20 de
Maio a 5 de Junho de 1940
A
Proeza de Dunquerque
Tópicos
do capítulo:
Recuo do
1o
Exército e da BEF
21 de
maio: Weygand na frente norte
A
entrevista de Ypres - Dissensões no setor belga
O atraso
do General Gort - Morte de Billotte
“Crise
de Arras” para os alemães
Gort
decide embarcar
Armada
de chalupas para a BEF
25 de
maio: o Exército belga capitula
Conferência
franco-britânica em Cassel
Lille,
cercada, cai em 31 de maio
Dunquerque,
em chamas, é evacuada
No
Comitê de Guerra, de 25 de maio, a palavra “armistício”
31 de
maio: Churchill em Paris
2 de
junho: embarcam os últimos ingleses
4 de
junho: as últimas horas de Dunquerque
Hitler
faz soar os sinos do Reich
Sobressalto
Há sobressalto do litoral até
Namur; as tropas que batem em retirada se perguntam por quê. A
marcha de aproximação foi rude para o 1° Exército. A rapidez do
avanço alemão forçou-o a apressar a marcha. Ma as tropas são
jovens e se recuperam com rapidez.
No dia 14 de maio, à noite;
Blanchard alinhou seus três corpos de exército (3°, 4° e 5°) na
brecha de Glemboux. No mesmo dia se trava a batalha. Esta envolve
apenas o centro do 1° Exército, uma dúzia de batalhões dos 82 de
Blanchard. O assaltante é o 16° Corpo Blindado, daquele General
Hoeppner que só faltou marchar sobre Berlim para derrubar Hitler.
Todos os ataques alemães são contidos pelo 4° Corpo e repelidos
por um contra-ataque do Corpo de Cavalaria. Tal é a confiança, que
o Comando já sonha em organizar a rendição; manda vir saxofones e
acordeões para alegrar o descanso dos combatentes.
No dia seguinte, a batalha
está terminada. Às duas horas da manhã, a ala direita do 1°
Exército, desprotegida pela destruição do 9°, recebe ordem de
contornar Gembloux. Às 6h da tarde, essa ordem de retirada parcial
se transforma numa ordem de retirada geral. Ordena-se ao 1° Exército
que recue para o canal de Charleroi, de Sambre a Tunize, para aí
resistir “sem disposição de recuo”. A ordem de retirada se
estende à BEF, causando aos ingleses ainda mais espanto que aos
franceses. Os britânicos haviam feito rapidamente 60 milhas, para
tomar uma posição que lhes disseram iria ser a de uma luta mortal.
Nem chegaram a estabelecer contato com o inimigo - e, já,
meia-volta...
Nem os soldados ingleses, nem
os do 1° Exército sabem da destruição que está havendo à sua
direita. Não podem suspeitar que a ordem de retirada precipitada, a
que obedecem reclamando, é demasiado tardia. No momento em que é
assinada, no PC do 1° Grupo de Exército, em Folembray, os blindados
alemães atingem Montcornet. Os exércitos do Norte já estão com
duas etapas de atraso em relação às formações motorizadas que os
cercam. E o comando não tem consciência da amplitude do movimento
que seria necessário ordenar para escapar ao envolvimento.
A 22 de agosto de 1914, na
noite de Charleroi, Joffre havia ordenado à sua ala esquerda uma
retirada geral. Para os que a realizaram, ela ficou com a lembrança
mais terrível de toda a guerra. Mas a decisão instantânea do
Generalíssimo salvou o Exército. Em maio de 40, uma presteza
semelhante talvez tivesse permitido livrar do cerco o 1° Grupo de
Exércitos. Mas era preciso uma rapidez de decisão que os chefes
preparados para a guerra estática já não possuíam.
A 20 de maio, quando as
divisões blindadas alemães atingem o estuário do Somme, o 1°
Grupo de Exércitos só pensara na “hipótese Escalda”. O 1°
Exército combate ao redor de Maubeuge, com a missão de defender
(sem recuar) as fortificações da posição fronteiriça. Os belgas
e os ingleses, sempre pouco atacados, estão colocados aquém do rio.
As comunicações com a França estão todas cortadas. Protegidas ao
sul por guarda-flancos que se dão ao luxo de desprezar o
estabelecimento de cabeças-de-ponte sobre o Aisne e o Somme, as
divisões blindadas alemães voltam-se para a direção norte,
marcham para Arras e Calais, comprime o fundo do bolsão onde se
agitam 46 divisões aliadas, um milhão de soldados, mais um milhão
de refugiados. Situação comparável aos maiores desastres militares
da história. Napoleão, em todas as suas campanhas, não conseguiu
fazer um cerco dessa escala.
Nomeado na véspera, Weygand
tentará quebrar esse anel de aço.
Vinte e quatro horas após a
sua posse no comando, a 21 de maio, Weygand está novamente num
avião, dessa vez sobrevoando um campo de batalha. Ele julgou
indispensável ir pessoalmente tomar contato com os exércitos do
norte. Sempre em atraso com os acontecimentos, o QG havia organizado
uma viagem por estrada de ferro e de rodagem - e descobrira, no
último momento, que ambas estavam interditadas. Apesar de que Paul
Reynaud tema perder seu novo generalíssimo, Weygand decide utilizar
a via aérea. Parte de Bourget, a bordo de um bombardeio, escoltado
por uma formação de caças.
Apesar de não ser brilhante,
a situação estratégica tem, no momento, o mérito de ser clara. Os
exércitos aliados estão cortados em dois pela incursão das
divisões blindadas alemães. A fração norte, estreitamente
cercada, está ameaçada de destruição. A fração sul é muito
fraca para resistir prontamente ao avanço alemão. Se não se
consegue ressoldar a espada quebrada, a guerra está perdida.
A urgência domina o problema.
Gamelin terminou sua instrução da antevéspera ressaltando estas
palavras: “Tudo é uma questão de horas”. Não se poderia dizer
melhor. As forças convencionais inimigas lançam-se com toda rapidez
que podem para a brecha aberta pelas forças motorizadas. A aviação
assinala ainda “um vazio total no triângulo
Laon-Montcornet-Neufchatel”, e os refugiados que chegam da região
de Maubeuge confirmam não ter encontrado qualquer alemão ao longo
das estradas. Mas a situação arriscada do inimigo melhora, a
possibilidade que os Aliados tem de se reunir antes do
estabelecimento de frentes intransponíveis deteriora-se com rapidez
incrível. Positivamente, trata-se de questão de horas.
Da mesma forma que a sua
advertência, a manobra recomendada pelo Generalíssimo na véspera é
indiscutível em seus princípios. Evidentemente, é marchando ao
encontro um do outro que os dois blocos tem mais chances de fazer
junção. Weygand só pode retomar a idéia de seu predecessor, que
seria a de uma criança de seis anos olhando um mapa. Gamelin, no
entanto, movendo-se na abstração, enxergava longe, pois pensava na
ligação da brecha à sua própria origem, a retomada das passagens
do Mosa por uma ofensiva do 2° Exército na direção do Sedan e
Mézières. Weygand, mais realista, já sabe que o 2° Exército,
concentrado na cabeça-de-ponte de Montmédy, está fora do jogo. Só
acha possível quebrar o bloqueio dos exércitos do Norte por uma
ofensiva que parta do Somme, indo ao encontro da ofensiva que os
próprios exércitos do Norte levem rumo ao sul. Para tomar
conhecimento de sua situação e de suas possibilidades, para
harmonizar o complexo comando é que ele voa para esses campos da
Flandres, onde, 26 anos antes, ao lado de Foch, já coordenava um
encontro entre exércitos.
As condições de sua chegada
o instruem sobre a desorganização que reina nos exércitos do
norte. Atingido quando sobrevoava Boulogne, seu avião pousa em
Norrent-Fontes, próximo a Béthune. O aeródromo está deserto. O
comandante-chefe só descobre um soldado - “imundo”, anota ele -,
que lhe permite subir em sua camionete; depois, uma solícita mulher,
que o reconhece por tê-lo visto numa litografia da assinatura do
armistício e que prepara um omelete; a seguir, por pura sorte, um
coronel de estado-maior que o aconselha a prosseguir viagem até
Calais. Weygand reinicia o vôo, o avião pousa num terreno fumegante
de bombas e, por outro feliz acaso, ele encontra na prefeitura o
General Champon, chefe de ligação com o Exército belga. Fica
sabendo que o local de encontro é a Câmara Municipal de Ypres, onde
Leopoldo, Gort e Billotte já o esperam. Ele se apressa e, para sua
grande surpresa, é o primeiro a chegar ao encontro.
No fim de uma hora, chega o
rei. Weygand lhe expõe o plano. O que é necessário, a qualquer
custo, é cortar o dedo-de-luva levado pelos alemães até a Mancha.
Gort e Billotte atacarão na direção sul, enquanto Frère atacará
na direção norte. O que se quer do Exército belga é que assegure
a cobertura da operação, liberando o mais possível de forças
franco-britânicas. Em conseqüência, Weygand sugere que ele se
retire até o Yser para diminuir sua frente. Van Overstraeten, em
resposta, desocupa-se por ser de opinião diametralmente oposta. Os
soldados belgas estão cansados, são-lhes necessários dois dias de
descanso, sob pena de se agravarem os índices de desagregação que
surgem em suas fileiras. Por outro lado, o recuo até o Yser
representa o abandono quase total do território nacional, enquanto a
razão de ser do combate belga é a sua defesa. O rei deixa seu
conselheiro militar falar, limitando-se a acrescentar que dará a
conhecer sua decisão.
Na realidade, já se tinha
produzido as dissenções que haviam de deixar profunda marca na
história belga. Presentes a Ypres, o presidente do Conselho e o
ministro dos Negócios Estrangeiros, Pierlot e Spaak, haviam tido com
o soberano uma conversa penosa que se prolongaria, dali em diante,
por cartas amargas. Os dois homens de Estado sustentavam que a
solidariedade da Bélgica e das duas nações que tinha chamado em
seu auxílio ia além da batalha realizada sem sucesso para defesa do
solo belga. A opinião de Van Overstraeten era, pelo contrário, de
que a perda dessa batalha, a impotência franco-britânica em
preservar a Bélgica da invasão, autorizavam a volta ao conceito da
neutralidade. No dia seguinte, em sua carta a Pierlot, o rei
estigmatizaria “a pressa ridícula” com que alguns ministros já
tinham partido para a França. Tendo as comunicações sido rompidas
poucas horas depois de sua passagem, nenhuma pressa intempestiva
podia ser-lhes reprovada, e era a própria partida que Leopoldo já
censurava.
Chega, por sua vez, Billotte,
tendo procurado Weygand em Calais e Dunquerque, antes de ser enviado
a Ypres. Ninguém, no Exército francês, tem tanta fama de talento e
energia. Mas a falência do comando provocada pelas formas de guerra
totalmente imprevistas não poupa ninguém. O 1° Grupo de Exércitos,
aliás muito vasto e muito complexo, foi mal conduzido. A atenção
do seu chefe não se fixou suficientemente sobre seus exércitos da
ala direita, o 9° e o 2°, considerados como exércitos estáticos
defendendo uma frente passiva. A amplitude da manobra alemã não foi
percebida senão no último momento, quando já atingia seu objetivo,
o mar. Os ingleses, que aceitaram ficar subordinados a Billotte,
queixam-se de não terem recebido ordens durante 4 dias consecutivos.
Todo o sistema intelectual da condução de uma batalha tinha sido
organizado para uma guerra lenta: a guerra ultra-rápida imposta pela
genialidade de Hitler devastou-o.
O quadro traçado por Billotte
a respeito do 1° Grupo de Exércitos, nada tem de reconfortante.
Tendo evacuado Bruxelas três dias antes, os belgas acabam de
abandonar o curso inferior do Escalda e de recuar para o canal
Terneuven. Os ingleses ainda estão às margens do rio, de Audenarde
e Maulde, e prolongam sua linha de defesa sobre o Scarpe até Arras.
O 1° Exército francês, ao qual se misturam os restos do 9°, forma
um apêndice em relação ao conjunto do grupo de exércitos.
Desvencilhou-se com dificuldade da região do Maubeuge e foi-se
estabelecer numa frente irregularmente convexa, de Condé a Douai.
Constantemente ultrapassado na sua direita, combate em condições
sangrentas e penosas. No mesmo dia, 21 de maio, duas divisões atacam
na direção de Cambrai, enquanto que, sob o comando do General
Franklyn, a 5ª e a 50ª divisões britânicas, retiradas do Escalda,
atacam diante de Arras. O objetivo dessas duas ações conjugadas é
reduzir a largura da brecha aberta entre a linha do Somme e do 1°
Grupo de Exércitos. A manobra que Weygand acaba de organizar já
está em realização, mas é claro que Billotte, já não qualquer
esperança.
Espera-se por Gort, e Gort não
chega - lacuna imperdoável. Toda esperança de uma abertura está na
BEF. Esta conserva-se intacta, apenas começou a combater e perdeu
menos de 500 homens. Uma dúvida nasce no espírito de Weygand: não
é proposital a falta de Lorde Gort ao encontro? Do lado de Billotte
a dúvida já surgiu há vários dias. Quarenta e oito horas antes,
ele informara ao GQG que Gort tinha a intenção de fazer recuar seu
corpo expedicionário e embarcá-lo em Calais. Dessa maneira, os
ingleses teriam traçado seu plano e resolvido abandonar na armadilha
seus companheiros de armas! A derrota não é propícia para
alianças. A desconfiança mútua não cessará de crescer e as
relações interaliadas continuarão a envenenar-se.
São 7 horas. Weygand prometeu
a Reynaud voltar na mesma noite. Um telefonema de Calais avisa-o de
que o terreno está desprotegido e que uma nova viagem aérea seria
ainda mais arriscada. Abrial, o “Almirante Norte”, que comanda a
Marinha e a praça-forte de Dunquerque oferece um torpedeiro para
conduzir o Generalíssimo a Cherburg. Weygand aceita. O percurso de
Ypres a Dunquerque mergulha-o numa realidade de que não tinha
nenhuma idéia: essa confusão, esse atropelamento de militares e
civis, essa paralisação das retaguardas que tornam o Comando
impotente. Em Dunquerque, a Luftwaffe age: O espocar das bombas agita
uma multidão angustiada; um grande reservatório de petróleo é
consumido por um incêndio ao anoitecer. O pequeno navio de Weygand,
La Flore, passa entre duas estacas de madeira queimadas. O
Generalíssimo não fez grande coisa em sua jornada perigosa e
atarefada. Mas viu a guerra mais perto que em Vincennes; mediu-lhe o
caráter desesperador.
Uma hora depois da partida de
Weygand, Gort chega a Ypres. O GQG francês havia esquecido de
avisá-lo da reunião, e pelo circuito de Londres é que ele foi
tardiamente informado. Billotte lhe expõe a idéia de marcha de
Weygand. Gort, que aos olhos dos generais franceses passara de uma
confiança cega a um ceticismo total, reagiu pouco. Não é
verdadeiro que ele tenha dado ordens para reembarcar seu exército,
mas é certo que pensa nisso, que o sugeriu a seu governo e que não
crê na possibilidade de se abrir um caminho até o Somme. Promete,
no entanto, que dará à tentativa todo auxilio possível.
Todos se vão. Billotte
retorna a seu carro. Próximo a Bailleul é difícil afastar um
caminhão do setor fortificado de Flandres... No dia seguinte, o
comandante do 1° Grupo de Exércitos morre no hospital de Ypres, sem
ter saído do coma.
Gort decide reembarcar a
BEF
Arras se transformou no centro
da batalha. É como um promontório no mar do avanço alemão; um
dedo estendido para o sul, como para apontar a direção do avanço.
Organizada para centro de resistência, a cidade recebeu uma
guarnição composta de elementos de formação recente que Lorde
Gort tinha evitado levar para a Bélgica. Desde então, severos
bombardeios ferem-na e mutilam-na, e a população civil evadiu-se.
Mas a guarnição resiste e o General Franklyn acaba de chegar com
suas 5ª e 50ª divisões de infantaria. Somente 40 km o separam das
linhas francesas do Somme. É o quanto mede a pequena faixa que basta
transpor para que as 9 divisões blindadas que aí se batem sejam
atrapalhadas na armadilha, cortadas em seu abastecimento,
paralisadas, destruídas.
Agora, as idéias estão
nítidas no Alto-Comando francês. Logo que chegou a Vincennes, pela
micheline (veículo de ferrovia, motorizado e com rodas de borracha)
de Cherburg, o General Weygand redigiu uma ordem de operações n°
1: “Os elementos ligeiros inimigos que procuram lançar a confusão
e o pânico em nossas retaguardas - diz - devem ser aí exterminados.
As Panzerdivisionen alemães devem ser envolvidas no campo fechado em
que audaciosamente se aventuraram. E não mais devem sair”. De seu
lado, o General Besson, tomando o comando dos exércitos Touchon e
Frère, lhe diz o seguinte: “Não basta defender-se. É preciso
atacar, atacar, atacar”. Compreendeu-se que não havia resposta à
ofensiva motorizada a não ser com uma defesa tão móvel quanto ela.
A verdade militar aparece quando os meios que deveriam concretizá-la
estão destruídos!
Da parte de Hitler, no
entanto, o céu da vitória não estava tão límpido.
Ondas de júbilo e de angústia
se alternavam no posto de comando de Munstereifel. Menos fervorosos
que seu Fuhrer, os chefes de exército não estão isentos de
inquietações. As tropas rápidas atingiram a Mancha: as tropas
lentas não ultrapassaram o corte do Sambre - hiato enorme de que um
adversário ágil faria surgir um novo dia de luto para o Exército
alemão. As divisões de infantaria marcham freneticamente e avançam
tão pouco! Na brecha, em volta dos blindados, só os elementos de
frente do 4° Exército lutam nas cercanias de Maubeuge. O 16°
Exército é desdobrado ao sul de Sedan. O 12° Exército se espalha
sobre o Aisne. Os exércitos de segunda escala, 2° e 4°, nem mesmo
saíram da Alemanha. No Somme, são sempre as divisões motorizadas
do 14° Corpo de Exército que fornecem os guarda-flancos ao lado dos
Panzer. Estes, à força de suprir a infantaria e a artilharia, dão
sinais de desgaste. O grupamento Von Kleist vê que perdeu a metade
de seus tanques. As forças alemães estão distendidas, dispersas,
esgotadas, à mercê de um corpo blindado que, felizmente para elas,
não existe.
Dia 21, à noite, as notícias
aparecem alarmantes. O OKH nota que, pela primeira vez, pode
tratar-se de um sucesso inimigo. A 7ª Panzer defrontou-se com uma
situação terrível. Ela atingia o sudeste de Arras, em Beaurain,
mas o regimento de fuzileiros não seguiu e os tanques tiveram que
dar meia-volta com graves perdas. Rommel quase foi capturado: ficou
durante uma hora sozinho com seu oficial de transmissão, no meio de
um carrossel de blindados franceses. Obcecados por 1914, pelo Marne,
pela formidável façanha descrita e cantada por Von Kluck, os
generais alemães se perguntam se não estão às vésperas de uma
reviravolta da batalha. Die Krise bei Arras (a crise de Arras), o
termo permanecerá nas narrativas posteriores. “Dia de nervosismo -
anota Halder em seu diário de campanha. - A decisão se trava em
torno de Arras. Se nos mantemos, a batalha está ganha...”
Para dizer a verdade, os
alemães nunca tiveram nada a temer. Die Krise bei Arras é
imaginação: a derrota da 7ª PzD é só um incidente local. A ação
conjunta franco-inglesa é muito fraca, muito mal coordenada para pôr
seriamente em perigo a penetração blindada alemã. É unicamente
por estarem espantados pela imensidão de seu sucesso que os chefes
da Wehrmacht perdem o sangue-frio.
Desencadeado somente a 22, o
ataque do 5° Corpo francês em direção a Cambrai se frustrará
antes de ter atingido a cidade. Em Arras, Franklyn não tem nem
forças nem instruções necessárias para fazer de seu golpe
derradeiro o prelúdio de uma libertação dos exércitos do Norte.
Recupera os limites da cidade, depois, ali se fecha atormentado de
inquietações, por causa do movimento incontrolável que os Panzer
realizam, entre o Mancha e suas tropas. Dia 23, à noite, depois de
dois dias de duros combates, recebe de Gort ordem de manter Arras
“até o último cartucho”. Os Tommies estão armando barricadas
nas saídas, quando chega nova ordem ao General Franklyn: evacuar
Arras aproveitando a proteção da noite e levar a 5ª e a 50ª
divisões para o canal do alto Deule, a fim de proteger o flanco da
linha de resistência que Lorde Gort organiza nas linhas de água do
Norte. Sonhando com um reembarque, o comandante da BEF reagrupa suas
forças e se recusa a arriscá-las num empreendimento sem saída.
Esse recuo de Arras, essa retirada brusca, de 35 km, esse desperdício
de entusiasmo de uma última oportunidade foram objeto de polêmicas
maliciosas. Sustentou-se que tudo isso havia matado o Plano Weygand e
selado o destino dos exércitos do Norte. O conhecimento dos fatos
não permite que se partilhe esta maneira de ver as coisas. Por outro
lado, pode-se compreender, com simpatia, a cólera de um
comandante-chefe ao saber, na manhã de 24, que a base de sua manobra
ideal acaba de ser destruída sem seu conhecimento. “Se bem que
atualmente conheça as razões de Lorde Gort - escreve Weygand -, não
posso entender que não tenha prevenido”.
Mais uma vez, todo o plano do
Comando aliado desmorona. O novo chefe do GEI, Blanchard, não tem
poder para reavivar a confiança britânica no talento dos generais
franceses. Idéias e desejos diferem. Tendo abandonado a idéia de
uma brecha, Weygand se apega à de uma cabeça-de-ponte em Flandres,
alimentada por Calais, Dunquerque e Ostende, e passível, graças à
proximidade do mar, de uma resistência indefinida. Ora, no momento
em que ele concebe esse novo projeto, a decisão inglesa é tomada.
Foi decidido o reembarque.
O homem dessa decisão é
Lorde Gort em pessoa. Ninguém, desde o começo da guerra, foi mais
criticado do que esse oficial austero e cândido. A única qualidade
militar que não lhe foi negada é uma bravura pessoal graças a
qual, diante de Cambrai, em 1917 ganhou a Victoria Cross (alta
condecoração inglesa). Recrimina-se tudo mais: um otimismo ingênuo
que, até a catástrofe, o fazia enviar a Londres relatórios
impregnados de mais tranqüila satisfação; um só espírito de
obediência cega, motivo pelo qual aceitou sem discutir todas as
diretrizes francesas; uma incapacidade administrativa que fez de seu
QG um modelo de desorganização; uma inexperiência completa em
relação à condução de grandes unidades, já que, antes da
guerra, não havia comandado mais do que regimento... Como seus
colegas, os comandantes dos exércitos franceses, ele pensava que
teria de travar, num setor bem delimitado, uma batalha bem planejada.
E, no entanto, hei-lo em seu PC de Premesques, próximo a
Armentières, no meio da confusão de uma derrocada. A noite está
cheia do ruído das explosões e avermelhada pelos incêndios. As
comunicações são precárias ou foram destruídas. Todos os
entroncamentos, todas as estações sofrem bombardeios repetidos. A
BEF foi posta a meia ração e a artilharia não tem munição para
mais de 10 dias. Ele próprio, comandante-chefe, está cercado tão
perto pelo inimigo, que teve de organizar seu PC num ponto de apoio
fechado. Raramente um chefe se encontrará em condições tão
dramáticas e tão inesperadas.
Se Gort examina o aspecto
tático, seu célebre otimismo não pode dissimular-lhe que a
situação é mais do que ruim. A BEF está completamente
desarticulada. Suas 4ª, 3ª, 1ª e 42ª divisões resistem, voltadas
para o norte, nas fortificações da fronteira; as 48ª, 44ª, 2ª e
46ª alinham-se ao longo do Linha do Canal voltadas para sudoeste. Em
lugar de reforçar essa tênue rede, a 5ª e a 50ª, retiradas de
Arras, sobem em direção à Ypres, tão rápido quanto lhes permite
o engarrafamento das estradas, pois o Exército belga se desagrega. O
recuo sobre o Yser, que o Rei Leopoldo acabou aceitando, já não é
mais possível e, além do mais, perdeu a significação, de vez que
a tentativa de abrir uma estrada até o Somme foi abandonada. O 18°
e o 6° Exércitos alemães passaram ao ataque na direção de
Roulers, Dixmude e Dunquerque. Que os belgas resistam até o fim ou
que capitulem em campo raso, a diferença é só uma questão de
tempo. Todo o flanco norte de Gort está a descoberto.
Os franceses retém as duas
extremidades da frente sul. O grosso do 1° Exército está
comprimido a sudeste de Lille, numa espécie de bico-de-pato que se
estreita e se estrangula. O Corpo de Cavalaria está disperso, tendo
uma das suas DLM subido para norte, a fim de apoiar os ingleses, e
permanecendo as duas outras cooperando na defesa do canal do Aire, na
Bassée. A oeste, o litoral é defendido pelos remanescentes do 16°
Corpo e por duas de divisões da série B (68ª e 60ª). Toda a
potência dos Panzer se faz sentir sobre esse setor, cuja perda
significa ter cortado o caminho do mar e sofrer o cerco irremediável
dos franceses. Boulogne fora tomada na véspera, 24 de maio, apesar
do reforço de um regimento da Guarda, enviado da Inglaterra, e
Calais, que recebeu ordem de resistir até o fim, é violentamente
atacada. Uma só porta, Dunquerque, se mantém aberta. Mas está
nítido que sua captura é questão de alguns dias.
A retirada. Gort na verdade
pensou nisso. Consultou o Almirantado. A resposta desencorajadora
lançou-o para a abertura na direção do Somme; depois, logo que a
impossibilidade lhe surgiu, só teve, no primeiro instante, o reflexo
do ouriço-cacheiro: entrincheirar-se atrás da sua linha de canais.
Mas a última idéia de Weygand, a cabeça-de-ponte, é por sua vez
impraticável. É preciso, daí por diante, ou aceitar a captura,
depois de ter salvo a honra, ou aceitar a fuga na direção do mar,
pois não se trata mais do uma fuga. Todas as armas, todo o
equipamento, tudo o que faz um exército será abandonado na cálida
terra de Flandres. A Navy (Marinha britânica) recolherá os homens
que puder, como um contratorpedeiro apanha os sobreviventes de um
couraçado afundado pelo inimigo.
Tal é a decisão tomada pelo
Visconde Gort no dia 25, à noite, em seu PC do Premesques. No dia
seguinte, um domingo, ele parte bem cedo para Attiches, PC do General
Blanchard. Este preparou uma ordem de recuo em três escalas, mas
sempre contando com uma cabeça-de-ponte estável ao redor de
Dunquerque. Gort nada diz a seu chefe nominal sobre a conclusão a
que chegou durante a noite. De volta a Premesques, encontra uma
mensagem de Eden, notificando-o de que a salvação da BEF deve ser,
doravante, “sua maior preocupação”. Os portos a leste de
Gravelines, acrescenta Eden, serão utilizados para a retirada. A RAF
dará apoio total e a Navy fornecerá uma frota de navios e de
pequenas embarcações.
Assim, o acordo entre o
governo britânico e o comandante de seu corpo expedicionário se fez
espontaneamente. Em Dover, o Almirante Bertram Ramsay reúne as
balsas da Mancha, os navios costeiros holandeses, os iates do Tâmisa,
as chalupas dos transatlânticos de Southampton, os rebocadores do
porto de Londres, os pescadores e cordoeiros de Hull e de Grimsby.
“Prontos - dirá Churchill no seu estilo lírico e sentimental - a
navegar para as praias de Dunquerque e o amado exército”. A
operação “Dínamo” começa. Já não é sem tempo!...
Hitler e Rundstedt salvam o
Exército Inglês
Die Krise bei Arras não
impediu o avanço das Panzerdivisionen.
Todas as dez estão agora
sobre o flanco sul do bolsão. A 9ª, retirada do 18° Exército,
veio reforçar o grupamento Von Kleist (19° e 41° corpos blindados,
6 divisões), que opera entre Saint-Pol e o mar. O grupamento Hoth
(39° e 16° corpos blindados, 4 divisões) ataca entre Saint-Pol e
Lens. Os Aliados não podem opor a essa massa de tanques mais do que
os vestígios de duas DLM.
A 23 de maio, um QG sobre
trilhos pára na estação de Polch, perto de Munstereifel. O
Marechal Goering sobe ao PC do Fuhrer. O chefe da Força Aérea tem o
direito de estar triunfante. A aviação, ainda mais que os tanques,
foi a arma decisiva nas sensacionais batalhas que se desenrolaram a
partir de 10 de maio. Entretanto - incrível presunção - Goering se
lamenta. À Luftwaffe não reconheceram papel bastante importante na
vitória. Os louros lhe são roubados pelo Exército, o Exército
reacionário, cujos chefes detestam a revolução
nacional-socialista. Goering pede justiça. Quer, especialmente, que
lhe deixem o cuidado de acabar com o exército britânico
surpreendido em Flandres. Encarregar-se-á de fazê-lo capitular,
arrasando seus portos.
Para Hitler, a batalha do
Norte acabou. O Plano Amarelo está executado. O que ele prepara
agora é o Plano Vermelho: a segunda etapa da campanha do Oeste, a
derrota final, a invasão final da França. Tenciona lançar a partir
de 31 de maio, poderosa ofensiva sobre o Aisne e o Somme, para romper
a frente reconstituída e surpreender pela retaguarda os exércitos
franceses, ainda intactos atrás da Linha Maginot. Como de costume,
sua decisão se choca com as objeções dos militares, que julgam
necessário reorganizar o Exército e reequipar as divisões
blindadas, antes de empreender nova série de operações. Hitler
recusa-se a esperar, mas reconhece que o desgaste das
Panzerdivisionen é uma fonte de preocupações.
Uma outra preocupação paira
em seu espírito: o terreno em que estão combatendo os blindados
cessou se ser-lhes propício. Ele próprio redigiu, no dia 9 de
outubro, uma notícia judiciosa sobre o emprego de tanques, dizendo
especialmente que se deve evitar comprometê-los “no labirinto sem
fim das aglomerações belgas”. Em Flandres, a isso se acrescenta
um labirinto de canais e inundações. O cabo Adolf Hitler consulta
sua memória, para descrever esse terreno alagado - que antes só
conhecera sob as chuvas de outono e no rebuliço da guerra de
trincheiras, enquanto se está em maio e exceto nas cidades, o país
está intacto. Keitel, a quem dirige para confirmação de seu ponto
de vista, diz-lhe, naturalmente, que tem razão.
Goering volta a partir, com a
promessa de que o quinhão de glória da Luftwaffe será reconhecido.
No dia seguinte, 24 de maio, Hitler se encontra em Charleville, no PC
de Von Rundstedt. Aí reina a desolação: acaba de ser recebida uma
ordem do OKH notificando que, a partir do dia seguinte, à
meia-noite, e sob o pretexto de unificar a condução da batalha, o
4° Exército de Von Kluge, será retirado do grupo A e passará ao
comando do rival, Von Bock, com a totalidade das divisões blindadas.
Hitler indigna-se por ter sido tal transferência feita à sua
revelia, revoga a ordem de Brauchitsch, felicita Rundstedt e lhe
garante sua confiança particular. “Você compreendeu muito bem o
meu pensamento...”. Depois, de volta o humor radiante, ele ouve o
relato das operações do grupo de exércitos feito pelo sucessor de
Von Manstein, o chefe de estado-maior Von Sondersen.
A situação tornou-se
excelente. Hoth apoderou-se das elevações que dominam a bacia do
Lens, Kleist tomou Boulogne e conclui vigorosamente a conquista de
Calais. A 1ª DP atinge o primeiro dos cursos de água europeus por
ordem alfabética, o Aa, riacho estreito, canalizado, que se lança
ao mar em Gravelines. Guderian está portanto a 16 km de Dunquerque,
última ligação dos exércitos franco-britânicos com o mundo
exterior. 16 km: uma hora de marcha de uma Panzer! O cerco está
praticamente realizado. Não há mais razão para precipitação. É
por isso que Von Rundstedt fez justiça a um pedido de Von Kluge e
concedeu um dia de repouso às unidades blindadas. A ordem fora
baixada, na véspera, às 18:10h.
Hitler fez mais do que
aprovar: confirmou. As Panzer devem ser poupadas. Deve-se, daquele
momento em diante, evitar-lhes qualquer perda. “Minha Luftwaffe
liquidará os ingleses...”. A ordem ditada por Hitler,
generalizando a de Rundstedt, diz expressamente: “Dunquerque deve
ser deixada para a aviação”. A ofensiva terrestre continuará com
o grupo Von Bock e com as divisões ordinárias do 4° Exército. Mas
os blindados não deverão ultrapassar a linha
Lens-Béthune-Aire-Saint-Omer-Gravelines... Por ordem do Fuhrer!
Assim que Hitler partiu,
Rundstedt recebeu uma mensagem do OKH prescrevendo-lhe o
prosseguimento de vigorosa ofensiva ao norte da linha dos canais. Ele
não se dá conta, mas, no dia seguinte, 25, recebe do OKW outra
comunicação decididamente estranha. Fazem-no de juiz. Brauchitsch
sustentou que se devia aplicar a pressão mais violenta no flanco sul
do bolsão e consumar a captura do inimigo, tomando Dunquerque o mais
rapidamente possível. De Gravelines, Guderian relata que vê a
cidade, atira contra os navios, assiste a embarques em massa, e pede
autorização para se lançar sobre a prodigiosa desordem que reina
entre o inimigo. Brauchitsch consente-o, mas Hitler responde
explicando as razões pelas quais acha que as Panzer devem ser
poupadas. Ao terminar, encontra um meio de ferir novamente o orgulho
de Brauchitsch. “Não quero decidir por mim mesmo. Remeto-me ao
julgamento de Rundstedt”. E pede-se ao comandante do Grupo de
Exércitos A para ser o árbitro entre seu comandante-chefe e o
Fuhrer! Rundstedt não hesita: dá razão a Hitler.
Mais tarde, esse grave erro
será motivo de discussões infindáveis. Como com o plano de Sedan,
a esquematização que já se fez sobre os acontecimentos da guerra
apresentará o episódio da seguinte maneira: contra a opinião dos
generais, o cabo estrategista parou o avanço dos blindados sobre
Dunquerque. Levantou-se a hipótese de que o fez por uma razão
política: sonhando fazer um tratado com a Inglaterra, quis poupá-la
da humilhação de ver seu exército capturado - mas nem sequer uma
testemunha sustenta esta interpretação. Hitler simplesmente
cometeu, diante de Dunquerque, o primeiro de seus grandes erros
táticos. Mas Rundstedt tem sua cota de responsabilidade, já que
antecipou e depois confirmou a ordem de Hitler.
27 de Maio: O rei dos
belgas capitula
No dia 27, outro erro mais
grave ainda, a entrada dos Aliados na Bélgica, recebe sua sanção:
o flanco esquerdo do Grupo de Exércitos Norte desaba como um reboco
de parede.
Um debate dramático precedeu
a decisão de Leopoldo III. Nos dias 25 e 26, no Castelo de
Wynendaele, Pierlot e três de seus colegas colocaram o soberano
diante de suas responsabilidades. A unanimidade do governo considera
que o infortúnio dos exércitos não desliga a Bélgica da
solidariedade que ela própria criou ao fazer um apelo à França e à
Inglaterra. A unanimidade do governo está resolvida a prosseguir a
luta fora do território nacional. O Governo pede ao Rei dos Belgas
que faça o mesmo que a Rainha da Holanda e a Grã-Duquesa de
Luxemburgo: deixe o país, para que, de maneira evidente, o princípio
da soberania fique imune ao invasor. Leopoldo responde, brutalmente,
que a causa dos Aliados está perdida, que a França capitulará em
poucos dias e que a Inglaterra continuará a luta em suas longínquas
colônias. Consequentemente, o papel da Bélgica terminou.
Já não é possível fazer
outra coisa senão conservar-lhe uma certa vida nacional dentro de
uma independência reduzida, e ele, rei, não tem outro dever senão
partilhar os sofrimentos de seu povo. A tensão é tal, que os
ministros, que estavam de pé, pedem permissão para sentar-se, e
Spaak, aflito, desfalece. Mas as posições são inabaláveis de um
lado e de outro; 48 horas depois, Pierlot terá deixado a Bélgica e
Leopoldo se declarará vencido.
A situação do Exército
belga não é mais nem menos desesperadora que a da BEF e a do 1°
Exército francês. O cansaço dos homens, a desordem das
retaguardas, a confusão nas unidades, a dissolução das reservas, a
falta de abastecimento, a escassez de munição são os mesmos. A
brecha aberta entre Thielt e Roulers não é maior nem mais perigosa
que a aberta no mesmo dia entre Cassel e Hazerbrouck. O Exército
belga ainda poderia cooperar, durante dois ou três dias, na defesa
da cabeça-de-ponte que representa a última oportunidade de salvação
para os soldados que responderam ao apelo de 10 de maio. Mas Leopoldo
não vê por que sacrificar seus súditos a uma causa que lhe tornara
estranha em face da desgraça. “No espaço de 1.700 km², entre
nosso front e o mar, escreverá seu chefe de estado-maior,
amontoam-se, mais ou menos, 450.000 soldados, 800.000 habitantes
nativos e uma massa de refugiados que se pode avaliar em 800.000
pessoas. Através dessas populações desvairadas é que os alemães
teriam prosseguido seu ataque: tanto quanto as tropas, elas seriam
dizimadas...”
Às 5h da tarde, o General
Desrousseaux, sub-chefe do Estado Maior Geral, penetra nas linhas
alemães, num carro, empunhando uma bandeira branca. Crivado de balas
próximo a Thielt, o carro é conduzido de PC em PC até o de
Reichenau, comandante do 6° Exército. Desrousseaux declara que vem
negociar uma trégua. Reichenau responde que só pode aceitar uma
rendição. Hitler, prevenido, dá seu veredicto: capitulação
incondicional. Prisioneiro de uma guerra em bloco, o Exército belga
deve desimpedir as estradas, para permitir o prosseguimento das
operações contra os franceses e os ingleses. A Leopoldo III, de
acordo com a sua reivindicação de honra, foi permitido partilhar a
sorte de seus soldados. Depois de ter especificado a substituição
das bandeiras e estandartes, o Protocolo n° 1 coloca à disposição
do rei o Castelo de Lacken-lez-Bruxelles com um séquito “de cerca
de 20 oficiais e dignitários e uma centena de pessoas ligadas aos
afazeres domésticos...”
A capitulação belga não
pegou os ingleses completamente desprevenidos. Desde o dia 25,
Leopoldo havia enviado ao Rei da Inglaterra uma carta prevenindo
sobre sua decisão de depor as armas. No dia 27, de manhã, o
Almirante Keyes, representante de Churchill junto ao Rei dos Belgas,
manda dizer a Lorde Gort que o pedido de armistício pode ocorrer de
um momento para outro. Por outro lado, nenhum aviso foi dado à
França. Weygand receberá a notícia “como um raio”. “Nada,
nenhum aviso, nenhuma indicação que me pudesse prevenir de uma tal
decisão”.
O destino das forças
franco-britânicas cercadas parece selado.
Durante o dia 27, essa
situação voltou a agravar-se. Hitler verificando que as suas
divisões ordinárias marcavam passo, revogou sua ordem do dia 24 e
ordenou aos blindados um último golpe de lança, antes de se
voltarem para o Somme e o Aisne.
No Aa, Guderian ataca
diretamente Dunquerque, com a 1ª DP, o Regimento Grossdeutschland e
a Leibstandarte Adolf Hitler. A divisão francesa oposta a estes
batedores de Sedan, a 68ª DI, é uma divisão de série B,
semelhante àquelas que debandaram no campo de batalha fatídico. Mas
a 68ª DI combate com obstinação e habilidade, não se deixa
romper, reúne-se, no fim da jornada, no velho canal de Mardyck. A
ocasião para tomar o porto de um só golpe não aparece duas vezes,
e, ao mesmo tempo, demonstra-se que os velhos reservistas franceses
eqüivalem aos soldados da outra guerra, a partir do momento em que
superam a surpresa causada pelos tanques e os Stukas. Isto revela,
mais uma vez, a culpabilidade dos grandes chefes presunçosos,
preguiçosos e ignorantes que não souberam preparar suas tropas para
o tipo de prova que os esperava.
Contido, depois bloqueado
pelas inundações, Guderian está a menos de 8 km de Dunquerque. Sua
artilharia atira sobre a cidade, dando sua contribuição às
esquadrilhas de Goering. A Câmara Municipal, o prédio dos Correios
e as docas são destruídos. Os reservatórios de petróleo ardem em
meio a uma fumaça sufocante que o vento empurra para a cidade. O
porto está tão danificado que se deve renunciar a fechar as
comportas na hora da vazante. A retirada parece ser um empreendimento
consagrado ao desastre. O Almirantado britânico pensava em levar
para a Inglaterra 45.000 homens, um décimo dos quais estava cercado!
Mas operações do primeiro dia põem em dúvida a possibilidade de
atingir tal número. O primeiro navio a encostar é o vapor Mona’s
Isle: tendo escapado milagrosamente às bombas, será canhoneado na
volta pela baterias de Gravelines, que matarão 100 de seus 1.400
passageiros. Cinco outros transportes deram a meia volta antes de
atingir Dunquerque, e o total de homens embarcados nesse primeiro dia
é de somente 7.669.
Além disso, o embarque não é
todo o problema. é preciso que os soldados cheguem a Dunquerque.
Como o conseguirão?
Desde a primeira manhã, é
mantida uma conferência franco-britânica em Cassel. Decidido a
seguir sua linha de conduta sem se preocupar por mais tempo com a
aliança em decomposição, Gort absteve-se de ali comparecer. Estão
lá Blanchard, cujo olhar se tornou o de um prisioneiro fixando as
paredes da prisão, o Almirante Abrial, que os ingleses não tardarão
a recriminar por ele se ter confinado sob os 10 m de concreto de seu
bastião 32, o general francês Fagalde e o general inglês Adams,
que comandam, respectivamente, os setores oeste e leste da
cabeça-de-ponte; por fim, o General Koeltz, enviado por Weygand para
tentar restabelecer uma coordenação do Comando. Ele expõe a nova
idéia de seu chefe: retomar Calais, para facilitar o abastecimento
de grupos de exércitos. O desentendimento é evidente. Weygand ainda
está coma idéia de uma cabeça-de-ponte durável e Blanchard ordena
a defesa da região do rio Lys “sem disposição de recuar”. Por
ignorância ou por instruções recebidas, o fato é que o
representante de Lorde Gort não desengana os franceses, não os
informa de que qualquer idéia de uma resistência prolongada foi
abandonada por seu chefe e por seu governo, que daquele momento em
diante somente trata de reembarcar apressadamente o maior número
possível de soldados, aceitando perder todo o material.
Cassel, construída sobre um
outeiro, domina a planície flamenga, fértil e ainda intacta à luz
nova da manhã. De repente, um estrondo de cismo ressoa na direção
de Dunquerque: a primeira onda de bombardeios do dia acaba de atacar
a cidade e grandes nuvens sobem no horizonte, a noroeste. Depois, a
planície calma, ao sul, se incendeia, por sua vez. Da Prefeitura de
Cassel, os generais vêem as cidades, uma após outra, tornarem-se
verdadeiras tochas. A 6ª DP e a 20ª DM atacam de lado a lado,
enquanto a 8ª DP continua o movimento na mata de Hazebrouck. À
noite, apesar dos esforços da 46ª Divisão britânica, o outeiro de
Cassel será forçado a leste e a oeste. O estreito corredor pelo
qual escoam a tropas franco-britânicas terá diminuído mais 15 km.
Divisões inglesas ainda estão na fronteira, de Comines a
Bourghelles. Divisões francesas ainda estão ao sul de Lille, na
direção de Seclin e Carvin; 100 km separam-nas de Dunquerque, que
Guderian mantém sob o fogo de seus canhões; 100 km contra 8!
Nas estradas, 4 ou 5 filas de
viaturas, auto e hipomóveis, passam com lentidão mortal. A aviação
alemã retarda a retirada, jogando sobre as velhas calçadas de pedra
as casas das cidades e vilas. Em Armentières, um asilo de loucos foi
aberto pelo bombardeio. Superexcitados pelo ambiente, os internados,
vestidos com grossas roupas de veludo pardo, misturam-se à corrente
de fugitivos. A chuva, que havia desaparecido da França desde 10 de
maio, reaparece. Isto não é de todo desvantajoso, pois diminui o
sucesso da Luftwaffe, mas encharca o miserável êxodo, aumenta o
cansaço, enfraquece a coragem. Na noite do dia 27, a retirada pela
cabeça-de-ponte de Dunquerque parece realmente uma quimera. Antes de
24 horas, os alemães terão obstruído a saída.
Cerco e defesa de Lille
A primeira razão pela qual o
êxito da operação de Dunquerque ultrapassará finalmente todas as
esperanças é a confusão que se introduz no Comado alemão. Este
havia funcionado, magistralmente, desde o começo da campanha. Agora
se desorienta e deixa escapar parcialmente as vantagens de Sedan.
Von Rundstedt tinha perdido a
ocasião, parando seus blindados às portas de Dunquerque. Von Bock
também: a capitulação belga lhe abriu todas as estradas de
Flandres, mas ele perde tempo, deixa-se embaraçar, em torno de
Ypres, pelo 2° Corpo inglês, permite a 60ª DI francesa, que
combatia com os belgas, desligar-se e chegar à cabeça-de-ponte,
cujo setor leste ela põe precipitadamente em situação de defesa.
Mais uma vez se perde a ocasião de tomar Dunquerque de surpresa.
Ao sul e a leste, a ação do
Comando alemão não é menos medíocre. O 6° e o 4° exércitos
confundem-se e travam luta na região de Lille. O grupo Rundstedt
fica durante todo o dia decisivo, 28, sem receber uma só ordem. Seu
chefe considera terminado seu papel desde que atingiu o mar e cercou
a ala esquerda aliada. Por sua vez, Hitler novamente se desinteressa
pela batalha de Flandres. A fuga dos soldados que abandonam as armas
não o preocupa. Todo o seu pensamento está voltado para o Plano
Vermelho. Como fazer desmoronar de um só golpe a nova frente
francesa? Devem-se concentrar todas as forças rápidas na ala
direita, diante do Somme, como propõe Brauchitsch, ou deve-se
concentrá-las no centro de Champanhe, como ele está inclinado a
pensar? Paris? Como tratar Paris? É preciso fazer dela o objetivo
principal? Ou negligenciá-la, por não ter em vista senão o
aniquilamento dos exércitos inimigos? O Fuhrer discute estas
questões em longas conferências com seus conselheiros militares.
Dunquerque já é passado para ele.
Desde o dia 27, o envolvimento
diminui. A abertura no setor Cassel-Hazebrouck não foi explorada. A
2ª, 9ª e 10ª DP já se dirigiram para o Somme e as outras divisões
blindadas recebem ordens preparatórias, para um movimento análogo.
A impaciência de Hitler, sua pressa em dar o golpe de misericórdia
na França dão aos ingleses oportunidade de fuga.
A única batalha séria se
desenrola em torno de Lille, isto é, numa zona que já não
apresenta nenhuma importância para o vencedor. O trabalho é
essencialmente de Rommel. No dia 27, ele escreve a Lu, sua mulher:
“Estou muito ocupado em cercar os franceses e os ingleses em Lille.
Quanto a minha roupa, etc... tudo vai bem...” Em Givenchy, ele
atravessou o canal da Bassée e, reforçado por uma brigada de
tanques suplementar, correu direto às saídas da grande cidade. Ao
cair da noite, o coronel Rothenburg comunica-lhe que ocupou em Lomme,
próximo à aglomeração lillense, a Estrada de Armentières. É
muito tarde para interceptar o 3° CE, a 12ª DI e a 32ª DI, uma
parte da 1ª DIM, que o General De La Laurencie conduzirá com
admirável energia até Dunquerque. É igualmente muito tarde para
capturar os generais que comandam o 4° e o 5° CE, Aymes e René
Altmayer, que precederam de muito seus corpos de exércitos no Lys.
Mas as seis divisões que eles deixaram para trás são apanhadas na
rede que se formou a leste de Deûle. Os ingleses, que a mantinham
aberta, partiram sem o menor aviso. A ruptura do Comando aliado
retira a última chance aos soldados que combatiam mais afastados do
mar. Em Lille, a rapidez com que os acontecimentos se desenrolam
produz prodigiosa confusão. Na antevéspera, a DCA lillense merecera
aplausos ao fazer com que dois aviões de características
desconhecidas descessem, quando se aproximavam do aeroporto.
Tratava-se de dois Glen Martin, recentemente cedidos pelos Estados
Unidos e que traziam ao prefeito do Norte os milhões que ele tinha
pedido ao Ministério de Finanças para movimentar sua tesouraria...
Agora, o prefeito do Norte, Fernand Carles, vê entrar em seu
gabinete um oficial alemão, que lhe pede que desça à rua e receba
seu general. Ele responde convidando o general a ira até ele.
“Aceitei fazê-lo - dir-lhe-á o vencedor - porque o senhor é o
primeiro funcionário francês que encontro no posto...”
Enquanto o inimigo penetra no
centro, 100.000 homens convergem para Lille, vindo de Orchies,
Pont-à-Marcq, Douais, Attiches. As aglomerações próximas, os
comboios militares que as estorvam, as multidões que os abarrotam
contribuem para a desorganização das unidades. A noite de 27 para
28 é escura como breu. Imensa multidão permanece numa obscuridade
pesada de angústia. As colunas se misturam. Imensos engarrafamentos
imobilizam quilômetros de massa humanas. Ninguém sabe o sentido e o
fim desta marcha de cegos, mas ouve-se dizer que a retirada cessou.
Muitos homens se deixam cair onde estão, no meio do material
abandonado e dos cavalos mortos. De madrugada, o General Juin,
comandante da 15ª DIM, está diante de Haubourdin, onde espera
atravessar o Deûle. Imensa multidão barra a sua chegada à ponte.
Ele desloca suas tropas através dos campos, e, voltando atrás,
instala-se em posição defensiva nos subúrbios do sul,
Wattignies-le-Lille, Ronchin, Abrisseau. Atacada algumas horas
depois, a 15ª DIM recua, combatendo nos arredores de Postes e Arras.
No oeste, constituem-se outros
centros de resistência: Lambertsart e Canteleu, onde o General
Mellier, comandante da 1ª Divisão marroquina, aglomera elementos
dispersos; Loos, onde o General Jenoudet forma em quadrado os
remanescentes da 1ª DIH, que não puderam acompanhar a fuga de seu
corpo de exército; Haubourdin, sobretudo, onde, atrás do canal do
Deûle, se reúnem forças considerável: a 25ª DIM e a 2ª e a 5ª
DINA. Molinié, o mais antigo dos generais, assume o comando da praça
e tenta coordenar a resistência dos restos esparsos do 1° Exercito.
Em Haubourdin, uma ponte está
intacta. Dame, comandante da 2ª DINA, um dos mais jovens
generais-de-divisão do Exército, exige que se tente uma abertura.
Isto ocorre às 19:30h, mas os atiradores não podem escapar. Alguns
elementos encontram outras passagens do Deûle. O chefe de esquadrão
Marquês de Moustiers, deputado por Doubs, comandando o grupo de
reconhecimento da 15ª DIM, levará seus cavalarianos até Dunquerque
- não sem graves altercações com os ingleses, que queimam seus
caminhões excedentes em vez de deixar que os infelizes aliados se
utilizem deles. Em Lille, a luta dura ainda três dias. Uma seção
do 38° RI aprisiona o General Hanke e com ele encontra a lista das
sete divisões alemães que atacam a cidade. Soldados bêbedos,
rufiões e prostitutas misturam-se aos combatentes que defendem
obstinadamente os centros de resistência. Poupando a população
civil, o atacante se abstêm de bombardeios em massa, multiplica as
conversações, faz chover panfletos informando aos defensores que a
resistência é inútil e que seus aliados ingleses embarcaram,
abandonando-os. Finalmente, a 31 de maio, Wogner, oferece ao General
Molinié as honras de guerra. Molinié aceita A 1 de junho, com sabre
e luvas brancas, seguido dos generais Dame, Mesmy e Jenoudet, ele
precede, na grande praça de Lille, um destacamento de honra, ao qual
os vencedores apresentam armas.
Espetáculo anacrônico!
Hitler mostra-o no dia seguinte, tirando a Wogner seu comando.
A armada das chalupas salva
a BEF
Enquanto se desenrola a
desesperada batalha de Lille, a situação em Dunquerque melhora para
os ingleses. O número de homens embarcados cresce dia a dia: 17.804
a 28 de maio; 47.310 a 29; 53.823 a 30; 68.014 a 31. Goering fora
demasiado otimista, pois a Luftwaffe se revela incapaz de capturar um
exército.
As perdas são grandes. As
docas e a enseada estão atravancadas de cascos rompidos. Dos 693
navios ingleses de todas as tonelagens que colaborarão na evacuação,
226 serão destruídos, entre os quais o navio postal Queen of the
Channel e 6 contratorpedeiros. Mas a fila continua dia e noite. O
embarque prossegue simultaneamente no cais oeste ou embarcadouro, no
cais de leste e nas praias. Lá, os navios encostam - operação que
se torna cada vez mais difícil, por causa dos destroços, e é
suspensa algumas vezes durante o paroxismo dos bombardeios; aqui,
longas filas de homens esperam, com os pés na água, o rosário de
embarcações que os conduzirão até os navios fundeados ao largo. O
mar, velho amigo da Inglaterra, está admiravelmente calmo. A menor
ressaca impediria a utilização das praias, reduziria à metade o
rendimento da retirada.
É nas praias que trabalha a
extraordinária flotilha voluntária que atendeu ao apelo do
Almirantado: pescadores e iatistas, marinheiros mercantes e
reformados da marinha. Eles foram arregimentados, rebocados, não sem
inúmeros incidentes, até a costa francesa coberta por um véu de
fumaça e atroante de explosões. O espetáculo pode até mesmo fazer
estremecer um coração acostumado. Os Stukas lançam-se sobre os
navios. Os estilhaços dos obuses de artilharia antiaérea ardem
sobre o mar. Cadáveres dançam na agitação da esteira dos navios.
Conduzir essas embarcações sobrecarregadas exige grandes esforços.
Jamais se conseguirá fazer uma lista completa dos homens e barcos
que se dedicaram a tão árdua tarefa. Muitas tripulações não se
dão ao trabalho de fazer seu registro, vão até as dunas de
Dunquerque e levam à Inglaterra a carga de soldados.
Lá em cima, a batalha aérea
é incessante. Para a recuperação do corpo expedicionário, a
Inglaterra expõe seu mais precioso tesouro: a força aérea, que ela
guarda cuidadosamente para a defesa de suas ilhas. Dezesseis
esquadrilhas do Fighter Command tem por missão manter a cobertura
sobre Dunquerque, desde o amanhecer até o crepúsculo: os aviões
britânicos abaterão 262 aparelhos alemães, perdendo 133 dos seus.
A surpreendente inação alemã
continua. O 3° CE francês e as mais afastadas divisões inglesas
podem sair de situações aparentemente sem solução. Ao anoitecer
do dia 28, a 4ª e a 42ª divisões aliadas ainda estão na linha do
Lys, mas no dia 29 à noite uma já voltou ao campo fortificado e a
outra está em segurança atrás do Yser. A 50ª e a 5ª, cuja
transferência, de Arras a Yores, preparou a capitulação belga e
salvou o corpo expedicionário, estão igualmente fora do alcance
alemão, depois de terem sido consideradas como sacrificadas. Mesmo
as unidades que mais se arriscaram, como a 135ª Brigada, bloqueada
em Cassel e, a 44ª Divisão, perdida entre Hazebrouck e Merville,
conseguem em parte livrar-se das garras inimigas. Diante de
Dunquerque, é antes de mais nada como espectadores que os alemães
assistem ao embarque. O chefe do Estado-Maior do 4° Exército,
General Brennecke, descreve o espetáculo a seu chefe, Von Kluge:
“Grandes navios atracam no cais. Jogam-se passadiços. Os homens se
precipitam para bordo. Abandonam todo o seu material, mas não é
agradável pensar que reencontraremos diante de nós estes homens
rearmados...”
Na noite do dia 30 todos
entraram na cabeça-de-ponte. Esta é delimitada pelo velho canal de
Mardyck, o canal do alto e do baixo Colme, o canal de Bergues até
Furnes e o canal de Nieuport. Nas saídas, amontoa-se uma quantidade
imensa de veículos que as unidades tiveram que abandonar antes de
penetrar no reduto. A cidade arde todo tempo, a Lufwaffe bombardeia
continuamente, mas os embarques prosseguem num ritmo acelerado. O 3°
Corpo britânico partiu. O 2° embarca. O 1° ainda está separado no
setor oriental mas a cabeça-de-ponte deve ser reduzida, no dia
seguinte, pelo abandono de Furnes e o recuo para o canal de Chats.
Lorde Gort não deixará seu PC de la Panne a não ser para voltar a
Londres, passando a Alexander o comando das últimas tropas inglesas.
O sucesso ultrapassava todas as expectativas: 126.000 homens foram
evacuados e seu número atingirá, no dia seguinte, quase 200.000.
Mas, neste total há somente 15.000 franceses.
Em Vincennes, a sexta-feira 24
de maio é o dia em que os véus se rasgam. Weygand percebe que não
salvará seus exércitos no Norte. Sabe que não poderá resistir a
um segundo assalto alemão, com as forças que lhe restam. Com
lágrimas nos olhos, ele expressa sua dor ao secretário-geral do
gabinete de guerra, Paul Baudouin: “Disse a mim mesmo que um
general vencido não tem mais o direito de viver. Por que não me
matei, domingo, em Etampes, na minha violenta aterragem?...”
Destruídos os exércitos do
Norte, restarão à França umas 50 divisões de infantaria, mais 10
divisões blindadas. Um novo combate deve ser considerado, para os
soldados, na razão de um contra três, e de um contra cinco, para a
aviação e os tanques.
Weygand vê e revê o
problema: 50 divisões numa frente de 540 km não podem formar senão
o que ele chama de “um dique de areia”. O exército dos Alpes,
alinhado diante de uma Itália cuja entrada na guerra é iminente,
foi reduzido ao mínimo possível. Na África do Norte, há ainda
algumas divisões, de que Weygand hesita em lançar mão, diante dos
protestos de Noguès, mas Paul Reynaud é o primeiro a lhe dizer que
é preciso lançar tudo na batalha contra os alemães e que é de
opinião de que se deve desguarnecer a África do Norte em proveito
da metrópole. Weygand chama então de Argel a 84ª e a 85ª DI. Pede
o repatriamento das tropas de Narvik, que acabam de ficar sob o
comando de Béthouart, e ordena a formação de duas divisões
ligeiras e de dois regimentos de infantaria com os que escaparam de
Sedan e os evadidos de Dunquerque. Mas o total desses recursos está
longe de lhe fornecer forças suficientes para organizar uma frente
sólida e, por maior razão, as reservas do que necessitaria para
contramanobrar ante o inimigo.
Sem condições para reforçar
seu front, Weygand pensa em diminuí-lo. Uma solução consiste em
abandonar a Linha Maginot, para cobrir Paris e o litoral - mas isto
apresenta o inconveniente de sacrificar os meios militares mais
poderosos que a França ainda possui e abrir o vale do Ródano à
junção de alemães e italianos. A solução inversa consiste em
abandonar o litoral e Paris, para reagrupar as forças francesas em
torno dos exércitos do Leste, intactos - mas isto acarretará a
ruptura de contato com as potências marítimas e levará ao cerco.
Weygand, portanto, é levado à conclusão de que a atitude menos
pior é a de resistir onde está, isto é, no Reno, na Linha Maginot,
no Aisne e no Somme. “Tática maleável e estratégia rígida”,
esta é a fórmula que adota, em vista de uma batalha desesperadora.
Tendo escolhido, o
comandante-chefe julga que é necessário esclarecer o Governo sobre
a gravidade da situação. Expõe sua concepção da batalha ao
Comitê de Guerra de 25 de maio e deixa claro que seu fracasso não
possibilitará mais nenhum recurso. “Podemos ser atravessados.
Neste caso, os restos do Exército deverão lutar até o esgotamento,
para salvar a honra...”A 29 de maio renova sua declaração sob a
forma de uma nota ao presidente do Conselho. “Talvez chegue um
momento a partir do qual a França se achará na impossibilidade de
continuar uma luta militarmente eficaz para proteger seu território.
Esse momento seria marcado pela ruptura definitiva das posições nas
quais os exércitos franceses receberam ordem de combater sem
disposição de recuo”.
Assim, o espectro da derrota
surgiu no meio dos conselhos governamentais. Isto fez levantar
terríveis problemas. Por meio de um tratado recente, ao qual ainda
falta a ratificação das Câmaras, a França e a Inglaterra
proibiram-se mutuamente de realizar negociações em separado.
Sem negar o valor jurídico do
comprometimento francês, o Presidente, Albert Lebrun, leva a questão
ao Comitê de Guerra de 25 de maio, formula a hipótese de “condições
relativamente vantajosas” oferecida pela Alemanha, declara que tais
condições deveriam “ser examinadas muito de perto, com a cabeça
fria”, e se pergunta “se esta liberdade de crítica não seria
maior antes da destruição dos exércitos franceses”. Que a
palavra “armistício” tenha ou não surgido no decorrer desta
deliberação e quem a pronunciou em primeiro lugar são coisas
secundárias. O fato é iminente. A França, virtualmente vencida,
deve encarar os dias que se seguirão a sua derrota. Os elementos
para os dramáticos debates do mês seguinte estão reunidos.
A desgraça dos exércitos
destroi a solidariedade interaliada. Também destroi a unidade
francesa. A questão das responsabilidades surge, na febre, no
esgotamento, na cólera, na humilhação arrasadora do desastre. Os
militares e os políticos - igualmente culpados - lançam-nas nos
rostos, uns dos outros. Pétain, que dissera aos franceses que seria
impossível uma invasão, extravasa sua indignação diante de uma
nota da presidência do Conselho dizendo que 15 generais haviam sido
substituídos em seus comandos. “Não posso admitir que façam
recair sobre o Exército os erros da política...”. Weygand, que há
um ano, declarava que o Exército francês nunca estivera melhor,
constata que a França cometeu “o grande erro de entrar na guerra
sem possuir nem o material, nem a doutrina militar que seriam
necessários”. Os grandes chefes não tem culpa de pensar que a
política detestável, a demagogia e a mentira permanente do regime
inundaram a energia nacional e aviltaram os corações. Mas o
Exército não foi indigno da política, por sua decadência
intelectual e seu apego preguiçoso a amputadas fórmulas de vitória.
Além da derrota, outras
preocupações surgem. Pétain não esconde que não é partidário
de uma luta mortal: “É uma coisa fácil e estúpida dizer que se
lutará até o último homem. Primeiro, diz-se e não se faz. Depois,
é criminoso, em vistas de nossas perdas na outra guerra e de nossa
pequena natalidade” ... Weygand está obcecado pelo medo de uma
revolução: “Se ao menos eu tivesse certeza de que os boches me
deixariam tropas suficientes para manter a ordem”... Por outro
lado, a retórica política sobre a luta mortal é repugnante. A
única forma de luta que poderia prolongar a resistência, depois da
destruição dos exércitos, seria uma insurreição nacional que
fizesse de cada casa uma fortaleza, de cada faca de cozinha uma arma
e de cada francês um herói. Nunca o país teve menos preparado para
esse suicídio patriótico, e aqueles que mais o defendiam são os
que mais fizeram para cultivar o materialismo e o ceticismo da nação.
Paul Reynaud responde à nota de Weygand. Ele rejeita a idéia de
fazer cessar o combate: “peço-lhes que estudem a defesa de um
reduto nacional em torno de um porto de guerra... Esse reduto
nacional organizado e abastecido como uma verdadeira fortaleza...
compreenderia principalmente a península bretã”. Paul Reynaud
acrescenta: “Minha intenção é recrutar duas classes e enviá-las
à África do Norte para que cooperem em sua defesa com armas
compradas no estrangeiro...”
A estratégia do presidente do
Conselho assim se define: um reduto bretão dando asilo ao governo, e
uma África do Norte, onde se reconstituiriam, graças ao domínio
dos mares, os meios de uma desforra. Certamente, não é um absurdo
em si. É uma concepção que se poderia ter tido antes do primeiro
tiro de canhão, se se tivesse tomado consciência da imensa
inferioridade militar francesa e da certeza de uma derrota em
território metropolitano. É uma posição de recuo que ainda se
poderia ter preparado, desde que a abertura de Sedan tivesse revelado
do que a campanha da Polônia não tinha ensinado ao governo e ao
comando franceses. Mas estamos no fim de maio, os principais recursos
militares estão destruídos, a França completamente desorganizada e
a totalidade de suas últimas forças se reúne para uma resistência
localizada que, se rompida, deixaria todas as estradas abertas até
as províncias mais longínquas e os portos mais afastados...
A 31 de maio, Churchill vai a
Paris, com Attlee, Dill, Ismay. Reynaud lembra que iria ter
desastroso efeito sobre a opinião pública saber que dos 165.000
homens embarcados em Dunquerque somente 15.000 eram franceses.
Churchill responde que o Comando francês é o maior responsável: os
ingleses receberam uma ordem firme e clara, embarcar, enquanto ainda
não sabe se os franceses querem embarcar ou não. Weygand, que se
apresentou, no Conselho, com botas enormes e esporas tilintante, diz
que não desejaria abandonar a cabeça-de-ponte antes de ter certeza
de que as divisões francesas de Lille estão liquidadas. Churchill
responde que infelizmente é preciso perder toda a esperança.
Chorando, diz que eu ordem para embarcar por últimos os feridos,
para salvar o máximo de combatentes. Espera agora retirar 200.000
homens, mas a totalidade do material e 1.000 canhões estão
perdidos. Acentua que, se uma pequena força alemã desembarcasse na
Inglaterra, ali só encontraria diante de si a resistência feroz da
população civil. As palavras são ásperas para a França, cuja
população civil sonha com tudo, menos opor uma resistência feroz
ao adversário.
Chega-se a um acordo quanto a
manter a cabeça-de-ponte até o momento em que se tenha certeza de
que nenhuma outra tropa aliada pode chegar ao mar. Depois, na emoção
comunicativa da reunião, trava-se uma disputa de generosidade
franco-britânica. Paul Reynaud manda escrever no projeto de processo
verbal que os ingleses serão os primeiros a embarcar. “Não! Não!”
- protesta Churchill, em seu francês acentuado e mímico - “Iremos
juntos, de braços dados”. Pede que o Exército inglês caiba a
honra de proteger os últimos embarques.
Em compensação, Reynaud e
Weygand enfrentam uma muralha de problemas quando pedem ao Primeiro
Ministro que lance a RAF na batalha decisiva que vai desenrolar-se
incessantemente em solo francês. Sem que eles desconfiem disso, a
questão já está resolvida. Poucos dias antes, o homem que não
cessou de combater o envio de toda a aviação de caça ao
continente, o Marechal-Chefe da RAF, Sir Hugh Dowding, pedira
audiência ao Gabinete de Guerra. Atendido, explicou que as campanhas
da Noruega e da França já lhe haviam custado 400 Hurricanes, o
equivalente a 16 esquadrilhas, e pediu que o Fighter Command “não
fosse sacrificado por mais tempo no altar da solidariedade
franco-inglesa”. Tudo para cobrir a retirada de Dunquerque,
inclusive os preciosos Spitfires. Para o resto, nada. Sir Hugh
esperava ter que sustentar uma luta particular contra Churchill,
apóstolo constante da aliança. Para sua grande surpresa, os
ministros deram-lhe razão sem discutir.
Salvo na questão da aviação,
a aliança franco-britânica parece estar intacta na Rua
Saint-Dominique. O mesmo não acontece em Dunquerque. Os incidentes
se multiplicam entre os aliados desunidos. Violenta manifestação de
hostilidade espera os primeiros soldados franceses que penetram no
porto, devido à ordem do “braço dado”. Os chefes não se
entendem muito melhor do que os soldados. Alexander entra em luta com
Abrial, a quem os ingleses apelidaram “Almirante Abri”. O
Almirantado diz que pretende concluir a 1o
de junho as operações de embarque, a totalidade dos ingleses
devendo ser repatriada naquela data. Weygand a Paul Reynaud
protestam, insistem para que os meios britânicos fiquem ainda por
mais alguns dias à disposição das tropas francesas. O Almirantado
só se inclina diante de uma ordem de Churchill.
Enquanto isso, os franceses
lutam corajosamente. Apesar das generosas intenções do
Primeiro-Ministro, são eles e não os ingleses que constituem a
última defesa de Dunquerque. A seleção foi feita. Nas dunas e nos
abrigos de Malo-les-Bains, uma multidão de homens debandados,
soldados que depuseram as armas e oficiais que abandonaram seus
soldados. Estes não superaram o choque que os transformou num
rebanho medroso. Reunidos pela guerra, canhoneados, bombardeados,
eles só esperam o momento em que cessará essa terrível balbúrdia,
e muitos preferem a captura à evasão por um mar no qual vêem
tantos naufrágios e destroços... Além do mais, há os outros, os
50.000 bravos que defendem a cabeça-de-ponte. Aqueles já não são
os fugitivos de Dinant e de Sedan, voltaram a ser soldados.
A oeste, os velhos reservistas
da 68ª DI, série B, conservam todas as suas posições até 2 de
junho; só no dia 2 perdem a cidade de Spicker, e no dia 3, à de
Mardyck aos arredores de Dunquerque. À sua esquerda, o setor
fortificado de Flandres, reforçado pelo 137° RI, defende primeiro
os velhos muros de Bergues, lado a lado com um batalhão de Loyals;
em seguida, depois da partida dos ingleses, recua passo a passo sobre
o istmo de Notre-Dame-des-Neiges, entre os pântanos de Petites
Moeres e as inundações de Coudekerque. Atrás, um pouco refeita da
marcha forçada que fez desde Lille, a 12ª DIM se instala próximo
ao canal de Chats, cobrindo sozinha, daí por diante, toda a parte
leste da cabeça-de-ponte. Seu chefe, o General Janssen, foi morto em
seu PC do Forte de Dunes, mas a divisão resiste encarniçadamente
durante os dias 1, 2 e 3. Plano, esponjoso, em parte inundado, o
pequeno campo de batalha tem aspecto estranho. A fumaça o recobre
como um nevoeiro artificial. Além de Dunquerque, inteiramente em
chamas, incêndios devoram a fábrica de aço de Firminy, a cidade de
Bergues, a usina de Saint-Pol, a secadeira de chicória de Teteghem,
os galpões repletos de linho e, em meio de explosões de cunhetes de
munição, o amontoado de material abandonado. Os alemães, agora
apressados em acabar com a coisa, atacam com coragem e determinação.
Dispondo em linha seis divisões, procuram uma abertura direta sobre
Dunquerque. Mas não dispõem de mais do que alguns tanques e, desde
que os homens estão habituados aos Stukas, o pequeno número de
regimentos espalhados em torno de Dunquerque encontra o combate para
o qual o exército tinha sido preparado. À base de três contra um,
o inimigo ganha terreno; não penetra em parte alguma. No dia 2 de
junho, os 4.000 últimos ingleses deixam as terras francesas. O
embarque de franceses dá prioridade ao Corpo de Cavalaria,
impacientemente esperado para a batalha iminente no Somme. A nuvem de
fumaça sobre Dunquerque constitui a melhor das proteções
antiaéreas, mas, no entanto, as perdas continuam tão elevadas, que
as operações no porto só são feitas durante a noite. A que se dá
entre os dias 2 e 3, e que o Almirantado declara ser a última,
assiste a um grande esforço inglês: 13 navios postais, 11
torpedeiros, 2 cargueiros, 5 dragas a roda, uma multidão de pequenos
navios e rebocadores engatando comboios de embarcações dirigem-se
para Dunquerque, reforçados por alguns navios de guerra e por uma
centena de barcos de pesca franceses. Infelizmente, as disposições
tomadas são falhas e muitos homens foram deixados na linha de fogo.
Vários navios esperam horas e partem vazios. Contava-se retirar
35.000 homens; apenas 26.000 partem.
Haverá, entretanto, ainda uma
noite. A mais emocionante. Novamente, a armada heteróclita deixa
Dover. A atividade aérea é fraca, mas os soldados da infantaria
inimiga estão a menos de 3 km do porto e das praias. O Almirantado,
excessivamente apressado, tinha feito com que fossem afundados dois
vapores entre os diques, mas esse engarrafamento não teve senão um
sucesso parcial e, uma vez mais, os navios salvadores tomam o seu
lugar ao longo do molhe leste, do embarcadouro ao cais de malo.
Disposições minuciosas tinham sido tomadas para que as tropas da
linha de proteção recuassem para Dunquerque sob a proteção de
dois escalões, ou barreiras que serão os últimos a perder contato
com o inimigo. Algumas peças de artilharia, algumas metralhadoras
continuam atirando para enganar. As culatras, as munições são
enterradas ou perdidas na areia. Os últimos cavalos são postos em
liberdade. Os homens deixam os postos de combate, formam pequenas
colunas, dirigem-se silenciosamente para o porto. Uma calma absoluta
reina no front. Os alemães dormem, esgotados pelos duros combates.
Mas a marcha atrasa. Os navios
acostaram com muita dificuldade, em razão do engarrafamento parcial
e da massa dos destroços. O embarque se faz relativamente rápido,
mas os que embarcam são, antes de mais nada, grupos de dispensados
antes do cair da tarde. Os combatentes, os defensores de Dunquerque,
os infantes artilheiros, sabotados da 68ª DI e da 12ª DIM do SFF,
caminha atrás de uma muralha humana, enquanto se escoam as horas,
tão preciosamente contadas, da última noite.
As ordens do Almirantado são
estritas: todas as operações devem cessar as 3:30h. As noites de
junho são curtas e os ingleses não querem correr o risco de perdas,
depois de todas as que sofreram. Ora, a testa da coluna da 12ª DI,
só chega à entrada do grande molhe às 3h, por encontrar diante de
si uma massa humana gozando da prioridade da presença. O SFF, que
deveria manter até o último momento na saída de Dunquerque, está
ainda mais atrás, sobre o cais devastado do porto. A 18ª DI e os
elementos da 32ª que tinha ao seu lado deviam embarcar no
ancoradouro, mas as abordagens são obstruídas pelos serviços do 1°
Exército. A esperança e a ansiedade são partilhadas por homens
extenuados por uma semana de combate. Eles estão tão próximos, a
noite e o mar estão tão calmos; e, no entanto essa expectativa...
Ao longo dos diques, os
últimos navios soltam as amarras. Os marinheiros retiram as pontes
de embarque. Os comandantes dos barcos sabem que o porto será
engarrafado, desta vez irremediavelmente, às 4h, e que eles ficarão
presos se antes disso não ganharem o mar. A bordo, o amontoado é
indiscritível. Mas o anúncio da alvorada, misturada ao clarão
avermelhado dos incêndios, faz ainda brilharem em terra milhares de
capacetes. Aqueles não partirão.
O oficial inglês que dirige o
embarque, o comodoro HR Troup, contará a cena suprema. O General
Allaurent, que comandou a última linha, acaba de chegar ao dique com
seu estado-maior. Diante deles, o fosso de água negra, o muro de uma
prisão que durará anos aumenta lentamente entre o paredão do dique
e o costado do torpedeiro. O general e seus oficiais batem os
calcanhares e saúdam a liberdade fugidia. Alguns minutos depois, a
explosão dos navios bloqueadores significa que a Operação Dínamo
está terminada.
A operação alcançara um
sucesso inesperado. Em lugar dos 45.000 homens que se esperava no
inicio, foram retirados do bolsão perto de 340.000, dos quais
115.000 franceses. A última noite foi ainda de bom êxito, pois
puderam ser embarcados 26.175 homens num porto destruído e no
pequeno intervalo de um crepúsculo e uma alvorada de verão. O
abandono angustiante dos últimos e o oferecimento de 34.000
prisioneiros válidos ao inimigo foram somente a conseqüência de
erros de cálculo sobre o numero de efetivos e da falta de
organização que deixou 10.000 lugares vagos nas embarcações de 4
de junho.
Todas as trombetas da
propaganda aliada proclama a nova Anábase. Essa proeza de salvamento
é usada como meio de apagar a derrota, o esmagamento, a destruição,
em menos de um mês, de três exércitos franceses, do exército
britânico, do exército belga e do exército holandês. Hitler manda
tocar durante três dias o sinos do Reich, anuncia sem exagero que
destruiu 75 divisões, tomou-lhes o material, matou ou capturou
1.200.000 soldados inimigos pelo preço, extraordinariamente baixo,
de 10.255 mortos, 8.643 desaparecidos e 42.523 feridos. Os Aliados
fingem ignorar estes dados terríveis para demonstrar que não há
cerco contra as potências marítimas e que o domínio dos mares é o
trunfo decisivo da estratégia. Talvez haja razão quanto à
Inglaterra. Mas a França está mortalmente ferida.
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