (a 21 de setembro). Nesse documento, ele
acentuou que os tchecos tinham concordado com, praticamente, todas as
exigências de Henlein, e que pela maioria das recentes dificuldades
a culpa deveria ser atribuída a Henlein e seus adeptos. Mas,
prosseguiu, "há um perigo real, o perigo mesmo de uma guerra
civil, na continuação deste estado de incertezas. Conseqüentemente,
há razões muito reais para uma política de imediata ação
drástica." Essa ação, concluiu Lord Runciman, por um curioso
processo de lógica, deveria consistir antes de tudo em satisfazer
Henlein pela entrega da região sudeta à Alemanha.
Havendo tomado tal decisão, o
governo britânico entendeu-se com o premier e ministro dos
Estrangeiros francês, que chegou a Londres no dia 19. O resultado
foi a apresentação no dia seguinte ao governo tcheco de uma série
de exigências cuja natureza era a de um ultimato. Essas exigências
incluíam a transferência de todas as zonas com mais de 50% de
habitantes alemães; o ajuste da fronteira por uma comissão
internacional; e a garantia das novas fronteiras por uma fiança
internacional de que participariam a Grã-Bretanha e a França.
Quando o governo tcheco protestou, e propôs arbitragem sob o tratado
germano-tcheco de 1925, o Sr. Benes foi informado por uma mensagem
enviada às 2,15 da madrugada de que a Grã-Bretanha e a França lhe
recusariam o apoio se rejeitasse a proposta. No dia 21, os tchecos
cederam, e no dia seguinte Chamberlain voou a Godesberg a fim de
obter de Hitler um acordo final.
Achou que Hitler ainda não
estava satisfeito. Um novo memorando. acompanhado de um mapa, incluía
exigências de mais outras concessões, inclusive a imediata ocupação
militar das zonas a serem cedidas. Esta última condição abria
justamente as perspectivas de um choque armado que Chamberlain se
esforçava por evitar. Mas o seu protesto a Hitler obteve como
resposta apenas demoradas invectivas contra os tchecos e a ameaça de
ação imediata.
Chamberlain voltou de
Godesberg com a paz ainda na balança. As novas exigências foram
enviadas a Praga, com a observação de que "os governos francês
e britânico não podem continuar a tomar a responsabilidade de
aconselhá-los a não mobilizar". Foi uma promessa implícita de
apoio no caso de os tchecos, como quase estavam prontos a fazer,
rejeitarem as exigências. A rejeição e mobilização tchecas
seguiram-se de fato; e a 26 de setembro a promessa foi feita em
definitivo, por uma declaração em Londres, de que se a Alemanha
atacasse a Tchecoslováquia "o resultado imediato tem que ser a
França dar-lhe assistência e a Grã-Bretanha e a Rússia ficarem
certamente ao lado da França".
Hitler mostrou poucos sinais
de recuo. Uma proposta para uma conferência de potências resultou
em nada. A 26 de setembro, Hitler exigiu que a rendição se
efetuasse até o dia 1o
de outubro, e prometeu que "se este problema estiver
solucionado, a Alemanha não terá mais problemas territoriais na
Europa." Mais tarde foi informado de ter dito a Mussolini que
tinha decidido começar a invasão a 28 de setembro. Duas mensagens
do Presidente Roosevelt não conseguiram demovê-lo dessa atitude. A
frota britânica foi mobilizada. A França convocou reservas e
guarneceu a Linha Maginot. Chamberlain apelou a Mussolini para que
usasse sua influência, e escreveu a Hitler: "Sinto que podeis
obter todo o essencial sem guerra e sem dilação." Mas tudo
pareceu demonstrar que Hitler queria a guerra.
A 28, a tensão desfez-se.
Hitler convidou Chamberlain, Daladier e Mussolini a uma conferência
em Munique. No dia 30, pouco depois da meia noite, o acordo foi
firmado. As zonas cedidas iriam ser ocupadas por escalas entre 1o
e 10 de outubro. Uma comissão iria determinar as fronteiras e
decidir em que zonas o plebiscito deveria realizar-se. Foram tomadas
precauções quanto à Hungria e Polônia. A Grã-Bretanha e a França
renovaram suas promessas de garantia. Em adição, a Grã-Bretanha e
a Alemanha firmaram uma declaração de que o acordo era "simbólico
do desejo dos nossos povos de nunca mais entrarem em guerra um contra
o outro".
Mesmo este tratado não
conseguiu reprimir as exigências hitlerianas. Ele acabou por tomar
não somente as zonas da maioria alemã, mas também as puramente
tchecas. A comissão internacional de fronteiras fracassou em impedir
a rapacidade alemã. Uma força para policiar as zonas em plebiscito
foi organizada na Inglaterra e depois dissolvida. Nenhum plebiscito
foi realizado. O tratado de garantias jamais foi observado. E no dia
19 de dezembro, Mr. Chamberlain disse a respeito do governo nazista:
"Estou ainda à espera de um sinal... de que eles estão prontos
para dar a sua contribuição à paz".
Esse sinal nunca veio. A
pressão alemã sobre o remanescente da Tchecoslováquia -
reorganizada agora em um Estado federal - prosseguiu por meio de uma
série de exigências econômicas e políticas. A 26 de setembro,
Hitler dissera: "Não estamos interessados em oprimir outros
povos. Não desejamos absolutamente ter outras nacionalidades entre
nós... No momento em que a Tchecoslováquia tiver solvido seus
outros problemas... o Estado tcheco não mais me interessa. Não
queremos mais tcheco algum."
Em março de 1939, Hitler
anexou a Boêmia e a Morávia e proclamou um protetorado sobre a
Eslováquia.
A absorção da
Tchecoslováquia
Os passos que conduziram a
esta ação seguiram uma trilha agora tornada familiar - a de excitar
desordens internas e violentas exigências eslovacas de autonomia, a
do desencadeamento de uma campanha na imprensa alemã martelando
sobre "sanguinário terror tcheco" e "uma orgia de
insolência hussita", a da chamada do premier Hacha de Praga a
Berlim e extorquindo-lhe um "pedido" de intervenção por
parte da Alemanha no momento em que as tropas nazistas já se achavam
em movimento. Mas os fatores envolvidos eram novos; e quando Mr.
Chamberlain assegurou que "a opinião pública mundial recebeu
um choque mais forte do que quaisquer outros que lhe tenham sido
aplicados, mesmo pelo atual regime da Alemanha", expressou ele a
percepção de que a política alemã tinha entrado numa fase nova,
em que os antigos métodos não mais eram adequados.
A primeira fase da política
de Hitler culminou com a ocupação da Renânia em março de 1936.
Ligava-se à remoção das restrições internas que o Tratado de
Versalhes tinha imposto à Alemanha. Em 1938, na segunda fase, veio o
ataque às fronteiras estabelecidas pelo tratado, sob a alegação de
que elas violavam a "autodeterminação" e o direito de se
unirem todos os alemães num só Estado. Mas nem a independência
nacional nem a unidade racial puderam ser apresentadas como motivos
para novas anexações. Estas se basearam numa reivindicação de
mais terras, o que abriu uma perspectiva de expansão indefinida. "A
Boêmia e a Morávia" - disse Hitler na sua proclamação -
"pertenceram por milhares de anos ao espaço vital do povo
alemão. A força e a injustiça separaram-nas arbitrariamente de seu
antigo, histórico engaste... É de conformidade com o princípio de
autopreservação que o Reich está resolvido a intervir
decisivamente para restabelecer as bases de uma razoável ordem
centro-européia". Em tais bases seria fácil justificar-se uma
tentativa alemã de restabelecer o santo Império Romano em toda a
Europa setentrional e oriental.
Assim, toda a fantasiosa
segurança que os pequenos Estados hauriam da crença de que Hitler
queria apenas alemães no Reich desapareceu por completo. "Esses
recentes acontecimentos" - disse Chamberlain - têm feito, certa
ou erradamente, com que todos os Estados adjacentes à Alemanha se
sentissem ansiosos e inseguros quanto às futuras intenções da
Alemanha". A separação de Memel da Lituânia, e sua anexação
pela Alemanha, a 21 de março, dificilmente deve ter aquietado essas
emoções. Os Estados das regiões do Danúbio e dos Bálcãs olhavam
interessados os novos acontecimentos. Já um comércio agressivo
orientado pela Alemanha os impelira estreitamente ao sistema
econômico nazista. Os esforços para uma completa dominação
nazista, não somente econômica, mas política, pareciam exercer
pressão mais ativa que nunca. Isto ficou demonstrado pela informação
de que a 17 de março a Alemanha tinha apresentado um virtual
ultimato à Romênia, ultimato que teria colocado, se satisfeito, a
vida econômica daquele país sob completo controle alemão. A
informação foi desmentida pela Alemanha, que mais tarde negociou um
tratado de comércio mais moderado com a Romênia. Mas os desmentidos
alemães tinham agora deixado de influir sobre os governos europeus.
A perspectiva de uma infinita
expansão do controle alemão devia forçosamente afetar a política
das outras potências, inclusive a da Grã-Bretanha. No auge da crise
de Munique, Mr. Chamberlain tinha dito num discurso pelo rádio: "Sou
um homem de paz até as profundezas da minha alma. O conflito armado
entre nações é um pesadelo para mim. Mas se eu estivesse
convencido de que alguma nação tinha resolvido dominar o mundo pela
ameaça da força, acho que se deveria resistir." Agora,
condenando as novas anexações, ele perguntou significativamente: "É
este o fim de uma velha aventura, ou é o começo de uma nova? É
este o último ataque a um pequeno Estado, ou será ele seguido por
outros? É este, de fato, um passo na direção de uma tentativa para
a dominação do mundo pela força?"
Parecia haver lugar muito
pequeno para dúvida sobre as respostas. Toda a base da conciliação
e boa fé sobre a qual se presumia que repousava o acordo de Munique
tinha sido agora destruída. As garantias de Hitler, disse
Chamberlain, tinham sido lançadas ao vento, e a confiança britânica
estava completamente destruída. Fôra claramente indicada uma nova
base à política britânica.
A frente de paz
A natureza dessa base foi
definida por Lord Halifax no dia 20 de março. "Se e quando se
tornar evidente para os Estados que não há garantia visível contra
os sucessivos ataques dirigidos a todos os que possam parecer que
estão no caminho dos planos ambiciosos de dominação, então logo a
concha da balança penderá para o outro lado, e em todos os círculos
será da mesma forma imediatamente possível encontrar-se mais
disposição para considerar que a aceitação de mais largas
obrigações mútuas é ditada pelas necessidades de autodefesa,
mesmo que o não seja por outras razões."
A política dual da
Grã-Bretanha, de fato, mudou agora de natureza. Ela não foi
abandonada, mas a ênfase foi diretamente voltada ao avesso. Até
aqui o peso maior tinha sido posto na conciliação, com a
perspectiva da resistência mantida relutantemente em reserva, como
último e desesperado recurso. Agora estava claro que a resistência
era a primeira necessidade; mas ainda havia a esperança de que,
quando a força e determinação dessa resistência fossem tornadas
dominadoramente visíveis, uma volta à conciliação, com alguma
perspectiva de sucesso, seria possível.
Um dos resultados foi a
aceleração do rearmamento britânico. Já prognosticada na
primavera de 1935, a decisão definitiva tinha sido tomada em 1936; e
em 1937 a verba de um milhão e meio de libras para um período de
cinco anos ficou decidida. Já em fevereiro de 1939 era evidente que
esta soma seria possivelmente ultrapassada. Os acontecimentos de
março trouxeram razões novas; e de 283.500.000 libras esterlinas do
ano anterior, o orçamento da defesa britânica subiu para
382.456.000 libras esterlinas, com aproximadamente 600.000.000 de
libras esterlinas em projeto para o ano vindouro. As forças
britânicas foram aumentadas no fim de março. Em maio começaram com
os Estados Unidos negociações para a acumulação de uma reserva de
matérias-primas. E no dia 27 de abril, o passo sem precedentes foi
dado pela Grã-Bretanha quando ela anunciou a adoção do alistamento
obrigatório em tempo de paz. A nação estava mobilizando suas
forças para a emergência vindoura.
Entrementes, a frente unida
franco-inglêsa estava sendo firmemente consolidada. A 6 de
fevereiro, seus compromissos mútuos foram confirmados por
Chamberlain numa declaração de que todas as forças de cada um dos
países estariam à disposição do outro em caso de guerra, e de que
"a solidariedade dos interesses pelos quais a França e este
país estão unidos é tal que qualquer ameaça aos interesses vitais
da França, de onde quer que venha, deve determinar a imediata
cooperação deste país." O significado desta solidariedade foi
demonstrado a 7 de março, quando foram revelados os planos de uma
força expedicionária britânica de 19 divisões - cerca de 300.000
homens. A adoção do alistamento obrigatório foi outro sinal das
intenções britânicas. Desde então, a Grã-Bretanha e a França,
em todas as questões de diplomacia, deviam ser compreendidas como
agindo de perfeito acordo.
A mais aguda questão
diplomática passava então a ser a Polônia. Imediatamente depois de
seus triunfos na Boêmia e no Memel, Hitler voltou a sua atenção
para a sua vizinha oriental. Exigiu ele o retorno da Cidade Livre de
Dantzig, a cessão de uma faixa de terra para uma rodovia através do
Corredor Polonês e crescentes direitos para a minoria alemã na
Polônia. Os poloneses rejeitaram a exigência, convocaram tropas e
notificaram a França e a Inglaterra. A França já estava ligada à
Polônia por uma aliança. Agora, a Inglaterra se colocou a seu lado.
A 31 de março, Chamberlain declarou: "No caso em que o governo
polonês julgue de importância vital resistir pela força a uma ação
que ameace a independência da Polônia, o governo de Sua Majestade
ver-se-á na necessidade imediata de emprestar ao governo polonês
todo o apoio que estiver ao seu alcance".
Este foi o começo da frente
de paz cuja finalidade era impedir nova agressão, se preciso pela
força. No mês seguinte, semelhantes garantias foram dadas à
Romênia e à Grécia pela França e Grã-Bretanha, e um acordo de
assistência mútua no Mediterrâneo foi firmado entre a Grã-Bretanha
e a Turquia em maio. Estas garantias constituíram para a política
britânica iniciativas quase tão revolucionárias como a conscrição.
Mesmo desde a guerra, a Grã-Bretanha se tem recusado firmemente a
aceitar acordos remotos e indefinidos na Europa central e oriental.
Sua volta a esta política serviu para mostrar até que ponto ela
estava resolvida a impedir a todo o custo a ameaça de dominação
nazista sobre a Europa.
Dantzig e a Polônia
A resposta de Hitler foi
característica: repudiou um outro grupo de tratados. No seu discurso
de 28 de abril, utilizou-se da garantia à Polônia como desculpa
para a denúncia tanto da declaração de amizade que a Alemanha e a
Inglaterra tinham feito em Munique como do tratado naval
anglo-germânico de 1936. Isto era algo que a Inglaterra podia
receber calmamente, como tinha recebido a declaração alemã, em
dezembro anterior, sobre a intenção de aumentar a força submarina
alemã ap nível da britânica. Mais séria foi a denúncia do
tratado de não agressão germano-polonês de 1934. Tratava-se então
de um acordo concluído para um período de dez anos e ao qual Hitler
estava habituado a referir-se com especial orgulho como sendo uma
prova de seu desejo de paz. Em maio de 1935, ele dissera:
"Reconhecemos o Estado polonês como a pátria de uma grande
nação patriótica, com a compreensão e a cordial amizade de leais
nacionalistas". Em fevereiro de 1938, ele disse que a
compreensão "tinha conseguido remover todo o atrito entre a
Alemanha e a Polônia e lhes possibilitado trabalhar juntas em
verdadeira amizade." Em setembro seguinte, asseverou: "Estamos
todos convencidos de que esse acordo resultará numa duradoura
pacificação." Ainda em fins de janeiro de 1939, Herr von
Ribbentrop disse no decurso de uma visita a Varsóvia: "Posso
assegurar aos alemães na Polônia que o acordo de 1934 pôs um ponto
final à inimizade entre os nossos povos". Agora, em abril,
Hitler desfez esse acordo sob a alegação de que ele havia sido
violado pela garantia britânica e "portanto não mais está em
vigor."
A campanha contra a Polônia
tomou agora uma intensidade familiar. A imprensa alemã clamava
contra os horríveis maus tratos infligidos aos alemães na Polônia
e a intolerável provocação que a Polônia oferecia à Alemanha.
Herr Forster, líder dos nazistas de Dantzig, ia e voltava entre
aquela cidade e a de Berlim de uma maneira que lembrava a de Konrad
Henlein. Os recursos de Hitler tornaram-se mais fortes em maio com a
conclusão de uma aliança militar com a Itália, aliança pela qual
uma estava ligada à outra no caso de conflito armado. Verificaram-se
expulsões já de poloneses, já de alemães. "Turistas",
lembrando de perto membros das tropas de assalto, passaram
subitamente a visitar Dantzig em grande número. Armas eram
contrabandeadas para a cidade em crescentes quantidades.
Multiplicaram-se os choques internos na Polônia; um conflito
ameaçava irromper entre as autoridades de Dantzig e os guardas
alfandegários poloneses; tiroteios de fronteira acrescentaram a isto
tudo um toque de mau agouro. "A Alemanha" - disse Hitler,
depois de os acontecimentos terem servido ao seu trágico propósito
- "estava determinada a acabar com essas condições macedônicas
em sua própria fronteira, e, mais ainda, fazer isto não somente no
interesse da ordem, mas também no interesse da paz européia".
A Grã-Bretanha, nesse
ínterim, nos esforços para completar a frente de paz, abriu
negociações com a Rússia.
As negociações com a
Rússia
A 18 de março, o governo
britânico perguntou o que o governo soviético faria no caso de um
ataque não provocado à Romênia. A Rússia respondeu com a sugestão
de uma conferência internacional para considerar a questão da
agressão alemã. Com uma singular escolha de adjetivos, o governo
britânico considerou tal proposta como sendo prematura; mas em
seguida a uma conferência com o presidente francês em Londres, a 21
de março, a Grã-Bretanha se decidiu a sugerir que a França, a
Polônia e a Rússia formassem a seu lado e fizessem uma declaração
que incluísse um compromisso de consultas no caso de nova agressão.
Com a decisão de garantir a Polônia e os outros Estados, tornou-se
urgentemente desejável um acordo mais estreito e numa base mais
positiva de ação com a Rússia. Já num discurso sobre a política
exterior, a 10 de março, Stalin dissera: "Apoiamos em sua luta
pela independência os povos que se tornaram vitimas de agressão."
Parecia agora haver em ambos os lados, a esperança de alcançar um
acordo.
As razões completas do
esboroamento daquelas esperanças somente serão conhecidas quando se
dispuser de um relatório minucioso das negociações. Um fator,
entretanto, logo se tornou claro. O governo soviético desejava
estender aos Estados Bálticos uma garantia articulada que os
protegesse de agressões tanto indiretas como abertas. Os Estados
bálticos, por sua vez, recusaram ruidosamente qualquer assistência
não solicitada, particularmente da Rússia. A Grã-Bretanha procurou
obter algum arranjo que implicasse em compromissos. "Espero que
seja possível agora" - disse Chamberlain a 7 de junho -
"sugerir-se uma fórmula aceitável aos três governos que,
enquanto consideram os direitos e interesses de outros Estados,
asseguram cooperação entre esses Estados para a resistência contra
a agressão". As conversações continuavam a arrastar-se. A
impaciência soviética se manifestara na substituição de Litvinov
por Molotov como ministro do Exterior. A 12 de junho, Mr. William
Strang, um funcionário do Foreign Office, seguiu para Moscou com
novas propostas. A 31 de julho, com as dificuldades ainda não
resolvidas, a Grã-Bretanha e a França se decidiram a enviar uma
missão militar a Moscou. Mas pelos meados de agosto a questão ainda
estava em ponto morto e a crise chegou a uma nova e final fase.
No dia 16 de agosto, enquanto
a mobilização dos exércitos europeus, pela terceira vez num ano,
adiantava-se bastante, a Alemanha anunciou uma nova série de
exigências que implicavam na anexação tanto do Corredor Polonês
como de Dantzig. No mesmo dia, o embaixador britânico em Berlim
informou ter tido uma conversação com o secretário de Estado,
barão von Weizsacker. "Ele pareceu muito confiante e expressou
a crença de que a assistência russa à Polônia não só seria
inteiramente negligente, mas que a URSS no fim até se uniria à
partilha dos despojos poloneses. Nem mesmo a minha insistência sobre
a inevitabilidade da intervenção britânica pareceu preocupá-lo."
No dia 18, tropas alemães ocuparam a Eslováquia e começaram a
concentrar-se na fronteira meridional da Polônia. A 19, um tratado
comercial russo-germânico foi firmado. A 21, os dois países
anunciaram a decisão de concluir um pacto de não-agressão.
A Alemanha e a Rússia, na
verdade, já tinham um pacto de não-agressão desde 1926. Mas em
vista das perseguições de Hitler ao comunismo, ele foi considerado
por ambos os lados como letra morta. A declaração do novo acordo,
particularmente nesse tempo, atribuiu-lhe uma vital importância; e o
verdadeiro pacto, datado de 23 de agosto, era muito mais específico
e obrigatório que o primeiro. Mostrava claramente a vontade de
Hitler de eliminar a Rússia como prelúdio de uma definitiva ação
contra a Polônia.
A vinda da guerra
Se esperava que a Grã-Bretanha
e a França recuassem, Hitler errou por completo. O primeiro
resultado foi a reafirmação das garantias à Polônia e sua
incorporação dessas num tratado definitivo. A França convocou
novas reservas. A Grã-Bretanha tornou clara a sua posição numa
nota dirigida à Alemanha a 22 de agosto:
Tem sido alegado que se o
governo de Sua Majestade tivesse tornado a sua posição mais clara
em 1914, uma grande catástrofe teria sido evitada. Haja ou não
verdade nesta alegação, o governo de Sua Majestade está resolvido
a que nesta ocasião não surja tão trágico erro de interpretação.
Se vier o caso, ele está decidido e preparado para empregar, sem
delongas, todas as forças sob o seu comando, e é impossível
prever-se o fim das hostilidades uma vez iniciadas.
Esta advertência foi
acompanhada, contudo, da solicitação de uma trégua e de diretas
negociações entre a Polônia e a Alemanha, com uma oferta de
cooperação britânica para a consecução de um acordo. O pedido
foi vasado numa mensagem pessoal de Chamberlain a Hitler e a qual foi
levada de avião a Berlim por Sir Neville Henderson. Obteve uma
recepção tempestuosa, mas a resposta que recebeu foi intransigente.
Dantzig e o Corredor eram interesses a que a Alemanha não podia
renunciar. As ações britânicas haviam encorajado a agressão
polonesa. A intenção britânica de mobilizar foi "um
premeditado ato de ameaça ao Reich". A sugestão de trégua foi
completamente ignorada.
Outros líderes juntaram agora
seus esforços para a causa da paz. O rei Leopoldo da Bélgica,
agindo em nome dos neutros ocidentais, irradiou um apelo no dia 23.
No dia seguinte, pelo rádio, o Papa fez a seguinte advertência:
"Nada se perde com a paz - tudo se pode perder com a guerra."
A 24, enquanto onze milhões de homens estavam mobilizados na Europa
e a marinha de guerra britânica rumara para suas bases, o presidente
Roosevelt expediu três mensagens. Concitou o rei da Itália a
procurar impedir a guerra. Instou ele junto ao presidente Moscicki da
Polônia para que adotasse métodos de solução pacífica. Enviou um
apelo semelhante a Hitler. No dia seguinte, quando chegou a aceitação
polonesa, tornou a apelar para Hitler - pela quinta vez no decorrer
de um ano. Nenhuma das mensagens obteve resposta. Uma carta pessoal
de Daladier a Hitler, na qualidade de velho soldado de linha de
frente para outro, foi respondida de um modo que nada prometia.
A diplomacia britânica
prosseguiu em seus esforços. No dia 25 de agosto, Sir Neville
Henderson levou a Londres uma mensagem em que Hitler prometia, para
quando tivesse sido satisfeito na questão das colônias e resolvido
a da Polônia, dar garantias ao Império Britânico e aceitar uma
razoável limitação dos armamentos. A Grã-Bretanha respondeu a 28,
dizendo que estava disposta a discutir esses tópicos, mas que antes
era preciso resolver honrosamente a questão polonesa, e que oferta
nenhuma de vantagens especiais poderia persuadir a Grã-Bretanha de
retirar as garantias dadas. Os poloneses, Hitler foi informado,
estavam prontos a discutir as coisas; entrementes, a Grã-Bretanha
fá-los-ia evitar qualquer ação que pudesse conduzir a um choque.
Os blackouts eram agora
generalizados nas grandes cidades européias. Civis e crianças
estavam sendo evacuados de Londres e Paris. A Alemanha estava
esperando que a Rússia ratificasse o pacto de não-agressão. No dia
29, uma nova nota alemã foi entregue ao embaixador inglês. O estado
de coisas criado pelas bárbaras ações polonesas era "insuportável
para uma grande potência. Forçou agora a Alemanha, depois de ter
sido por muitos meses um passivo espectador, a, por sua vez, dar os
passos necessários para a salvaguarda dos justos interesses
alemães." (O espectador passivo estava então completamente
mobilizado. Mas quando, no dia seguinte, a Polônia ordenou a
mobilização parcial, as estações de radio alemães denunciaram-na
como sendo "uma grave e completamente injustificada
provocação"). O governo alemão contudo concordou em "aceitar
a oferta do governo britânico de empregar seus bons ofícios no
sentido de que fosse mandado a Berlim um emissário polonês com
plenos poderes." Esperavam-no para o dia seguinte.
O governo britânico
agarrou-se a esta última palha. No decorrer do dia 30, enviou cinco
telegramas a Berlim referindo-se à pressão sobre a Polônia para
que evitasse todos os incidentes fronteiriços e pleiteando mais
tempo. Num telegrama e em outra nota mandados naquela mesma noite
insistiu em que a Alemanha deveria seguir o curso ordinário de
conversações por intermédio do embaixador polonês e renovou a
proposta de uma trégua durante as negociações.
Quando esta nota foi
apresentada, à meia-noite de 30 de agosto, Herr von Ribbentrop
respondeu com a apresentação de um longo documento, que ele leu
rapidamente em alemão. Era a proposta de 16 pontos para um acordo
baseado no retorno de Dantzig à Alemanha, a retenção de Gdynia
pela Polônia e um plebiscito no Corredor com certos direitos
reservados para ambos os lados, fosse qual fosse o resultado. Mas
quando Sir Neville Henderson perguntou-lhe sobre o texto dessas
propostas, Ribbentrop respondeu que agora era muito tarde, já que os
poloneses não mandaram enviado algum a Berlim. A alegada oferta não
foi, assim, jamais apresentada à Polônia. A insistência do governo
britânico, o embaixador polonês, depois de repetidos esforços,
conseguiu afinal avistar-se com Ribbentrop na noite seguinte, 31 de
agosto. Mas o pacto russo estava agora ratificado e o caminho da
Alemanha estava desimpedido. Quando o embaixador polonês tentou
entrar em contacto com Varsóvia, verificou que a comunicação tinha
sido cortada pelo governo alemão. Na madrugada do dia seguinte
começou a invasão alemã da Polônia. "Nenhum outro meio me
foi deixado" - anunciou Hitler "a não ser enfrentar a
força com a força."
A Grã-Bretanha e a França
viram-se assim forçadas a correr em auxílio da Polônia. Numa
última e desesperada esperança, contudo, elas esperaram dois dias
mais. Mussolini, que já tinha decidido sua neutralidade a despeito
do tratado com a Alemanha, sugeriu uma conferência. A Grã-Bretanha
e a França aceitaram-na, sob a condição da Alemanha retirar suas
tropas da Polônia. Ao mesmo tempo, a Grã-Bretanha e a França
enviaram uma exigência direta à Alemanha de retirada ou guerra.
Esperaram em vão por uma resposta até o domingo, dia 3 de setembro,
e depois então assentaram um definitivo limite de tempo. O limite de
tempo britânico expirava às 11 horas da manhã; o francês, às 5
da tarde. Quando estas horas se escoaram, as nações estavam em
guerra.
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