Julho
a Outubro de 1940
A
Batalha da Inglaterra
Tópicos
do capítulo:
O Fuhrer
espera que a Inglaterra peça paz
3 de
julho: a tragédia de Mers el-Kebir
A
Inglaterra prepara sua defesa. A Home Guard
Uma
sentinela misteriosa: o radar
Churchill
e os ingleses acreditam na invasão - A Operação Seelowe
19 de
junho: Hitler oferece a Churchill uma paz recusada
13 de
agosto: primeiros ataques aéreos à Inglaterra
24 de
agosto: Londres bombardeada pela primeira vez
4 e 7 de
setembro: Terrorangriff sobre Londres e Liverpool
Atraso
no desembarque
A grande
batalha aérea de 15 de setembro
Movimentos
de tropas alemães para leste
Suspense
À queda da França, seguiu-se
um grande silêncio. Calaram-se os canhões. A guerra paralisou-se. O
mundo interrogou-se sobre catástrofe tão imprevista e total.
Alguns peritos analisaram as
condições técnicas da derrota francesa e mostraram a terrível
surpresa que produziu a coordenação do avião e do carro de
combate. Mas o público mundial gravou apenas as fugas desvairadas de
exércitos inteiros, a ruína vergonhosa de um povo outrora tão
bravo e tão orgulhoso. No preâmbulo do armistício o vencedor
escrevera o seguinte: “A França, depois de uma resistência
heróica, que se manifestou por uma sucessão ininterrupta de
batalhas sangrentas, é vencida e destruída. A Alemanha não
tenciona, dar às condições de armistício um caráter humilhante
em relação a tão bravo adversário...” Mas esse gesto de
saudação bélica foi ignorado, e, durante longos anos, permaneceu a
idéia de que a França não lutara. De uma verdade parcial criou-se
uma verdade absoluta que pesou muito e ainda pesa na consciência da
nação.
Quanto a Hitler, este vive
seis dias de apoteose. Sua vitória é completa. Primeiro sobre o
inimigo execrado, esta França palpitante que tem à sua mercê;
depois, sobre seus generais, que, todos, o haviam prevenido contra um
adversário terrivelmente forte, uma guerra longa e grande
derramamento de sangue. O triunfo enche-o de bom humor, de bondade,
quase. Deixou seu sombrio posto de comando e veio instalar-se em um
vilarejo, na fronteira franco-belga, Bruly-de-Pesche, junto a Rocroi.
Consumada sua vingança, ele se acalma. Visita, com dois velhos
companheiros de regimento, os campos de batalha de 1914-1918.
Flandres, o campo onde sofreu o martírio de soldado de infantaria.
Em seguida abandona Bruly-de-Pesche, cujas paisagens não inspiram
seu romantismo, e instala-se na Floresta Negra, perto de
Freudenstadt. Está diante da Alsácia reconquistada, visita-a,
extasiando-se diante de sua personalidade alemã e compadecendo-se do
sofrimento das populações salvas do cativeiro francês, no
Perigord. Em Estrasburgo, a Praça Kleber transforma-se em
Adolfhitlerplatz (Praça Adolf Hitler) e, em Mulhouse, a mesma honra
é concedida, entre sorrisos, à Rua do Selvagem. Vichy protestará
contra reanexação, sem tratado, das suas províncias e contra a
expulsão das populações lorenenses de língua francesa, mas Hitler
não lhe dará ouvidos. Suas metas vão além da recuperação do
antigo Reichsland de 1871. Além de Metz e Estrasburgo, pretende
retomar “as velhas cidades alemães, Verdun e Toul”. Pretende
incorporar ao Reich os “alemães do mar”, os holandeses, e
restituir à comunidade germânica a Borgonha, aí instalando
colônias alemães constituída pelas populações recuperadas da
Transilvânia e do Tirol.
Mas seria prematuro revelar
estes vastos projetos. É necessário que primeiro a Inglaterra peça
a paz. Sobre isso Hitler não põe dúvidas. Os ingleses são
realistas, perderam sua espada no continente, o Exército francês, e
nada podem esperar da América, que a guerra anterior desgostou de
qualquer intervenção na Europa. Não tem, por outro lado, nada a
esperar da Rússia - “Ela presencia nossos grandes sucessos com
lágrimas nos olhos”. Mas a URSS não tem força para atacar a
Alemanha e Molotov se apressa em felicitar o Fuhrer por sua vitória
contra a França. A Inglaterra encontra-se, portanto, sozinha, e
seria insensato que prosseguisse a luta, já que Hitler não tenciona
destruir nem seu comércio, nem seu império. “A Inglaterra - diz
ele e Jodl - obterá a paz quando quiser; que a peça e estarei
disposto a concedê-la...”Dela, só esperamos uma coisa: deixe à
Alemanha, a liberdade de organizar a Europa e expandir-se para leste.
Durante todo o mês de junho,
sobre a Inglaterra não é lançada sequer uma bomba e em julho a
atividade aérea se reduz a ataques aos portos. Hitler anuncia uma
desmobilização parcial do Exército alemão, através da dissolução
de 35 divisões, e dá ordens a suas representações diplomáticas
no sentido de não refutar as iniciativas dos agentes ingleses. Todos
os seus depoimentos para os íntimos versam sobre o mesmo tema: os
ingleses vão negociar, a campanha do Ocidente terminou.
É então que um acontecimento
dramático, a destruição de uma parte da Armada francesa, vem
proclamar de maneira retumbante, a resolução britânica de
prosseguir a luta por quaisquer meios.
Essa esquadra francesa, que se
tornou um pesadelo inglês, foi afastada o mais possível, por seu
Almirantado, das águas metropolitanas. Uma fração considerável da
frota, 2 couraçados, 8 contratorpedeiros, o enorme submarino Surcouf
e cerca de 200 outras embarcações secundárias, encontra-se em
portos britânicos. Outra fração, um couraçado e 4 cruzadores, sob
as ordens do Almirante Godfroy, ancora em águas de Alexandria; um
porta-aviões e 2 cruzadores, nas Antilhas. Os dois grandes
couraçados de 35.000 toneladas em fase final de acabamento fugiram
de seus estaleiros no momento da invasão da Bretanha, mas o
Jean-Bart, pequeno navio sem armamento, só consegue chegar até
Casablanca, enquanto o Richelieu, já equipado com seus canhões de
15 polegadas, volta a Dacar. Sete cruzadores fundeiam em Argel e a
chamada Força de Combate, isto é, a esquadra mais poderosa,
encontra-se no porto de Mers el-Kebir. Integram-na os couraçados
Bretagne e Provence, o porta-aviões Commandant-Teste, 6
contratorpedeiros da classe do Terrible e, finalmente, os preciosos
cruzadores de batalha Dunkerque e Strasbourg. São estes últimos,
sobretudo, que justificam a inquietação do ingleses. Se a Alemanha
conseguisse anexá-los ao Scharnhorst e ao Gneuseneau, alcançaria
uma linha de batalha e uma equipe de corsários contra a qual seria
necessário usar toda a Armada inglesa. Para livrá-la deste perigo,
a Inglaterra só dispunha de duas únicas garantias: o Artigo 7 da
Convenção do Armistício e o discurso do Almirante Darlan.
As condições em que foi
decidida a Operação Catapult, que pôs fora de combate a esquadra
francesa, permanecem obscuras. O Almirantado desaconselhou-a.
Churchill
a impôs. Parece
que na decisão influenciaram menos razões de ordem militar que o
seu desejo de fazer ver, por um trágico gesto, a vontade inglesa de
combater desesperadamente. “Maneira bem inglesa - dirá Robert
Aron, o íntegro historiador de Vichy - de queimar os próprios
navios imolando os dos outros”. Em suas Memórias, Churchill
compara-se a Danton: “Que falta? Audácia... Se os reis coligados
nos ameaçam, respondemos jogando-lhes uma cabeça de rei...”A
analogia não é evidente. No conjunto, os resultados da Operação
Catapult foram detestáveis. Mas a demonstração de energia que
representou conseguiu a repercussão que dela esperava seu autor.
Na Inglaterra, a Catapult
desenvolveu-se sem dificuldades. As tripulações francesas foram
surpreendidas durante o sono e as perdas restringiram-se a um inglês
morto e alguns feridos. Em Alexandria, o Almirante Godfroy concordou
em deixar neutralizar seus navios, que se enferrujaram no porto com
os tanques vazios e as culatras de seus canhões dispostas em terra.
Em Dacar, o Richelieu foi avariado, mas permaneceu utilizável. Em
Mers el-Kebir, a tragédia atinge seu terrível desenlace.
De acordo com as cláusulas do
armistício, a Força de Combate procedia seu desarmamento. Os navios
grandes estavam amarrados ao cais. Os seis contratorpedeiros
encontravam-se do outro lado da bacia, sob a alta colina que domina o
porto. As luzes estavam apagadas e as tripulações ocupadas em
transportar as munições para terra.
Sob o comando do Almirante
Somerville, a Força H apresentou-se em 3 de julho, as 7 horas da
manhã. Era constituída de um cruzador de batalha, 2 couraçados e
um porta-aviões. Começou por minar a entrada do porto, em seguida
enviou, pelo capitão-de-mar-e-guerra Holland, um ultimato ao
Almirante Gensoul, no qual propunha uma série de opções: 1°,
juntar-se à esquadra inglesa, a fim de continuar a luta contra a
Alemanha e a Itália; 2° ancorar, com tripulação reduzida e sob
controle britânico, em porto do Reino Unido; 3°, rumar para as
Antilhas, onde seus navios poderiam ficar sob o controle dos Estados
Unidos até o fim da guerra; 4°, afundar os navios; 5°, recusar
todas as opções, caso em que o almirante inglês far-lhe-ia ver que
dispunha de poderes e meios para destruí-los. Um prazo de 6 horas
foi dado ao almirante francês para escolher.
“Como protestante e
anglófilo - dirá Gensoul - meu impulso pessoal era partir com os
ingleses”. Mas, consciente de que assim provocaria a denúncia do
armistício e a ocupação da África do Norte, mandou responder a
Somerville que repeliria a força com força. Quando foi dada a ordem
de reacender as luzes, as tripulações aplaudiram, acreditando
estarem retomando o combate contra os alemães.
Dez dias depois do armistício,
as comunicações estavam ainda totalmente desorganizadas. Darlan
devolvera a Royan o posto de comando modelo que instalara em
Maintenon, perto de Paris, e havia transportado os despojos de seu
Almirantado para a pequena cidade pirenaica de Nérac, onde sua irmã
possuía uma propriedade disponível, podendo oferecer-lhes abrigo
provisório. Gensoul limita-se a fornecer um comunicado em que, sem
referir-se às outras opções, declara que uma poderosa força naval
inglesa lhe concedera seis horas para afundar seus navios, e que ele
tinha a intenção de resistir pela força. Uma resposta pela qual
não esperava chegou-lhe 5 minutos antes do primeiro tiro de canhão:
o Almirantado francês aprovava sua atitude e ordenava-lhe rechaçar
o ultimato.
Houve um momento em que
Gensoul acreditou que evitaria a tragédia. Estivera disposto a
mostrar a Holland as instruções secretas que de toda organização
bélica francesa possuía. O Almirante Darlan, usando pela última
vez a possibilidade de utilizar a codificação, lembrava que o dever
permanente de um comandante era destruir seu navio antes de deixá-lo
cair em mãos estrangeiras. Holland, um oficial de cultura e simpatia
francesas, a quem sua missão desgostava, voltou-se para Somerville.
Este apressou-se a informar a Londres que tinha garantia de que os
navios franceses não corriam perigo de ser capturados pelo inimigo.
Os Lordes do Almirantado, por sua vez, mostraram-se dispostos a
aceitar a promessa francesa. Mas Churchill queria sua cabeça de rei.
Assim é que, às 16:26 minutos, Somerville, que prolongara
espontaneamente o prazo do ultimato, recebeu o seguinte resumo
churchilliano: “Os navios franceses devem afundar-se ou os senhores
devem afundá-los antes do anoitecer”.
Pouco depois das 5:30 horas, o
comandante Holland deixou o Dunkerque para levar a seu almirante a
última recusa dos franceses. Quando passou defronte do Bretagne, o
oficial de serviço, que não teria mais de alguns minutos de vida,
prestou-lhe continência. O canhoneio começou às 17:54 horas.
Desaparelhados, os navios franceses eram verdadeiros alvos. O
Strasbourg e os contratorpedeiros Terrible, Tigre e Volta soltaram as
amarras e ganharam o alto-mar, entre as minas que os ingleses haviam
espalhado, as salvas que os encurralavam e os aviões que os
perseguiam. O Dunkerque tentou a mesma manobra, mas desmantelou-se
depois de haver disparado 40 obuses contra o Hood. O Provence,
gravemente atingido, lançou-se sobre a praia, abrindo fogo com todos
os seus canhões. Um obus de 15 polegadas pulverizou o
contratorpedeiro Mogador. Finalmente, o Bretagne, atingido desde a
primeira salva, explodiu. O fogo cessou quando o Almirante Gensoul
assinalou que todos os seus navios estavam fora de combate. No dia
seguinte, entretanto, seguindo instruções de Londres, três vagas
de aviões torpedeiros tentaram em vão exterminar o Dunkerque, cujas
avarias eram leves. Foi um acréscimo inútil, um castigo supérfluo
sobre pequenos navios indefesos, carregados de marinheiros, e que
elevou a 1.297 - dos quais 977 unicamente do Bretagne - as perdas de
vidas francesas em Mers el-Kebir. Uma guerra entre a França e
Inglaterra poderia ter saído dessa agressão. Por um momento, a
agulha do destino hesitou: Com voz embargada de emoção, Darlan
declarou: “Fui traído por meus irmãos de armas; eles não
acreditaram na minha palavra”. Por sua ordem, os navios suspenderam
as operações de desarmamento e um contra-ataque é ordenado com o
Strasbourg e os cruzadores de Argel. É decidido o bombardeio aéreo
de Gilbratar. O ministro dos Negócios Estrangeiros, Paul Baudouin,
consegue conter essas medidas beligerantes e limitar a vingança à
ruptura das relações diplomáticas já realizadas. Entretanto, o
ressentimento da marinha e da nação francesa duraria muito a
apagar-se.
A Inglaterra prepara-se
para a invasão
De Calais, o alemão avista a
costa inglesa. O problema que se apresenta no verão de 1940 é o
seguinte: quando e como tentará ele a invasão?
Se a houvesse tentado logo
após a derrota francesa, os meios terrestres que enfrentaria seriam
extremamente frágeis. No meado de julho, na praia mais ameaçada da
Inglaterra, Sainte Margareth’s Bay, perto de Dover, Churchill, em
visita de inspeção, não encontra senão três peças antitanques
em 9 km de costa. De Dunquerque, voltaram 224.000 soldados; 144.000
acabam de ser repatriados depois da batalha da França, mas, de todo
o armamento, trouxeram apenas 9 tanques dos 600 que para lá haviam
levado e uma dúzia de canhões, dos mil que possuíam. Toda a
Inglaterra só dispunha de 786 peças de artilharia de campanha, 167
canhões antitanques, 178 tanques leves e 81 tanques médios. Às 12
divisões incompletas e mal instruídas que não deixaram a
Inglaterra podem ser somadas, no lápis, as 12 divisões constituídas
pelos que escaparam do continente, mas é preciso reequipá-las
totalmente.
O comandante da Home Force,
Ironside - logo depois substituído por Alan Brooke - desenhou no
mapa uma posição de resistência que parte do canal de Bristol, faz
a volta de Londres, sobe até Wash, estendendo-se em seguida até o
estuário do Tees, a fim de cobrir os Midlands - mas esta posição é
tão fictícia quanto o defunto reduto bretão. Além disso, o
instinto insular leva à defesa das próprias praias. Deixar o
inimigo estabelecer uma cabeça-de-ponte seria suicídio, pois as
forças móveis eram inteiramente insuficientes para repeli-lo. É,
portanto, nas praias que se acumulam os meios de defesa. Todavia,
mais de 500 milhas de costa são propícias a um desembarque. O
número de VP (Vulnerable Points) ultrapassava mil. Para fortificar
todos, seria necessário quantidade proibitiva de minas, de arame
farpado e de argamassa. Isso obriga a que essa defesa se limite a
algumas zonas do Kent e do Sussex, que a proximidade do continente
torna especialmente vulnerável. Cerca de 70 milhas do litoral
estavam protegidas por redes de arame farpado, campos de minas e
redes verticais. O resto é vazio.
Lê-se em Gibson que os
bizantinos incendiavam o mar. A idéia seduziu Lorde Hankey, que se
lança à tarefa de modernizar o fogo-grego, criando o Petroleum
Warfare Department. As experiências, porém demonstraram que, ser
inteiramente quimérico, o processo é imensamente oneroso. Isso
dará, no entanto, origem à lenda indestrutível da tentativa de
invasão frustrada por torrentes de chamas e às histórias
incansavelmente repetidas dos milhares de cadáveres calcinados que
cobre as praias e obstruem os portos.
Um dos temores clássicos dos
patriotas era a indiferença, a apatia do povo inglês: Várias peças
de teatro, diversos romances, numerosas sátiras versam em torno
deste lema: “Jogava golfe no dia / Em que os alemães
desembarcaram; / Todas as nossas tropas correram, / Todos os nossos
navios estavam ancorados / E o sentimento de vergonha inglês / Quase
estragou meu jogo”.
Nenhuma antecipação foi tão
amplamente desmentida. Seria excessivo afirmar que a Inglaterra
atira-se às armas, pois não as possui, mas o movimento no sentido
de se por a serviço da pátria em perigo é universal. O primeiro
apelo é lançado em 14 de maio por Anthony Eden. Ele anunciava a
criação de um corpo de Local Defense Volontiers, o qual, em caso de
invasão, devia participar da defesa das cidades e aldeias. Três
dias mais tarde, os primeiros batalhões começavam a patrulhar as
praias e, em menos de uma semana, 250.000 voluntários assinavam um
pedido de alistamento. Dunquerque e a defesa francesa aceleram o
recrutamento. Em julho, quando os Locals mudam o nome para Home
Guards, o efetivo ultrapassa um milhão.
Homens há, faltam armas.
Raras para o exército regular, tornam-se raríssimas para os
milicianos. Um apelo ao público reúne nos postos de policia uns
20.000 fuzis heteróclitos, inclusive alguns Enfield da Guerra de
Secessão que Drury Lane possuía em sua coleção histórica e que
leva ao altar da pátria. É, porém necessário que todos os Home
Guards possam empunhar uma arma qualquer. Alguns tentam meios menos
convencionais. O dinamitero, resquício da guerra civil espanhola,
torna-se instrutor procurado e os lawyers (advogados) e os teachers
(professores) tomam as primeiras lições de coquetel Molotov para
incendiar tanques. Outros se dedicam ao fabrico das lanças com paus
de vassoura, e por isso a honorável instituição recebe da troça
popular o apelido de Broomstick Army. Mais tarde, livrar-se-á dessa
condição doméstica e terminará a guerra com sua artilharia e seus
tanques.
O pára-quedista vira
bicho-papão. Os sinos das igrejas são provisoriamente afastados da
publicidade do Senhor para que seu repique possa anunciar a
aproximação do inimigo aéreo. Atemorizado com a sorte que ameaça
seus aviadores abatidos, a RAF, determina que a Home Gurad se
abstenha de qualquer intervenção contra pára-quedistas, a não ser
que se apresentem em grupo de mais de 6 - isso porque nenhum avião
militar britânico possui tripulação de mais de 5 membros. Contra
os planadores, os terrenos de esporte são cobertos de obstáculos e
as estradas cobertas de arcos.
A fortaleza histórica da
Inglaterra é sua muralha de vasos de guerra, mas o papel que a Navy
(Marinha) pode desempenhar no sentido de reter uma invasão é
reduzido pelo poderio aéreo alemão sobre a Mancha e o mar do Norte.
O papel principal transfere-se então para a RAF. A sorte do último
adversário que restou em pé para enfrentar Hitler depende do
domínio do ar.
No campo da defesa aérea,
Munique foi salutar. Despertada brutalmente, a Inglaterra não voltou
a dormir. Para dirigir as batalhas aéreas foi preparada uma poderosa
infra-estrutura terrestre. O Observer Corps (Corpo de Observação),
que cochilava durante as ilusões da paz, revigorou. Os campos de
pouso multiplicaram-se e estoques de material foram armazenados, a
fim de que viessem possibilitar rápidos reparos dos desgastes
produzidos pelos bombardeios. O System foi equipado com a cooperação
secreta do General Post Office (Correio Geral). Trata-se de uma rede
de transmissão que, utilizando instalações civis, liga todos os
órgãos que contribuem para a batalha aérea, permitindo sua conduta
centralizada. É indispensável conhecer a existência desse
anteparo, dessa enorme contextura, para compreender-se o desenvolver
dos combates que se vão travar no céu britânico. Esses combates
não serão o torneio cego de alguns ases do ar. Os So Few, de que
falará Churchill, terão em terra numa multidão multiplicado sua
eficiência.
A Força Aérea também terá
a seu serviço uma invenção capital. Em 1935, o ministro do Ar
pediu informações sobre o “raio da morte”, indagando se seria
concebível empregá-lo contra os bombardeiros inimigos. Watson Watt,
do National Physical Laboratory, respondeu que o tal aparelho não
seria utilizável sob esta forma, mas, em compensação, não seria
difícil fazê-lo detectar uma aeronave fora do alcance do olho
humano, graças à reflexão das ondas eletromagnéticas sobre a
ionosfera. Dessa resposta nasce a Radio Direction Finding, que
trocará suas iniciais RDF, pela admirável sigla Radar. Em 1940, a
Inglaterra é o único país que, no mundo, possuía uma dupla
corrente de detecção: CH, de Chain Home, que correspondente ao
radar comum, e CHL, Chain Home Low-flying, contra os aviões que voam
baixo. Das Shetlands ao País de Gales, grandes sentinelas
misteriosas montam guarda permanente em volta do Reino Unido. As
façanhas da Inglaterra não seriam possíveis sem esses espias.
Dos três grandes setores da
aviação - reconhecimento, bombardeio e caça - é este último, o
Fighter Command (Comando de Caça), que vai desempenhar o papel
decisivo. O homem que o dirige, o Marechal-do-Ar Sir Hugh Dowding,
merece que nos detenhamos a examiná-lo por um momento. Tendo às
suas ordens a parte mais brilhante e mais individualista da aviação,
é deste setor o mais terno e o mais frio dos personagens. Seu
apelido “Stuffy” pode ser traduzido por “Empalhado”. Dowding
detesta usar uniforme e veste-se como um barrister (advogado)
conservador do Lincoln’s Inn. Vive solitário. Propenso ao
espiritismo, conversa com seus pilotos mortos em combate. Mas sua
capacidade técnica e sua força de vontade fazem-no um chefe sem
par. Foi ele quem modelou o Fighter Command e o comandará durante a
fase mais penosa da luta.
Antes da guerra, “Stuffy”
pediu com insistência prioridade para os caças na construção
aeronáutica. Dedicou-se com todas suas forças a um programa de 57
esquadrilhas, 51 das quais para a Metropolitan Air Force. Exigiu a
adoção de dois tipos de caças. Hurricane e Spitfire, e, em
seguida, quando este último se revelou melhor, ordenou que
empregassem todo o esforço industrial em sua construção. No começo
da guerra, só pode mobilizar 39 esquadrilhas, mas em seguida
bateu-se intransigentemente para mantê-las na Inglaterra. “Para
mim - dirá ele - a batalha de Londres começou em setembro de 1939”.
Seu sacrossanto egoísmo permite-lhe atingir o período de grande
solidão britânica com 446 aviões de caça, dos quais 331
Hurricanes e Spitfire operacionais. Isso constitui o estrito mínimo
para a defesa do Reino Unido.
Ao lado de Dowding, surge
Beaverbrook. Foi necessário audácia a Churchill para chamá-lo à
direção do Ministério da Construção Aeronáutica, recém-criado.
Toda a RAF se manifestou contra o Ministério e contra o Ministro. O
Ministério isolava a produção daqueles que a utilizavam e o
Ministro atraía sobre si uma avalanche de críticas. Canadense, Max
Aiken, de nascimento feito Lorde Beaverbrook, autodidata, magnata do
papel de imprensa e fundador da “Daily Express”, ele não possuía
nenhuma qualificação técnica para tornar-se um construtor de
aviões, e, além disso, seu temperamento colérico, seu humor
irascível, seu orgulho presunçoso faziam prever os piores conflitos
com as hierarquias militares e civis. Churchill jogou em sua
prodigiosa energia e sua poderosa imaginação. Jogou e ganhou. “O
efeito produzido pela chegada de Lorde Beaverbrook - dirá Dowding -
não pode ser escrito senão com uma palavra: mágico”. Desde o mês
de maio, o Estado-Maior estupefato soubera que o novo Ministro da
Construção Aeronáutica deveria entregar-lhe 325 caças, em lugar
dos 261 que constavam da previsão. No decorrer dos meses seguintes
as entregas manterão a superioridade de um terço sobre os montantes
calculados. Desse modo, as perdas da Noruega, da Bélgica e da França
estão mais que compensadas, e em 11 de agosto, véspera da batalha
decisiva, Sir Hugh Dowding dispõe de 704 caças, dos quais 620
Hurricanes e Spitfires; duas vezes mais que em maio. Do ponto de
vista tático, o Fighter Command é dividido em 4 grupos.
O primeiro, n° 10, com QG em
Bath, defende o Sudoeste da Inglaterra. O segundo , n° 13, com QG em
Newcastle-on-the-Tyne, defende a Escócia e os condados ingleses do
Norte. O terceiro, n° 12, com QG em Nottingham, defende o coração
industrial da nação, os Midlands. O quarto, muito importante, leva
o n° 11, possui QG em Uxbridge, no Middlesex, e defende Londres e o
Sudeste, região que espera a invasão.
Os ingleses acreditam na
invasão, Churchill dedica-se a isso. “A batalha da França
terminou, a batalha da Inglaterra começa”. Seus discursos são
desafios, às vezes triviais - “Esperamos os senhores, e os peixes
também!” - às vezes épicos - “Combateremos em nossas praias,
combateremos em nossas colinas, combateremos em nossas aldeias e em
nossas cidades; não nos renderemos jamais”. Seu tema é sempre o
mesmo: a Alemanha só ganhará a guerra quando vencer a Inglaterra -
e isso ela não conseguirá. O objetivo de Churchill é preparar o
povo inglês para a prova que o espera. Sua esperança é de que a
América não se manterá neutra quando a mãe de sua democracia e o
berço de sua civilização forem atacados pela barbárie nazista.
Contemplando o céu puro de julho, chega a desejar que ele se encha
de cruzes negras e que o desabamento de Canterbury, Oxford,
Westminster leve aos Estados Unidos um sinal de alarme irresistível.
Escreve todos os dias a Roosevelt, pedindo desesperadamente armas,
aceita a doação feita por 900 anciãos e 75 franceses da Primeira
Guerra. Solicita empréstimo de 50 contratorpedeiros antigos. Durante
sua longa luta solitária, a América é a estrela para onde o
pensamento de Churchill não cessa de orientar-se
Ele próprio se prepara. Fora
instalado na esquina do Saint James Park, sob o edifício do Storey’s
Gate, um abrigo para o Primeiro-Ministro. Winston visita-o, acha-o
sinistro, manda aumentá-lo, enfim, em apartamento para a Senhora
Churchill e ele. “Sairei daqui - diz - como vencedor, ou, se Hitler
ganhar, morto”. Em seguida, manda fixar na parede as palavras da
Rainha Vitória, no momento difícil da guerra dos Boêres:
“Entenda-se, por favor, que não há pessimismo nesta casa; não
estamos interessados nas possibilidades de derrota; elas não
existem...”.
Churchill aceita o perigo mas
não aceita o desconforto. Em seus battle apartments, ele continuará
em sua vida abundante, a consumir charutos de sua marca preferida,
com suas refeições generosamente regadas, seu costumeiro trabalho
recostado na cama, metido em seu roupão escarlate e ouro. Por outro
lado, está sempre pronto a inspecionar um lugar perigoso, a viajar
de avião pelos céus infestados de inimigos, a desafiar os perigos
físicos da guerra, dos quais a maioria dos dirigentes foge
vergonhosamente.
Mas seria a resolução
britânica isenta de brechas? Questão difícil. Da maneira como as
coisas foram levadas, as flores do derrotismo não se puderam
alastrar e ninguém se levantou, depois do golpe, para
reivindicar-lhe os rebentos fenecidos. Sabemos, entretanto, que houve
na aristocracia, na alta roda bancária e dos negócios, e na Igreja
da Inglaterra, espíritos realistas levados a inclinar-se diante do
inevitável e a concluir, pelo menos, uma nova paz de Amiens ou uma
trégua de recuperação com o novo Boney, surgido do continente
perigoso. Sabemos também que as ilhas Anglo-Normandas, único
território britânico conquistado pela Wehrmacht, o invasor não foi
recebido com a guerrilha desesperada, recomendada por Winston
Churchill aos franceses, mas, ao contrário, com respeito. O próprio
Churchill não tinha muitas ilusões. Orgulhava-se de que o problema
de uma paz de compromisso jamais tivesse sido inscrito na agenda do
Gabinete, mas a seu embaixador em Washington, Lorde Lothian, escreve
o seguinte: “Não deixeis jamais de incutir no espírito do
Presidente que, se este país for invadido e ocupado, um governo
Quisling será constituído para fazer a paz, reduzindo a Inglaterra
à condição de um protetorado alemão...” Contra um perigo
proveniente de um desencorajamento das elites, ele se apoia no
orgulho insular das massas, sobre esse cimento de invencibilidade que
uma longa história fez correr nas veias do povo inglês.
Exagera sua confiança, para
difundi-la. Sabe, contudo, mais que ninguém, que alguns milhares de
pára-quedistas que saltam sobre aeródromos e abrem caminho para uma
invasão aérea podem criar na Inglaterra condições análogas às
que permitiram, em algumas horas, a desorganização da defesa
holandesa e, em alguns dias, a capitulação da Holanda. Cada manhã
que se passa sem trazer um desembarque é uma trégua abençoada.
Enquanto Churchill se
surpreende com a trégua que lhe é concedida, Hitler começa a
desconfiar da qualidade do realismo britânico. Se a Inglaterra não
se decide a pedir a paz, ele deverá obrigá-la a fazê-lo pelas
armas. Isso cria uma situação nova e imprevista. Durante muito
tempo ninguém admitira que Hitler chegasse ao Passo de Calais sem
ter programado uma invasão à Inglaterra. Esta inconveniência é,
no entanto, verdadeira. O homem retirara de sua imaginação os
projetos mais extravagantes, inclusive a provocação de Nova Guerra
de Secessão com as populações americanas de origem alemã, mas não
pensara que seus soldados pudessem estabelecer-se nas praias de
Kent, a 30 km de Calais! Aí nada havia preparado para tal ação.
Sua Diretiva n° 6 de 9 de
outubro de 1939, menciona, dentre os objetivos da ofensiva contra a
França, “a conquista de uma base satisfatória para as operações
navais e aéreas ulteriores contra Inglaterra”: falta porém, a
palavra “terrestres”. A 21 de maio, dia em que os Panzer atingem
Abbeville, o Grande-Almirante Raeder dedica sua atenção à
necessidade de preparar, para qualquer eventualidade, um plano de
desembarque. “O Fuhrer - confia ele a seu chefe do Estado-Maior,
Almirante Schniewind - não crê absolutamente nisso, e nem está
interessado...”. A 20 de junho, Raeder volta à carga com igual
insucesso.
Em 2 de julho, finalmente, uma
nota do OKW, considera, pela primeira vez, a Operação Seelowe (Leão
Marinho). “O Fuhrer decidiu que, dentro de determinadas condições,
cuja principal será o domínio do ar, um desembarque na Inglaterra
poderá ser analisado. Os preparativos devem começar imediatamente.
Convém notar, porém, que se trata de preparativos teóricos que
visam a uma ação hipotética...”. As reuniões de Estado-Maior
iniciam-se em seguida, mas, coisa singular, Hitler não se interessa
por elas. Quando se tratou de desembarcar na Noruega, ele regulou os
menores detalhes, discutiu os movimentos de cada navio e os objetivos
de cada companhia. Quando se tratou de entrar na Bélgica, ele
planejou pessoalmente a demolição do Forte de Eben-Emael e o ataque
de surpresa ao canal Albert. Trata-se agora de uma empresa que César
conseguiu levar adiante e que Napoleão perdeu, a conquista da
Inglaterra, e Hitler dedica-lhe apenas uma atenção distraída e
caceteada! A verdade é que persiste em esperar uma mensagem inglesa
de paz. A 16 de julho, a Diretiva n° 16 começa assim: “Como a
Inglaterra, apesar de sua situação desesperada, não mostrou nenhum
sinal de compreensão, decidi preparar contra ela uma operação
terrestre e, se necessário, executá-la...”. O “se necessário”,
vindo de um homem de pensamento e palavras tão categóricas, ilustra
bem seu estado de espírito.
Dezenove de julho é um dia de
apoteose. Pela primeira vez desde 1817, as tropas desfilam sob a
Porta de Brandeburgo. Berlim é um mar de auriflamas. Na Ópera
Kroll, Hitler aparece meio a seu aparato de triunfo. Além de
Goering, predestinado às fileiras inéditas do Reichsmarschall, 12
marechais novos, Keitel, Brauchitsch, Bock, Leeb, Reichenau, List,
Kluge, Witzleben, Milch, Kesselring e Sperrle, formam-lhe uma escolta
gloriosa. o discurso que profere é de uma moderação exemplar.
Estende à Inglaterra um longo ramo de oliveira. “Sinto-me obrigado
pela consciência a lançar mais um apelo à razão da Inglaterra.
Acho que posso fazê-lo, pois não sou um vencido que implora, mas um
vencedor que nada tem a pedir. Não vejo absolutamente razão para
continuar esta luta; deploro as vítimas por ela causadas e gostaria
de poupá-las. Herr Churchill talvez encontre neste apelo uma prova
de minha dúvida no desenlace final. Mas libertei minha
consciência...”. A ressonância é prodigiosa. Por um momento, o
povo alemão acredita no milagre: a Inglaterra depondo
espontaneamente as armas, vencida pela generosidade de Hitler.
No dia seguinte, Halifaz
responde: “A Alemanha obterá a paz se evacuar todos os território
que ocupou, restaurar todas as liberdades que eliminou e der
garantias para o futuro”.
Hitler retira-se de Berlim
para Berchtesgaden e torna-se de novo sombrio e preocupado. Isola-se,
medita, faz longos passeios com seu cão-lobo, contempla longamente a
paisagem, como se lhe pedisse inspiração. Bruscamente convoca
Keitel: “Acredita, Marechal, que se ataco a Rússia imediatamente,
me será possível dominá-la antes do inverno?
Keitel é um “Ja-Mann”(pessoa
que sempre concorda). Entretanto, a pergunta é de tal forma
inesperada e formidável que lhe faz parar a respiração. Hitler
digna-se expor-lhe seu raciocínio: É preciso encontrar explicação
para a atitude desconcertante da Inglaterra. Se ela está sozinha
contra a Alemanha, está perdida e sabe bem disso. Se se obstina é
porque conta encontrar um aliado. Quem? Os Estados Unidos? Não: os
Estados Unidos são incapazes de guerrear. Só pode ser a Rússia. É
porque a Inglaterra espera auxílio da Rússia que continua a repelir
as propostas generosas da Alemanha. Nestes termos, derrotar a Rússia
é resolver tudo, de uma vez: é retirar da Inglaterra o suporte
moral que a torna obstinada e é fornecer à Alemanha o espaço
vital, o Lebensraum pelo qual se bate. O único problema é uma
questão de calendário. Ele, Hitler, só quer guerras curtas. Poderá
derrotar a Rússia antes do inverno! Somente sobre este ponto é que
pede a opinião do chefe do Comando da Wehrmacht.
Recolocado em seu terreno,
Keitel recupera o fôlego. Julho está no fim, o Exército
encontra-se deslocado para o Oeste e serão necessárias pelo menos
três semanas para dirigi-lo para o Leste. A campanha da Rússia não
poderá iniciar-se, portanto, antes da segunda quinzena de setembro;
logo em seguida chegará a Schlammperiode, estação da lama. Por
mais fraco que seja o Exército Vermelho, as distâncias e os maus
caminhos anulariam a esperança de aniquilá-la antes da estação
dos grandes frios.
Dois dias depois de ouvir esta
opinião, a 31 de julho, Hitler convoca ao Berghof os
comandantes-chefes do Exército e da Marinha. A palavra é concedida
ao Grande-Almirante Raeder, que desenvolve algumas considerações
pessimistas sobre a invasão, fixa para 13 de setembro a data mais
próxima possível e, finalmente, sugere adiá-la para 1941,
ressaltando que os meses de maio e junho são muito mais favoráveis
que o início do outono.
Longe de reagir à desanimação
de seu primeiro marinheiro, Hitler declara que os ingleses podem ser
vencidos “em um ano ou dois” pela guerra submarina e aérea, e,
em seguida, abandona a Inglaterra e se lança contra a Rússia.
Muda o tom. A indiferença se
transforma em paixão. Hitler retoma a tese que desenvolveu para
Keitel. A chave de tudo é destruir a Rússia; quanto mais cedo,
melhor. Isso quase pôde ser realizado em 1940; mas, como a estação
já estava avançada, o ataque será efetuado na primavera de 1941.
Na ofensiva tomarão parte 120 divisões, enquanto 60 outras
guardarão o Ocidente - o que leva a criar mais 20 novas, em lugar de
dissolver 35. Os preparativos serão disfarçados pela atividade da
Wehrmacht na bacia mediterrânea, assim como pelo prosseguimento
ostensivo do projeto de desembarque na Inglaterra. O Exército
Vermelho destruído, o Estado soviético será suprimido e a Rússia
desmembrada...
Tudo o que precede foi
estabelecido através dos testemunhos mais diretos e concordantes: os
depoimentos de Keitel em Nuremberg, o diário de Halder, os relatos
de Greiner, historiógrafo da OKW, etc. Nenhuma discussão se
desenvolveu em um plano que subvertesse os dados da guerra e abrisse
à Alemanha um abismo de perigo. Quarenta e oito horas antes,
Brauchitsch dissera a Halder: “Devemos conservar nossa amizade com
a Rússia”. Um e outro estavam presentes ao Berghof, mas
calaram-se. Já não se discutia com Hitler. Dirá Goering: “Se um
general se tivesse levantado para dizer ao Fuhrer que desaprovava
algumas de suas idéias, não somente teria sido fuzilado, como
considerado completamente louco...”
A reunião de 31 de julho é
fundamental para a interpretação dos acontecimentos que se vão
seguir... A guerra vai ampliar-se e diversificar-se, acontecimentos
ressonantes vão manter o mundo sob tensão. Mas esse quadro
grandioso e sangrento, segundo a palavra de Hitler, não é senão
uma vasta camuflagem ou, quando muito, uma sucessão de ações
secundárias. Seu pensamento orienta-se de forma inflexível: a seu
ver, tudo aquilo que não prepare o aniquilamento da Rússia é
acessório.
Entre a Inglaterra e a Rússia
existe outra ligação: o Mediterrâneo. A entrada da Itália na
guerra transforma-o em teatro de operações, no qual os primeiros
tiros soaram a 11 de junho, quando os velhos carros-metralhadoras
Rolls Royce do coronel Combe capturaram 70 prisioneiros italianos que
nem sabiam que seu Duce entrara na torrente sangrenta. Entrementes, a
esquadra de Alexandria alcançava o mar e capturava navios italianos,
num total de 130.000 toneladas. Aí, a ascendência inglesa
afirmou-se desde o início, tanto em terra como no mar.
No entanto, as posições
estratégicas da Itália são soberbas. Graças à Sicília, ela
estrangula o Mediterrâneo; graças a Rodes, domina-lhe a bacia
oriental. Malta, negligenciada durante longos anos pacíficos,
encontra-se, de repente, à mercê de um ataque aéreo e não dispõe,
no que se refere à aviação, senão de três velhos biplanos
Gloucester Gladiator, ironicamente batizados de Fé, Esperança e
Caridade. Na África Oriental, a Itália dispõe, em 1° de julho, de
91.204 soldados metropolitanos e 199.273 soldados indígenas, contra
os quais os ingleses mantêm apenas 22.000 homens disseminados pelo
Sudão, Somália e Quênia. Na África do Norte, o armistício de
Roma permite ao marechal Balbo distribuir, em frente ao Egito, 14
divisões, 160.000 homens, contra os 36.000 do General O’Connor,
comandante do exército no Nilo. O superior deste último, Sir
Archibald Wavell, abarca no Middle East Command (Comando do Oriente
Médio) nove países e um setor geográfico de 3.200 km por 2.700,
mas possui, nesta imensidão e diversidade, apenas duas divisões de
infantaria, e uma divisão blindada incompleta, dois grupos de
brigada independente e um Camel Corps de 500 homens e as respectivas
montarias. Com um pequeno golpe, a Itália pode, portanto, tomar o
Egito, conquistar Suez e fechar a saída oriental do Mediterrâneo. A
saída ocidental tem o nome temível de Gibraltar, mas ninguém
ignora a fraqueza da fortaleza obsoleta reivindicada e cercada pelo
terceiro regime fascista da Europa. Depois da derrota da França, a
situação é considerada de tal maneira séria, que, em 22 de julho,
os chefes do Estado-Maior estudam a total evacuação das tropas
britânicas do Mediterrâneo. Essa medida desastrosa não é nem
mesmo repelida, é adiada; decide-se esperar um pouco mais, para ver
o que acontece.
A Alemanha poderá intervir
neste contexto para assegurar de maneira decisiva a derrota
mediterrânea dos ingleses? Pode. O primeiro que toma abertamente
posição é Jodl. Ele redige e remete ao Fuhrer um memorando
intitulado - Invasão ou não? - no qual demonstra que uma tentativa
de desembarque na Inglaterra é empresa extremamente arriscada, que
só deve ser efetuada em caso extremo, e sugere, em vez disso, a
conquista do Gibraltar, porta do Mediterrâneo, a posse das Canárias
e das lhas dos Açores, o envio de elementos blindados à Líbia,
para ajudar os italianos a se apoderarem de Suez. Toma corpo um plano
mediterrâneo, o Plano Felix, contrapondo-se, ao mesmo tempo à
aventura inglesa e à russa.
Entretanto, reclama-se a
arbitragem de Hitler. Os soldados, marinheiros e aviadores que
trabalham na Seelowe não conseguem entender-se
Brauchitsch traçou um plano
muito vasto, no qual devem colaborar o Grupo de Exércitos A
(Rundstedt) e o Grupo de Exércitos B (Von Bock). Rundstedt invadirá
a Inglaterra com dois exércitos: o 16° (Busch) e o 9° (Strauss). O
primeiro, embarcado entre Texel e Bolonha, lançará suas divisões
em três zonas de desembarque, Ramsgate-Dover, Folkestone-Dungeness,
Rye-Hastings. O outro, embarcando no Havre, deixará quatro divisões
na baía de Brighton e na ilha de Wight. O Grupo B fornecerá o 6°
Exército (Reichenau), que partirá de Cherburg e irá situar-se na
baía de Lyme, a oeste de Portsmouth. Os tentáculos da estratégia
alemã se fecharão uma vez mais. O Grupo A reservará para si uma
base de partida de Southampton a Gravesend; depois, evitando
deixar-se emaranhar na aglomeração londrina, manobrará pela
esquerda e procurará a batalha decisiva sobre o Tâmisa médio, na
direção de Oxford. O Grupo B, depois de apoderar-se de Bristol,
voltará para a direção leste e tomará, pela retaguarda, o grosso
das forças inimigas. Espera-se que estas sejam rapidamente
destruídas e que, a partir daí, a ocupação total do Reino Unido
seja apenas uma formalidade.
A Marinha insurge-se contra
este plano. Não temos, diz, meios de transporte necessários para
executá-lo, forças necessárias para cobri-lo, os prazos exigíveis
para prepará-lo. Raeder pede 10 dias para transportar o primeiro
escalão de 13 divisões e declara-se incapaz de tomar qualquer
compromisso em relação aos demais. Ele deve contar com os ataques
desesperados da esquadra inglesa, e os campos de minas que,
provavelmente, serão lançados na Mancha e no mar do Norte, para
cobrir o flancos da operação, inspiram-lhe muito menos confiança
que a soldados que ignoram as regras do mar. Por todas essas razões,
propõe considerável redução da frente de invasão. É preciso
contentar-se em desembarcar em Beachy Head e em Dover, isto é, sobre
a parte da costa inglesa fronteira a Calais, o que representa apenas
a quarta parte do plano do Estado-Maior do Exército.
Brauchitsch torna a desenrolar
seus mapas e defende a causa contrária. A invasão só terá chance
de vitória se a Inglaterra for atingida em larga frente. A timidez
da marinha vem retirar ao Exército toda possibilidade de manobra;
lança-o contra as falésias, obriga-o a comprometer seus carros em
terrenos pantanosos do Kent e leva-o a uma batalha frontal que ele
quer evitar. O General Jodl tem razão em sustentar que um
desembarque é empresa arriscada, mas é somente pela audácia que o
risco pode ser reduzido. Hitler arbitra e, coisa insólita, no
sentido da prudência. A frente da invasão não ultrapassará
Brighton. A descida da ilha de Wight, a conquista de Southampton são
abandonadas. A participação do Grupo Von Bock e a manobra giratória
do 6° Exército ficam na reserva. Hitler salienta a condição
prévia indispensável, imperativa, da operação: a ordem de
execução da Seelowe somente será dada se a RAF for destruída pela
Luftwaffe. É ainda necessário que esta última, depois de lançar
fora de combate sua rival, conserve forças suficientes, mantenha-se
kampfkraftig, para apoiar o exército de terra que irá operar em
solo inglês.
Depois do Conselho de Guerra
de 31 de julho, Hitler dita sua Diretiva n° 17. A ofensiva aérea
geral contra a Inglaterra começará a 5 de agosto. O objetivo é a
destruição da aviação inimiga; portanto, os golpes devem ser
dirigidos contra ela, suas instalações no solo, e contra as
fábricas que constróem e reparam os aviões Focam proibidos os
ataques sistemáticos às cidades e os bombardeios de terror.
As forças de que a Alemanha
dispõe para executar essa tarefa constituem-se de três frotas
aéreas: a primeira, a Luftflotte n° 5, sob o comando do General
Stumpt, estacionada na Escandinávia e só intervirá no Norte das
Ilhas Britânicas. Outra, a Luftflotte n°2, comandada pelo
Generalfeldmarschall Kesselring, cobre a área de Zuiderzee ao Sena,
QG em Bruxelas e PC avançado no cabo Griz-Nez. Esta se encarregará,
mais particularmente, da Inglaterra, até uma linha
Portsmouth-Oxford-Manchester. A última, a Luftflotte n° 3, sob o
comando do Generalfeldmarschall Sperrle, com QG em Paris, PC em
Deauville e bases na Bretanha e Normandia, atacará os condados do
Sudoeste e do Oeste.
No total, os efetivos ascendem
a 2.669 aparelhos: 1.015 Kampfflugzeuge (bombardeiros horizontais),
Do-17, Do-172, Do-215, Hell-1, Ju-88, todos bimotores; 346
Sturzkampfflugzeuge ou Stukas (bombardeiros de mergulho), Ju-87,
monomotores; 933 Jagdflugzeuge (caças), Me-109, monomotores; 375
Zerstorerflugzeuge (caças-bombardeiros), Me-110, bimotores.
São 2.669 máquinas voadoras
para fazer com que se curve o império mais vasto e orgulhoso do
mundo. Drama impressionante!
A Luftwaffe contra a RAF
Em razão das condições
meteorológicas desfavoráveis, o início oficial da ofensiva aérea
contra a Inglaterra é transferido para 13 de agosto; mas nem por
isso o dia 12 deixa de ser o primeiro dia decisivo. Formações de
bombardeiros atacam 6 estações de radar no Sul da Inglaterra.
Ventmoor, na ilha de Wight, é completamente destruída. Calcula-se
em 15 dias o tempo necessário para recuperá-la.
O golpe é angustiante. Desde
as primeiras experiências o radar se revelou uma das armas
essenciais da defesa inglesa. Graças a isso, os ingleses vêem
quando os invasores tomam suas formações de vôo e se dirigem para
os objetivos. As manobras que combinam, os ardis que tentam são
instantaneamente revelados pelo olho mágico. Os caças ingleses
decolam e avançam antes que o inimigo atinja as falésias de Albion.
Todas as tentativas de abater a aviação inglesa fracassam uma após
outra - enquanto na França e na Polônia tais investidas foram
coroadas de êxito... Mas, se o inimigo começa por atacar o radar, é
porque lhe conhece a importância. Mas, como esconder-lhe objetivos
assinalados por torres metálicas de 7,5 m de altura?
No dia seguinte, nenhuma
estação de radar é atacada; o inimigo não teve conhecimento da
destruição de Ventmoor. Seus relatórios sobre a operação
anunciam que os ataques contra a cadeia de detecção não alcançaram
sucesso. Um posto de RDF é alvo estreito e ingrato. Goering ordena
que se procurem resultados mais substanciais.
O dia 13 de agosto recebeu o
glorioso nome convencional de Adlertag (Dia da Águia). A primeira
formação alemã é identificada às 5:30 horas, sobre Amiens. Uma
segunda atravessa a costa sobre Dieppe e uma terceira chega a
Cherburg. Como se se tratasse de manobra terrestre, o ataque se
desenvolve em forma de pinça, de que uma das pontas se acerca da
Inglaterra, na altura do Tâmisa, e a outra penetra no espaço aéreo
britânico pelo estuário do Solent. Os objetivos são os terrenos
avançados de Kent, Hawkinge, Manston, etc, assim como os
estabelecimentos aeronáuticos de Farnborough. Ao meio-dia e, depois,
às 16 horas, as esquadrilhas alemães voltam, seguindo a mesma
tática, e totalizando 1.485 saídas. O comunicado alemão anuncia
resultados impressionantes e promete o prosseguimento da ofensiva até
a derrocada do inimigo.
Na realidade, esse primeiro
dia foi um fracasso. Farnborough nem foi tocado. Os sítios atacados
foram reparados em 10 horas. A coordenação dos bombardeiros e dos
caças estava defeituosa. Os alemães perderam 45 aparelhos, os
ingleses 13, e apenas 7 pilotos. Todas as fraquezas da Luftwaffe, na
investida aérea contra a Inglaterra, se manifestam a partir de
então. Os Messerschmitt-109 não podem ficar senão 20 minutos além
da mancha. Os Me-110 são bem pouco flexíveis para medir-se com os
Spitfires. Os Ju-87, heróis da batalha da França, atrapalham-se com
as barreiras de balões, são vulneráveis a uma DCA que economiza
seus nervos e ficam entregues, por sua lentidão, a qualquer caça.
Os Dornier, Heinkel, Junkers-88 só comportam 500 kg de projéteis e
a imperfeição de seus apontadores não lhe permite precisão nos
bombardeios. As vitórias na Polônia e na França deram-lhe a
ilusão, e continuam a iludir-se. Goering e seus generais ainda não
compreenderam que a surpresa já não surte efeito e que agora atacam
um adversário munido de meios de defesa. Atêm-se às promessas que
fizeram a Hitler: A aviação de caça britânica será destruída em
duas semanas e em seguida a Luftwaffe transportará seu esforço para
a preparação direta da Seelowe.
Em 14 de agosto, o mau tempo
atrasa as operações. No dia 15, ocorre uma batalha violenta. Vinda
da Noruega, a Luftflotte n° 5 participa da luta. Os grupos n° 12 e
13 atacam-na ao largo de Newcastle, em uma concentração que os
alemães, desconhecendo as possibilidades do radar, não conseguem
explicar. Já que os “109” não conseguiam raio de ação
necessário, as escoltas passam a ser constituídas somente de
aparelhos Me-110, cuja deficiência é confirmada. Os bombardeiros
desfazem-se de suas bombas no mar do Norte e refugiam-se nas nuvens
para retomar o caminho da Noruega. A Luftflotte n° 5 não voltará a
participar da batalha de Inglaterra à luz do dia.
No Sul, a luta foi mais
equilibrada. As instalações de Lympne, Hawkinge, Middleeallop, West
Mallings, Martesham e Croydon sofreram baixas consideráveis. Dowding
verifica com inquietação que os terrenos avançados do Kent
deixarão de ser utilizados, o que reduzirá o rendimento do Fighter
Command. Permite anunciar no comunicado oficial que os alemães
perderam 180 aviões e, provavelmente, mais 53 - o que provoca júbilo
popular - quando o montante real das perdas da Luftwaffe é de apenas
75 aparelhos. Todavia, os alemães superestimam mais ainda as perdas
do adversário, não somente nos comunicados, mas também, o que é
mais grave, em suas reuniões de estado-maior. O número de caças
que restam aos ingleses é avaliado em 300, o que significa a metade
do total com que Dowding ainda conta.
Em 17 de agosto, os Stukas,
reconhecidamente muito vulneráveis, são retirados das forças de
ataque. A 24, os alemães mudam de tática. A proporção dos
bombardeiros em relação aos caças diminui, mas os golpes se
concentram sobre as Sectors Stations, postos de comando da batalha
aérea. Biggin Hill, Kenley, Hornchurch e Northweald, centros
nervosos do Fighter Command, são postos fora de ação. A angústia
renasce em Bentley Priory, onde Dowding manobra suas reservas e
alimenta o combate. Ele não sabe em que medida exata desgasta a
Luftwaffe, mas sabe muito bem em que medida seu Fighter Command perde
força. Constata que a contabilidade da morte, o confronto de aviões
derrubados de parte a parte tende a reafirmar-se em favor do inimigo.
Se os ataques contra as Sectors Station continuam com a mesma
intensidade durante uma semana, deverá fazer recuar o grupo n° 11,
ao norte de Londres. Isso quer dizer que os caças ingleses terão um
tempo de intervenção sensivelmente mais curto e a desvantagem que
representa para a viação inimiga a travessia do canal da Mancha
será compensada. Os alemães chegam ao ponto fraco da couraça
inglesa. É só continuar a atacar no mesmo lugar para lançar a RAF
em graves dificuldades.
Entretanto, mais uma vez os
alemães mudam de tática. A destruição do Fighter Command,
condição indispensável para um desembarque, é colocado em segundo
plano; o apetite de vingança, a aplicação pura e simples do terror
passam ao primeiro.
Em 24 de agosto, à noite uma
chuva de bombas cai sobre Londres pela primeira vez. Mas, dispersa,
atinge pontos afastados uns dos outros, como Tottenham, Islington,
Stepney, London Wall, Bethnal Green. É um erro de mira. Os objetivos
visados eram os reservatórios de petróleo de Thameshaven e as
fábricas de aeronáutica de Richmond; mas o Kinckebein, a
radiodireção dos bombardeiros sofrera uma avaria e as tripulações
jogaram seus projéteis ao acaso. De cima do Imperial Chemical
Building, Churchill vê os incêndios eclodirem em Londres. Sua
reação é instantânea: a partir do dia seguinte, o Comando de
Bombardeiros vingar-se-á sobre Berlim.
A noite de 25 de agosto é
para os berlinenses uma estrondosa surpresa. A incursão é executada
por 80 aparelhos, dos quais 42 devem fazer meia-volta antes do
objetivo. Três ruas são atingidas no bairro de Wilhelmstrasse, a
alguns metros do ouvido de Hitler. Cerca de 20 pessoas morrem. O
efeito moral ultrapassa as perdas materiais. “Quero chamar-me
Mayer, se um avião inglês conseguir forçar nossas defesas aéreas
ou se uma bomba cair sobre Berlim”- dissera Goering. Ora, os aviões
ingleses voltam ainda, várias noites consecutivas, sem que a Flak
nem a caça noturna consigam abater em só deles. Diz-se que os
aparelhos britânicos são revestidos de uma pintura que os torna
invisíveis! No momento em que os jornais tocam o halali de caça à
Inglaterra, esta afirma seu domínio aéreo sobre a capital do Grande
Reich.
Em 4 de setembro, efetua-se a
abertura da campanha dos Socorros de Inverno, no Sportspalast. Hitler
brama: “Esforcei-me para poupar os ingleses; eles tomaram a minha
humanidade por fraqueza e responderam-me assassinando mulheres e
crianças alemães. Arrasarei suas cidades até o solo”.
A primeira cidade contra a
qual Hitler cumpre sua horrível promessa é Liverpool: é atacada
com bombas incendiárias, que lhe causam enormes estragos. A vez de
Londres chega a 7 de setembro, às 5 horas da tarde. A surpresa é
total. O grupo n° 11, que espera um ataque contra as Sectors
Stations, dispersa-se para interceptá-lo. Escoltado por 500 caças,
300 bombardeiros transpõem as frágeis barreiras da DCA londrina.
Seus tiros são dirigidos sobretudo contra o arsenal de Woolwich e
contra as docas, o que impede que se dê integralmente a esse
bombardeio de 7 de setembro a denominação de Terrorangriff
(agressão pelo terror); mas os bairros populosos da vizinhança são
terrivelmente atingidos.
Quando a noite chega, uma
magnífica abóbada de fogo salta por cima do Tâmisa, perfilando de
maneira fantástica a ponte e a torre e jogando nas ruas do centro da
cidade reflexos por ela não conhecidos desde o Big Fire de 1666.
Essa tocha gigantesca atrai os bombardeiros noturnos, que,
abandonando as radiodireções, nada mais precisam fazer senão
derramar suas cargas sobre o braseiro.
O Comando inglês interpreta
este bombardeio como indício de um desembarque imediato; vem
confirmar as notícias que se multiplicam já alguns dias. Por outro
lado, as fotos aéreas mostram a concentração de uma enorme frota
de invasão partindo de Amsterdã para Cherburg: 168 transportes,
1.600 embarcações motorizadas, 400 rebocadores, 2.000 batelões
fluviais, aos quais foram adaptadas rampas de desembarque. A RAF
ataca esta armada de improviso e o terror de suas bombas caindo sobre
Calais dilata o coração dos ribeirinhos do Kent. Mas a Flak é
excelente e os resultados são proporcionais às perdas. As tropas
alemães avizinham-se da costa; os alpinos bávaros exercitam-se nas
falésias de Gris-Nez para escalar as de Folkestone e de Dungeness; o
Standartenfuhrer SS de nome Dix é promovido chefe da Gestapo
inglesa. Pacotes de cartazes foram impressos para ameaçar a
população civil com as piores represálias, se tomasse parte nos
combates; uma lista de 2.000 prisões foi preparada e uma outra lista
enumera as instituições, lojas maçônicas, escoteiros, Igreja da
Inglaterra, etc, que devem ser dissolvidas ou submetidas a uma severa
vigilância. Tudo é efetivamente pronto e aparelhado para a invasão.
Às 20:07 horas, enquanto os
incêndios rugiam enraivecidos, em Londres, os chefes de estado-maior
decidem lançar a palavra de ordem “Cromwell”. Isto significa
“provável invasão em 24 horas”. O mar está calmo, as previsões
meteorológicas são boas, as marés favoráveis. Tudo se reúne para
que o dia 8 de setembro assista à invasão nazista.
As tropas pegam em armas. Os
esforços realizados desde julho permitiram por em pé de guerra 30
divisões, três das quais blindadas, embora somente quatro possuam
equipamento completo e, outras oito, equipamentos considerados
satisfatórios. Doze guardam o Ulster, a Escócia e os condados do
Norte e do Oeste. Treze, divididas em dois exércitos, são
destinadas às batalhas costeiras da Cornuália ao Wash. Ao norte e
ao sul de Londres, o 4° e o 7° corpos, que reúnem duas divisões
blindadas, uma divisão canadense, duas divisões inglesas e algumas
brigadas independentes, constituem a reserva móvel do
comandante-chefe Alan Brooke.
Tais forças não pesariam nem
em qualidade nem em quantidade diante do Exército alemão em luta,
mas tem uma oportunidade, mais que honrosa, em relação a um corpo
de desembarque: é que este só pode entrar em combate
progressivamente. O momento ideal para uma invasão já passou.
No formigueiro inglês,
“Cromwell” desencadeia uma agitação intensa. Muitas localidades
põem seus sinos para tocar, confundindo o alerta com o toque efetivo
do desembarque. Algumas aldeias fazem barricadas e algumas
autoridades afobadas chegam até a mandar dinamitar pontes.
Para a Home Guard, Winston
Churchill deu a seguinte palavra de ordem: “Cada um faça o que
poder”. Ela se reúne sob suas lanças e velhos fuzis e espera.
Entretanto, o bombardeio de
Londres, a mudança de objetivo da Luftwaffe, constitui realmente um
erro. Dowding logo o compreende e a compaixão que sente por Londres
não o impede de felicitar-se pelo descanso concedido às suas
Sectors Stations. Do lado alemão, os dois comandantes das frotas
aéreas interessadas, Kesselring e Sperrle, assim também o
compreendem. Tentam explicar a Goering que estavam quase ganhado a
batalha contra a RAF e que lhes tinham destruído a oportunidade,
desviando-os de seus objetivos militares para castigar Londres. Mas
Goering encontra-se em estado de exaltação histérica; vai
pessoalmente receber os relatos das tripulações que voltam de suas
missões e faz pelo rádio uma rapsódia neroniana sobre Londres em
chamas que choca até os generais alemães. A seus dois marechais
explica que Hitler teve de novo um toque de gênio ao recorrer aos
bombardeios de terror, os quais iam dispensar o risco do desembarque.
Nos dias que se seguiram, não
vem a invasão contra a qual a Inglaterra se pusera em pé de guerra.
A 11, o Conselho de Guerra, reunido em Berlim, constata que o
enfraquecimento da aparelhagem de caça britânica não é suficiente
para que seja possível começar o desembarque.
No dia 14, as notícias são
melhores: um boletim de informação, que chega através da embaixada
alemã em Washington, descreve a situação de Londres como trágica.
A revolução estoura, a população foge do East End, invade o West
End, reclama a demissão de Churchill e a paz imediata. De um momento
para outro, os nervos ingleses podem ceder. Hitler decide transferir
novamente a decisão para o dia 17. Como são necessários 10 dias de
preparação, a invasão encontra-se teoricamente adiada para 27, mas
as condições da lua e das marés não permitirão tentá-la antes
de 8 de outubro. A Marinha insiste em salientar que esta é uma data
tardia, pois logo depois vem o tempo das brumas e tempestades de
outono. Hitler não reage. Espera ser preservado, por sua estrela, de
uma travessia da Mancha, contra a qual seu instinto o previne, tanto
mais que a maioria de seus generais também pensa assim.
Grandes preparativos foram
realizados para a efetivação de um ataque sem precedentes sobre
Londres, no dia seguinte, 15 de setembro. É de se esperar que a RAF
receba o golpe de misericórdia defendendo a capital. Porém, deve-se
esperar, sobretudo, que a Inglaterra torne inútil o desembarque, ao
pedir a paz.
“Esperarei a primavera.”
O dia 15 de setembro,
escolhido como data comemorativa da batalha da Inglaterra, começa
com uma manhã gloriosa. Todas as lembranças recolhidas pelos
colaboradores deste livro para reconstruir este dia memorável
confirmam a calma da natureza, tão freqüente no advento do outono.
O sol nasce sobre um mar sem rugas. Sobre a Mancha, na direção de
Dover, Hythe e Hastings, os bombardeios repetidos e o amaranhado de
arame farpado acabam por criar paisagens que lembram os campos de
batalha continentais, mas os espias do Observer Corps que montam
guarda na madrugada se lembrarão especialmente do canto das aves.
Pouco antes das 11 horas,
Churchill vai como simples curioso a Uxbridge, PC do grupo n° 11.
“Ah! - diz ele - hoje é domingo, como em Waterloo; que há de
novo, senhores?”. “No momento nada”- respondeu o neozelandês
Keith Park, comandante do grupo - “Excelência - intervêm um outro
oficial, Harcourt-Smith - é proibido fumar” O condicionamento de
ar não resiste e há risco de incêndio”. De boa vontade Churchill
joga seu charuto ao chão e o apaga com o pé, sem desconfiar que sua
ponta será recolhida e emoldurada para transformar-se, até o fim da
guerra, na mascote do PC. Ele observa com curiosidade a marcha da
Operation Room, disposta como um pequeno teatro, com palco, platéia
e balcão. Baterias de lâmpadas multicores indicam a posição e o
grau de disponibilidade das esquadrilhas. Vinte e cinco moças, WACs
(Corpo Auxiliar Feminino), vestidas de azul, empurram patelas sobre
um imenso plano diretor. Usam ancinhos de banqueiro de jogo. Aí
está concentrada toda a defesa de Londres.
Churchill ia retirar-se quando
um sinal vermelho o detém imóvel. Toca um telefone. Uma formação
de “40 mais” transpõe a costa francesa na altura de Dieppe,
dirigindo-se para Newhaven. A batalha de 15 de setembro começou. De
repente, os ingleses tomam a dianteira, suas forças já estão no ar
quando o inimigo transpõe a linha costeira. Cinco esquadrilhas de
Spitfire levantam vôo de Canterbury, de Dover, de Maidstone e
reúnem-se aos caças. Seis outras esquadrilhas vindas do norte de
Londres integram-se a elas. Os Me-109, ao terminarem os 20 minutos
que lhes são dados para sobrevoar a Inglaterra, fazem meia-volta.
Abandonados, os bombardeiros pagam um tributo forçado aos
Hurricanes, que mais lentos que os Spitfire, são especialmente
encarregados de espatifá-los. Do solo, vêem-se cintilar os
combatentes sobre os campos tranqüilos, como escamas ao sol, e,
algumas vezes, um pára-quedas desce do céu. Londres recebe algumas
bombas, mas nada comparável ao dilúvio do domingo precedente.
À tarde, espessas nuvens
formam-se sobre Kent e Sussex. Os alemães voltam e três formações
maciças que transpõem a costa entre Dungeness e Dover; uma delas
toma outro rumo em Cantebury, as duas outras atingem Londres e é
mesmo sobre a capital que a peleja aérea se desenrola. Com seu avião
danificado pela explosão do Dornier que acaba de derrubar, o
sargento-piloto Homes, conta Artie, termina sua descida em
pára-quedas, indo cair dentro de uma lata de lixo, atrás da estação
de Vitória. Desta vez as bombas alemães causam desgastes sérios.
Um gasômetro de Eastham explode, formando um espetacular buquê de
chamas. Uma central telefônica é destruída. Westminster, Fleet
Street, Buckingham são atingidos. Mas o Fighter Command não está
dominado e, na rota de regresso, o inimigo é ainda atacado por
quatro esquadrilhas de reserva, que os perseguem sobre o mar.
À noite, um sussurro de
vitória toma corpo na Inglaterra. A soma das perdas inimigas atinge
um total fenomenal. Nas ruas incendiadas de Londres são gritadas,
como uma vingança, as edições especiais dos jornais que anunciam
haver o inimigo perdido 195 aparelhos. São 195 contra 26, escore
admirável para a peleja dominical. Ainda desta vez os dados são
falsos; as perdas alemães não ultrapassam 60 aparelhos, mas a
retificação somente será feita depois da guerra, e é sobre a
impressão embriagadora de uma vitória que este dia termina.
Do lado alemão, a impressão
é inversa; o descontentamento reina entre as tripulações. Segundo
as análises dos estados-maiores, a RAF já tinha sido destruída
várias vezes e, no entanto, os aviadores alemães encontram
incessantemente novos adversários. Goering, para quem isso, depois
de Dunquerque, é a segunda derrota, cobre de censuras os caças,
acusa-os de falta de combatividade, o que, os torna responsáveis
pelo massacre dos bombardeiros. Imune às críticas, graças às suas
40 vitórias e a sua Cruz de Cavaleiro, o às Galland defende seus
companheiros, e, quando o Reichsmarschall lhe pergunta o que quer que
lhe dê, para contentá-lo, responde audaciosamente: “Aviões
Spitfire!”. Mais tarde, ao queixar-se a Hitler de uma propaganda
que procura aviltar a Luftwaffe - e tacha seus adversários de
poltrões - Galland surpreende-se ao ouvir o Fuhrer dar-lhe razão e
pronunciar um elogio caloroso aos ingleses.
No dia 17, a reunião de
Chancelaria reconhece que o poder combativo da RAF não foi quebrado
pela batalha da antevéspera e, portanto, não está satisfeita a
condição prévia de uma tentativa de invasão. Decide-se prosseguir
a ofensiva aérea, mas limitada, a princípio a bombardeios noturnos.
Na véspera, outra decisão fora tomada, decisão esta que se traduz
por uma única linha no diário das operações do Oberkommando der
Wehrmacht: “O Grupo de Exércitos B, no dia 17 de setembro, foi
transferido para o Leste”. Já em 26 de agosto, 10 divisões de
infantaria e duas divisões blindadas haviam recebido passes para a
Polônia meridional, sob o pretexto de proteger contra a ameaça
soviética os campos de petróleo romenos. Agora é todo um grupo de
exércitos - um grupo de exércitos que participou na primeira versão
da Seelowe - que toma a direção do Leste.
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