Luta
na Birmânia
10.000
ingleses descem em plena selva
Avanço
inglês na península de Mayu
A
Batalha de Admin Box
Operação
“Assombração” - Avanço dos Chindits e Marauders no norte da
Birmânia
Enquanto a ofensiva americana
no Pacífico se desenvolvia com extraordinária intensidade, na Ásia
continental as forças aliadas também se dispunham a passar ao
ataque, em princípios de 1944.
A conferência realizada em
agosto de 1943, em Quebec, por Winston Churchill e Roosevelt,
decidira dar uma nova organização às forças que enfrentavam os
japoneses na frente da Birmânia. Foi criado então o chamado Comando
Aliado do Sudeste da Ásia, que ficou sob as ordens do Almirante
Lorde Louis Mountbatten. Este exercera, até aquele momento, o
direção das forças de comandos. Era considerado, portanto, um
especialista na guerra anfíbia.
A decisão de dar maior
importância às operações na Birmânia fôra determinada, em
grande parte, pelos entusiastas argumentos de Orde Wingate, o célebre
chefe dos chindits. Este chefe, em reuniões mantidas com Churchill,
em Quebec, conseguira convencer o líder britânico, inclinando-o a
favor dos seus planos. Wingate, em suas conversações com Churchill,
declarou que a chave da luta na selva estava no céu, isto é, que
era necessária uma poderosa força aérea para alcançar o triunfo.
Mountbatten secundou com entusiasmo as idéias de Wingate e obteve,
por parte do General Arnold, chefe da Força Aérea norte-americana,
a cessão de importantes efetivos aéreos de transporte. Nasceu assim
o Comando Aéreo n° 1, denominado também pelas tropas "O circo
de Cochran", em homenagem ao seu chefe, o Coronel americano
Philip Cochran, um jovem e audaz aviador de 33 anos. Este seria um
digno auxiliar de Wingate na luta que se avizinhava.
Sob o condução de ambos os
chefes, os Aliados levariam a cabo, na Birmânia, uma dos operações
aerotransportadas mais brilhantes de toda a guerra.
Mountbatten assume o
comando
Quando chegou à Índia, o
Almirante Mountbatten dedicou-se com toda a energia à reorganização
das forças aliadas ali estacionadas. A ordem que havia recebido era
manter e ampliar as comunicações com a China. Esta missão
compreendia o desencadear de uma campanha destinada a assegurar a
reconquista de todo o território norte da Birmânia. Neste plano
emprestava-se um papel decisivo à invasão aerotransportada das
tropas de Wingate na retaguarda inimiga. Ao mesmo tempo, Mountbatten
tinha que tomar todas as medidas necessárias para proteger a Índia
de uma eventual invasão japonesa. Em cumprimento desse objetivo, a
primeira tarefa que o chefe britânico enfrentou foi aumentar a
corrente de abastecimentos para os exércitos localizados na
fronteira birmânica.
Procurou-se então
intensificar o tráfego por via ferroviária. Nessa tarefa
representaram um papel importantíssimo os batalhões de engenharia
americanos.
Em princípios de 1944
iniciaram os seus trabalhos nas províncias fronteiriças de Bengala
Assam. Os resultados foram extraordinários. Em menos de um ano
conseguiu-se aumentar o volume do tráfego da rede ferroviária hindu
nessa zona, de 90.000 a 200.000 toneladas mensais.
Outra empresa de gigantesca
envergadura foi o início de uma nova estrada para a China, para
substituir a rota da Birmânia, capturada pelos japoneses. Esta obra
foi estimulada pelo General americano Stilwell e exigiu sacrifícios
imensos das unidades que intervieram na sua construção, pois a
estrada atravessava terrenos selvagens e montanhosos, praticamente
inacessíveis. Apesar das terríveis dificuldades, o caminho ficaria
praticável nos primeiros meses de 1945. Enquanto se levavam a cabo
essas tarefas prévias, Mountbatten percorria incansavelmente os
acampamentos das tropas, interessando-se pelo seu treinamento,
preparação e conversando com os homens. Estas visitas tinham por
objeto não somente comprovar o nível de preparação das unidades
mas também levantar e fortalecer o moral das tropas. Várias vezes
exortou os soldados repetindo conceitos como este: “Se os japoneses
tentarem o seu já conhecido truque de infiltrar-se por trás de
vocês e cortar suas linhas de comunicações, mantenham-se firmes.
Nós os abasteceremos pelo ar. Não haverá retiradas.. Não
abandonaremos a luta quando chegar a época das monções. Se
lutarmos somente durante seis meses no ano, a guerra durará o dobro
do tempo. Os japoneses não esperam que continuemos a luta. Nós os
apanharemos desprevenidos... Temos remédios para a malária e
teremos o melhor sistema de hospitalização e de evacuação aérea
que o Extremo Oriente jamais viu até agora. Os japoneses, que não
têm nada disso, terão que lutar contra a natureza, tanto como
contra nós”.
Avanço britânico
As forças encarregados da
defesa da Índia estavam agrupados no denominado 14o
Exército britânico, comandado pelo General Slim. Este chefe,
cumprindo os determinações emitidas, resolveu realizar um ataque
limitado, para desarticular os planos ofensivos japoneses. O setor
escolhido foi, como em 1943, a península de Mayú, na costa do Golfo
de Bengala. Ali, os britânicos haviam sido rechaçados no ano
anterior, pela encarniçada resistência apresentada pelos japoneses.
O General Wavell, que exercia então o comando supremo, assim julgou
aquela operação: “Impus a uma pequena parte do exército uma
tarefa muito além do seu treinamento e de sua capacidade”.
Os ingleses estavam dispostos
agora a não cometer os mesmos erros. Atacariam com fortes efetivos e
receberiam um constante apoio por parte da sua aviação.
A frente, na península de
Mayú, era dominada por uma cordilheira que dividia em dois a zona de
operações. Na campanha anterior, os japoneses se valeram dessa
vantagem para vencer separadamente, de um e de outro lado da
cordilheira, as forças britânicas.
O General Slim estava agora
disposto a não repetir o mesmo erro. Em razão disso determinou o
deslocamento de suas tropas não somente ao longo da cordilheira de
Mayú, mas também sobre o distante flanco da selva. Desta forma,
propunha-se a evitar que os japoneses, infiltrando-se, ameaçassem as
linhas de comunicações do exército.
A operação de ataque foi
confiada ao 15o
Corpo hindu, comandado pelo General Christison. A força era
integrada pelas 5a
e 7a
Divisões hindus, que atacariam respectivamente sobre as encostas
direita e esquerda da cordilheira de Mayú, e a 81a
Divisão de fuzileiros da África Ocidental, como guarda-flancos,
pela selva, com a missão de frustrar um possível movimento
envolvente do inimigo. A 81a
foi abastecida na sua marcha pelos aviões do Comando Aéreo n° l,
de formação recente.
Ao avançar sobre as vertentes
da cordilheira de Mayú, as tropas britânicas tinham por objetivo
dois importantes redutos japoneses, situados a leste e a oeste desse
maciço montanhoso. Eram os centros de Buthidang e Moungdaw. Entre
esses pontos corria a única via de comunicação transversal através
da cordilheira. Originariamente, esse caminho havia sido traçado
para linha ferroviária; haviam-se construído aterros, e dois túneis
foram abertos na montanha. Esses túneis, portanto, constituíam o nó
vital das comunicações de retaguarda inimiga. Seu valor estratégico
era enorme, pois permitiria aos japoneses deslocar de um lado para
outro da cordilheira as suas tropas. Os japoneses se encontravam,
conseqüentemente, em condições de golpear à vontade os
britânicos.
As patrulhas inglesas se
aproximaram em missão de exploração da zona dos túneis e
informaram que os japoneses haviam convertido essa posição numa
verdadeiro fortaleza, apoiada nos flancos pelos redutos anteriormente
citados de Buthidang e Maungdaw.
O chefe britânico, General
Christison, propôs-se então a conquistar primeiro esses dois
baluartes, isolando a guarnição japonesa da posição central dos
túneis. Numa segunda etapa trataria de liquidá-los. A 5a
Divisão hindu, comandada pelo General Briggs, se encarregaria da
captura de Maungdaw e a 7a,
sob as ordens do General Messervy, teria a seu cargo a tomada de
Buthidang. Na noite de Ano-Novo de 1944, as tropas. britânicas se
aproximaram do seu objetivo, depois de uma penosa marcha.
Sobre o flanco direito, as
tropas da 5a
Divisão se distribuíram frente à denominada fortaleza de Razabil.
Essa posição consistia em uma lombada em forma de ferradura,
rodeada por outras colinas menores. Em conjunto, esse maciço rochoso
formava uma natural posição defensiva de extraordinário poder. Os
japoneses contavam com profundos túneis e uma intrincada rede de
trincheiras. Em meio à neblina que começava a se desfazer, os
canhões e morteiros britânicos desataram um vendaval de fogo sobre
as posições inimigas. Deslocando-se pela espessura, os combatentes
calaram suas baionetas, empunharam suas granadas e engatilharam suas
metralhadoras. Um potente hurrah! se elevou das fileiras e o avanço
começou. Agrupados em pelotões de assalto, os ingleses arremeteram
contra as colinas, cuja superfície era martelada pelos disparos da
artilharia. Aqui e acolá, porém, surgiam os japoneses dos seus
refúgios, assestando rapidamente suas metralhadoras Nambu. Uma
descarga cerrada recebeu as primeiras fileiras de soldados
britânicos. Ao fogo das metralhadoras juntou-se o disparo dos
morteiros. O assalto foi, então, desfeito. Os britânicos, porém,
com sua tradicional tenacidade, voltaram uma e outra vez ao ataque.
Durante toda uma semana se combateu duramente. Cada metro do terreno
era cenário de encarniçados choques corpo a corpo. O fogo das armas
era substituído por golpes de picaretas e baionetas. Cada reduto
japonês teve assim que ser conquistado ao preço de rios de sangue.
O sacrifício obteve, afinal, resultado. Dizimados, os japoneses
abandonaram as colinas, batendo em retirada, largando para trás
mortos e feridos.
O reduto de Maungdaw foi então
ocupado pela 5a
Divisão. Em seguida; a unidade iniciou um movimento de flanco,
penetrando na retaguarda japonesa. Uma nova colina fortificada, a que
as tropas denominaram "Tartaruga", interrompeu o avanço.
A "Operação C"
Ao ser detido o avanço, o
comando aliado lançou na operação suas unidades aéreas e
blindadas. A "Tartaruga" foi objeto de incessantes ataques
por parte da aviação aliada. Toda a posição ficou envolvida numa
gigantesca massa de fumaça, provocada pela explosão de centenas de
projéteis. Em continuação, as baterias de campanha dispararam
formando uma barreira de fogo. Depois então avançaram os tanques do
25° Regimento de Dragões. Movimentando-se com dificuldade pelo
terreno irregular, os blindados dispararam suas peças praticamente a
queima-roupa contra os japoneses, arrasando suas posições. Atrás
avançou a infantaria. A investida, contudo, não conseguiu vencer a
fanática resistência dos japoneses. Durante três dias e três
noites, os tanques e os infantes britânicos combateram
ininterruptamente, até que, afinal, conseguiram tomar a "Tartaruga".
O poderio das defesas conquistadas está assim descrito nas crônicas
oficiais: “Quando finalmente a “Tartaruga” caiu, encontraram-se
refúgios subterrâneos situados nove metros sob o solo. Estas
instalações compreendiam até sala de refeições para oficiais e
tropas, unidos entre si por túneis e situados demasiado
profundamente para serem alcançados pelos bombardeios que haviam
convertido a colina, coberta de vegetação, num verdadeiro túmulo
de poeira. O poderio dessas defesas labirínticas era um dos segredos
do resistência do exército japonês na Birmânia”.
Em fins de janeiro, e embora a
resistência japonesa ainda não houvesse sido rompida no flanco
direito, o comandante-chefe britânico, General Christison,
considerou o avanço suficientemente profundo para deslocar para o
flanco esquerdo o grosso das suas unidades blindadas, para colaborar
com a 1a
Divisão no ataque o Buthidang.
Enquanto os britânicos se
dispunham a realizar essa manobro, no setor japonês se realizavam
preparativos secretos. O Major-General Sakurai, chefe de todas as
forças sediadas na península de Mayú, acabava de receber a ordem
de pôr em marcha o denominada "Operação C". Esse plano
tinha por objetivo concretizar uma audaciosa penetração sobre o
território da Índia.
Sakurai se propunha a
aniquilar todas as forças britânicas que se achavam frente às suas
linhas, mediante um triplo movimento envolvente.
A 55a
Divisão japonesa foi, para tal fim, dividida em três forças
especiais. A primeira, comandada pelo célebre Coronel Tanahashi, que
já derrotara os ingleses na campanha de 1943, deslizaria através da
selva sobre o flanco esquerdo da 7a
Divisão britânica, até cercá-la pela retaguarda. A segunda força,
com efetivos mais reduzidos, avançaria sobre a crista da
cordilheira, completando assim a separação das unidades inglesas.
Ao mesmo tempo, a terceira força atacaria ao longo de toda a linha,
fechando as garras que aprisionariam o 14o
Corpo britânico. Quando a 7a
Divisão fosse aniquilada, as três forças se uniriam para destruir
a 5a.
Os japoneses se aprontaram,
uma vez mais, a lançar-se ao assalto, confiantes na vitória.
O General Sakurai impôs às
suas tropos um prazo de sete dias para exterminar o inimigo. Tal era
a sua fé na superioridade dos seus homens. Apesar de contar apenas
com suficiente artilharia, lançou na luta os artilheiros como
simples infantes. Como derradeira prova da certeza que tinham os
japoneses do êxito da sua ofensiva, foi emitida uma ordem às suas
tropas para não destruir os veículos britânicos, a fim de poder
utilizá-los na marcha sobre a Índia. Um escritor militar britânico
assinala a respeito: “Acreditaram firmemente que Nova Delhi estaria
no final da sua caminhada. Contudo, a única falha nos seus planos
residia no foto de que não consideraram em seus cálculos a tenaz
resistência que teriam de enfrentar”.
A batalha de "Admin
Box"
Na noite de 3 de fevereiro de
1944, os japoneses se puseram em marcha. Deslocaram-se
silenciosamente, com sua característica habilidade, através de um
terreno que parecia intransitável. Repetiam assim suas táticas de
infiltração que, a seu tempo, haviam favorecido extraordinários
triunfos às armas do Sol-Nascente, na primeira campanha da invasão
da Birmânia. Poucas vezes, na história da guerra, infantaria alguma
ofereceu uma demonstração maior de capacidade de resistência,
coragem, tenacidade e espírito de sacrifício, que a exibida pelos
soldados japoneses. Sem contar praticamente com nenhum veículo
motorizado, nem abastecimentos adequados ou suficientes, os soldados
japoneses se locomoviam através da selva, vencendo todos os
obstáculos. Seus próprios inimigos qualificaram essas incríveis
marchas como verdadeiras "blitzkriegs a pé". Carregando
unicamente suas armas e rações mínimas, os japoneses avançaram
onde qualquer outro exército teria visto seus homens desfalecerem.
Foi assim que as tropas do Coronel Tanahashi conseguiram um completo
e inesperado rompimento no flanco da 7a
Divisão hindu. Inesperadamente os ingleses viram surgir, pela sua
retaguarda e da espessura da mata, uma força de mais de 8.000
soldados prontos para o combate. O primeiro alarma foi dado na
madrugada de 4 de fevereiro. Uma coluna de abastecimento inglesa
deparou de repente com um destacamento de vanguarda japonês,
trocando tiros entre eles. A princípio, o comando britânico
acreditou estar em presença de membros da polícia birmânica, tal
foi a confusão que o encontro provocou. Posteriormente, descobriu-se
que os linhas telefônicas que uniam a frente com a retaguarda haviam
sido cortados. Pouco antes do amanhecer o cerco estava praticamente
fechado.
Avançando pelo norte, através
das colinas e dos arrozais, os soldados japoneses caíram sobre as
costas das desprevenidas forças britânicas. O chefe da 7a
Divisão, General Messervy, ao receber a dramática notícia, ordenou
que imediatamente marchasse ao encontro dos japoneses uma brigada de
gurcas que fôra mantido na reserva.
Durante todo o decorrer da
jornada travaram-se intensos combates. Ao cair a noite, os japoneses
concretizaram o rompimento definitivo.
O General Messervy assim
relata os acontecimentos: “Fui despertado por uma explosão de
gritos e queixumes, apesar de, estranhamente, ter escutado muito
poucos disparos. Saltei da cama e andei, de pijama, durante uma hora
mais ou menos, tratando de averiguar o que se passava. Todo o
acampamento estava de pé, porém a confusão reinava em toda a
parte. A escuridão era completa. De súbito, os japoneses, lançando
gritos como aqueles que se escutam quando o Arsenal faz um gol em seu
próprio campo, atacaram os postos de comunicações. Os soldados,
junto com uma companhia de tropas hindus de engenharia, tiveram que
lutar como forças de defesa do quartel-general. Os japoneses
chegaram mergulhados na neblina que os ocultava parcialmente.
Contudo, conseguiram cruzar em massa apenas a linha exterior da nossa
posição. Nenhum japonês chegou realmente até o meu
posto-de-comando. Os poucos que conseguiram aproximar-se foram mortos
a tiros pelos meus assistentes. Outros retrocederam correndo”.
Os japoneses, ao serem
contidos pela desesperada resistência britânica, assestaram seus
morteiros e descarregaram uma chuva de projéteis sobre as posições
inimigas. Em poucos minutos, as tendas e barracas estavam envoltas em
chamas. Todos os fios telefônicos ficaram cortados. Messervy
decidiu, então, retirar-se até a base de suprimentos da divisão,
conhecida com o nome de "Admin Box". Essa posição estava
localizada em uma ribanceira, no meio da qual se erguia uma colina de
noventa metros de altura. Ali se concentrariam os restos dispersos da
divisão, para oferecer uma resistência maciça. O General Messervy
dividiu seus homens em vários grupos. Colocando-se à frente de um
deles, o chefe britânico partiu para o "Admin Box".
Internando-se através da floresta, para evitar os destacamentos
japoneses que bloqueavam todas as picadas, ao cabo de quatro horas de
marcha extenuante, o general se achava já em seu objetivo. Havia ali
reunida uma força de 8.000 soldados, pertencentes às diversas
unidades da divisão. As tropas foram organizadas em unidades de
combate e distribuídas pelo perímetro defensivo. Na posição
central foram localizados os tanques e canhões, para proteger os
postos-de-comando e os hospitais de campanha. Os japoneses acossaram
incessantemente as linhas inglesas, enquanto estas se encontravam em
vias de reorganização. Da Índia, chegou a Messervy uma mensagem do
Almirante Mountbatten.
Nela, era informado que já
havia sido dada a ordem para o envio de reforços imediatos para
liberar as forças sitiadas. O comunicado terminava com a seguinte
frase: “Até que cheguem, é imperativo que todos os homens
permaneçam em seus postos e lutem até o fim”.
No lado japonês, entrementes,
reinava um júbilo indescritível. As rádios japonesas transmitiam
sem cessar informes da vitória, repetindo o estribilho de "a
marcha sobre Nova Delhi começou... O Coronel Tanahashi entrará em
território hindu dentro de uma semana".
"Rosa de Tóquio", a
célebre comentarista que, dia por dia, dirigia mensagens para
desmoralizar as tropas britânicas, em inglês, assinalou: "Por
que não voltam para suas casas... Tudo já terminou...".
Contudo, um novo fator
entraria em jogo, frustrando os planos japoneses. Como assinalam os
cronistas do episódio "desgraçadamente para o Coronel
Tanahashi a boca da rede ainda estava aberta... Esquecera-se do
ar...".
De fato, os Aliados,
valendo-se das poderosas unidades de transporte que haviam
concentrado na Índia, haveriam de assegurar a resistência das
forças sitiadas em "Admin Box". As tropas cercadas, em
lugar de ceder terreno e abandonar as armas, se manteriam firmes,
graças ao abastecimento que receberiam pelo ar.
Os britânicos já haviam
tomado todas as providências necessárias para levar a cabo o
abastecimento dos seus companheiros cercados. Nos aeródromos da
Índia haviam sido embaladas e depositadas junto às pistas, rações
e munições para dez dias, suficientes para 40.000 homens. Os aviões
do Comando Aéreo n° 1, apoiados pelas esquadrilhas de caças que
limparam o céu de aparelhos japoneses, começaram o abastecimento,
numa ininterrupta corrente. Em "Admin Box", as unidades
britânicas submetidas ao castigo da artilharia japonesa localizada
nas colinas circundantes, se mantiveram firmes, sem ceder um palmo de
terreno. A luta alcançou uma violência inusitada. Os japoneses
combatiam com "garra" e tenacidade. Ao cair a noite, os
japoneses vestiam capuchos e máscaras e, gritando como demônios,
tentavam atemorizar as tropas inimigas.
Uma idéia das terríveis
condições dessa luta é fornecida pela declaração de um oficial
britânico, veterano da retirada de Dunquerque: "Eu teria
preferido passar duas semanas no inferno de Dunquerque a dois dias no
de "Admin Box".
As baixas inglesas foram
enormes. Centenas de feridos afluíam aos postos de campanha, onde os
médicos e enfermeiros trabalhavam sem descanso. Um deles, o Major
Liwall, realizou mais de 250 intervenções cirúrgicas no espaço de
poucos dias... Finalmente, e com o apoio de reforços chegados da
Índia, as tropas de "Admin Box" romperam o cerco. Na manhã
de 23 de fevereiro, o Major-General Briggs, chefe da 5a
Divisão, penetrou no reduto que estava reduzido a um montão de
ruínas fumegantes, carregando garrafas de uísque e de rum para
celebrar a libertação com os sobreviventes.
Assim se encerrou a batalha em
"Admin Box", uma das mais sangrentas da luta na Birmânia.
A primeiro tentativa dos
japoneses para se aproximar da Índia havia sido frustrada. Mais de
7.000 soldados japoneses haviam tombado na empresa.
"Operação
Assombração"
Enquanto as tropas britânicas
conseguiam, na península de Mayú, essa brilhante vitória, Wingate
ultimava os preparativos para levar a cabo a invasão aérea da
retaguarda inimiga, no norte da Birmânia.
Dez mil homens, com armamento
pesado, estavam de prontidão nas bases, para serem conduzidos em
planadores e aviões de transporte aos três pontos do ataque,
denominados em código: Picadilly, Broadway e Chowringhee. Tratava-se
de clareiras na floresta, situadas nas proximidades do centro
ferroviário e do aeródromo japonês de Myitkyina. Sobre este último
ponto já avançavam, pelo norte, as forças chinesas e americanas,
comandadas pelo General Stilwell. A missão do assalto britânico sob
o comando de Wingate, consistia, portanto, em golpear com seus
chindits as costas das forças japonesas que se oporiam à penetração
de Stilwell.
O plano estava ordenado assim:
uma primeira leva de planadores aterrissaria nas clareiras; as tropas
dessa primeira força ocupariam as posições, as limpariam e as
protegeriam contra um possível contra-ataque japonês. Uma segunda
leva traria mais tropas e unidades de sapadores. Estes tratariam de
abrir uma pista com celeridade, para que, na noite seguinte, os
bimotores Dakota estivessem em condições de transportar para lá
canhões, veículos, animais e abastecimentos.
A 5 de março de 1944, poucas
horas antes do ataque, o chefe das unidades de transporte aéreo,
Coronel Cochran, determinou que um avião realizasse um
reconhecimento fotográfico das três clareiras. Ao serem reveladas
as fotografias, os oficiais aliados constataram, desalentados, que o
solo de Piccadilly estava coberto por grandes troncos derrubados, o
que impossibilitava a descida de planadores.
Surgiu então a suspeita de
que os japoneses estivessem à par do plano aliado. As restantes
fotografias evidenciavam, no entanto, que as outras clareiras estavam
limpas. Realizou-se, então, uma reunião entre Wingate e os demais
altos chefes. Nela, o General Slim, sobrepondo-se à indecisão dos
presentes, opôs-se terminantemente ao adiamento do ataque. Declarou
que os obstáculos colocados pelos japoneses em Piccadilly podiam
constituir uma simples precaução de rotina. Tomou-se então a
decisão de realizar, tal como havia sido prevista, a "Operação
Assombração". Estava planejado realizar o primeiro lançamento
em Piccadilly. Portanto, essas forças deviam ser agora desviadas
para Broadway, Ali aterrissaria a primeira leva, integrada por
oitenta planadores. Conduziriam aproximadamente 1.200 combatentes.
Surgiu, porém, uma última
dificuldade. Durante semanas, as tripulações haviam sido treinadas
com mapas e modelos de Piccadilly. Agora se tornava necessário
fazê-las descer em uma zona que lhes era totalmente desconhecida.
Ante a necessidade de dar a conhecer aos soldados o novo ponto de
aterrissagem, o Coronel Cochran expressou-se: "Direi aos rapazes
que encontramos algo melhor...".
Planadores em ação
Às 18h 12m do dia 5 de março,
foi dada aos chindits da 77a
Brigada, sob o comando do Brigadeiro Calvert, a ordem de embarcar. Os
primeiros planadores, atados aos pares aos aviões-reboque, se
elevaram minutos mais tarde, rumando, então, para o território
birmânico.
A "Operação
Assombração" estava em marcha.
Chegou o noite e os planadores
continuavam partindo ininterruptamente com intervalos de cinco
minutos. A força de invasão não levava escolta alguma e voava às
escuras sem luzes de posição. Sua maior arma era conseguir surpresa
absoluta. Sessenta e sete planadores conseguiram subir. Deles, no
entanto, apenas trinta e dois conseguiriam aterrissar no objetivo.
Balouçando no ar, em meio às
sombras, onze desceram em território da Índia, nove aterrissaram
dentro das posições japonesas e outros quinze não chegaram a
desligar-se dos seus aviões-reboque. Em conseqüência do
congestionamento que reinava na pista Broadway, os últimos
planadores receberam ordem de regressar às suas bases. A maior parte
das aterrissagens realizadas fora da zona assinalada se deveram a
rompimento dos cabos de reboque. As descidas acidentais realizadas em
território controlado pelos japoneses, tiveram, no entanto,
resultados favoráveis, pois contribuíram para aumentar a confusão.
Houve casos de planadores que tocaram a terra perto dos
quartéis-generais japoneses, a mais de cem quilômetros de distância
de Broadway.
A descida em Broadway se
realizou de forma acidentada. O planador que transportava a equipe
encarregada de coordenar as aterrissagens não alcançou o objetivo,
pois efetuou uma aterrissagem forçada, nas margens do rio Chindwin.
Assim, não existindo um controle terrestre, muitos planadores da
primeira leva de assalto ultrapassaram o local assinalado e caíram
em meio à mata, destroçando-se. As baixas, contudo, foram menores
que as esperadas, dadas as difíceis condições do terreno: 23
soldados mortos e outra cifra igual de feridos. Entretanto, a maioria
da equipe mecânica, destinada a abrir uma pista, se perdeu.
O Brigadeiro Colvert ordenou,
então, a interrupção das descidas até a manhã seguinte.
Ao despontar o sol, os
sapadores iniciaram o nivelamento com pás, de uma franja, à guisa
de pista precária. Poucas horas depois, aterrissou o primeiro
Dakota, trazendo reforços. Nessa noite, em Broadway, aterrissaram
outros 55 Dakotas. Entrementes, a 111a
Brigada de Chindits desembarcava seus planadores em Chowringhee. A
surpresa fôra total.
A 7 de março, Wingate
aterrissou em Broadway. No dia seguinte, transportou-se de avião a
Chowringhee, supervisionando pessoalmente os operações. Na manhã
do dia 11 a invasão estava concretizada. Os Dakotas, em 660 vôos,
haviam transportado ao coração da floresta 9.052 soldados, 1.360
animais de carga e 250 toneladas de material. Na extraordinária
operação não se perdera um só avião.
Poucos dias depois da sua
aterrissagem, as colunas de chindits se puseram em marcha. Através
da selva, deram começo à sua campanha contra os comunicações
japonesas.
Da Índia chegou, a pé, outra
brigada de chindits, somando-se ao ataque, fazendo com que as forças
britânicas que operavam na retaguarda do inimigo totalizassem a
cifra de 12.000 homens.
Wingate dirigiu então uma
proclamação aos seus homens, que seria a última a ser firmada por
esse batalhador "homem genial": “Chegou o momento de
colher os frutos da vantagem que conquistamos... Damos graças a Deus
pelos grandes êxitos que nos propiciou, e sigamos adiante,
descarregando nosso golpe nas costas do inimigo, para expulsá-lo do
nosso território. Este não é momento para calcular o risco... Mas
sim o de viver para a História”. Os japoneses reagiram finalmente.
Atacaram a base de Chowringhee, porém a brigada ali destacada já
havia abandonado suas posições, por ordem de Wingate, instalando
uma nova pista de aterrissagem mais para o oeste, que foi denominada
Aberdeen. Ali, a 23 de março, aterrissou uma nova brigada de
chindits.
No dia seguinte, quando
efetuava um vôo dirigindo-se ao seu QG, Wingate encontrou a morte ao
espatifar-se, contra uma montanha, o bombardeiro americano que o
transportava.
Wingate tombou assim no
momento culminante da sua carreira. Talvez a melhor definição da
sua personalidade tenha sido dada por um dirigente britânico,
Leopold Amery: “Sua grandeza como condutor militar se baseava em
qualidades que escapavam à mera compreensão intelectual da guerra,
ou à fulminante audácia, e residia em uma profunda fé”.
Vitória no norte da
Birmânia
As operações desencadeadas
pelos chindits deram lugar a uma série ininterrupta de sangrentos
choques com as forças japonesas.
Divididos em mais de trinta
colunas, que atuavam independentemente, os "fantasmas verdes"
semearam o caos nas linhas da retaguarda inimiga. Várias vezes os
japoneses atacaram os pontos de aterrissagem que haviam sido
convertidos em verdadeiros redutos, sem conseguir apoderar-se deles.
Realizando um esforço sobre-humano, a aviação de transporte
manteve durante todo o tempo o abastecimento das forças de chindits
e evacuou milhares de feridos. A ação dos chindits, entretanto,
conseguira o seu objetivo: facilitar a penetração das tropas do
general americano Stilwell. Este chefe avançara profundamente em
direção a Myitkyina, utilizando como ponta de lança a 22a
e a 38a
Divisões chinesas. Pelo lado esquerdo, em movimento de flanqueio
através da mata, marchavam os três batalhões do Regimento composto
5.307, comandado pelo Brigadeiro-General Frank Merrill. Esta unidade
americana, integrada por voluntários especializados em luta na
selva, logo se tornou conhecida com o nome de "os saqueadores de
Merrill", e igualou em suas façanhas aos chindits de Wingate.
Marchando incansavelmente e
abastecidos pelo ar, os "saqueadores" sustentaram uma
campanha de quatro meses, na qual se sucederam sem interrupção as
emboscadas, contra-emboscadas, cercos, sítios e infiltrações ao
longo de picadas abertas a machado através da mata. Houve ocasiões
que o avanço não passava de dois quilômetros diários. Contudo,
Merrill nunca esteve ausente com seus "saqueadores" quando
Stilwell precisou dele para golpear no flanco e na retaguarda dos
japoneses.
A 19 de março, as tropas
chinesas e americanas se aproximaram do vale do Mogaung, Haviam
deixado para trás mais de 4.000 japoneses mortos. Nesse mesmo
momento, o exército japonês havia lançado, mais para o sul, uma
gigantesca ofensiva contra a Índia, na qual empenhou mais de 100.000
soldados. Era o último e desesperado intento dos japoneses para
alcançar o vitória. A penetração japonesa deixava a descoberto
todo o flanco direito das colunas de Stilwell e ameaçava suas linhas
de comunicação com o território hindu. Era necessário,
aparentemente, pôr fim à campanha, para concentrar todas as forças
aliadas em defesa da Índia.
O comandante-chefe britânico,
General Slim, tomou então uma resolução audaz, demonstrando a sua
capacidade de condutor. Ordenou a Stilwell e aos chindits continuar
com as operações no norte da Birmânia. Esta decisão trouxe um
vitorioso resultado.
A 17 de maio e depois de uma
exaustiva marcha de vinte dias em plena mata, os "saqueadores"
de Merrill tomaram de surpresa o aeródromo de Myitkyina. Na cidade
do mesmo nome se entrincheiraram 1.200 japoneses resolvidos a
combater até o último homem.
Iniciou-se, então, uma
batalha terrivelmente encarniçada. Durante 78 dias os japoneses
combateram heroicamente, movidos por uma fanática determinação,
enfrentando as forças chinesas, britânicas e americanas.
Finalmente, na tarde de 3 de
agosto de 1944, Myitkyina caiu nas mãos de Stilwell. Somente
duzentos japoneses foram capturados, feridos em sua maioria. Dessa
forma, concretizou-se a ocupação do norte da Birmânia.
Anexo
Transporte aéreo
Birmânia. Madrugada de 4 de
fevereiro de 1944. A 7a
Divisão britânica está cercada pelos japoneses na ribanceira
denominada "Admin Box". Ali estão sitiados perto de 8.000
homens, sem possibilidade aparente de escapatória. Nas bases aliadas
situadas em território da Índia iniciam-se imediatamente os
preparativos para abastecer pelo ar o reduto de "Admin Box".
É necessário manter a qualquer custo essa posição, para trancar
aos japoneses a rota de avanço rumo à Índia. O comandante-chefe
britânico, Almirante Mountbatten, transmite à guarnição sitiada
uma dramática advertência: "É imperativo que cada homem
permaneça em seu posto e lute até o fim". As operações de
abastecimento aéreo, das quais dependia a sobrevivência da
guarnição, foram confiadas ao Genera-Brigadeiro americano William
D. Old. O primeiro vôo realizado pelos bimotores Dakota não
conseguiu realizar o lançamento, pois enfrentou um violento fogo
antiaéreo japonês. O General Old, imediatamente, honrando os seus
antecedentes de homem valente e decidido, tomou o lugar do piloto no
avião-guia, e ele mesmo conduziu a esquadrilha de Dakotas até o seu
objetivo. A reação japonesa foi igualmente encarniçada. Os
disparos da artilharia antiaérea avariaram numerosos aviões,
inclusive o pilotado por Old. Os abastecimentos, contudo, foram
lançados sobre a ribanceira. Assim foi cumprido o primeiro dos 900
vôos que realizariam os pilotos aliados, para abastecer as tropas
sitiadas. No transcurso dessas operações foram lançadas com
pára-quedas sobre o reduto de "Admin Box" mais de 3.000
toneladas de munições, medicamentos, víveres e armas. Além disso,
entre o material, chegou-se a incluir cigarros, correspondência e
até cerveja. Desta forma assegurou-se o prolongamento da resistência
e se frustrou o avanço japonês sobre a Índia. A operação foi
cumprida tanto de dia como de noite As tripulações, realizando um
vôo atrás do outro, dedicavam ao descanso lapsos que não passavam
de 5 horas diárias. Para substituir os esgotados pilotos, os
aparelhos foram tripulados por altos chefes dos estados-maiores da
aviação aliada. Era uma verdadeira competição, na qual todos
lutavam para participar. Soldados dos serviços de terra, britânicos,
hindus, americanos, sul-africanos, subiram aos aviões e ajudaram as
tripulações a lançar as pesadas cargas. Para se ter uma idéia da
difícil tarefa que tiveram de enfrentar, basta a seguinte descrição
do método de lançamento, mediante pára-quedas, utilizado pelos
aviões aliados nessa circunstância: "O lançamento de
abastecimentos é uma arte. Os aviões devem voar a uma altura e
velocidade mínimas durante o processo (que, quando estão
abastecendo tropas da linha de frente, os coloca dentro do alcance do
fogo até mesmo das armas leves do inimigo). Para completar um
lançamento exato, cada avião deve efetuar pelo menos 8 passadas
sobre a zona a abastecer. Durante essa meia hora o piloto deve manter
o seu pesado avião em posição correta, do contrário o pára-quedas
pode se enredar no leme à medida que as cargas caem pela porta de
lançamento. Para a tripulação significa um esforço violento e sem
interrupção, arrastar os fardos e sacos ao longo do corpo do avião
até a porta aberta, suspendê-los e arrojá-los ao espaço. Na
Birmânia, o trabalho era complicado pelas características do
terreno, onde as zonas de lançamento eram localizadas em vales
estreitos, amplas florestas ou encostas de colinas. O relevo
acidentado do terreno, produzia turbulências no ar, que se
intensificavam durante a época das monções; em uma ocasião, um
avião cargueiro Dakota emergiu de uma nuvem, de cabeça para baixo.
Porém, as dificuldades começaram realmente quando os lançamentos
tiveram que ser efetuados de noite, e quando o inimigo empregou
sinalização simulada para desviar os pilotos da sua rota".
O lugar mais seguro
Fevereiro de 1944, A "Box"
é uma posição localizada em uma ribanceira de arrozais drenados,
de mais ou menos dois quilômetros quadrados. A natureza não
projetou a "Box" para servir de fortaleza. Na parte central
se ergue um montículo solitário de noventa metros de altura. Nos
arredores, um anel de colinas domina a elevação central. Na zona
central, as tropas do Major-General Messervy estão entrincheiradas e
resistem ao ataque das unidades japonesas.
Estas, certas já do êxito da
campanha, contam os dias que os separam da sua entrada triunfal na
Índia. Para tal fim, as suas colunas de transporte devem ser
altamente motorizadas. A conseqüência não se faz esperar - aos
seus próprios veículos, por ordem do Alto Comando, os japoneses
devem juntar os do inimigo. Portanto, nas operações que se acham em
curso, os caminhões britânicos deverão ser inutilizados apenas em
caso de extrema necessidade. Messervy, do seu comando, deduz tal
disposição e descobre que, em qualquer lugar que estejam, seus
caminhões não serão alvo do fogo japonês. Então, com serenidade,
e, sem dúvida, com bastante senso de humor britânico, decide
solucionar o problema que apresentam, no reduzido espaço que suas
tropas se encontram, os numerosos caminhões que elas utilizam. Além
disso, ali onde estão, são expostos a serem atingidos
acidentalmente pelo bombardeio japonês. Conseqüentemente, Messervy
adota uma medida que une a audácia com o humorismo, o arriscado com
o novelesco: ordena que os caminhões sejam retirados dos seus
refúgios e conduzidos à "terra de ninguém", Ali, pouco
depois, à vista do inimigo, alinhados como para uma revista, dezenas
de caminhões são estacionados a poucos metros das linhas japonesas.
Os japoneses, cumprindo cegamente as ordens recebidas, não disparam
um só tiro sobre os veículos. Pela primeira vez na história da
guerra, um adversário coloca os seus meios de transporte ao alcance
do inimigo, sem que este os destrua...
Wingate
Na Índia, a 26 de fevereiro
de 1903, nascia Orde Wingate. Da sua infância, muito pouco se pode
dizer. Foi uma criança comum. Lembram-se dele como "mal-arrumado,
sujo até...".
Em novembro de 1920, aos
dezessete anos Wingate passou do colégio secundário à Real
Academia Militar de Woolwich. A 3 de fevereiro do ano seguinte, Orde
Wingate começava a sua carreira militar, sem supor o futuro que o
aguardava. Na Academia Militar manteve sua característica do colégio
secundário. Não se destacou de modo nenhum, até pelo contrário,
se fez notar como um aluno que dedicava às suas obrigações o
mínimo tempo.
Em 1926, Wingate ingressou num
curso de árabe organizado pelo Ministério da Guerra. Em março de
1927 prestou um exame preliminar, impressionando os professores pelos
conhecimentos demonstrados. Em seguida, a pedido seu, foi transferido
para o Sudão, onde foi encaminhado ao Corpo Oriental Árabe. Serviu
ali durante os sete anos seguintes, assimilando intimamente a
psicologia e as modalidades de vida dos nativos. Uma estranha
semelhança com o legendário Coronel Lawrence decorre dessa sua
permanência em terras africanas.
Em meados de 1936 foi
designado para uma missão na Palestina, como oficial do Serviço
Secreto. No mês de setembro desse mesmo ano partiu com a 5a
Divisão para Haifa.
Na Palestina, Wingate
dedicou-se com afinco ao estudo minucioso do problema árabe-judeu.
Após longa série de conversações e observações pessoais,
Wingate orientou suas simpatias para a causa sionista, da qual se
converteu em defensor entusiasta. Durante todos os anos da sua
permanência na Palestina, o melhor amigo de Wingate e sua esposa foi
o Dr. Weizmann, líder sionista.
Após a eclosão da Segunda
Guerra Mundial, em junho de 1940, Wingate, que se achava ao comando
de uma Brigada anti-aérea, foi proposto para comandar forças
insurgentes dentro do território das possessões italianas na
África.
A 19 de setembro partiu da
Inglaterra, de navio, rumo à Cidade do Cabo, de onde se dirigiu por
terra para o Egito. Concluídas na Etiópia as ações contra os
italianos, com a derrota dos mesmos, período da vida de Wingate que
encerrou uma fase da sua existência, o indomável chefe britânico
partiu para Rangum a 27 de fevereiro de 1942. A queda da cidade nas
mãos dos japoneses, modificou seu destino para Nova Delhi, onde
chegou a 19 de março. Recebido imediatamente pelo General Wavell,
foi incumbido de assumir o comando de todas as forças de
guerrilheiros que operavam na Birmânia.
Posteriormente, sob as ordens
de Wingate, essas forças levaram a cabo façanhas sem precedentes na
luta na selva.
Na tarde de 24 de março de
1944, quando voava num bombardeiro Mitchell, Wingate desapareceu. No
dia seguinte, 25, um piloto localizou os restos da catástrofe, e
achou o capacete colonial do legendário Orde Wingate.
Winston Churchill declarou a
respeito dele: "Um homem genial que podia ter sido um
homem-destino". Sua vida e suas façanhas, assim como a sua
extraordinária personalidade fazem pensar que, de fato, Wingate foi
um homem destino.
"Chindits"
5 de março de 1944. Nos
aeródromos da Índia se encontram alinhados dezenas de planadores
americanos. Junto a eles, os chindits de Wingate aguardam o momento
de subir a bordo. Formados em colunas, levam equipamento de campanha:
uniforme verde, fuzis e pistolas-metralhadoras, morteiros, granadas e
punhais Muitos usam barba. Um chapéu de abas largas, de feltro, os
protege do sol. A empresa na qual estão todos empenhados tem a
denominação de "Operação Assombração" e envolve o vôo
noturno em planadores e aviões de transporte de 10.000 soldados e
1.000 animais de carga.
Os aparelhos em vôo
sobrevoarão as montanhas da fronteira para, posteriormente, lançar
os homens no coração da floresta birmânica. Até aquele momento,
com exceção do ataque alemão à ilha de Creta, nunca se
presenciara uma operação aerotransportada semelhante. Promotor de
tal façanha é o chefe dos chindits, Orde Wingate.
Executando a estratégia de
luta na retaguarda defendida pelo chefe inglês, definida por este
com a frase "meter-se nas tripas do inimigo", os chindits
(nome de um estranho ser mitológico, guardião dos templos, metade
leão, metade águia) combateriam internados profundamente no
território inimigo, abastecidos permanentemente pelo ar, pelas
unidades da aviação americana.
Os chindits gozavam de uma
merecida fama nesse tipo de luta. Em 1943 haviam realizado, com
Wingate à frente, uma audaciosa campanha na floresta da Birmânia.
Contudo, havia agora uma diferença na operação que acabavam de
iniciar. Em 1943, as tropas penetraram na Birmânia, a pé, e foram
abastecidas pelo ar. Agora as mesmas tropas seriam transportadas por
via aérea. A expedição anterior consistira numa série de
incursões levadas a cabo contra vias de comunicação, cumpridas por
grupos reduzidos. Agora tratava-se de uma verdadeira invasão pelo
ar. Os "fantasmas verdes", como eram chamados pelos
japoneses, contariam desta vez com material pesado, transportado
pelos aviões. Seus sacrifícios, contudo, seriam os mesmos. Assim
são eles descritos por um escritor e militar britânico: "Os
soldados dessas colunas errantes necessitavam de resistência mais
que nenhuma outra qualidade. Tinham que carregar todo o seu
equipamento nas costas: comidas, cobertores, utensílios,
equipamentos individuais de primeiros socorros e, além disso, suas
armas e munições. Possuíam animais de carga, porém havia pesados
aparelhamentos de rádio, morteiros e feridos que deviam ser
transportados sobre eles, atados com cordoame especial. Há um limite
para o número de mulas que uma coluna pode empregar com rendimento
útil. Não restavam, portanto, animais disponíveis para aliviar a
carga que os soldados transportavam sobre seus ombros. As
enfermidades e os ferimentos eram o problema mais árduo. Era
impossível evitar a malária. Não se podiam utilizar mosquiteiros
durante a marcha, pois os mesmos não tardavam a virar simples trapos
pela vegetação densa da mata. Por outro lado, se os soldados
utilizassem cremes contra os mosquitos, ficavam com os poros da pele
tapados, enlouquecendo de calor. Outras maldições da selva eram a
icterícia, a disenteria, o tifo, e as chagas de Naga (doença
própria da região) que se alastravam rapidamente, infeccionando-se
e tornando insuportáveis os padecimentos. As costas de alguns
soldados estavam cobertas com tiras adesivas para cobrir as feridas.
Eram pragas inseparáveis da guerra na selva. As tropas, em todas as
zonas, sofreram com elas. As colunas a pé que se encontravam em
território inimigo tinham que esperar a chegada de aviões para
evacuar suas baixas. A evacuação pelo ar foi o maior serviço que
Mountbatten assegurou às suas tropas. Milhares de chindits foram
levados aos hospitais da Índia por esse meio. Quando os chindits
saíram da mata, depois de cinco meses de combate, estavam exauridos
e a maior parte deles havia perdido muitos quilos de peso. Contudo,
apesar dos padecimentos sofridos, os homens sentiam plenamente as
palavras que seu chefe Wingate lhes dirigiu, um dia antes de morrer:
"Algum dia vocês se orgulharão de poder dizer: eu estive ali".
De fato, ali, nas selvas da
Birmânia, os chindits escreveram uma das páginas mais brilhantes da
história do Exército britânico.
Planadores
Um oficial americano que
acompanhou as forças de Wingate relata a descida noturna dos
planadores que transportaram as unidades:
"Nosso planador deu uma
sacolejada no instante em que o avião-reboque iniciou a sua corrida,
puxando-nos. Começamos a rodar pela pista em meio de uma poeirada
que mal permitia enxergar. Sobre ambos os lados do campo, os homens
trabalhavam febrilmente, enganchando os cabos nos planadores
restantes. Repentinamente, no momento em que o nosso avião-reboque
acelerou ao máximo, a poeira nos envolveu totalmente. Não se via
nada, exceto o rosto do piloto e dos homens que viajavam no planador.
Corríamos velozmente para a decolagem, sacolejando na extremidade do
longo cabo de reboque.
"A nossa frente, o grande
bimotor se encontrava já em pleno ar. Também nós elevamo-nos no
espaço, segundos depois. Passamos por cima das árvores, lutando
para ganhar altura, e começamos a descrever círculos para nos
elevar a um nível suficiente que nos permitisse cruzar o maciço
montanhoso... Toda a intensa atividade que nos rodeara durante dias
desaparecera. Agora estávamos sós, diante do pôr-do-sol de Assam.
Seus raios inundavam o interior do planador e tingiam de um tom
rosado a sua transparente cobertura. Um espetáculo de beleza rara se
ofereceu então aos nossos olhos, até que o sol desaparecesse atrás
das montanhas e nossos rostos mergulhassem na escuridão da noite.
Enquanto isso, os planadores ganhavam mais altura. A nossa frente,
apenas enxergávamos as chamas azuladas dos escapamentos do avião
rebocador. Tudo o que ouvíamos era o ensurdecedor rugido do vento
contra nosso planador. De repente, um dos nossos companheiros
exclamou: “7.000 pés... Vamos passar sobre as montanhas...”.
Nesse momento entramos numa turbulência e começamos a sacudir
violentamente. O cabo do reboque estremecia. Estávamos agora a 8.500
pés e em poucos momentos cruzaríamos a fronteira da Birmânia,
deixando as montanhas para trás. Ao entrar na Birmânia, a terra
parecia um imenso manto negro. A luta estava alta e brilhava
intensamente. De súbito, o piloto virou a cabeça e nos indicou: “O
rio Irrawady... Um segundo depois completou: “O objetivo dentro de
vinte minutos”. Todos que estávamos no planador ficamos em
suspenso. Retiniram os ferrolhos dos fuzis, no momento em que as
armas foram preparadas. Foi dada a ordem de ajustar os cinturões. Na
frente, o avião-reboque perdeu altura e iniciou um lento giro. O
piloto então exclamou: “Já acenderam os sinais no solo”. Isso
queria dizer que os primeiros planadores já haviam pousado.
Descíamos agora mais rapidamente. A uma altura de mil pés, o piloto
soltou a amarra e o planador começou a perder altura livremente,
para realizar a aterrissagem na mais completa escuridão. Nenhuma
força, a não ser o próprio peso do planador, nos impulsionava,
fomos, a mais de cem milhas por hora, com o vento rugindo nos
tensores do planador, para pousar em território dominado pelo
inimigo, com todo um exército japonês interposto entre nós e
nossas bases na Índia.
"Arvores! Passamos sobre
elas... Luzes! Ficaram para trás velozmente. De repente uma extensa
faixa de terra plana apareceu diante de nós. Baixamos. Estabilizamos
o aparelho. Batemos violentamente e ricocheteamos no terreno. Os
esquis do planador se fixaram ao solo, levantando nuvens de poeira
que envolveram nosso aparelho como se fossem a cauda de um meteoro.
Então, repentinamente, o planador se deteve, inclinando-se sobre o
seu lado direito. As portas voaram dos gonzos. Os homens saltaram na
escuridão, afastando-se correndo para a mata. A qualquer momento
podia estourar o fogo inimigo. Planadores!... Outro avião-reboque
está sobre nós. Vai soltando seus planadores. Um deles se dirige
para as árvores, perdendo rapidamente altura. Impotentes para
manobrar, seus homens voam para a morte. Um segundo mais tarde,
escutamos um grande estrondo. São madeiras estraçalhadas. O
planador desapareceu.".
A estrada de Ledo
No dia 14 de dezembro de 1942,
quando as forças japonesas, vitoriosas, completavam a ocupação da
Birmânia, o General americano Stilwell iniciou a construção da
célebre estrada de Ledo.
Essa rodovia estava destinada
a substituir, como via de abastecimento da China, a estrada da
Birmânia. Assim é descrita pela crônica oficial a gigantesca
tarefa:
"Nenhum rufar de tambores
anunciou o começo da estrada de Ledo. Apesar de não lhe ter faltado
publicidade posteriormente, passou muito tempo antes que a existência
desse caminho, por razões de segurança, fosse conhecida. O que
existia previamente era uma picada para mulas, uma senda pela qual se
arrastara o êxodo dos refugiados da Birmânia. Os americanos
levariam àquelas selvagens colinas, niveladoras, escavadeiras,
tratores, guindastes e aplainadoras a vapor, numa compacta procissão
mecanizada. Provindo das fábricas dos Estados Unidos, a uma
distância de quase vinte mil quilômetros, através de dois oceanos
e passando por três continentes, abririam uma estrada que cortaria o
emaranhado de pântanos e selvas, subiria até as nuvens que tocavam
o cume das montanhas, levantariam barreiras nas rochas e pelo meio
delas. Construiriam nessa região uma estrada mais imponente da que
construíram os romanos, de nove metros de largura, de mão dupla,
com piso firme, escoadouros, aterros e pontes, sob um sol abrasador,
em meio à poeira, lama, nevoeiro e chuva. Trabalhando à luz da lua
e de velas de parafina, os construtores da estrada avançaram à
razão de 1,5 quilômetros por dia. As montanhas, a malária e o
monção eram os "deuses enfurecidos" que combateriam os
construtores da estrada, e a água a sua principal arma.
"Em 1944, ano em que se
terminou a rodovia, as precipitações pluviais no norte da Birmânia
alcançaram quase cinco metros. A chuva não somente submergiu
grandes trechos de estrada no vale; nas colinas abarrotava os
escoadouros, destruindo-os; fez crescer os rios nove metros numa
noite, arrancou pontes (há uma em cada cinco quilômetros ao longo
do percurso). O pior foi que a água removeu a argila das colinas de
Naga, formando um mar de barro. A “rocha” ali não era nada mais
que xisto que se moía até converter-se em pó sob as rodas dos
caminhões, produzindo mais material para o barro. O único material
para a superfície eram os seixos rolados tirados do rio". A 7
de janeiro de 1945, depois de dois anos e vinte e três dias de
trabalho incessante, a estrada de Ledo foi terminada. Ao longo de
quase mil quilômetros, estendia uma ponte através de selvas e
montanhas. Nos primeiros dias do mês de fevereiro e depois de uma
travessia de vinte e oito dias, o primeiro comboio de caminhões,
carregado de armas e abastecimentos, completou a travessia da estrada
de Ledo.
Quando a obra se iniciara, os
oficiais britânicos haviam declarado a Stilwell: "É
impossível". A evidência mostrava, ao contrário, que a
tenacidade de milhares de trabalhadores chineses e hindus, unida à
capacidade de organização dos técnicos americanos, fôra capaz de
vencer todas as dificuldades. A estrada de Ledo era uma realidade.
Uma vez mais, o Homem se havia imposto aos obstáculos que a Natureza
semeara em seu caminho.
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