sexta-feira, 7 de outubro de 2016

A ação dos corsários

Luta no Mar
 
A ação dos Corsários
Corsários alemães
 
 
A partir de junho de 1941 os cruzadores auxiliares foram as únicas naves de superfície que se mantiveram em operações, no lado alemão. Mesmo assim, sua ação foi permanentemente prejudicada pelas novas armas empregadas pelos Aliados. Contudo, passaria muito tempo antes que as grandes rotas oceânicas fossem patrulhadas pelo ar a pela superfície dos mares, com a necessária eficácia para afastar a ameaça dos corsários. Com efeito, esta forma de guerra chegou ao fim somente em 1943. Quando o Scheer, em outubro de 1940, iniciou a sua missão no Atlântico, o Widder, que deslocava 7.900 toneladas e desenvolvia 14 nós de velocidade, entrava no porto de regresso de uma incursão pelo Atlântico, no curso da qual havia afundado onze barcos e capturado um petroleiro, com um deslocamento total de 66.000 toneladas.
 
A segunda nave corsária que regressou ao porto, na primavera de 1941, foi o cruzador auxiliar Thor, uma ex-baleeira de 3.900 toneladas e 16 nós de velocidade. Sua primeira presa foi um grande petroleiro, que, depois de capturado, foi enviado à França. Depois, internando-se no Atlântico setentrional, o Thor uniu-se ao Scheer e o acompanhou, por algum tempo, em sua campanha, atacando alguns barcos aliados. O primeiro deles foi o Alcântara, de 22.000 toneladas, seriamente danificado. Em dezembro de 1940, foi atingido o Carnavon Castle, de 20.000 toneladas. Em abril de 1941, depois de áspero combate, foi afundado o Voltaire, de 13.000 toneladas. Ao todo, como resultado final da sua primeira saída, 12 naves aliadas, com um total de 96.000 toneladas, foram postas a pique.
 
Em agosto de 1941, regressou ao porto o Orion, após uma missão que se prolongara por 17 meses. Na sua longa travessia, o Orion navegara pelos mares do sul e pelo oceano Índico. Entre os episódios que esse navio protagonizou, destaca-se, pela audácia demonstrada pela tripulação, o lançamento de minas no Golfo de Hauraki, diante de Auckland, em Nova Zelândia, sem ser visto.
 
Mais tarde, o Orion se reuniu ao Komet, proveniente do Estreito de Bering. O Komet com 3.300 toneladas e 15 nós de velocidade, era o menor dos corsários alemães; em compensação, os seis canhões de 150 milímetros e os dez tubos lança-torpedos de que era munido o convertiam em um dos mais fortemente armados.
 
Os dois navios operaram juntos, durante um certo tempo, nos mares do sul, afundando três navios especialmente preparados para o transporte de fosfatos. O Komet, por sua vez, canhoneou as instalações de armazenamento daqueles fosfatos na ilha de Nauru, interrompendo durante vários meses a provisão desse importante fertilizante.
 
O Orion, ao todo, afundou dez barcos inimigos, com um total de 82.000 toneladas. O Komet, por sua vez, destruiu sete, totalizando 42.000 toneladas.
 
O Komet atuou com êxito durante um certo tempo na rota Nova Zelândia-Canal do Panamá. Depois, ingressou novamente no Atlântico, cruzando o Cabo Horn. Em novembro de 1941 efetuou seu regresso ao porto, através do Canal da Mancha.
 
Os dois cruzadores auxiliares, Atlantis, de 7.900 toneladas e 16 nós, e Pingüim, de 7.800 toneladas e 16 nós, foram afundados pelos Aliados depois de um longo cruzeiro.
 
O Atlantis operou, principalmente, no oceano Índico, onde torpedeou dois terços das 22 naves que aprisionou, com um total de 146.000 toneladas.
 
A 22 de novembro de 1941, o Atlantis foi surpreendido por um cruzador inglês no Atlântico meridional, quando estava reabastecendo um submarino alemão. Depois de um curto combate, o corsário alemão foi posto a pique pelos disparos da nave aliada. Esta, em seguida, diante do perigo que representava a presença do submersível, afastou-se do local, sem recolher das águas os náufragos, que foram salvos, pouco depois, pelo Python, barco auxiliar de submarinos. Este último, no entanto, foi vítima de um cruzador aliado, indo ao fundo poucos dias mais tarde. Os náufragos, o bordo de barcos salva-vidas, foram rebocados por dois submarinos alemães que se encontravam nas proximidades. Finalmente, ao encontrarem-se com outros dois submersíveis, os tripulantes salvos das águas foram transferidos para eles. Os submarinos, sobrecarregados, rumaram para o norte. Na altura das Açores, por fim, se encontraram com quatro submarinos italianos, para os quais transportaram a metade dos náufragos, que regressaram então à sua pátria sem sofrer mais nenhum inconveniente.
 
Foi durante o seu cruzeiro pelo oceano Índico que o comandante do Atlantis equipou o Speybank, de 5.000 toneladas, como cruzador auxiliar, batizando-o de Doggerbank. No decorrer da sua missão esta nave lançou minas nas cercanias do Cabo das Agulhas, pondo a pique, com elas, três barcos aliados, que totalizavam 20.000 toneladas. Entre os cruzadores auxiliares, o Pingüim obteve os maiores sucessos, operando principalmente no oceano Índico e na zona antártica, próxima ao indico. Entre suas mais audaciosas incursões, conta-se o lançamento de minas nas proximidades de Sydney, Austrália.
 
O maior sucesso do Pingüim, porém, foi obtido graças à hábil interceptação das comunicações do telégrafo sem fio do inimigo. Enviando mensagens falsas, o Pingüim conseguiu atrair a uma armadilha três grandes naves norueguesas, dedicadas à pesca da baleia, capturando-as. Do mesmo modo, o navio corsário conseguiu apoderar-se de onze pequenas baleeiras. As três naves maiores foram imediatamente enviadas rumo à França, onde desembarcaram 22.000 toneladas de óleo de baleia. Dez das baleeiras também seguiram o mesmo rumo, tripuladas em sua maioria por marinheiros do Scheer, que acorrera em auxílio do Pingüim. Ao chegar ao porto, as baleeiras foram integradas numa flotilha de barcos caça-submarinos. A décima primeira baleeira foi posta a serviço na qualidade de nave de apoio do Pingüim. O petroleiro Storstadt, também, foi rebatizado com o nome de Passat e, depois de utilizado durante algum tempo como nave de apoio do Pingüim, foi transformado em lançador de minas. Cumprindo essa missão, espalhou minas diante de Melbourne e Adelaide; pelo menos, três barcos, com um total de 17.000 toneladas, foram perdidos em conseqüência dessa ação.
 
 
Fecham-se as garras
 
No dia 7 de maio, o Pingüim atacou e afundou um petroleiro na zona ocidental norte do oceano Índico. Na manhã seguinte, avistado por um avião de reconhecimento, sua posição foi comunicada a um cruzador pesado, o Cornwall. Este, após rápido deslocamento, cortou a retirada ao corsário alemão, obrigando-o a aceitar o combate. A luta desigual não tardou a se definir. Apesar de atingido por alguns projéteis do navio alemão, o cruzador inglês mostrou rapidamente a potência tremenda dos seus canhões de 203 milímetros. Um desses disparos atingiu em cheio um dos porões onde estavam armazenadas 130 minas. A gigantesca explosão destruiu totalmente o barco, sobrando apenas pouquíssimos sobreviventes. O Passat, por sua vez, conseguiu escapar, chegando incólume à Europa.
 
O resultado final da missão do Pingüim, que durou quase onze meses, foi a captura de 28 unidades inimigas, com um total de 136.000 toneladas; outros cinco barcos, totalizando 30.000 toneladas, foram afundados por meio de minas.
 
Nos primeiros dias de dezembro de 1941, o Thor partiu para uma segunda missão, e operando no Atlântico meridional e no oceano Índico, pôs dez navios a pique, com um total de 56.000 toneladas. Em fins de setembro de 1942, entrou em Yokohama, e ali, dois meses mais tarde, foi destruído por um incêndio provocado pela explosão ocorrida no barco auxiliar Uckermark, que estava ao seu lado.
 
O Michel, um barco polonês de 4.740 toneladas, armado como cruzador auxiliar pelos alemães, partiu de um porto francês, em março de 1942 e operou, com grande êxito, no Atlântico central e meridional e no oceano Índico. Em março de 1943, chegou ao Japão, depois de destruir 16 barcos aliados com um total de 106.000 toneladas. Uma interessante característica do Michel era a de contar a bordo com uma lancha rápida que era utilizada para efetuar ataques noturnos a navios que fossem avistados durante o dia.
 
O Stier era um cruzador auxiliar de 4.800 toneladas e 14 nós de velocidade, que partiu na primavera de 1942, cruzando, numa manobra arriscada, o Canal da Mancha. No mês de maio encontrava-se em mar aberto, pronto a iniciar suas aventuras.
 
Depois de afundar três barcos no Atlântico central, em fins de setembro deparou no seu rumo com o Stephen Hopkins, navio-mercante que lhe ofereceu séria resistência. O barco aliado, afinal, foi afundado, porém o Stier, atingido também, envolto em chamas, afundou rapidamente. Em sua curta campanha, o corsário alemão afundara quatro barcos, com um total de 29.000 toneladas.
 
Os corsários cedem
 
A partir desse momento, a Alemanha já não enviou mais corsários ao Atlântico. As defesas aliadas, coordenando a ação de aviões de observação, barcos de escolta e patrulha, e radares, tornaram impossíveis as aventuras de novos cruzadores auxiliares.
 
Em outubro de 1942, nas cercanias de Cherburgo, foi afundado o Komet, quando tentava forçar o bloqueio e alcançar o Atlântico para uma segunda missão.
 
O Togo, em fevereiro de 1943, procurando chegar ao mar aberto, conseguiu atingir Boulogne, porto em que se teve que abrigar ao ser atacado e avariado por uma bomba lançada pela aviação inimiga. O Michel, que já foi citado, operou entre os meses de maio e setembro de 1943 no oceano Índico oriental-sul, afundando quatro navios aliados, com um total de 32.000 toneladas. Ao regressar à base, porém, a 600 milhas da costa do Japão, foi atacado e afundado por um submarino americano.
 
Diante da "cortina" levantada pela defesa aliada, também as naves italianas tiveram que interromper as suas atividades e desistir dos seus intentos de forçar o bloqueio. Os barcos do Eixo navegavam, principalmente, entre os portos europeus e o Japão, transportando mercadorias essenciais para o esforço de guerra. O último barco italiano que zarpou rumo ao Extremo Oriente foi o Cortellazzo que partiu a 11 de novembro de 1942, enquanto o último que efetuou viagem de regresso foi o Orseolo, no fim de março de 1943.
 
No dia 8 de abril de 1943 produziu-se uma última tentativa sem êxito, porém. Foi a do Himalaia que, atacado por aviões aliados, teve que se refugiar no porto de Bordeaux.
 
Os "forçadores do bloqueio"
 
As últimas operações dos "forçadores do bloqueio" marcaram o final de um episódio que não voltaria a se repetir, ao serem intensificados o emprego dos aviões e do radar. Contudo, um minucioso balanço das atividades cumpridas até então, permitem revelar que o mais completo êxito acompanhara os corsários até aquele momento. De fato, os cruzadores auxiliares haviam enviado ao fundo do mar perto de 900.000 toneladas de barcos inimigos; esta cifra era semelhante à produção do ano inteiro dos estaleiros britânicos. Ao mesmo tempo, haviam obrigado dezenas de barcos de guerra a patrulhar dia e noite milhares de milhas quadradas de oceanos, para precaver-se da possível aparição do inimigo.
 
Durante as primeiras operações, o sucesso acompanhou a campanha, pelo fato de os comandantes alemães estarem de posse, segundo afirmou o Almirante alemão Friedrich Ruge, chefe do Estado-Maior da Kriegsmarine, dos códigos empregados pelos barcos aliados. Posteriormente, porém, um erro cometido pelo comandante de um corsário provocou uma mudança radical da situação. Esse comandante, quando procedia ao interrogatório de oficiais de um navio inglês que acabava de mandar para o fundo do mar, cometeu a imprudência de citar o fato. Esses prisioneiros foram mais tarde desembarcados numa ilha, onde foram recolhidos por outro navio aliado. A informação, então em poder dos marujos ingleses, chegou rapidamente ao comando naval de Londres, onde foram tomadas as providências imediatas para a mudança de todos os códigos utilizados.
 
Os comandantes dos corsários deviam atuar sempre com a máxima astúcia em seus cruzeiros pelos mares. Eis um exemplo que mostra claramente com que sutileza se comportavam corsários e "caçadores". O Pingüim, cruzador auxiliar, disfarçado de navio-mercante norueguês, foi divisado e sobrevoado por aviões aliados; estes, convencidos de que se tratava de um barco neutro, giraram para afastar-se quando um dos pilotos reparou num detalhe que pôs a perder os alemães: por que nenhum tripulante os havia saudado do convés, como faziam habitualmente?
 
Os "forçadores do bloqueio" prestaram ótimos serviços no começo das hostilidades. Porém, tendo sua eficiência diminuída cada vez mais, logo decaíram de importância prática. Nos dois primeiros invernos da guerra chegaram, provenientes de portos neutros, muitos barcos mercantes. Outros partiram, por sua vez, rumo ao Extremo Oriente. O programa de navegação previsto considerava a partida de doze barcos mercantes em cada inverno, rumo às costas longínquas do Japão, a fim de carregar materiais estratégicos indispensáveis para a manutenção da guerra. Entre esses materiais, ocupava o primeiro lugar a borracha natural, indispensável componente da sintética. Eram, também, necessários, molibdênio e tungstênio para a produção de aços especiais e produtos químicos e medicinais, assim como cobre e zinco, mica, chá e café. Por outro lado, os alemães enviavam ao Japão maquinarias e, numa ocasião, dois submersíveis do tipo IX-C.
 
De acordo com o plano inicial, o total das importações devia alcançar 50.000 toneladas anuais. Essas previsões, porém, eram extremamente otimistas e se afastavam muito da realidade.
 
No inverno de 1941 a 1942, nove das doze tentativas realizadas pelos navios do Eixo tiveram êxito. No inverno seguinte, somente quatro dos quinze barcos partidos do Japão chegaram às costas da França. Em 1943-44, uma só nave, de cinco, conseguiu passar pelo bloqueio.
 
Ao todo, de 31 barcos cargueiros que zarparam de portos do sudeste da Ásia, em viagem direta para a Alemanha, somente 17 chegaram à sua meta.
 
Nos últimos dois anos de guerra, o transporte de matérias-primas absolutamente indispensáveis foi efetuado, em escala reduzidíssima, por meio de submarinos. E também neste caso as perdas foram muito elevadas: de 13, somente 5 chegaram ao seu destino. O total de carga embarcada foi de 217.000 toneladas, das quais 114.000 (entre estas 45.000 de borracha) chegaram ao destino.
 
A odisséia do Kormoran
 
No dia 20 de novembro de 1941, o cruzador australiano Sydney era esperado em Freemantle, sudoeste da Austrália. Mas o Sydney nunca mais chegou ao porto. Até o dia 24, as estações de rádio enviaram chamados contínuos, numa busca incessante. No dia 24 foi que se teve a primeira notícia. Nesse dia, as bases aliadas captaram uma mensagem do petroleiro Trocas. O comunicado dizia que resgatara das águas vinte e cinco marinheiros alemães, que se encontravam em um bote, à deriva. Os alemães declaravam pertencer a uma unidade de guerra que havia posto a pique um cruzador inglês. Outros náufragos alemães foram salvos nos dias seguintes: o navio de carga Koolinda recuperou uma lancha com trinta marinheiros; o Aquitania, uma balsa com vinte e seis e o canhoneira Yarra, por fim, uma outra lancha, com setenta e dois. Outros marujos alcançaram por seus próprios meios o costa da Austrália. Ao todo, trezentos e quinze homens do navio alemão foram salvos. Todos, em geral, se limitaram a obedecer as ordens recebidas de não fornecer aos ingleses dados que lhes pudessem ser de utilidade em sua campanha e, simplesmente, declararam que sua nave era um mercante armado que havia naufragado em combate com um cruzador britânico. E, apesar da informação parecer realmente fantástica (era, de fato, difícil admitir que um mercante armado fosse capaz de destruir um cruzador), os ingleses tiveram que aceitar, muito a contragosto, o fato como real.
 
O Sydney não era um cruzador lançado recentemente no conflito. Tampouco sua tripulação estava em missão de treinamento, nem era formada por novatos. A belonave, que entrara em serviço em 1935, deslocava 6.830 toneladas e dispunha de um armamento de oito canhões de 152 mm, oito antiaéreos de 102, oito tubos lança-torpedos e numerosas metralhadoras. A blindagem era considerável e sua velocidade alcançava 32 nós. Da sua capacidade de combate já havia dado boa prova em 1940 quando, junto com cinco caça-torpedeiros, enfrentara dois cruzadores leves italianos, avariando um deles, o Colleoni. Os náufragos haviam dito, indiscutivelmente, a verdade. O Sydney fôra destruído e somente meses mais tarde, na praia da Ilha Chritsmas, a 1.760 km do local da batalha, foi encontrado o cadáver de um marinheiro inglês que trazia bordadas em seu uniforme as palavras "H. M. A. S. Sydney".
 
Duas semanas depois do desaparecimento do Sydney, o Comando Supremo alemão deu publicidade a um comunicado cujo texto dizia: "Nas proximidades da costa da Austrália, travou-se uma batalha naval entre o cruzador auxiliar alemão Kormoran e o cruzador australiano Sydney. Sob o comando do capitão de fragata Detmers, o cruzador auxiliar alemão superou o inimigo, muito superior em armamento e velocidade, e o pôs a pique. O Sydney, de 6.830 toneladas, afundou com toda a tripulação de 42 oficiais e 603 marinheiros. Em vista das grandes avarias sofridas no combate, o barco alemão teve que ser abandonado, depois do triunfo. Grande parte da tripulação foi salva e chegou à costa da Austrália".
 
O Kormoran fôra construído em Kiel, em 1938, e destinado ao tráfego com a América, sob o nome de Steiermark. Deslocava 9.400 toneladas e media 157 metros de proa a popa. Os motores diesel de que era provido, lhe proporcionavam uma potência de 16.000 HP e uma velocidade de 18 nós. Tecnicamente, era um barco moderníssimo.
 
Antes da eclosão da guerra, a marinha alemã decidira transformar seis velozes barcos mercantes em naves de guerra. Essas seis unidades constituiriam a primeira série de navios corsários destinados a interceptar a navegação aliada. Uma segunda série foi feita, mais tarde, com a maior presteza. Desta última fazia parte o Steiermark, rebatizado Kormoran. E este não era o seu único nome. Segundo a denominação em código do comando alemão, o barco era conhecido como Schiff 41 e, também, HSK 8. Os ingleses, para distingui-lo dos demais corsários, o chamavam Raider G".
 
A transformação anteriormente citada não consistia somente em instalar a bordo alguns canhões e tubos lança-torpedos; era necessário ainda adaptar o navio às novas condições das atividades que desempenharia. De fato, o barco teria que passar muitos meses longe de suas bases, sem possibilidades de receber abastecimentos nem combustível. Por outro lado, deveria estar em condições de dissimular o seu aspeto e poder ser transformado, rapidamente, "noutra" nave. Para tal fim, transportariam chaminés, mastros e estruturas de armação fácil, capazes de fazer variar o aspeto exterior.
 
No Kormoran foram montados seis canhões de 150 mm, quatro metralhadoras antiaéreas de 37 e outras tantas de 20, além de quatro lança-torpedos de 533 mm. Embarcaram-se, também, dois hidraviões de reconhecimento, uma lancha-torpedeira e 420 minas. A autonomia da nave era de 120.000 quilômetros, o que lhe permitia dar três vezes a volto ao mundo a uma velocidade de 10 nós.
 
A tripulação, cuidadosamente selecionada, ignoraria, até chegar ao alto mar, a verdadeira identidade e missão do navio. Somente o capitão tinha conhecimento das ordens.
 
Numa nevoenta noite de início de dezembro de 1940, o Kormoran abandonou Gotenhaven (a antiga cidade polonesa de Gdynia) e enfrentou mar aberto. O navio partiu apresentando o aspecto do cargueiro soviético Molotov.
 
O falso Molotov navegou rumo ao norte e a 13 de dezembro atravessou o estreito que separa a Islândia da Groelândia, seguindo a rota cumprida, cinco semanas antes, pelo encouraçado Admiral Scheer. Depois, rumou para o sul e se dirigiu para o oceano Atlântico.
 
A 6 de janeiro de 1941 o Kormoran fez sua primeiro vítima: o navio-transporte grego Antonis, nas proximidades das Ilhas de Cabo Verde. Foi a prova de fogo para o HSK 8 e tudo se desenrolou perfeitamente. O corsário se aproximou lentamente do navio aliado e depois, descobrindo os canhões, içou a bandeira de guerra da Kriegsmarine. Imediatamente, foi dada a ordem de abandonar o navio e não utilizar a instalação de comunicações. Minutos mais tarde, com a tripulação do barco grego em seus botes salva-vidas, alguns canhonaços foram suficientes para afundar o navio.
 
Doze dias mais tarde, o Kormoran encontrou em seu caminho o petroleiro britânico British Union, afundando-o nas águas do Atlântico central. O barco aliado ainda conseguiu emitir pedidos de socorro, porém, o Kormoran, escapou habilmente à perseguição. O cruzador auxiliar britânico Arawa, que, na escuridão da noite, chegou a divisar os clarões dos canhões do Kormoran, quando afundava sua segunda presa, lançou-se em seu encalço, sem resultado positivo.
 
Em seguida, já nas proximidades da costa do Brasil, o Kormoran realizou uma dupla caçada afortunada: o petroleiro Afric Star e o navio-transporte Eurylochus, que conduzia aviões para a frente de combate da África. Também estes dois barcos conseguiram emitir pedidos de socorro, antes de serem afundados pelos disparos do corsário alemão. Os tripulantes de ambos os barcos, aliás, foram transportados, na qualidade de prisioneiros, ao barco alemão Speewald. Neste, os cativos foram conduzidos à França e ali desembarcados.
 
O comando inglês, a esta altura dos acontecimentos, decidiu enfrentar a situação com uma tentativa de dar caça ao corsário inimigo. Enviou um cruzador pesado para patrulhar a rota das naves aliadas na altura de Serra Leoa, na África, e outro cruzador pesado para percorrer a zona na qual foram afundados os dois últimos barcos.
 
Enquanto isso, o Comandante Detmers conseguiu afastar-se da zona perigoso e, longe dali, encontrou-se com outros barcos alemães, o barco-cisterna Nordmark, que o abasteceu de combustível, o transporte Duquesa e o corsário Pingüim. É difícil compreender como, com toda a severa vigilância exercida pelos barcos de patrulha e pelos aviões aliados, os navios alemães puderam reunir-se, assim, quase sem nenhum risco. Porém, temos que concluir que a vastidão do oceano e a habilidade indiscutível dos capitães alemães, tornaram passíveis tais encontros.
 
Em meados de março, o Schiff 41 reabasteceu de combustível o submarino U-124 e, mais tarde, encontrou-se com o encouraçado Scheer; em seguida, reabasteceu de combustível aos submersíveis U-105 e U-106 e, por fim, a 22 de março, afundou o petroleiro aliado "A nita".
 
Três dias mais tarde, 25 de março, o Kormoran capturou o petroleiro britânico Canadolite, de 11.300 toneladas e transferiu para bordo do mesmo uma tripulação que deveria conduzi-lo a Bordeaux, na França.
 
Poucos dias depois ocorreu um novo encontro com petroleiros alemães e com o corsário Atlantis. Em seguida, duas novas vítimas aumentam a lista dos sucessos do Kormoran: uma delas é o transporte inglês Craftsman, carregado com redes de aço destinadas a proteger o porto da Cidade do Cabo.
 
A esta altura dos acontecimentos, o Comandante Detmers, do corsário alemão, julgou prudente uma mudança de local para continuar as operações. De fato, o setor do Atlântico, muito patrulhado, se convertera numa zona extremamente perigosa, que podia em pouco tempo transformar-se em armadilha mortal. Por isso, Detmers decidiu aproar para o oceano Índico, disfarçando o barco que, a partir daquele momento, assumiu o aspecto de um cargueiro japonês, o Sakito Maru. Os marinheiros, trabalhando arduamente, pintaram todo o barco de preto, e inscreveram, com letras garrafais, o novo nome do navio. Também grandes bandeiras japonesas foram pintadas nos costados do barco. Nas quatro semanas seguintes, nenhum navio inimigo foi avistado e apenas ocorreu um encontro com outra nave alemã, o transporte Alstertor.
 
Detmers resolveu trocar novamente o aspecto do Kormoran que, desta vez, se transformou no mercante Kinko Maru, também japonês. Um momento em que a situação assumiu um aspecto grave para o corsário foi quando surgiu um cruzador auxiliar britânico, que, navegava com as luzes apagadas. O encontro, contudo, não se produziu e os barcos se afastaram sem combater.
 
Um perigo maior se apresentou a 24 de junho, poucas horas antes da projetada colocação de minas na entrado do porto de Madras. Também nesta oportunidade foi um cruzador auxiliar, o Canton. Este, porém, obedecendo as instruções que lhe ordenavam evitar incidentes com barcos do Sol Nascente, evitou o encontro com o que acreditou ser um navio japonês. Porém enviou, imediatamente, uma mensagem cifrada perguntando se o Kinka Maru era esperado em Madras. Afinal, enquanto no Kormoran a tripulação se preparava para a batalha iminente, o Canton, inexplicavelmente, se afastou.
 
Dois dias mais tarde, o barco alemão encontra na sua rota duas novas presas: o mercante iugoslavo Velebit e o inglês Mareebo. Os dois navios foram canhoneados e afundados rapidamente
.
A esta altura dos acontecimentos, o Kormoran atingiu já sete meses de campanha ininterrupta. Os motores do barco que até aquele momento corresponderam perfeitamente necessitam de indispensáveis reparos. E Detmers, desejando manter sua nave em perfeitas condições de navegação, decidiu escolher uma afastada região do Índico para proceder a uma minuciosa revisão geral. Antes de paralisar suas andanças, o comandante alemão ordenou uma nova transformação do navio, que assumiu a aparência do Straat Malakka, mercante holandês.
 
Em seguida; o barco alemão foi submetido a uma rigorosa revisão dos seus motores para, logo depois, reiniciar suas tropelias.
 
A primeira presa do novo período e, ao mesmo tempo, a última de sua existência de corsário, foi um mercante grego, detido e afundado no dia 10 de setembro. Depois, em busca de novas vítimas, iniciou um prolongado cruzeiro através do Índico, sem resultados positivos. Detmers, uma vez mais, decidiu mudar a zona de suas atividades, e aproou rumo à Austrália.
 
O começo do fim
 
Por volta das quatro da tarde de 19 de novembro de 1941, o HSK 8 navegava a 10 nós de velocidade, a 300 km a oeste da Austrália, rumo ao norte. Os vigias, atentos, exploram o horizonte com potentes binóculos. De súbito, um dos homens grita: "Nave à proa, um pouco a estibordo!" Apesar do rumo de ambos os navios, quase paralelo e em sentido oposto, os alemães percebem que têm diante deles a inconfundível silhueta de um cruzador inimigo. E necessário apelar para a astúcia e assim age Detmers. O comandante alemão ordena ao seu timoneiro que altere a rota e comece a afastar-se do navio inimigo, aumentando gradualmente a velocidade do barco. Porém, são percebidos pelo barco aliado, que, por sua vez, altera a sua rota e se dirige para o Kormoran, acelerando a marcha. A velocidade do corsário passa de 10 a 15 nós e a do cruzador de 20 para 25. A caçada se inicia.
 
Detmers, marujo experiente e combatente astuto, pensa rapidamente: "O que faria um barco realmente holandês nessa situação?" e sem hesitação, ordena ao seu radiotelegrafista que lance pedidos de socorro. Estes cortam os ares imediatamente: "... RRRR Straat Malakka... Estamos sendo atacados por uma nave corsária inimiga. Nossa posição: 26° 33' sul, 111° 00' leste". Os vigias, enquanto isso, estudam nervosamente a atitude do cruzador inimigo. O Sydney, sem diminuir a velocidade, já está bem perto. Da ponte da belonave aliada, um sinaleiro começa a agitar suas bandeiras: "Exibam o prefixo". Detmers, procurando ganhar tempo, manda ascender a um dos mastros os letras que caracterizam o barco holandês internacionalmente: "PKQI".
 
No Sydney, contudo, não é aceita aquela informação precária. E reiteram: "Exibam o prefixo em código". Trata-se de um código que todos os navios aliados conhecem e o Kormoran logicamente, desconhece.
 
Nesse momento, a distância que separa os dois barcos é de 1.200 metros. Detmers compreende que chegou o momento de arriscar tudo contra o Sydney. E sabe que os instantes são preciosos, diante das negras bocas dos canhões do cruzador australiano.
 
Uma ordem partiu dos lábios de Detmers: "Abaixo as falsas estruturas! Abram fogo! Lancem os torpedos!"
 
Um segundo mais tarde, o estrépito das falsas paredes caindo une-se com o estrondo dos três canhões de 150 mm rompendo fogo. As metralhadoras de 37 mm, também, varrem com seu fogo, a nave inimiga. E no mastro mais elevado, a bandeira de guerra da Kriegsmarine, se eleva rapidamente.
 
Dois torpedos são lançados e começam sua vertiginosa corrida para o Sydney. O cruzador australiano, surpreendido por esse furacão de fogo que não tardou mais que dez segundos para desencadear-se, recebeu a descarga em cheio. A resposta, porém, não se fez esperar. Os canhões do Sydney vomitam fogo, atingido, à queima-roupa, o Kormoran no setor do depósito de combustível. Ao mesmo tempo, um torpedo do barco alemão explode no cruzador inglês, colocando fora de combate uma de suas torres de 152 mm. A batalha atinge assim uma extrema violência. A curta porém intensíssima refrega começa a se definir quando o Kormoran se vê, de súbito, envolvido numa densa nuvem de fumaça negra e as chamas rubras começam a lamber o convés. Os marujos alemães, abandonando seus postos, dirigem-se para os botes salva-vidas, num salve-se quem puder. O corsário alemão abandona a luta, derrotado. Porém, não sem antes arrastar consigo o inimigo. O Sydney, de fato, permanece um instante à deriva, para depois explodir com incrível violência; começa então a naufragar...
 
O desigual combate se conclui com o afundamento das duas naves. E o Kormoran ficou sendo protagonista de um episódio incrível: o de um mercante armado que luta e afunda um cruzador inimigo.
 
 
Anexo
 
Bases
As bases de submarinos mais importantes na Alemanha e nos países ocupados, eram:
1) Hamburgo, na Alemanha.
2) Brest, na França.
3) Lorient, na França.
4) Saint Nazaire, na França.
5) Bordeaux, na França.
6) Le Havre, na França (foi, eventualmente. utilizado como base de submarinos)
7) La Pallice, na França.
8) Trondheim, na Noruega.
 
 
Fogo!...
Era outono de 1944 e o submarino alemão flutuava num mar sereno sob um céu límpido. A visibilidade era boa.
- Barco a vista! - gritou o vigia. - Submergir! - ordenou o capitão.
O "U" fechou suas escotilhas e mergulhou. Os ruídos começaram a se tornar opacos, adquirindo um som peculiar. O comandante tirou o barrete e pregou o olho no periscópio. Pouco a pouco, o diminuto ponto descoberto pelo vigia foi-se definindo. Eram três destróieres que avançavam, agora abrindo em leque a formação. Provavelmente, haviam avistado o submarino.
O comandante defrontava-se com duas alternativas: travar batalha ou fugir simplesmente. Não foi necessário pensar muito. Com os destróieres nos calcanhares, poucas eram as possibilidades. Decidiu atacar.
- Leme a bombordo! Força máxima! ... Toda velocidade nesse rumo! Escolheu o destróier do centro. Os navios ainda não estavam suficientemente separados e uma boa explosão no meio da formação poderia atingir a todos.
- Prontidão, torpedo um! ... - em seguida - Proa, disparar! Fogo!
O submarino pareceu apenas balançar suavemente. O navio do centro voou em pedaços. E o "U" sofreu, então, uma violenta sacudidela.
O capitão voltou ao periscópio. Um dos destróieres dirigia-se em linha reta contra ele. O outro, enquanto isso, navegava obliquamente.
- Toda velocidade!... Torpedo dois!... - O comandante segurou a ordem de fogo; esperou que o barco se aproximasse mais ainda. A tensão era tremenda. Se nesse momento explodissem cargas de profundidade estariam perdidos. Porém, aparentemente, também o capitão do destróier queria aproximar-se mais.
-Fogo! - bradou o alemão.
O impacto atingiu a popa da nave aliada. No submarino não havia tempo para averiguar se o impacto era mortal.
Rapidamente, buscaram as profundezas para proteger-se.
O destróier desprendia fumaça e sua marcha era cada vez mais lenta. O "U" continuou algum tempo ainda mergulhado até que, afinal, o capitão deu ordem para subir. Quando emergiram, encontraram o mar sereno sob um céu límpido. Era outono de 1944 e a visibilidade estava muito boa.
 
 
Déficit de submarinos alemães
Meses
Programados
Produzidos
1944
 
 
Fevereiro
1
 
Março
3
 
Abril
6
1
Maio
11
1
Junho
16
3
Julho
19
6
Agosto
28
11
Setembro
37
19
Outubro
42
22
Novembro
42
29
Dezembro
40
36
1945
 
 
Janeiro
42
24
Fevereiro
44
16
Março
46
12
Abril
46
 
 
No presente quadro podemos apreciar a normalização da fabricação de submarinos (tipos 21 e 23) até dezembro de 1944, e, logo após, sua rápida queda nos quatro meses seguintes.
 
 
Onde nasciam os submarinos
A Alemanha reativara a produção de submarinos a partir de 1935. Os progressos técnicos acumulados durante a Primeira Guerra Mundial desenvolveram-.se com algumas interferências, devido ao Tratado de Versailles.
Ao começar a Segunda Guerra Mundial, os alemães possuíam sete grandes estaleiros para a fabricação de submarinos. Os principais eram:
1) Estaleiro Howsldswerke und Blohm-Voss, de Hamburgo.
2) Estaleiro Wesser und Deschimag, de Bremen.
3) Estaleiro Vulkan, em Dantzig.
4) Estaleiro Neptun, em Rostock.
Existiam estaleiros menores, adaptados depois do início da guerra, cuja produção era menor, em:
1) Emden
2) Wilhelmshaven
3) Flensburgo
4) Kiel
5) Lubeck
6) Stettin
No interior da Alemanha havia indústrias menores que fabricavam peças avulsas e instrumental para submarinos. Estas fábricas enviavam sua produção aos estaleiros da costa e achavam-se situadas nos seguintes lugares:
1) Essen
2) Dusseldorf
3) Mahnheim
4) Karlsruhe
As fábricas de motores marítimos e de acumuladores especiais constituíam outra contribuição importante. As principais fábricas de motores marítimos, na época, eram:
1) Man em Augsburgo, que fabricava a metade dos motores Diesel utilizados nos submarinos.
2) Humboldt-Deutz und Diesel, em Colônia, seguindo-se em ordem de importância à anterior.
3) Burmeister-Wain, em Compenhague, incorporada a força, quando a Dinamarca foi ocupada.
Quanto às fábricas de acumuladores, destacavam-se:
1) Acfa, em Hannover.
2) Hagen, no Ruhr.
3) Uma fábrica instalada em Viena, Áustria.
4) Uma fábrica instalada em Posen, Polônia.
Estas duas últimas fábricas foram instaladas durante a guerra, e logo após a ocupação destes territórios.
 
 
A versão de King
Transcrevemos declarações do Almirante Ernest King, chefe das Operações Navais dos Estados Unidos, numa entrevista à imprensa: "Nunca se viu tantos homens cruzando os mares como durante a atual guerra. Os oceanos e os mares, as águas cercadas de gelo do Ártico e as vastas extensões pontilhadas de ilhas do Pacífico Sul tiveram que ser consideradas como zonas de guerra. Ao deflagar a guerra no Pacífico, as armadas aliadas se propuseram proteger, para o transporte marítimo, todos os mares. Estabeleceram-se três objetivos: vencer a ameaça submarina alemã no Atlântico; manter os japoneses ao norte das rotas marítimas da Austrália e Nova Zelândia; reabertura das rotas do Mediterrâneo.
Era impossível, ainda, vislumbrar quando se alcançariam esses objetivos.
Os submarinos afundavam barcos diariamente nas águas norte e sul-americanas. As perdas, devido a esses ataques, eram devastadoras num setor do Atlântico onde não se conseguia dar aos barcos a devida proteção aérea provinda de bases terrestres. A luta foi, a princípio, encarniçada. Somente a marinha dos Estados Unidos perdeu mais de quinze mil homens e a cifra dos feridos chegou a vinte e cinco mil. Em meados de 1943, as forças navais haviam perdido um encouraçado, cinco porta-aviões, nove cruzadores, quarenta e dois destróieres, dezessete submarinos e sessenta e seis barcos de outros tipos; um total de 140 navios de guerra. Não foram menores as perdas das forças navais das outras nações aliadas no Atlântico e no Mediterrâneo. As perdas foram sérias, mas desde que pusemos em ação o plano conjunto para vencer a ameaça submarina, em meados de 1943, calculamos que, em seis meses, foram afundados 150 submarinos alemães, capturando-se grande parte de suas tripulações. A solução que encontramos para o ataque aos submarinos foi o emprego combinado de aviões, navios de guerra e porta-aviões, especialmente um tipo de porta-aviões de tamanho reduzido, de rápida construção.
Com a cooperação para o bem da causa comum de outras repúblicas americanas, estabeleceram-se bases aéreas nas costas norte e sul-americanas, nas ilhas da Inglaterra, e em todos os lugares de onde se pudessem enviar aviões para patrulhar as rotas marítimas do Atlântico. Voando baixo, quase raspando as ondas, os pilotos localizavam os submarinos ou seus rastros e, muitas vezes, conseguiam afundá-los, lançando bombas do ar, ou transmitiam pelo rádio suas posições aos navios de guerra que mais tarde os perseguiam. O pessoal militar e as forças navais dos países americanos prestaram valiosa contribuição à campanha. Em qualquer parte em que os aviões, partindo de bases terrestres, pudessem patrulhar o mar em número suficiente, diminuíam os afundamentos. Os alemães tiveram, por fim, que cessar suas operações submarinas em grande escala nas águas americanas.
O objetivo da campanha submarina de Hitler era evitar que a substancial ajuda dos Estados Unidos em homens e abastecimentos cruzasse o Atlântico.
A prova evidente que esta campanha foi irremediavelmente frustrada, se traduz nos comboios repletos de munições e abastecimentos que chegam intactos à Inglaterra e à Rússia, e no grande número de tropas americanas bem treinadas e equipadas, acantonadas no outro lado do Atlântico. Embora a ameaça submarina, de certo modo, perdure enquanto durar a guerra, não será exagerado dizer que a batalha do Atlântico está quase terminada."
 
 
A segunda oportunidade
Graham era veterano na luta anti-submarina, ou pelo menos esse era um dos grandes problemas da sua vida há quatro anos. Ao se iniciar a guerra, fôra nomeado comandante da fragata Anubis, uma nave recém-saída dos estaleiros britânicos. Sua vida como comandante teve a duração da vida da fragata; escoltava um comboio no Mar do Norte quando um submarino alemão a afundou.
Graham levou alguns meses recuperando-se em um hospital e esperando novo destino. O Almirantado tornou a confiar-lhe uma fragata, que Graham batizou novamente de Anubis.
Em meados de 1944 navegava novamente pelo Mar do Norte escoltando um comboio. Havia um certo clima familiar para o comandante, o que constituía, ao mesmo tempo, um motivo de temor e de desafio.
O radar entrou em contato com o submarino lá pelas quatro da tarde. Tentaram precaver-se contra o ataque, porém, uma hora mais tarde, dois cargueiros leves voaram pelos ares quase ao mesmo tempo. Graham perdeu então, a noção que leva os homens comuns a distinguir o dia da noite, e o descanso do trabalho; para ele, o tempo era igual e sem importância, pois somente abrigava uma idéia: apanhar o submarino.
Subia e descia várias vezes; o operador do radar chegou a considerá-lo um membro qualquer da tripulação. Em nenhum lugar do navio demorou-se mais de vinte minutos. O submarino se afastava lentamente e, por volta das oito da noite, perderam contato com ele.
Graham ficou desesperado, porém, precisava conter-se, para encontrar o submarino: paciência, intuição e concentração; por enquanto só paciência. Na madrugada do dia seguinte, Graham estava esgotado; foi recostar-se, mas virava e revirava em seu beliche. Finalmente, acordou o médico e lhe pediu um sonífero.
-Isto o fará dormir por algumas horas - disse-lhe o doutor Wilson dando-lhe um comprimido branco. - O senhor está muito esgotado. Graham pegou o comprimido e o copo de água que lhe estendia o médico, e ia beber quando falaram pelo alto-falante: - Capitão, entramos novamente em contato com o submarino!...
Graham cuspiu violentamente a pílula e devolveu o copo para o doutor. - Daqui a pouco vou poder dormir! - gritou, saindo às carreiras do camarote.
O Anubis começou uma caça implacável. Em poucos minutos semeou seu trajeto com bombas de profundidade. Porém o submarino não dava sinal de vida. Por um momento, pensaram que escapara novamente. Graham praguejou durante as quatro horas seguintes até que, com sol a pino, o "U" surgiu na superfície.
- Aos canhões! - bradou o capitão.
A tripulação do submarino tentou defendê-lo, mas uma descarga bem na linha de flutuação demonstrou que o "U" estava perdido. Começaram a atirar-se às águas.
Sujos de petróleo e esmorecidos de frio foram recolhidos, um por um, pelos homens do Anubis.
Era a primeira vez que Graham via marinheiros alemães de perto. Dirigindo-se ao seu imediato, comentou com um quê de nostalgia: "Fazem-me lembrar os tripulantes de minha primeira fragata quando fomos recolhidos por um cruzador americano...
 
 
O tubarão e os peixes pequenos
Em certos lugares do Atlântico, apesar da proteção das escoltas, as travessias eram sumamente perigosas; as perdas causadas pelos submarinos continuavam sendo vultosas. A solução do problema foi devida, em parte, a uma mudança de orientação na construção de porta-aviões. Ao começar a guerra, os únicos porta-aviões aliados eram gigantes do mar, com cobertas de vôo medindo mais de 200 metros de comprimento. Mas o número disponível para patrulhar grandes extensões do Atlântico era limitado, visto que eram necessitados com urgência no Pacífico, e se requeria anos para construir-se uma frota desses gigantes.
Começou-se, então, a estudar a possibilidade de construir-se porta-aviões menores e rápidos, com tripulações de aviões navais aperfeiçoados e que pudessem decolar em pistas reduzidas. Um dos recursos foi fabrica-los tendo por base os cascos de navios mercantes comuns. Por outro lado, aperfeiçoaram-se notavelmente os processos de construção. Nos Estados Unidos começaram a ser construídos em grandes quantidades. Os porta-aviões pequenos cumpriram então, o papel de navios-escoltas, atacando os submarinos que se encontravam fora do alcance dos aviões com bases na costa. Uns cinqüenta, integralmente fabricados nos estaleiros americanos, ganharam alto-mar em comboios, e seus aeroplanos, com a ajuda dos destróieres, diminuíram em muito as perdas no Atlântico.
Um desses navios, que protegia um comboio no Atlântico, atacou com seus aviões durante a travessia seis submarinos. Dois foram a pique e outros quatro fugiram avariados.
O primeiro ataque ocorreu ao amanhecer. Um piloto lançou bombas de profundidade contra um submarino que avistara na superfície, mas não pôde constatar se o afundara ou avariara.
Nos dias seguintes, dez ataques se efetuaram. No primeiro dia, pela manhã, um aviador atingiu em cheio um submarino, que permaneceu à deriva durante uma hora, até que foi ao fundo; mas não havendo por perto navios de guerra que atestassem o afundamento, não pôde ser considerado oficialmente destruído.
Dois mais foram a pique antes do meio-dia, e, à tarde, outro mergulhou, seriamente atingido pelas cargas de profundidade.
A tripulação jogou-se ao mar e foi recolhida por um navio de guerra aliado. No dia seguinte, outro explodiu, salvando-se o capitão e dezessete tripulantes. Nesses combates, o porta-aviões perdeu cinco aviões, porém o comboio chegou intacto ao seu destino.
 
 
Cirurgia no mundo silencioso
"Agora estão dando éter a ele" sussurrava-se no compartimento dos torpedos da popa. "Já está começando a dormir! Está prontinho para ser aberto!"
A cara de um marinheiro apareceu: - Procure manter-se na horizontal, Jake - disse ao encarregado do leme de imersão de proa -. Já está cortado. Estão fuçando agora!
Os que "fuçavam" estavam reunidos em torno de uma mesa, com os braços enfiados em pijamas, vestidos de trás para diante. Dos seus rostos cobertos, a única coisa que se vislumbrava era a expressão ansiosa dos olhos. E o que procuravam era, nada mais, nada menos, que um apêndice, em má hora inflamado, de Dean Rector, o hidrofonista de bordo. Completara dezenove anos na véspera; e como presente de aniversário, aparecera aquela dor aguda e insuportável.
Num instrumento parecido com um grande relógio estava marcada a profundidade em que o submarino se encontrava. Sobre suas cabeças, nas águas inimigas, passavam e repassavam, com as hélices barulhentas largando uma esteira de espuma, os caça-submarinos japoneses.
Não se podia sequer pensar num médico da marinha num raio de milhas e milhas ao redor. Que fazer? Para evitar que o apêndice supurasse não havia outro remédio senão operar Rector. E isso tinha que ser feito por eles mesmos, seus próprios companheiros de trabalhos e perigos, os próprios tripulantes do submarino.
O "operador-chefe" foi Wheeler Lipea, sargento de vinte e três anos, do Corpo de Saúde, que passara três anos no Hospital da Marinha de Filadélfia, onde tomava conta de um cardiógrafo. Uma ou duas vezes, por mera curiosidade, viu os cirurgiões do hospital na faina de extrair um apêndice. A anestesia era mais complicada. Sob a superfície, a pressão existente no interior do submarino é superior à atmosférica. Daí a necessidade de absorver maior quantidade de éter.
Os cirurgiões improvisados não sabiam quanto tempo ia durar a operação, nem se haveria éter suficiente para manter a anestesia até o final. Escolheram a mesa da sala dos oficiais, sala que nos submarinos tem as dimensões de uma saleta de carro-dormitório. De um lado e de outro, existiam bancos presos à parede.
A mesa ocupa todo o compartimento. É preciso entrar já com as pernas dobradas como se fosse sentar. A mesa tinha o comprimento estritamente necessário para que o operado não ficasse com os pés balançando.
Não creio que jamais se haja realizado uma operação cirúrgica mais democrática que aquela. Todo mundo, desde o oficial de curso até o cozinheiro, desempenhou nela um papel consciencioso.
O cozinheiro adaptou a máscara para a anestesia; um coador de chá invertido, coberto de gase. O cirurgião teve por ajudantes, oficiais superiores em idade e hierarquia. O anestesista foi o Tenente Franz Hoskins, oficial de transmissões.
Antes de levar Rector à sala de operações, o comandante do submarino, Tenente-de-Fragata Ferrall, de Pittsburgh, pediu a Lipes que falasse com ele:
- Olha, Dean - disse Lipes -. Eu nunca fiz uma operação antes... Mas tenho que te prevenir que se não te operamos, você será um homem ao mar, de qualquer maneira... O que é que você diz?
- Compreendido, doutor - respondeu o moço - Pode abrir...
Era a primeira vez na sua vida que Lipes ouvia alguém chamá-lo de "doutor".
O operador e seus ajudantes colocaram suas máscaras de gase. Os mecânicos amarraram bem os seus pijamas, ao contrário. O instrumental estava muito longe de ser o mais apropriado para uma verdadeira operação cirúrgica. O bisturi, por exemplo, não tinha cabo. Porém, os marinheiros de submarinos são, em geral, gente habilidosa e improvisadora. Na farmácia portátil havia alguns hemostatos, essas pinças que se usam para obturar vasos sanguíneos - e o primeiro maquinista transformou um deles num cabo para o bisturi.
Moeram algumas pastilhas de sulfanilamida para usá-las como anti-séptico. Porém, como manter separados os bordos do corte depois de praticar a incisão? Como arranjar os afastadores que os cirurgiões utilizavam para esse fim? Virou-se e revirou-se a farmácia. Nada havia ali que, mesmo remotamente, pudesse resolver o caso. Apelou-se então para o arsenal da cozinha. De quem foi a idéia luminosa? Nunca se soube, mas o fato é que alguém apareceu com umas colheres dobradas em ângulo reto que serviram como afastadores.
E para esterilizar? Os torpedos então funcionaram como algo mais que mensageiros da morte e do extermínio. Extraiu-se álcool do mecanismo de explosão de um deles. Colocaram também a ferver uma boa panela de água. Chegou então o momento da operação. Rector, intensamente pálido, deitou-se na mesa. Mergulharam umas luvas de borracha no álcool do torpedo. Depois colocaram-nas no cirurgião. Eram um pouco grandes. As pontas dos dedos ficaram frouxas. Um dos circunstantes não pôde agüentar uma comparação: - Estás parecendo o Mickey Mouse. - Lipes esboçou uma careta à guisa de resposta, por trás da máscara. Olhou seus ajudantes. Fez um sinal com a cabeça. Hoskins cobriu a cara de Rector com a máscara de anestesia.
O cirurgião, valendo-se do antigo processo manual de medida, apoiou o dedo mínimo no umbigo de Rector e o polegar na ponta do ilíaco ântero-superior. Onde o dedo indicador bateu, era ali o ponto - que os médicos chamam de McBurney - em que devia ser feita a incisão.
Ao lado de Lipes estava o seu primeiro ajudante, o Tenente Norwell Ward, cuja missão consistia em colocar as colheres como afastadores, à medida que Lipes fosse penetrando nas camadas musculares. Ao Tenente Charles Maning coube o papel que, nas salas de operações recebe a denominação de "enfermeira de salão". Era responsável pelos pedaços de algodão e gases esterilizados e devia providenciar, quando necessário, o álcool dos torpedos e a água fervida. O Comandante Ferral se encarregava da "contabilidade". Teria que contar cuidadosamente os chumaços de gase e as colheres que iam sendo colocadas no paciente.
Vinte minutos mortais demorou Lipes para encontrar o apêndice.
- Já explorei todo um lado do ceco - murmurou - Vou explorar o outro, agora.
A guisa de boletim médico, um rosário de murmúrios transmitia os detalhes da operação ao compartimento dos motores e aos alojamentos da tripulação. - O doutor já explorou um lado de não sei que, e vai agora começar do outro.
Depois de novas pesquisas, Lipes murmurou: - Acho que achei agora... Está escondido atrás do ceco.
A partir desse instante, a vida do seu companheiro estava em suas mãos. - Mais um par de esponjas!
"Dois chumaços de gase às 14h 45m", anotou escrupulosamente o comandante no seu caderninho.
- Mais lanternas... Outra lâmpada! - ordenou Lipes. O rosto do operado começou a contrair-se.
- Mais éter! - comandou o "doutor". Hoskins parecia contrariado. O éter estava acabando. Teve que empapar de novo a máscara. O pessoal que fazia a operação começava a se sentir enojado pelas emanações do anestésico. Afinal, o cirurgião fez um sinal para que lhe dessem a agulha já preparada com "catgut", previamente tratado com ácido crômico para facilitar a reabsorção em vinte dias. Um após outro, foi extraindo os pedaços de gase. Uma a uma, foram reaparecendo as colheres dobradas. O comandante tocou Lipes no ombro e mostrou o caderninho: faltava uma colher. Lipes introduziu de novo a mão no corte, retirou a colher e fechou definitivamente a ferida. Cortou o fio com uma tesourinha de unhas. Naquele preciso instante, caía sobre a máscara do anestesiado a última gota de éter. Transportaram Rector para um beliche. Ao fim de meia hora, ele abriu os olhos e exclamou: - Ainda estou lá embaixo...
Duas horas e meia levaram os improvisados médicos para realizar uma operação que é realizada em quarenta e cinco minutos.
-Bem... Não se tratava de um desses apêndices de "cheguei, vi e cortei" - diria depois Lipes, como que se desculpando pela insólita demora. Treze dias depois estava Rector, de novo, às voltas com seus hidrofones. E, num dos recantos do submarino, numa garrafinha, num vaivém constante, começava a se enrugar e a perder a cor, apesar da sua histórica e singular glória, o primeiro apêndice extirpado pelas mãos do homem, no fundo de águas infestadas de inimigos.
Esta nota. escrita por George Weller do "The Chicago Dally News", recebeu, em 1943, o prêmio de melhor reportagem do ano.
 
 
 
 


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