15 de
Junho a Agosto de 1940
A
Derrocada da França
A decisão da França de
abandonar seus aliados e buscar uma paz em separado era algo que
deixou, a 17 de junho, de conter qualquer
elemento de surpresa. Já durante algum tempo antes, apesar das
afirmações periódicas de imperturbável união entre a
Grã-Bretanha e a França, a probabilidade de tal passo tinha estado
a aumentar gradualmente. Na verdade, os próprios tons desses
pronunciamentos emprestavam côr à possibilidade. Churchill, por
exemplo, afirmou a 19 de maio: "Recebi dos chefes da República
Francesa e em particular de seu indomável primeiro ministro sr.
Reynaud as mais sagradas garantias de que, houvesse o que houvesse,
eles lutariam até o fim." Mas o próprio caráter premente
dessa afirmativa concorria para que ela fosse de menor eficiência
para o reforço de confiança do que para o despertar de especulações
em torno de sua necessidade. E em seu discurso de 4 de junho,
Churchill se utilizou de uma frase cujo significado cedo se percebeu.
"Tenho plena confiança em que... nos mostraremos novamente
capazes de defender a nossa pátria insular e de dominar a tempestade
da guerra e sobreviver à ameaça da tirania, por anos se for
necessário e se necessário sozinhos."
Mas uma coisa era explicar
satisfatoriamente um acontecimento que já se verificara, e outra era
prever que tal acontecimento se realizaria. A busca de explicações
tendia quase inevitavelmente a transformar-se numa busca de evasivas.
A culpa era atribuída de vários modos aos generais, aos políticos,
ao soldado raso do exército francês e ao povo francês em geral.
Nenhuma dessas explicações
era completamente satisfatória em si mesma. Nenhuma, todavia, podia
ser inteiramente desprezada. Os políticos indubitavelmente
contribuíram, se não para a própria derrota, pelo menos para uma
situação que tornara a derrota possível - se bem que nesta questão
havia uma tendência dominadora em certos círculos para sublinhar os
erros de cálculo da Esquerda, ignorando ao mesmo tempo as atividades
mais sinistras ou mais mal orientadas da Direita. Até certo ponto,
entretanto, os conflitos dos políticos franceses contribuíram para
a falta de preparo da França. Já desde 1918, as questões sociais
vinham aumentando de agudez. A impaciência crescente das massas pela
intransigência dos grupos dirigentes tinha sido respondida por uma
resistência gradualmente mais inflexível das classes favorecidas a
qualquer medida que envolvesse reforma social ou econômica. Essa
crescente preocupação pelas questões internas afetou sem dúvida a
probabilidade da França adotar um rumo vigoroso e decisivo de
política externa. Isto era particularmente verdadeiro depois de
1935, quando os reflexos da luta social se estenderam à esfera
internacional, e Berlim e Moscou vieram a simbolizar as principais
ameaças ou refúgios das facções que se degladiavam. O resultado
foi uma semiparalisia de decisão nos problemas externos, a qual
contribuiu para o preparo dos fundamentos diplomáticos - e talvez
também militares - da catástrofe final.
Então, subitamente, alguns
observadores descobriram a existência de um sentimento muito
difundido de derrotismo entre o povo francês. A descoberta não era
totalmente convincente, mas indicou talvez certas características do
moral nacional. Poucos afirmariam que a guerra foi saudada na França
com grande entusiasmo. Ela entrou na guerra não para repelir
qualquer invasão iminente, mas sim para subjugar um inimigo
potencial antes que se tornasse tão forte que lhe fosse impossível
resistir militarmente. Um Hitler que dominasse a Europa oriental
poderia significar uma França subjugada sem travar sequer uma
batalha. Este era o ponto de vista daqueles que se mostravam
partidários de uma resistência a favor da Polônia. Mas era um
ponto de vista passível de ser debatido e em torno do qual certos
grupos franceses estavam prontos para entrar em debates. As dúvidas
sobre a sua validade podem ter concorrido para o aumento do
desencorajamento nacional quando a guerra começou a tomar um rumo
desfavorável, auxiliando assim os agentes de Hitler e seus aliados
no país na tarefa do enfraquecimento da resistência popular. O que
tornava tudo isso difícil de ser avaliado era a falta de qualquer
direção eficiente do espírito de resistência no momento crítico.
Nenhum Gambetta se ergueu para conclamar a nação para novos e
heróicos esforços; e o refrão Il faut en finir que marcara a
atitude da nação em relação à luta era uma base inadequada para
esforços espontâneos em face de tão rápida e arrasadora derrota.
Mas quando tudo isso era
tomado em consideração, ressaltava um fato central. Este era a
derrota militar. O exército francês, de tão alto prestígio ao
começo da guerra, tinha sido esfacelado por um inimigo superior.
Fosse com que fosse que a situação geral da França tivesse
contribuído para esse resultado, era ainda a derrocada militar que
mais carecia de uma explicação.
O colapso militar
Não poderia ser explicado
como sendo devido à qualidade do soldado francês. Este pelo menos
não era responsável pela inferioridade no equipamento e pela falha
disposição de reservas que se tornaram perfeitamente clara depois
de 10 de maio. O mais que se poderia dizer contra ele era que o seu
espírito de luta carecia daquele desespero que poderia parcialmente
contrabalançar essas deficiências e dar ao Alto Comando um pouco de
tempo extraordinário para retificar alguns de seus erros. Ele tinha
sido preparado para uma espécie de guerra; viu-se numa outra
diferente, que absolutamente não lhe era familiar. Foi submetido a
uma concentração de fogo sem precedentes, que fazia com que se
parecesse inútil tudo que fizesse em resposta. Viu-se a lutar por
dez dias sucessivos contra forças alemães que eram renovadas cada
dois ou três dias. Sobretudo, sentia que estava sendo sobrepujado
constantemente sem que pudesse travar luta direta com o inimigo.
Começou, por fim, a sentir que o seu próprio destacamento estava
sendo deixado sozinho e sem apoio para aparar todo o peso do assalto.
Quando a luta se apresentava quase sem esperança, seu moral em
muitos casos não estava convenientemente preparado para prosseguir o
combate e dai vinha a desagregação. Se, entretanto, este era o caso
em geral, havia também muitas exceções, e exemplos de tropas
francesas mantendo uma resistência corajosa e tenaz não faltaram
mesmo depois do começo das negociações de armistício. Um
comentarista britânico, escrevendo na The Fighting Forces,
pagou-lhes generoso tributo: "As falhas que motivaram a derrota
não podem ser atribuídas ao soldado francês. Não há homem algum
mais preso ao seu solo natal que o campônio francês, ninguém mais
verdadeiramente patriota... A verdadeira causa reside na preparação
falha e ineficiente."
A culpa dessas falhas cabe em
grande parte ao Alto Comando francês. Os preparativos falhos não
eram somente materiais, mas também intelectuais. A rigidez da mente
foi ilustrada pela sua recusa em admitir que as lições da campanha
polonesa tinham qualquer aplicação séria ao problema da defesa
francesa. Sua excessiva confiança na tática defensiva fê-lo
subestimar de modo fatal o poder que as novas armas e métodos tinham
dado ao ataque. Contudo, apesar de centralizar o pensamento em torno
da Linha Maginot, o Alto Comando deixou de desenvolvê-la de modo
consistente. Com o problema da fronteira belga a exigir uma solução,
ele nem estabeleceu defesas fixas adequadas, nem elaborou um eficaz
contra-golpe para o caso de uma invasão alemã. E quando o êxito do
avanço alemão deitou por terra todos os princípios de sua
doutrina, o Alto Comando continuou a agarrar-se aos remanescentes de
suas obsessões e permitiu que reservas essenciais fossem deslocadas
para as fortificações orientais, quando o destino da França estava
em jogo ao longo do Mosa e do Somme.
Esse era um dos fatores da
fraqueza aliada, não somente quanto à defesa inicial, mas ainda
mais gravemente na questão vital dos contra-ataques. Nos dias que se
seguiram à ruptura alemã até o Canal, essa fraqueza era ainda mais
evidente. Por vários dias, os alemães mantiveram um corredor
precário de apenas 20 km. de largura. O fechamento desse corredor
teria isolado substanciais forças alemães e retardado, senão
impedido, o seu avanço através de Flandres.
Apenas uma tentativa séria
foi feita para o conseguimento dessa finalidade. E essa foi levada a
efeito pelas forças britânicas, a 22 de maio, com apenas duas
divisões e sem apoio francês. Embora ganhasse algum terreno não
foi suficientemente forte para provocar uma ruptura; e, carecendo de
força para aproveitar as vantagens obtidas, as divisões britânicas
viram-se avançando para uma armadilha e foram obrigadas a recuar. Um
plano mais ambicioso, se bem que ainda limitado, foi entretanto
desenvolvido ao mesmo tempo por Weygand. Ele envolvia a sincronização
de uma nova investida ao norte, em que duas divisões britânicas,
outra vez, tomariam parte, com o avanço do principal exército
francês no sul. Foi originariamente marcado para o dia 25 de maio,
mas a necessidade de repouso e de reforma das divisões britânicas
provocou o seu retardamento até o dia 26. Esse dia, entretanto, era
tardio demais. A essa data, o ataque alemão ao exército belga
tornou iminente o colapso deste, e todas as forças britânicas
disponíveis foram mandadas rapidamente para o norte a fim de
apoiá-lo. Privados do esperado auxílio britânico, os franceses
desistiram de seu plano, e com a rendição belga todas as
possibilidades de revivê-lo desapareceram.
A importância desse episódio
consiste não somente na revelação que faz da coordenação
imperfeita entre os comandantes aliados. Mostra também como havia
escassez de reservas disponíveis quando em conseqüência da falta
de auxílio de duas divisões britânicas o principal exército
francês achou-se incapaz de lançar sequer um contra-ataque
limitado. Mais alarmante ainda era a falta de habilidade francesa
para reaver mesmo as posições locais de primeira importância. Isto
foi demonstrado com o fracasso da tentativa de recaptura das cabeças
de ponte que os alemães estabeleceram ao longo do Somme. Quando a
batalha da França começou, essas serviram de vias para o assalto
mecanizado alemão; e os tanques lançados dessas cabeças de ponte
foram capazes de furar a linha Weygand, iniciando o desmantelamento
final de toda a frente.
A Batalha da França revelava
de modo cada vez mais claro a inferioridade francesa, não somente em
equipamento, mas, o que era mais surpreendente, em número.
Afirmou-se oficialmente que a França mobilizara entre cinco e seis
milhões de homens. Mas mesmo admitindo-se que entre vinte e trinta
divisões foram dispostas na fronteira italiana, era difícil
imaginar-se onde esses homens poderiam estar, e aumentava a suspeita
de que esses números eram em grande parte um mito. Mais tarde, num
comunicado em que comparava os esforços britânicos e franceses e no
qual não tinha motivos para subestimar os da França, Paul Baudoin
fixou o total da mobilização em três milhões. De acordo com
Pétain, os franceses no auge do avanço final puderam dispor em
linha apenas sessenta divisões contra cento e cinqüenta divisões
alemães. "É provável", escreveu um oficial de engenharia
americano, "que a 5 de junho, quando o golpe foi desfechado, o
poder combativo dos alemães entre Abbeville e Montmedy tenha sido o
dobro do dos franceses. E já que os alemães retinham a iniciativa e
uma mobilidade superior, essa proporção poderia facilmente alcançar
quatro para um em determinados pontos. Os franceses simplesmente
careciam de força para impedir uma ruptura da frente."
"O objetivo da nova fase
de operações", disse o Alto Comando alemão", era romper
a frente setentrional francesa, forçando o despedaçamento das
unidades francesas rumo ao sudoeste e sudeste para depois
destruí-las." O caminho foi aberto quando os franceses eram
impelidos da linha do Somme, e com a travessia do Sena e do Marne o
objetivo estava quase alcançado. Os exércitos franceses nessa
região foram metodicamente cortados em pedaços. Esforços tardios
para trazer reforços do setor atrás da Linha Maginot foram
prejudicados pelo rompimento das comunicações, devido não somente
ao bombardeio da retaguarda do front, como também ao fato de que o
avanço tinha cortado as linhas ferroviárias mais diretas. A
tentativa de retirada para o Loire fracassou quando as tropas
encontraram as estradas atravancadas por uma torrente de refugiados e
o rápido avanço mecanizado alemão ultrapassou os franceses
retirantes. O Loire por si mesmo era ineficaz como linha de defesa, e
a retirada permitiu aos alemães desembarcar na retaguarda da Linha
Maginot e auxiliou o sucesso do ataque frontal que perfurou as
defesas em dois pontos. Algumas das tropas nessa área continuaram a
resistir até o fim, mas toda a esperança numa frente coerente tinha
desaparecido. A 9 de junho, Weygand, com irônica ambigüidade, disse
ao exército: "Este é o último quarto de hora. Agüentem
firmes!" Mas quando passou o último quarto de hora, o principal
exército francês deixou de existir como força combativa efetiva.
O colapso político
Quando Weygand substituiu
Gamelin no comando das forças aliadas, tomou a si uma causa que
sentia já estar perdida. Essa convicção foi reforçada quando a
situação militar foi de mal a pior; e quando os alemães lançaram
o ataque à linha do Somme, Weygand chegou à firme conclusão de que
essa era a prova final, e de que se a França fosse uma vez mais
obrigada a ceder caminho a rendição seria inevitável.
Nessa crença ele teve o apoio
de um grupo crescente dentro do governo. A crise ministerial de 5 de
junho resultara na eliminação dos mais ativos advogados da causa da
paz em separado. Mas entre os novos membros introduzidos no gabinete
para fortalecer o espírito de resistência houve alguns, como Paul
Baudoin, que em poucos dias se passaram para o partido da paz; e
outros de espírito firme até aquela data ficaram convencidos de
que, com a rendição de Paris, nenhuma esperança mais restava. A 12
de junho, a questão chegou a uma decisão, quando o gabinete,
reunido em Tours, foi informado por Weygand de que a batalha estava
perdida e de que nada restava senão solicitar um armistício.
Houve ainda considerável
resistência a essa proposta. Mesmo admitido que a possibilidade de
resistência em solo francês estava quase no fim, havia ainda a
possibilidade de se conduzir a luta nas colônias. Reynaud se fez
porta-voz dos que estavam contra a rendição quando - em palavras já
parcialmente falsificadas - escreveu a Roosevelt, no dia 10:
"Lutaremos na frente de Paris; lutaremos atrás de Paris;
fechar-nos-emos numa de nossas províncias para lutar, e se ainda
dela formos afastados, estabelecer-nos-emos na África do Norte para
continuar a luta, e se necessário, mesmo em nossas possessões da
América continuaremos a combater."
A isso, porém, tanto Weygand
como Pétain, apoiados por uma parte do gabinete, se opunham
firmemente. Weygand estava visivelmente obsessionado pela crescente
desorganização da autoridade civil e pelo perigo de ela conduzir a
uma revolução. Alegou-se mesmo que ele dissera ao gabinete que
motins comunistas tinham irrompido em Paris - informe que Mandel
imediatamente desfez chamando o chefe de Polícia da Capital e
obtendo um desmentido autorizado. Mas apesar de tudo, perdurava o
receio de tais motins; e a acompanhá-lo havia a esperança de que,
fazendo-se a paz antes que tudo estivesse perdido, alguns resquícios
da independência francesa ainda pudessem ser salvos. Pierre
Lazareff, diretor do Paris Soir, atribuiu a Pétain palavras que,
mesmo que apócrifas. expressavam indubitavelmente os pontos de vista
do partido da paz: "Solicitemos imediatamente um armistício,
enquanto ainda se mantêm intactos a nossa marinha e grande parte do
nosso exército e a Linha Maginot continua a resistir. Mais tarde,
estaremos a mercê do vencedor... Não podemos entregar a nação a
si própria e aos invasores. Fiquemos no nosso solo sagrado para
tomar conta de nosso povo. E antes que soe a hora em que o vencedor,
nada tendo a recear, se recuse a discutir condições, obtenhamos
dele a garantia de que os nossos jovens e as nossas cidades serão
poupados a ponto de termos em mãos ainda a possibilidade de um
renascimento."
Mas se o futuro da França era
o primeiro a considerar-se, não era pelo menos o único. A
Grã-Bretanha era aliada da França, e a França lhe estava ligada
por compromissos que, honradamente, não poderiam ser ignorados. A 28
de março, depois de uma reunião do Supremo Conselho de Guerra em
Londres, uma declaração conjunta foi emitida pelos dois governos,
nos seguintes termos:
"O Governo da República
Francesa e o Governo de Sua Majestade... resolvem mutuamente que
durante a presente guerra não negociarão ou concluirão um
armistício, nem tratado de paz, exceto por consentimento mútuo.
Acordam ainda em não
discutirem condições de paz antes de chegarem a completo acordo
sobre as condições necessárias para assegurar a cada um dos dois
uma garantia duradoura e efetiva de segurança.
Finalmente, acordam em manter
depois da conclusão da paz uma comunidade de ação em todas as
esferas até o prazo em que se mostre necessário para salvaguardar a
sua segurança e efetuar a reconstrução, com a assistência de
outras nações, de uma ordem internacional que garanta a liberdade
dos povos, o respeito à lei e a manutenção da paz na Europa."
O gabinete, entretanto,
decidiu que à Grã-Bretanha deveria ser solicitado o livramento da
França desse seu compromisso; e Reynaud, capitulando diante do
sentimento da maioria, obteve uma entrevista com Churchill, que,
acompanhado por Halifax e Beaverbrook, voou a Tours no dia 13. Os
ministros britânicos se recusaram a, nessa fase, libertar a França
de seus compromissos, mas prometeram todo o auxílio disponível para
barrar o avanço alemão. (A Força Aérea Britânica, de fato,
empenhou-se em pesadas ações em conseqüência disso, e todas as
tropas que se pôde reunir na Inglaterra, inclusive uma força de
canadenses, foram mandadas rapidamente à França). Concordaram,
todavia, com que Reynaud fizesse um novo apelo aos Estados Unidos, e
com que, no caso de uma resposta não satisfatória, a situação
fosse novamente examinada.
A anterior mensagem de
Reynaud, datada de 10 de junho, solicitando "assistência nova e
cada vez maior", tinha sido respondida com a promessa de que
todos os esforços seriam feitos para apressar e aumentar a remessa
de suprimentos. Ao "novo e final apelo" de Reynaud a 13 de
junho, o presidente somente pôde responder que o governo faria todos
os esforços possíveis nas condições presentes, e que se sentia
impelido a acrescentar a advertência de que isso não implicava em
auxílio militar, já que somente o Congresso tinha o poder de tomar
tais resoluções.
No dia 16, à luz dessa
resposta, a França apelou uma vez mais para a Grã-Bretanha. A
resposta foi a proposta sensacional de se fundir os dois impérios,
para que a guerra pudesse prosseguir em comum. Um único gabinete de
guerra seria estabelecido, os dois parlamentos se associariam
formalmente e a União apelaria para os Estados Unidos no sentido de
"fortalecer os recursos econômicos dos aliados e dar-lhes sua
poderosa assistência material, para a causa comum." Era uma
garantia implícita de que a causa francesa seria defendida até o
último inglês. Mas o grupo pró-paz da França achou nessa proposta
um motivo mais de alarme que de entusiasmo. Achava que a França
perderia a independência e cairia sob a dominação inglesa. A
arriscarem-se a isso, preferiam entregar-se ao suave arbítrio da
Alemanha nazista.
A Inglaterra resignou-se,
pois, à perspectiva da defecção francesa. Embora deixasse claro
que ela mesma estava determinada a continuar a luta, aquiesceu
relutantemente com que a França negociasse um armistício. Mas a
mensagem do governo britânico a esse respeito continha uma condição
de capital importância. A frota francesa deveria ser enviada a
portos britânicos e ali permanecer durante as negociações.
Na tarde do dia I6, Churchill
estava para partir a novo encontro com Reynaud quando lhe chegou a
notícia de que o ministério francês caíra. Em face da crescente
pressão do partido pró-paz e das defecções a seu favor, Reynaud
se viu obrigado a renunciar. Aparentemente, ele jamais considerara a
tentativa de angariar apoio no Parlamento ou na nação contra os que
advogavam a rendição. Pode ter tido a esperança de, por sua
renúncia, dissolver o ministério existente e ganhar assim nova
oportunidade para formar outro mais resoluto. Mas o presidente Lebrun
estava agora ao lado do partido da paz. Ao invés de conceder a
Reynaud novo mandato, voltou-se para Pétain.
O ministério organizado pelo
velho marechal compunha-se não somente dos principais membros do
partido pró-paz como também, predominantemente, de representantes
da Direita. A figura principal era Pierre Laval, que até então se
destacava como principal adversário de Reynaud e o verdadeiro
arquiteto do bloco pró-paz. Todas as hesitações chegaram então ao
fim. Pétain imediatamente iniciou negociações com a Alemanha,
através do governo de seu velho pupilo, o general Franco. A 17 de
junho, anunciou ao povo francês: "Dirigi-me ao nosso adversário
para perguntar-lhe se estava disposto a firmar conosco, como entre
soldados depois da luta e com honra, meios de pôr fim às
hostilidades."
Os pontos do armistício
Para Hitler, a fraseologia de
Pétain deve ter soado como tolice antiquada. A questão da honra
provavelmente lhe importava menos que a questão prática dos fins
eficazes. Ele deve ter tomado em consideração os sentimentos
franceses somente até o ponto de se abster de impor condições que
provocassem os franceses à luta e não à submissão. Mas pouco
depois exigia o máximo - e numa base que abriria caminho para
conseqüências futuras indefinidas.
A 18 de junho, Hitler discutiu
as condições em perspectiva com Mussolini em Munique. A presença
do Duce constituía uma recordação de que outras facções que não
a França e a Alemanha estavam interessadas. Não estava bem claro se
a França teve a intenção de combater a Itália, ou se - como
parecia provável - o seu governo apenas encarara o fato de que a
Itália era beligerante, em vista da natureza modesta de sua
beligerância. Em qualquer caso, a França foi imediatamente
convidada a remediar esse pouco caso; e a 20 de junho, algo
retardadamente, uma solicitação de armistício foi encaminhada a
Roma.
No dia seguinte, enquanto as
tropas francesas continuavam a combater os alemães em avanço,
Hitler e seu estado-maior receberam os negociadores franceses. O
vagão ferroviário em que Foch se sentara foi transportado até o
ponto da floresta de Compiègne em que o armistício de 1918 foi
assinado. Nesse local simbólico, os representantes da França
derrotada confrontaram os alemães vitoriosos. Depois de submetidos a
um discurso em torno das desgraças passadas e inocência atual da
Alemanha, eles receberam as exigências alemães com a garantia de
que a Alemanha não teve a intenção de dar às condições "o
caráter de um insulto a tão valente adversário". Discussões
posteriores resultaram em modificações de certos pontos, e no dia
22 as condições foram aceitas. Mas mesmo isso não pôs fim às
hostilidades, que deveriam cessar somente quando também com a Itália
se chegasse a um acordo satisfatório. No dia 24, a França chegou a
um acordo com Roma; e a esse tempo as tropas alemães formavam uma
linha que corria, através da França, do lago de Genebra à foz do
Gironda. A 1h35 da madrugada de 25 de junho, exatamente oito dias
depois que seus líderes admitiram estar a sua causa sem esperanças,
as tropas francesas receberam, afinal, ordem de depor as armas.
O governo francês desde o
começo das negociações alegara que somente uma paz honrosa seria
aceitável. "Se os franceses são obrigados a escolher entre a
existência e a honra", disse Baudoin, "sua escolha está
feita". Essa afirmativa foi repetida enfaticamente durante os
dias que se seguiram. Mas à medida que era retardada a conclusão do
armistício, e a imprensa e rádio alemães continuavam a acentuar
que um país derrotado tinha de se render incondicionalmente, a
perturbação do governo crescia. Uma resistência renovada foi
ligeiramente considerada, mas na mente dos líderes franceses ela era
um recurso desesperado que somente no último caso deveria ser
tentado. Na ocasião em que as condições do armistício lhes foram
comunicadas, eles estavam numa situação moral capaz de aceitar com,
alívio quase todas as condições, inclusive as que privariam do
caráter de independência o governo francês.
Esta foi quase a única
concessão dada pelos acordos do armistício. As vantagens dadas à
Itália, na verdade, eram tão pequenas que quase não passavam de um
gesto aberto de desprezo da Alemanha para um associado de menor
importância. Por uma bela ironia, os ganhos territoriais italianos
eram limitados à ocupação das poucas milhas de solo francês que
tinham sido conquistadas no lento avanço para os quatro dias que
precederam o armistício. Houve um gesto em relação à segurança
de suas fronteiras, entretanto, com a criação de zonas
desmilitarizadas ao longo tanto das fronteiras alpinas como das
coloniais africanas; e lhe foram concedidos direitos plenos ao porto
de Djibuti e da secção francesa da estrada de ferro de Djibuti a
Addis Abeba.
Quanto ao resto, as condições
italianas seguiam substancialmente às do armistício alemão, que
deixavam a França desarmada e desmembrada. Dois terços da França
seriam ocupados - à costa francesa - por tropas alemães. Isto
incluía não somente as áreas industriais da França, exceto Lyon,
como também toda a costa atlântica, até a fronteira espanhola. O
exército francês deveria ser imediatamente desmobilizado, a exceção
de uma pequena força para finalidades de segurança interna e cujo
efetivo seria indicado pelo vencedor. Todas as fortificações e todo
o material bélico deveriam ser entregues. A atividade aérea, mesmo
na área não ocupada, foi proibida, e nesta área os campos de
aviação ficariam sob o controle germano-italiano. Toda a navegação
mercante francesa deveria ser chamada à metrópole e permaneceria em
portos franceses até ulterior deliberação. Os prisioneiros de
guerra alemães deveriam ser soltos, mas os prisioneiros de guerra
franceses ficariam nos campos de concentração alemães até a
conclusão da paz. A França deveria entregar todos os cidadãos
alemães designados pelo governo alemão - uma concessão
particularmente vergonhosa que lançaria milhares de refugiados às
mãos vencedoras da Gestapo. A frota deveria ser desarmada nos portos
franceses sob controle ítalo-germânico, com a solene garantia de
que essas potências não tinham a intenção de utilizá-las para si
próprias.
Mas essas condições eram
apenas o começo. Os detalhes de sua aplicação foram entregues a
uma comissão de armistício sediada em Wiesbaden, onde os alemães
podiam exercer pressão constante sobre os impotentes delegados
franceses. A Alemanha e a Itália se reservaram o direito de cancelar
as condições caso achassem que o governo francês deixara de
cumprir suas obrigações. E as condições de uma paz permanente
ficariam aguardando a consecução de completa vitória do Eixo,
quando uma França desorganizada e impotente seria obrigada a
desempenhar seu papel especial na servil organização da Nova Europa
de Hitler.
Essas as condições a
respeito das quais Pétain disse: "A honra foi salva. Nosso
governo permanece livre. A França somente por franceses será
governada".
A ditadura Pétain
Os franceses que governavam de
Vichy estavam, todavia, determinados a que a França fosse dirigida
numa base muito diferente da dos últimos setenta anos. O novo regime
representava uma liquidação temporária do elemento essencial e
básico da política francesa: - cumprimento ou destruição dos
princípios da Revolução de 1879. As forças da Direita estavam
agora resolvidas a utilizar a derrota externa para assegurar sua
vitória interna. A República, com a sua divisa de Liberdade,
Igualdade, Fraternidade, era para esses homens um anátema.
Resolveram substituir a liberdade pela disciplina, a igualdade pela
autoridade, a fraternidade por uma organização calcada na de seus
vencedores totalitários. Com a nova divisa de Trabalho, Família,
Pátria, eles iniciaram a tarefa de extirpar as tradições que
tinham moldado o espírito da França no último século e meio.
Sua primeira medida foi pôr
de lado a constituição vigente. A 9 de julho, o Parlamento francês,
com a ausência de cerca de um terço de seus membros, aprovara uma
resolução concedendo plenos poderes ao governo Pétain. No dia
seguinte, isso foi ratificado por ambas as Casas do Parlamento que se
reuniram para formar uma Assembléia Nacional. A 11 de julho, o
presidente Lebrun passou ao marechal Pétain seus poderes de chefe de
Estado. Nesse mesmo dia, a transformação foi completada pela
publicação de três decretos que aboliram os principais
dispositivos da constituição existente e colocaram nas mãos de
Pétain pleno poder legislativo, bem como o controle da diplomacia,
do exército, das finanças e das nomeações civis e militares. Os
decretos sugeriram a criação de novas assembléias legislativas,
mas não lhes prescreveram forma prática. Entrementes, as Câmaras
existentes continuariam legalmente a existir, mas como suas reuniões
haviam sido proteladas indefinidamente e apenas poderiam reunir-se
por determinação de Pétain, sua parte nos negócios públicos
parecia haver efetivamente terminado.
Uma série de decretos se
seguiram a esses, decretos cujo efeito seria a transformação
radical da vida francesa. Eles indicavam a criação de um Estado
cuja economia seria predominantemente agrícola e evitaria competir
com a Alemanha industrial; a supressão dos partidos políticos e dos
sindicatos trabalhistas; uma política de repressão, não apenas
contra os judeus e estrangeiros, mas também visando organizações
tais como a Maçonaria; e crescente autoridade à Igreja, bem como
novas leis de herança destinadas a salvaguardar a base camponesa da
agricultura. As próprias divisões locais - de departamentos criados
pela Revolução e que serviram de base à administração
napoleônica - foram abolidas em favor das províncias mais antigas.
"O governo", disse Pétain, "apoiará com todas as
suas forças todas as instituições que visem evitar a corrupção
da moral e a proteção à real felicidade... A França deve voltar a
seu caráter basicamente agrícola e camponês, e sua indústria deve
tornar a descobrir sua tradicional qualidade. É portanto preciso
pôr-se um fim às desordens econômicas presentes pela organização
racional da produção e de organizações corporativas."
Mas essa imitação
lisonjeadora, embora sincera, produziu pouca impressão na Alemanha.
Pétain alimentara a esperança de que a França em paz reteria força
bastante para garantir a independência da política. Laval, com seus
sonhos de um Bloco Latino, acreditara em que uma orientação no
sentido do sistema fascista faria com que Mussolini protegesse a
França contra Hitler e a usasse como uma aliada que pudesse
contrabalançar o poderio de uma Alemanha por demais poderosa. Ambos
sofreram rude decepção. Nem o avanço para uma ditadura
totalitária, nem a instalação de uma corte para julgar os líderes
acusados da responsabilidade pela guerra serviram para aquietar as
censuras persistentes dos nazistas. O governo era apressado por
constante pressão em favor de novas medidas. Os recursos da França
foram debilitados pelo fechamento da fronteira da zona ocupada, o que
não apenas cortou as comunicações e suprimentos como deixou a área
meridional ainda superlotada com a massa de refugiados. A solicitação
do governo para que lhe fosse permitida a volta para Paris, embora
baseada especificamente nos termos do armistício, foi rejeitada;
pois que, embora a solicitação pudesse demonstrar que Pétain não
tinha esperanças de fazer uma política que pudesse ofender os
conquistadores, os alemães não tinham desejo algum de ver uma
possível autoridade rival na zona ocupada. A organização daquela
zona, e particularmente as medidas para chamar a Alsácia para mais
perto do Reich, demonstravam a decisão alemã de manter a França
dividida e de multiplicar as dificuldades que pudessem criar confusão
contínua e evitar aquele renascimento que o governo francês tão
carinhosamente acalentava. Mais e mais o regime Pétain parecia
composto de velhos desesperados a lutar para firmar pé em meio as
circunstâncias que jamais poderiam compreender ou controlar. A vaga
percepção disto pareceu surgir para Pétain quando se queixou a um
grupo de jornalistas, a 20 de agosto: "Estamos presos de modo
absoluto aos termos do armistício. Os alemães seguram a corda e
torcem-na cada vez que acham que o acordo não está sendo cumprido."
(Um dos repórteres atribuiu-lhe uma frase ainda mais pitoresca: "A
França está manietada por uma fronteira desde o Atlântico até os
Alpes. Toda a vez que fazemos alguma coisa que desagrada as
autoridades ocupantes, estas apertam ainda mais as correias.)
A Inglaterra e a frota
francesa
A atitude da Inglaterra em
relação aos termos do armistício formava algo misto de raiva e
preocupação. Havia uma simpatia sincera à França naquele transe
desesperado. Mas também havia a convicção de que na contínua
resistência britânica estava a esperança, não apenas da
sobrevivência da Inglaterra, mas da restauração da independência
e integridade francesa. Era natural que as condições de sua
rendição tivessem despertado emoções não só de "dor e
surpresa", conforme Churchill se expressou, mas de ressentimento
contra um governo que desrespeitara seus compromissos e entregara ao
inimigo os meios para aplicar um golpe sério e talvez fatal a uma
antiga aliada.
Havia, conseqüentemente, a
esperança de que, apesar do governo Pétain, a resistência francesa
continuasse ao menos na esfera colonial. Isto era encorajado por
informações procedentes de Marrocos, da Síria e da Indochina, as
quais indicavam que os comandantes militares locais estavam
resolvidos a lutar, e pelo estabelecimento em Londres de um comitê
chefiado pelo General De Gaulle, que conclamava todos os franceses
livres para a continuação da luta ao lado da Grã-Bretanha. Mas um
movimento dessa ordem foi previsto pelos alemães, que introduziram
nos termos do armistício uma cláusula que obrigava o governo
francês a proibir a resistência por parte de qualquer cidadão
francês ou qualquer porção das forças armadas. Foi exercida,
portanto, sobre Vichy pressão para que refreasse as revoltas
incipientes. O governador da Indochina foi substituído. Weygand voou
à Síria e persuadiu o comandante, general Mittelhauser, a aceitar o
armistício. Marrocos foi de algum modo persuadido a entrar na linha.
O êxito, porém, foi até certo ponto precário. No fim de agosto,
em seguida à garantia britânica de pleno apoio econômico e militar
a qualquer área que se unisse à causa comum, a África Equatorial
Francesa aceitou a chefia de De Gaulle e houve informes de crescente
obstinação na Nova Caledônia e na Indochina. Mas na vital região
mediterrânea onde as colônias francesas formavam parte tão
essencial de todo o sistema defensivo, estas não só deixaram de ser
um ativo como passaram a constituir um passivo.
A própria questão do que
aconteceria no Império Francês, todavia, importante como era,
passou para lugar secundário em face da questão do que aconteceria
à frota francesa.
A aquiescência britânica às
negociações francesas por uma paz em separado fôra acompanhada, ao
ser comunicada a Reynaud, de uma condição vital - a de que a frota
francesa fosse mandada a portos britânicos para neles permanecer
durante as negociações. Quando o governo Pétain tomou o poder, foi
logo lembrado dessa condição. O envio imediato da frota francesa
não foi conseguido, apesar da pressão direta de vários ministros
britânicos que estabeleceram contato com os líderes franceses; mas,
garantias repetidas, inclusive uma promessa pessoal do almirante
Darlan, foram dadas de que a frota não cairia em mãos inimigas.
As condições do armistício
dificilmente poderiam ser consideradas como podendo assegurar o
cumprimento dessas garantias. Era verdade que elas continham a
promessa de que os navios não seriam realmente utilizados pela
Alemanha ou Itália. Mas o mundo chegou ao ponto de poder julgar bem
do valor de tais promessas; e era inconcebível que, tendo ao alcance
das mãos uma arma contra n superioridade naval britânica, o Eixo
não se apoderasse dela e a usasse. Mesmo que, com delicadeza não
habitual, procurasse manter-se dentro de formalidades legais, o Eixo
teria a possibilidade de repudiar a cláusula de remissão contida no
armistício, bem como outras cláusulas, sob o pretexto de que a
França deixara de cumprir o texto do acordo, e em tal caso a França
nada poderia fazer senão submeter-se. O armistício era uma simples
garantia de papel, que nenhuma segurança oferecia.
Como nos casos das colônias
francesas, houve a princípio alguma esperança de que a frota
francesa se recusasse à submissão. Mas uma vez mais, a autoridade
do governo Pétain, possivelmente apoiada por ameaças alemães de
represálias pessoais, impediu quaisquer impulsos que os marujos
franceses possam ter tido para desafiar o armistício. Estava claro
que, no que lhes dizia respeito, não só se recusariam a continuar a
lutar como se conformariam em ver seus navios postos à disposição
da Alemanha.
Era de capital importância
evitar-se tal resultado. Conforme as coisas estavam, mesmo que a
frota francesa ficasse imobilizada, a Grã-Bretanha manteria uma boa
margem de superioridade no mar. Mas se a frota francesa fosse
entregue, essa margem desapareceria por completo. O Eixo teria então
19 couraçados contra 11 britânicos, 46 cruzadores contra os 60 da
Grã-Bretanha e cerca de 250 destróieres contra os 182 da
Grã-Bretanha. A superioridade em submarinos já obtida pelo Eixo
alcançaria uma proporção de três para um.
A frota francesa, exceto
algumas unidades em águas americanas, foi agrupada no começo de
julho em três divisões principais. Uma parte da frota, cuja entrada
nos portos franceses estava bloqueada, encontrava-se em portos
britânicos, notadamente em Portsmouth e Plymouth. Esta incluía os
navios de batalha Paris e Courbet, dois cruzadores leves, alguns
submarinos inclusive o Surcouf , o maior do mundo - e cerca de 200
embarcações menores. Em Alexandria, na companhia de uma esquadra
britânica, estavam o navio de batalha Lorraine e quatro cruzadores,
bem como unidades menores. Em outros portos africanos, principalmente
na nova base de Mers-el-Kebir, perto de Orã estavam os dois novos e
poderosos cruzadores de batalha Strasbourg e Dunkerque, bem como os
couraçados Bretagne e Provence, juntamente com vários cruzadores
leves e destróieres. Sobre os dois primeiros grupamentos a
Grã-Bretanha poderia esperar exercer algumas medidas de controle,
mas era essencial que a disposição dos navios em águas algerianas
fosse assentada logo e em definitivo.
Nas primeiras horas da manhã
de 3 de julho, os navios em águas britânicas foram abordados por
fortes destacamentos, que não encontraram resistência alguma,
exceto no Surcouf, onde um mal-entendido causou um encontro rápido e
violento do qual resultaram duas mortes. Nessa mesma manhã, uma
esquadra britânica surgiu ao largo de Orã apresentando um ultimato
ao comandante, almirante Gensoul. Esse ultimato exigia que o
comandante francês agisse de acordo com uma das seguintes
alternativas:
"A - Acompanhar-nos e
continuar a lutar pela vitória contra os alemães e italianos.
B - Acompanhar-nos com
tripulações reduzidas sob o nosso controle a um porto britânico.
As tripulações reduzidas serão repatriadas o mais rapidamente
possível.
C - Se qualquer dessas duas
resoluções for por vós adotada, restituiremos vossos navios à
França quando da conclusão da guerra ou pagaremos por eles plenas
indenizações se, entrementes, ficarem avariados.
De modo alternativo, se por
acaso desejais estipular que vossos navios não sejam utilizados
contra os alemães ou italianos a menos que eles rompam as condições
do armistício, acompanhai-nos com tripulações reduzidas às Índias
Ocidentais - Martinica, por exemplo, onde eles possam ser
desmilitarizados de maneira satisfatória para nós, ou talvez
confiados aos Estados Unidos para com eles ficarem até a fim da
guerra, com as tripulações em liberdade.
Caso vos recuseis a aceitar
essas ofertas honrosas, terei, com profundo pesar, que solicitar-vos
afundeis vossos navios dentro de seis horas. Não se cumprindo o
acima exposto, tenho ordens do governo de Sua Majestade de utilizar
qualquer força que se tornar necessária para evitar que vossos
navios caiam em mãos alemães ou italianas."
Ao almirante francês foram,
assim, oferecidos pelo menos cinco possíveis meios de ação, dois
dos quais envolviam a garantia de que seus navios ficariam fora do
alcance de qualquer beligerante, inclusive a Grã-Bretanha. Ele os
rejeitou todos. Negociações no decorrer do dia não conseguiram
modificar-lhe a decisão. Anunciou a decisão de lutar, e durante as
conversações os navios franceses prepararam-se para o combate. Oito
horas e meia depois que as propostas foram entregues, o comandante
britânico, em conseqüência das ordens do Almirantado no sentido de
completar sua missão antes de escurecer, interrompeu relutantemente
as discussões e abriu fogo contra os navios franceses.
Os navios franceses
responderam da melhor maneira que podiam. Mas apesar de terem podido
preparar-se durante o período da trégua, estavam numa posição
desfavorável em relação aos navios britânicos, particularmente em
vista de terem aviões britânicos semeado minas à entrada do porto.
Apesar disso, o Strasbourg, juntamente com algumas unidades menores,
conseguiu abrir caminho entre as forças britânicas e rumar para
Toulon. Foi perseguido por aviões e atingido com pelo menos um
torpedo, mas apesar desse dano atingiu seu objetivo. Os restantes
vasos de guerra foram menos afortunados. Num encarniçado encontro
que durou dez minutos, o Bretagne foi afundado, o Provence foi
incendiado e o Dunkerque foi pesadamente danificado e feito encalhar.
A maior parte da frota francesa ficou efetivamente incapacitada ou
destruída.
Durante os dias subseqüentes,
foram tomadas outras medidas a fim de garantir ainda mais o êxito.
Um ataque de bombardeio foi desfechado contra o Dunkerque danificado,
para se ficar bem seguro de que estava fora de ação. O novo
couraçado Richelieu, que estava quase pronto para o serviço e
permanecia no porto norte-africano de Dakar, foi posto fora de ação
a 8 de julho. A divisão naval francesa estacionada em Alexandria
concordou com a rendição e desmobilização de seus navios. O Jean
Bart, incompleto, estava em Casablanca e não foi molestado, já que
era certo que não seria de utilidade ao inimigo pelo menos durante
algum tempo. A 8 de julho, não mais havia couraçado francês
intacto e ao largo.
A trágica ironia dessas
atitudes, ocorridas um mês depois da cooperação naval francesa à
evacuação de Dunquerque, não precisou ser acentuada. Seu provável
efeito sobre as relações com os antigos aliados também estava
claro. Já o governo Pétain tinha mostrado considerável irritação
pela atitude britânica em relação ao armistício e procurou mesmo
pôr a culpa do colapso francês à falta de eficiência do auxílio
inglês. Com a batalha de Orã, essa crescente tensão atingiu o
ponto de ruptura, e as relações formais entre os dois países
tornaram-se mais rígidas. Ações britânicas como a aplicação do
bloqueio à França, a requisição dos navios mercantes franceses e
o bombardeio dos portos e bases aéreas franceses na zona ocupada
aumentaram ainda mais esse ressentimento. Da aliança, os dois países
encaminhavam-se rapidamente para o antagonismo aberto, senão mesmo
para as hostilidades armadas.
A Batalha da Inglaterra
"O que aconteceu à
França", disse Churchill a 17 de junho, "não alterou em
nada a fé e os propósitos britânicos. Tornamo-nos os únicos
campeões em armas da causa mundial. Faremos o que pudermos para
merecer tão grande honra".
A Grã-Bretanha era de fato o
último obstáculo existente ao completo triunfo de Hitler. Não mais
havia aliados contra ele, a não ser de um modo técnico. Era verdade
que existiam governos refugiados que reivindicavam a sua posição de
dirigentes legítimos dos países conquistados. Os soberanos da
Noruega e dos Países Baixos haviam encontrado refúgio no solo
britânico. Um comitê nacional tcheco, sob a chefia do dr. Benes,
fôra constituído em Londres e recebido o reconhecimento inglês
como um Governo Provisório, a 21 de julho. Um governo polonês no
exílio manteve sua existência depois da queda da Polônia, e forças
armadas polonesas continuavam a lutar ao lado dos aliados. Depois do
armistício, o governo e as tropas polonesas transferiram-se para
território britânico, e a 5 de agosto um acordo militar definiu as
bases de sua cooperação com as forças inglesas. Acordo semelhante
foi alcançado a 7 de agosto com o comitê francês chefiado pelo
general Charles de Gaulle, acompanhado da garantia da determinação
britânica de restaurar a independência francesa depois de obtida a
vitória.
Mas por mais úteis que
pudessem ser esses fragmentos salvos do desastre, permanecia o fato
de que nenhum desses governos exercia jurisdição efetiva sobre uma
única polegada de solo europeu. Na esfera colonial, o caso era bem
diferente. A continuada autoridade do governo dos Países Baixos
sobre as Índias Orientais Holandesas significava um ativo de modo
nenhum desprezível. A perspectiva de renovada resistência nas
colônias francesas foi bem-vinda e encorajada. Mas qualquer séria
esperança da derrota da Alemanha repousava, no momento, sobre a
Grã-Bretanha, sobre a Grã-Bretanha apenas.
O problema imediato era a
ereção de um baluarte contra a conquista nazista em progresso.
Depois deveriam ser achados os meios e recursos que capacitassem os
ingleses a passarem para a ofensiva. Mas, no momento, a derrocada da
França afastava-lhe quaisquer perspectivas de tomar a iniciativa
forçando a Inglaterra a adotar uma política defensiva contra a
possibilidade iminente de invasão.
Essa possibilidade, que se
tomara bastante real com a conquista alemã dos Países Baixos,
aproximara-se com a rendição da França. Os termos do armistício,
juntamente com os ganhos territoriais, colocaram a Alemanha de posse
de toda a linha costeira européia da Finlândia à Espanha. Desde os
tempos de Napoleão, que a Inglaterra não enfrentara tal emergência,
e o Canal não mais constituía aquela barreira absoluta que
demonstrara ser em 1805. O submarino, o aeroplano e o
barco-torpedeiro representavam armas ofensivas novas contra a
potência naval protetora da Grã-Bretanha e novos métodos de
cobertura ao rápido transporte de uma força de desembarque. Tropas
lançadas de pára-quedas ou levadas por aviões-transporte podiam
esperar obter um ponto de apoio e estabelecer cabeças de ponte para
uma invasão em maior escala. Cinco mil km. de litoral davam ao
inimigo um grande número de bases aéreas e navais, nas quais
poderia reunir as forças necessárias e de onde poderia lançar
ataques diferentes que mascarassem a real direção de seu objetivo
principal. Um desembarque coroado de êxito em solo britânico não
mais estava completamente fora do domínio da possibilidade.
Era certo, contudo, que
encontraria formidáveis obstáculos. Quaisquer que fossem as
modificações determinadas pelas novas armas, permanecia de pé o
fato de que a armada britânica ainda se mantinha soberana dos mares.
A força aérea britânica tinha demonstrado de modo convincente seu
poder defensivo durante a evacuação de Dunquerque. As tropas
britânicas salvas por esse feito brilhante sofreram apenas perdas
relativamente fracas durante o período subseqüente; e obtiveram não
somente uma experiência pessoal dos novos métodos de guerra como
também a convicção de sua própria superioridade na luta, quando
do encontro com um inimigo em situação absolutamente desigual. Um
invasor não enfrentaria nem tropas destreinadas, nem um exército de
moral combalida, mas - talvez pela primeira vez - um corpo de tropas
amadurecidas cujo espírito de luta aumentara em vez de ter diminuído
com as experiências do passado.
Em matéria de chefia e
organização, da mesma forma, os defensores tiveram a oportunidade
de lucrar, não somente por conhecerem os métodos alemães como em
conseqüência da lição dada pelos erros franceses. A guerra total
exigia a organização e direção de todas as forças nacionais. Mas
na França a falta de preparo das autoridades civis e da população
contribuíra para a confusão da situação militar. Os movimentos
militares eram prejudicados pelos refugiados que atravancavam as
estradas. A desorganização civil permitiu aos agentes inimigos
aumentarem ainda mais a confusão, espalhando falsos rumores e
emitindo falsas ordens. O fato de não haverem sido determinadas
tarefas específicas para os civis num caso de emergência militar
desempenhou seu papel na debacle final.
Para evitar, na Inglaterra, a
repetição dessas dificuldades, foram tomadas certas medidas para
instruir e organizar a população civil. O princípio da
responsabilidade local, adotado como base do serviço de alarme
anti-aéreo, foi estendido de modo mais generalizado. Foram criadas
zonas de defesa nas quais a responsabilidade plena seria depositada
em mãos de determinadas pessoas, caso tais zonas fossem isoladas.
Foram dadas instruções sobre os métodos de combater tropas
pára-quedistas e de se bloquear as estradas contra tanques e os
campos de pouso, impedindo a descida de aeroplanos. Uma força de
voluntários para a Defesa Local, composta de homens julgados inaptos
para o serviço ativo do exército ou que ainda não haviam sido
chamados às armas, foi convocada e armada com o propósito
específico de impedir as tentativas de criar confusão atrás das
linhas, confusão que tanto êxito tivera nos Países Baixos. Foram
construídas vias alternadas de transporte e comunicação,
esperando-se ao mesmo tempo que o princípio de descentralização
permitisse a cada localidade manter-se mesmo com suas comunicações
cortadas.
Simultaneamente, as defesas
militares eram transformadas. As costas britânicas ficaram eriçadas
de embasamentos de artilharia, destinados a produzir fulminante fogo
cruzado contra possíveis pontos de desembarque. As praias ficaram
protegidas com arame farpado e outros obstáculos. Uma rede de
defesas, cuidadosamente camuflada, estendeu-se para o interior, e por
trás dela erguiam-se dois milhões de homens em armas. As zonas mais
importantes foram completamente evacuadas pelos civis, e áreas
defensivas especiais foram criadas, áreas que possivelmente
abrangiam uma faixa de 30 km. ao longo da maior parte da costa e
também de muitas regiões interiores. A 19 de agosto, uma ordem de
precaução declarou área defensiva o total das Ilhas Britânicas -
passo que permitiu ao ministro da Segurança Interna vestir de
poderes quase ditatoriais treze comissários regionais. O Parlamento
já arrancara ao governo o direito de apelar contra sentenças
sumárias ditadas por tribunais especiais que fossem eventualmente
organizados; mas fora essa precaução, o destino de cada cidadão
ficaria, durante uma emergência, à mercê do ditador local.
Juntamente com tais medidas
verificou-se crescente intensidade no esforço de suprir a falta de
equipamentos de que as forças armadas ainda se ressentiam
seriamente. Havia ainda relutância quanto à adoção de métodos
totalitários de organização econômica; mas apesar da crítica,
novo vigor tornou-se evidente na produção de guerra. E enquanto se
preparava para maiores esforços, a Grã-Bretanha se via apoiada por
maiores esforços de parte dos Domínios. O Canadá, que planejou um
corpo de duas divisões completas iniciou intensivo treinamento
aéreo, também apressou o ritmo de sua produção de abastecimentos
e eliminou alguns obstáculos pela adoção de uma coordenação mais
estreita com a indústria bélica americana. Tropas da Austrália,
Nova Zelândia e África do Sul chegaram à Inglaterra, e a força
aérea sul-africana participou da defesa do Quênia. E por trás do
Império erguiam-se os recursos da indústria americana, já
impelidas para a maior produtividade por meio de um fluir mais
pródigo de pedidos de guerra da Grã-Bretanha e pela política de
cooperação da administração Roosevelt. Enquanto pudesse manter os
mares abertos, a Grã-Bretanha parecia ter assegurado recursos cada
vez mais crescentes em homens e material.
Havia, entretanto, uma
importante exceção nessa unidade de esforços. Único entre os
membros da Commonwealth, a Irlanda declarara a sua neutralidade ao
iniciar a guerra. Essa neutralidade, apesar dos sucessivos exemplos
infelizes dados pelo destino de neutros fracos, ela estava disposta a
preservar; e a possibilidade de que a Irlanda pudesse tornar-se um
trampolim para a invasão alemã tornou-se objeto de grande
importância nos planos defensivos da Inglaterra. Foram iniciadas
negociações entre Londres, Dublin e Belfast, na esperança de
encontrar uma fórmula que pudesse conciliar a segurança britânica
com as necessidades políticas irlandesas. Mas a insistência da
Irlanda para que fosse abolida sua participação constituía um
poderoso obstáculo, e o mais que se pôde conseguir foi o direito da
Grã-Bretanha de mandar socorros no caso de uma invasão ter lugar
efetivamente. Medidas de precaução, como o estacionamento de tropas
na fronteira do Ulster e o minar do mar da Irlanda e da passagem
entre as Orcades e a Islândia, foi o máximo que se pôde obter. A
Irlanda, por menos vontade que tivesse de partilhar da sorte da
Holanda, ainda se mostrava determinada a lutar contra o primeiro que
a atacasse.
"Oferta" de Paz e
o orçamento
Houve rumores de que os
alemães estavam utilizando a Irlanda como intermediário em
sondagens na Grã-Bretanha sobre a questão da paz - rumores esses
que foram desmentidos, pelo lado alemão, por informes de que Sir
Samuel Hoare agia como representante do partido pró-paz da
Grã-Bretanha, fazendo propostas ao Eixo. Estes informes podem ter
mascarado os próprios esforços alemães tendentes a sondar as
possibilidades de conversações de paz. De qualquer maneira, a idéia
de que a Alemanha não se esquivaria às negociações foi até certo
ponto confirmada pelo próprio Hitler, num discurso que pronunciou no
Reichstag a 19 de julho.
Mas, embora o discurso falasse
em paz, dificilmente sugeria uma base prática para a sua conclusão.
A rápida e quase desdenhosa passagem em que Hitler expressava a
convicção de que "Não vejo razão alguma para que esta guerra
continue", era menos uma oferta de negociações do que uma
exigência de rendição. O Führer alternou suas costumeiras
diatribes contra os adversários, e particularmente contra os líderes
britânicos, com orgulhosa fanfarronada sobre a força e
invencibilidade da Alemanha. Seu "último apelo à razão"
não fez esforço algum para mostrar à Grã-Bretanha o que ela
lucraria com a paz; simplesmente a ameaçou com o aniquilamento
completo caso prosseguisse na guerra.
A resposta oficial foi contida
na irradiação de Lord Halifax, a 22 de julho, a qual expunha a
impossibilidade de qualquer paz duradoura com Hitler. A resposta
não-oficiai foi o desfechar de uma série de amplos reides aéreos
contra objetivos alemães. Mas a verdadeira resposta da Grã-Bretanha
ficou implícita no orçamento que Sir Kingsley Wood apresentou à
Câmara dos Comuns no dia 23 de julho.
Esse era o terceiro orçamento
apresentado à nação desde o começo da guerra. Cada um dos
orçamentos anteriores exigira da parte dos contribuintes esforços
cada vez maiores e sem precedentes. O terceiro orçamento levava
esses sacrifícios para mais longe ainda. Consignava uma despesa de
3.467 milhões de libras esterlinas - cerca de setenta por cento da
receita normal do país. Afim de obter-se três quintas partes dessa
soma com impostos, o imposto de renda básico foi elevado para oito
xelins e seis pence sobre a libra esterlina; os impostos adicionais e
as obrigações sobre a propriedade imobiliária foram aumentados;
aumentaram os impostos que incidiam sobre artigos dispensáveis, como
o fumo, o vinho, a cerveja e diversões; e um novo imposto sobre
compras, destinado a recair sobre artigos de luxo com especial peso,
foi acrescentado aos demais. Essas disposições não deixavam dúvida
de que os ingleses achavam-se submetidos a um nível de vida mais
espartano do que qualquer outro por que haviam anteriormente passado.
Mas as críticas foram dirigidas não contra a severidade, mas sim
contra a moderação nos encargos, e particularmente contra o fato de
ter sido deixado um déficit de 2.200 milhões de libras esterlinas,
para ser coberto por empréstimos. A reação pública testemunhou o
desejo do povo inglês não somente de continuar a guerra, mas de
fazer todo o possível para pagar-lhe os encargos.
O poderio aéreo e o
bloqueio
Se em face dessa firme atitude
britânica os nazistas se decidissem a desfechar um golpe aniquilador
contra o único inimigo que lhes restava, verse-iam diante de uma
tarefa preliminar e básica. Essa era a obtenção do domínio
indiscutível do ar. Era necessário não somente proteger o eficaz
desembarque de tropas, como fazer o possível para conseguir
desembarcá-las. O domínio britânico do mar não poderia ser,
seriamente, disputado por nenhum instrumento naval à disposição do
Eixo. Somente pela superioridade no ar poderia ele esperar desafiar o
poderio naval britânico, mesmo temporariamente, e assim tornar
possível a passagem de uma força invasora desafiando a frota
britânica.
A fase preliminar começou a
18 de junho, com o início dos ataques aéreos diários contra a
Inglaterra. Durante algum tempo não foram efetuados em grande
escala. Em muitos casos pareciam destinados apenas a experimentar as
defesas britânicas, descobrir objetivos vulneráveis como campos de
aviação e instalações industriais e para proporcionar aos pilotos
certa familiaridade com uma região até então por eles
desconhecida. Eram, em geral, ataques noturnos. O comando alemão
estava organizando suas bases na costa francesa - inclusive as ilhas
do Canal. que tinham sido evacuadas pelos ingleses, como
insustentáveis, no fim de junho - e enquanto esse processo não se
completasse dificilmente estariam prontos para reides maiores.
No começo de julho, foi
adotada tática, que se caracterizou por ataques diurnos de crescente
violência. O estabelecimento de novas bases permitia operações
diurnas, trazendo os pilotos para perto de seus objetivos e
permitindo assim aos caças acompanhar os bombardeiros. Ao mesmo
tempo, observou-se uma mudança tanto nos objetivos como nos métodos.
Embora fossem lançadas bombas sobre aeroportos e fábricas, estes
não mais representavam os objetivos principais. A maior violência
era agora dirigida contra os portos e a navegação britânica.
Isso sugeria que, no momento,
o objetivo nazista era menos a destruição do poderio aéreo
britânico que o reforço do bloqueio. Os esforços dos beligerantes
para estrangularem um ao outro economicamente, que tinham sido
sobrepujados por mais dramáticas realizações de caráter militar,
haviam continuado sem esmorecimento; e agora que o choque das armas
ficara mais uma vez limitado, a luta econômica emergia novamente
como fator predominante no conflito.
O alastramento das conquistas
alemães tinha seriamente aumentado a manutenção do bloqueio
britânico. Proporcionava um ativo maior à Alemanha, e a queda da
França enfraqueceu seriamente as forças do bloqueio. A marinha
britânica que antes contava com o auxílio da marinha francesa,
passara a cumprir sozinha todas as tarefas do bloqueio, que se
tornavam ainda mais pesadas pelo fato da Itália ser então um país
beligerante, e não um neutro desfavorável aos aliados. A perda,
contudo, não era irreparável. A frota britânica, aumentada com
unidades navais de outros países conquistados, cresceu mais com a
fusão dos navios de guerra franceses que tinham entrado nos portos
britânicos antes do armistício, nalguns dos quais foram postas
tripulações francesas dispostas a continuar em serviço. O
enfraquecimento do poder naval germânico, como resultado da invasão
da Noruega, facilitou parte da tarefa da frota britânica e deixou-a
menos exposta a perigos nas águas da metrópole. Nenhum navio de
grande tonelagem foi afundado ou sequer seriamente danificado entre
15 de junho e 1o
de setembro. Os navios mais leves, entretanto, sobre os quais caía a
maior parte do serviço de comboio, não se safaram tão bem. A
Grã-Bretanha, era verdade, admitia a perda de apenas trinta
destróieres desde o começo da guerra, e essa perda era maior do que
a substituível por novas construções. Mas parte de sua força de
destróieres era necessária no Mediterrâneo, e havia silêncio em
torno do número de navios avariados e recolhidos para reparo.
Registrava-se um processo de usura que, sem ameaçar tornar-se fatal,
fez com que fosse muito bem recebida a aquisição de cinqüenta
destróieres já antiquados dos Estados Unidos, no mês de setembro.
Apesar dessas desvantagens,
havia indícios de que o bloqueio nada perdia de sua eficácia. O
próprio fato de que havia menos suscetibilidades neutras a
considerar constituía algo como uma vantagem. O bloqueio foi
aplicado à França ocupada depois do armistício. A zona
não-ocupada, como também a Espanha, estavam sujeitas ao
racionamento, a juízo da Grã-Bretanha. O alargamento do sistema de
navicert no fim de julho impôs um controle ainda mais estrito. Os
protestos dos alemães, e particularmente seus apelos para os
sentimentos humanitários, foram barulhentos e prolongados. Eles
apontavam para a perspectiva de más colheitas em certas partes da
Europa, e insistiam em que o bloqueio significaria a fome
generalizada. Mas os peritos calcularam que, embora houvesse certa
restrição alimentar, a fome somente poderia resultar da má
distribuição conseqüente do açambarcamento pelos alemães de
todos os fornecimentos de víveres dos países conquistados; e as
autoridades britânicas interpuseram a esse clamor de fome iminente
argumentos tais como este do dr. Funk: "A situação presente da
Inglaterra é catastrófica, notadamente no tocante aos seus
suprimentos de víveres, enquanto os suprimentos alemães de víveres
estão absolutamente assegurados". Churchill, a 20 de agosto,
reafirmou a determinação britânica de não afrouxar o bloqueio da
Alemanha ou dos países sob o seu poder. O que prometeu, entretanto,
foi auxílio imediato a todo o território que genuinamente
reobtivesse a sua liberdade. "Façamos que Hitler carregue
plenamente a sua responsabilidade", disse o primeiro ministro,
"e demos aos povos da Europa que gemem sob o seu jugo todo o
auxílio possível, até chegar o dia em que esse jugo seja
quebrado." Não se podia dizer que tal proposta fosse capaz de
abrandar os líderes alemães.
Esse estrangulamento por mar
era poderosamente completado pelas atividades da força aérea
britânica. Os bombardeiros britânicos não esperavam pelos reides
contra a Inglaterra para começar a lançar bombas sobre a Alemanha.
Desde o dia da invasão dos Países Baixos, eles desfechavam ataques
às comunicações e pontos de concentração alemães; e seus
objetivos ampliaram-se gradualmente, até alcançar a própria cidade
de Berlim. Não poupavam os países ocupados, e os portos e centros
aviatórios da França ocupada, bem como nos Países Baixos e na
Escandinávia, sofreram ataques devastadores. Muitos desses eram
objetivos que ficavam dentro do raio de ação das escoltas de caça
e os quais podiam ser atacados à luz do dia. O território alemão
era mais distante e sofria ataques principalmente à noite - método
que poderia tornar os bombardeiros menos precisos, mas o qual
envolvia perdas menores que os ataques diurnos. Os atacantes
britânicos estavam numa relativa desvantagem, pois que enquanto um
reide contra a Inglaterra podia alcançar seu objetivo quase sem
advertência, um reide contra os objetivos alemães obrigava um vôo
mais longo sobre território em poder do inimigo. Havia ali
substanciais defesas terrestres, e os aviadores britânicos pagavam
um tributo à concentração do fogo alemão e à precisão de seus
tiros. Mas os pilotos britânicos tinham sido submetidos, em regra, a
um treinamento mais intensivo que seus adversários alemães e
recebiam os benefícios das experiências proporcionadas pelos reides
em que lançavam boletins sobre a Alemanha do começo da guerra.
Realizavam seus reides com uma audácia e tenacidade que, na opinião
dos observadores imparciais, tornavam seu trabalho muito mais eficaz
que o dos aviadores alemães.
Seus objetivos eram
principalmente de natureza econômica. Cooperavam para a defesa da
Grã-Bretanha atacando bases aéreas nazistas. Bombardeavam portos
que poderiam ser bases de submarinos ou portos de concentração de
tropas para invasão. Mas o seu objetivo principal era danificar o
potencial bélico nazista com ataques às fontes de produção e
rotas de abastecimento. Depósitos de petróleo, fábricas de aviões
e de outros materiais bélicos, usinas de gasolina sintética e
refinarias eram os objetivos mencionados noite após noite. Portos e
entroncamentos ferroviários recebiam atenções quase iguais. Os
sistemas de canais da Alemanha ocidental e dos Países Baixos foram
deixados perigosos, senão mesmo inúteis, e a destruição do grande
viaduto sobre o canal de Dortmund-Ems inutilizou uma via de
transporte especialmente movimentada. A concentrada zona industrial
do Ruhr, os portos mais movimentados e os centros manufatureiros do
noroeste da Alemanha ficaram habituados a reides de intensidade
crescente. Os cálculos em torno dos aviões ingleses empregados nos
bombardeios cresceram, nos fins de agosto, a uma soma de oitocentos
por noite. Mesmo isso não poderia inutilizar por completo o sistema
de produção da Alemanha, mas se esperava contribuísse para o longo
processo de usura, do qual o bloqueio era a espinha dorsal.
Os alemães, por sua vez,
investiam contra os portos e a navegação. O porto de Southampton e
a base naval de Portsmouth foram os objetivos de reides
particularmente furiosos, mas os ataques sucessivos atingiram
objetivos desde a Escócia oriental até o canal de Bristol. O
estreito de Dover foi submetido a reides de crescente intensidade
quando os nazistas procuraram impedir seu uso pela navegação
britânica. Quando a eficácia dos ataques aéreos aos próprios
navios ficou limitada pela ação de comboios armados e pelo uso dos
balões de barragem erguidos atrás dos navios, os alemães
acrescentaram-lhes o uso de botes-torpedeiros a motor depois o de
canhoneios de longo alcance. Embasamentos de canhões, provavelmente
completados por montagens ferroviárias, tinham sido construídos em
linhas múltiplas desde Boulogne até Dunquerque, de maneira que uma
barragem poderia ser empregada para o domínio do Canal ao longo de
um trecho de entre 80 e 110 km. A 22 de agosto, alguns dos canhões
de longo alcance abriram fogo sobre um comboio que passava, se bem
que sem conseguir afundar nenhum dos navios, e seguiram esse ato com
o bombardeio de Dover. Os canhões britânicos responderam e os
bombardeiros britânicos localizaram os embasamentos, e assim essa
forma de ataque foi abandonada no momento, com nenhuma indicação
clara do propósito a que tinham servido com essa utilização em
escala tão limitada.
O efeito dessas diversas
atividades contra a navegação britânica pareceu pouco proporcional
à sua intensidade. Houve uma acentuada alta de perdas em navios
pelos fins de junho e a primeira parte de julho, chegando-se à cifra
de 114.137 toneladas perdidas na semana que findou a 7 de julho. Mas
desta data em diante verificou-se um declínio firme, se bem que
moderado até à cifra de 52.899 toneladas, registrada na semana que
findou a 18 de agosto. Em todo o primeiro ano da guerra, o total das
perdas britânicas foi dado como sendo inferior a dois milhões de
toneladas, e como sendo ligeiramente menores as perdas aliadas e
neutras. (Esses números correspondem a uma estimativa preliminar do
Ministério da Navegação. As cifras publicadas a 10 de setembro
pelo Almirantado - perdas britânicas 1.539.196 tons, aliados
462.924, neutras 769.213 - representaram um mínimo mais otimista).
Mas as perdas britânicas tinham sido equilibradas por construções
novas ou por navios tomados, e não mais que dois ou três por cento
dos navios que entraram e saíram dos portos britânicos foram
destruídos por ataque inimigo. Os comboios continuavam a utilizar-se
do Canal, e os portos britânicos, inclusive o de Londres continuavam
em função. Se o objetivo nazista era cortar a Inglaterra do mundo
exterior, faltava muito para o atingir.
Pelos fins de julho, os reides
aumentaram de intensidade, tanto em relação ao número dos aviões
empregados como à extensão do tempo de duração dos ataques. Mas
as cifras continuavam ainda relativamente pequenas, e mesmo as perdas
sofridas pelos atacantes (que a Grã-Bretanha calculou em 307 em
julho) dificilmente poderiam ser chamadas de severas. Um oficial
alemão afirmou no fim do mês que bem a metade dos aviadores
nazistas não tinha ainda entrado em ação. Se assim era, a situação
foi consideravelmente modificada durante as semanas seguintes.
A 8 de agosto começou uma
série de reides diurnos em massa que durou, com algumas
interrupções, até as duas semanas seguintes. O número dos
atacantes, começando em centenas, subiu a mais de um milhar. Os
ataques eram em muitos casos ainda dirigidos contra portos e
navegação. Mas boa parte da energia crescente foi dirigida contra
as defesas aéreas britânicas, numa tentativa de inutilizar os
aeroportos e destruir os aviões defensores.
A força aérea britânica
respondia golpe com golpe. Não somente foram intensificados e
estendidos os reides contra a Alemanha, como também eles atingiram,
dentro de um raio de 6.500 km., a própria Itália setentrional. Os
caças defensores faziam com que os alemães pagassem os ataques com
perdas de mais de 15% em aviões. Apesar da severidade dos assaltos,
era claro que a Royal Air Force não tinha ficado de modo algum
imobilizada.
A situação exigia uma vez
mais mudança de tática. Os alemães pareciam contar com a sua
superioridade numérica (que, entretanto, estavam longe de utilizar
plenamente) para abater a força aérea britânica. Mas a natural
vantagem da defensiva, combinada com a qualidade superior da aviação
britânica, demonstrara que isso não poderia ser conseguido com
reides diurnos em massa. O resultado foi o seu abandono em favor de
reides noturnos contra alvos largamente dispersos. Era essa uma forma
de vôo de que os alemães tinham menos experiência que de vôos
diurnos, e a precisão tanto de seus bombardeios como da própria
navegação aérea ficaria inevitavelmente reduzida. (O lançamento
de bombas sobre a Irlanda a 26 de agosto sugeriu a existência de
pilotos inexperientes que se tinham afastado de sua rota). Mas os
bombardeiros, mesmo sem a escolta de caças, sofreriam menores
perdas, pois que nenhum dos lados criara resposta satisfatória a
ataques noturnos; e a natureza dispersa dos reides, que visaram vinte
diferentes lugares a 28 de agosto, permitiria aos alemães empregar
todo o seu poderio contra os defensores e mantê-los subjugados pela
constante pressão numérica.
Os objetivos eram também
muito variados. Os aeródromos e fábricas de aviões ocupavam um
lugar proeminente, mas outros estabelecimentos industriais, como
também portos e centros ferroviários, serviam também de alvo. Era
dada atenção especial não somente ao porto de Londres, mas também
às defesas anti-aéreas e à rede de comunicações que as
envolviam. Pela primeira vez, a metrópole, que se esperava se
tornasse um objetivo logo ao iniciar a guerra, experimentou uma série
persistente de ataques, que, uma vez iniciados, não mostrou sinal
algum de abatimento.
A eficácia desses métodos,
depois de empregados durante quinze dias ininterruptos, ainda era
difícil de ser avaliada. Os danos admitidos eram provavelmente
bastante extensivos em certas localidades. Mas não parecia que os
recursos básicos do esforço de guerra inglês estivessem seriamente
desequilibrados, ou que os danos causados às suas defesas
anti-aéreas fossem mais que temporários. Nem também havia sinal
algum de sério enfraquecimento do moral britânico. Se é que a
força aérea alemã estava efetivamente preparando o caminho para a
invasão, parecia que ainda tinha diante de si a maior parte da
tarefa.
Havia razão, entretanto, para
as repetidas advertências dos líderes britânicos contra o
excessivo otimismo. A Alemanha estava longe ainda do auge de seu
esforço aéreo. O Reich, com quatro ou cinco mil aviões de primeira
linha e um número várias vezes maior de aparelhos em reserva, tinha
até então utilizado apenas uma fração de sua força em qualquer
reide isolado. O cálculo de 1.335 aviões alemães perdidos sobre a
Inglaterra - a maioria dos quais durante o mês de agosto - pode ter
sido quatro ou cinco vezes maior que o das perdas inglesas, mas era
ainda menor que a produção alemã durante um só mês. E embora a
Grã-Bretanha procurasse obter uma produção igual senão superior à
da Alemanha, decorreria algum tempo antes que conseguisse algo
aproximado a igualdade numérica. No momento, entretanto, ela estava
sendo encorajada pelo conhecimento de que a qualidade superior de
suas máquinas e de seus pilotos se tinha mostrado adequado para a
ocasião, e que - coisa ainda mais importante que a perda de máquinas
- a perda de pilotos pelos invasores estava minando os recursos
alemães em tripulações treinadas. Para o futuro, ela devia olhar
antes de mais nada para as marés do equinócio que se aproximavam,
como sendo um possível período de perigos. Mas se Hitler não
conseguisse aproveitar esse período para lançar a invasão,
encontrar-se-ia diante da estação incerta dos ventos e cerrações
outonais - esses dias de tempo instável que variavam entre os de sol
límpido e de neblina e granizo que os meteorologistas ingleses, com
invencível otimismo, costumavam descrever como sendo "em geral
bons."
O Mediterrâneo e os Bálcãs
A entrada da Itália na guerra
tornou a inferioridade numérica dos aliados ainda mais acentuada.
Suas setenta divisões davam-lhe um poder calculado em milhão e meio
de homens, dos quais talvez um milhão eram de primeira linha. Sua
força aérea compreendia entre dois e três mil aviões de primeira
linha e igual número em reserva. A qualidade dessas forças podia
levantar certas dúvidas, em vista de sua recente atuação. Os
aviões italianos, embora de modo geral bons, não pareciam estar ao
nível dos últimos tipos alemães e britânicos. O exército deixava
algo a desejar em matéria tanto de instrução como de material. Mas
as sete divisões de tropas alpinas eram geralmente consideradas
excelentes; havia três divisões motorizadas de tanques, que tinham
sido recentemente organizadas com assistência alemã, se bem que
ainda continuassem longe das do nível alemão; e algumas divisões
"altamente móveis", combinando cavalaria com tropas
motorizadas, constituíam uma característica peculiar e valiosa do
exército italiano.
Ao mesmo tempo, restavam
algumas dúvidas sobre as qualidades combativas do exército, e essas
dúvidas se estenderam ao poder do potencial bélico da Itália. A
Itália era um país que se ressentia seriamente de recursos
necessários para uma luta prolongada. Praticamente, todos os seus
materiais bélicos essenciais provinham do exterior, e o grosso
desses materiais ficaria agora à mercê do bloqueio. Algodão,
borracha, quase todos os minérios essenciais, vinham de ultramar. O
abastecimento interno de alimentação não era muito adequado, e o
racionamento começara mesmo antes da entrada da Itália na guerra.
As finanças tinham sido minadas pelas aventuras na Etiópia e na
Espanha, e o orçamento anual, conforme delineado em maio, previa um
déficit de mais de um bilhão de dólares. A dependência italiana
do carvão estrangeiro tinha sido vivamente ilustrada pela sua
disputa com a Grã-Bretanha em março, e sua falta de abastecimento
interno de petróleo era mais sério ainda. Algumas dessas
deficiências, tais como as de carvão, poderiam possivelmente ser
supridas pela Alemanha. A lição das sanções da Liga durante a
crise etiópica tinha conduzido a Itália à tentativa da criação
de uma reserva interna de petróleo e ao desenvolvimento da extração
dos depósitos de petróleo albaneses. A frouxidão do bloqueio
aliado, ditada pela esperança de que ela se mantivesse afastada do
Eixo, permitiu à Itália reunir reservas de outros artigos. Mas
mesmo com essa margem, parecia provável que a Itália considerasse
que seus recursos somente eram adequados a uma guerra curta e coroada
de êxito.
Havia, entretanto, alguns
sinais, ao começo, de que a Itália mesma estava disposta a
desfechar uma blitzkrieg ao modelo alemão. Seus líderes se jactavam
da contribuição já feita pela Itália ao sucesso alemão pela
manutenção de meio milhão de soldados aliados imobilizados durante
a sua precária não-beligerância. Quase se pensou que seu papel de
beligerante seria pouco diferente. É que apesar de todas as suas
ruidosas exigências pela posse de Nice e da Savóia, ela não tinha
pressa em se apoderar delas. Foi somente a 21 de junho, depois que já
a França tinha solicitado um armistício e o fim da sua resistência
estava assegurado, que a Itália decidiu um avanço cauteloso através
dos Alpes. Mesmo então, esse seu avanço, em quatro dias de luta,
deixou de atingir Nice, e a ocupação dos territórios cobiçados
lhe foi denegada pelos termos do armistício. Poderia ainda esperar
obtê-las quando da paz final; mas, entrementes. suas atividades
européias pouco melhoraram sua reputação guerreira.
Mas a Itália também tinha
ambições coloniais, e a perspectiva de satisfazê-las poderia muito
bem parecer mais brilhante depois do colapso da França. Enquanto os
aliados estavam reunidos, as possessões italianas na África
setentrional encontravam-se em posição precária. A Líbia ficava
entre as forças francesas de Tunis e as britânicas do Egito. A
Eritréia e a Etiópia foram cortadas da sede do Império pelo
domínio britânico do canal de Suez cercadas por três lados de
territórios hostis. E se a Turquia se unisse aos aliados, a Itália
não poderia garantir o seu domínio do Dodecaneso.
A defecção da França
transformou toda a situação. As defesas aliadas nessa região
estavam ligadas aos dois pontos de Tunis e da Síria. Quando os
comandantes franceses naquelas zonas decidiram limitar-se aos termos
do armistício, a posição estratégica ficou vitalmente mudada. As
forças francesas na Síria (que Baudoin disse consistirem em 60.000
homens, mas que por fim chegaram ao dobro dessa cifra) representavam
bem a metade do exército aliado no Oriente Próximo. Sua retirada
deixou séria brecha entre a Turquia e as forças britânicas da
Palestina, brecha essa que enfraqueceu o apoio com que os turcos
contavam e contribuiu para a sua decisão de permanecerem neutros. O
afastamento de qualquer perigo proveniente de Tunis, com a sua base
naval de Bizerta e fronteira fortificada apoiadas com pelo menos
50.000 soldados franceses, permitiu à Itália desistir do que de
outro modo seria uma grande ameaça à Líbia. Por fim, a rendição
da Somália Francesa alterou profundamente a situação na África
oriental. As colônias italianas, que até então ficavam entre dois
fogos, estavam agora numa posição exatamente inversa. Era o Egito e
Sudão que, agora, sentiam o tenaz das forças italianas plantadas a
cada lado e somando meio milhão de homens.
Até então, as operações
iam a pouco mais que escaramuças. As forças aéreas de ambos os
lados imediatamente se tornaram ativas, atacando as bases do
adversário. Os italianos da Eritréia efetuavam reides não somente
contra as colônias britânicas adjacentes, mas também contra a
importante base naval e aérea de Aden. Os aviadores britânicos
atacavam as bases e depósitos de abastecimento da Eritréia e da
Etiópia. Alexandria foi submetida a freqüentes ataques. Postos
fronteiriços como os de Sollum e Mersa Matruh receberam freqüentes
atenções, e os atacantes italianos fizeram tentativas contra Haifa
e Port Said. Os ingleses, em represália responderam com o martelar
das bases costeiras líbias, particularmente Tobruk. que servia de
principal ponto de concentração para qualquer invasão projetada.
Ambas as forças terrestres efetuavam ataques fronteiriços, e a
patrulha britânica de tanques leves mostrou-se especialmente eficaz
na realização de operações de inquietação através do deserto
ao longo da fronteira.
Quando a tática ofensiva dos
italianos se tornou mais arrojada e mais definida, ficou mais clara a
natureza de seu objetivo. No momento, os preparativos requeriam
fossem cruzados os 500 km. de deserto que orlavam a Líbia, e a
estação de águas em trechos do Sudão retardava o avanço
projetado sobre o vale do Nilo. Havia toda a razão para se esperar,
entretanto, que afinal um ataque coordenado fosse lançado da Líbia
e da Etiópia. Entrementes, os italianos se ocupavam com o arrasar de
postos britânicos que os pudessem embaraçar à retaguarda e em
capturar posições fronteiriças que utilizariam como trampolins
para um conseqüente ataque.
Com estas últimas atividades,
obtiveram pouco êxito na fronteira líbia. Recuperaram Forte
Capuzzo, que os britânicos tinham capturado nos primeiros dias da
campanha, mas a sua guarnição viu-se numa situação claramente
desfavorável, particularmente depois que os ingleses conseguiram
cortar-lhes os abastecimentos de água. No Sudão, entretanto, os
italianos ocuparam os importantes centros de comércio e comunicações
de Kassala e Galabat, que poderiam constituir bases úteis para um
ataque rumo a Khartum e à junção do Nilo Branco com o Nilo Azul.
Na fronteira do Quênia, conseguiram, depois de três semanas de
ataques, capturar o posto fortificado de Moyale, e em seguida
isolaram o saliente de Dolo, encurtando assim materialmente a sua
fronteira nessa região e anulando uma base útil para os reides
britânicos.
Seu êxito mais notável.
entretanto, foi a captura da Somália Britânica. A entrega de
Djibuti pelos franceses deixou aquela colônia numa situação algo
desprotegida. Possuía ela os dois pequenos portos de Zeila e Berbera
e um litoral que contornava a entrada ao mar Vermelho. Tinha, assim,
certa importância estratégica; mas o domínio italiano da Eritréia
e de Djibuti dava já aos peninsulares bases mais importantes contra
as rotas de Aden e do mar Vermelho, bases essas que seriam reforçadas
por aquisições posteriores ainda. Economicamente, a colônia era de
importância insignificante e cercada como estava de território
italiano, e somente por um alto preço poderia ser defendida contra
um ataque resoluto. Sua vantagem como base para possíveis incursões
contra as forças italianas era limitada, mas a possibilidade era
bastante para induzir os italianos a se apoderarem dela. Quando um
ataque tríplice foi desfechado contra a colônia, a 4 de agosto, os
britânicos já tinham decidido opor-lhes a resistência possível
com as forças locais, mas sem fazer sérios esforços para
reforçá-las. Contra duas divisões italianas, equipadas com tanques
e artilharia, uma força britânica de 7.000 homens poderia efetuar
no máximo uma ação retardadora. A 19 de agosto, as tropas
britânicas foram retiradas sob a proteção dos canhões dos vasos
de guerra britânicos, e a Itália foi deixada de posse da colônia.
Se bem que não de grande
importância, esse êxito não poderia ser desprezado. Mas apesar
disso, fez com que os italianos retardassem seu ataque contra os
principais objetivos do Egito e de Suez; e por trás dessa demora
ocultava-se o seu fracasso em destruir a posição naval britânica
no Mediterrâneo.
As operações navais
Uma das coisas em torno das
quais os porta-vozes italianos tinham estado particularmente
insistentes era o seu poder de conseguir o controle sobre o
Mediterrâneo. O domínio britânico tinha sido até então baseado
nos três pontos-chave de Gibraltar, Malta e Alexandria. Esses, de
conformidade com as argumentações italianas, seriam tornados
insustentáveis pelas novas armas e métodos de guerra marítima. Sua
nova base fortificada em Pantelária bloquearia a passagem entre a
Sicília e a África do Norte e isolaria as forças britânicas do
Levante. A ilha de Malta, a apenas cinqüenta milhas da Sicília,
parecia estar à mercê dos aviões de bombardeio. Alexandria estava
ao alcance das bases italianas do Dodecaneso. A própria Gibraltar
estava a distância de vôo da Sardenha. Quanto às águas do
Mediterrâneo, os submarinos italianos por baixo e os bombardeiros
italianos por cima acabariam por impedir-lhe o uso pelos navios
britânicos de superfície, e a frase Mare Nostrum esse mito a que as
juras italianas se cingiam tão tenazmente - poderia afinal tornar-se
em realidade.
Esses cálculos não deviam
ser tão facilmente desprezados. Se a frota francesa, com bases
especialmente em Toulon e Bizerta, tivesse permanecido em ação, as
perspectivas italianas continuariam frágeis. Mas quando todo o peso
das operações no Mediterrâneo recaiu sobre os ombros dos
britânicos, ela se viu obrigada a impor um impulso real nos seus
recursos navais Não mais podia concentrar o grosso de sua frota de
batalha nas águas territoriais sem arriscar seriamente a sua posição
mediterrânea. No Mediterrâneo mesmo a divisão necessária de suas
forças em duas esquadras, ficando a mais poderosa em Alexandria,
significou o risco de uma superior concentração italiana contra
cada uma delas, de cada vez. As duas esquadras juntas eram
provavelmente muito pouco superiores à armada italiana em navios de
grande tonelagem, de que a Itália tinha cinco em ação e outro
recém-completado. Mas em embarcações menores, especialmente em
destróieres e submarinos, as cifras italianas eram grandemente
superiores às que a Grã-Bretanha podia apresentar.
Esse balanço de forças
serviu para que a Itália determinasse a sua tática. Ela jamais
esperou poder enfrentar a frota britânica num grande encontro naval.
O entusiasmo com que a tripulação dos navios mercantes italianos
pôs a pique os seus barcos ao iniciar a guerra mostrou quão pouco a
Itália esperava ganhar o imediato controle do mar. A Itália
confiava em que poderia empregar com êxito a tática de combates de
pouca duração, seguidos de rápidas retiradas, que seria posta em
prática como processo de usura. Seus navios leves e rápidos, nos
quais a proteção era sacrificada em benefício da velocidade, foram
designados para a rapina comercial e para enfrentar forças
inferiores, e para escapar antes de ficar ao alcance do fogo dos
couraçados britânicos. Para o golpe final contra estes navios de
guerra, os italianos dependiam não tanto de seus vasos de grande
tonelagem como dos submarinos e, sobretudo, dos aviões. A seus
olhos, o bombardeiro era a resposta ao poderio naval britânico. O
teatro de guerra do Mediterrâneo deveria ser o verdadeiro campo de
provas que solucionaria a disputa entre o bombardeador e o couraçado,
e toda a perspectiva futura da Itália dependia de uma resposta
favorável.
Essa resposta não viria antes
do começo de setembro. Muito ao invés de ser varrida do
Mediterrâneo, a frota britânica tornou-se cada vez mais audaciosa
em suas operações naquele mar. Continuava a operar de suas bases,
apesar da força aérea italiana. A própria ilha de Malta,
submetida, desde o começo da guerra a um bombardeio ininterrupto e
pesado, continuava a ser utilizada ao menos como depósito para
navios de guerra e comboios. Os navios mercantes britânicos
continuavam a atravessar o Mediterrâneo sob proteção naval ao
mesmo tempo em que a frota britânica impunha obstáculos às
comunicações italianas com a Líbia. No começo de setembro, foi
revelado que a divisão naval britânica do Levante fôra reforçada,
sem interferência, com navios modernos que quase lhe duplicavam o
poderio - uma demonstração de que os novos navios de batalha da
classe do King George V estavam agora em serviço. E nos poucos
encontros que tinham tido lugar nesse ínterim, a iniciativa e as
vantagens estavam nitidamente ao lado dos britânicos.
O primeiro choque importante
teve lugar a 9 de julho em águas nas quais a Itália reivindicava
completa ascendência Uma divisão naval britânica, empregada em
comboiar navios de abastecimento de Malta a Alexandria, avistou uma
força naval italiana ao sul de Creta. Essa força, que consistia de
dois couraçados, considerável número de cruzadores e cerca de
vinte e cinco destróieres retirou-se imediatamente, e os navios
britânicos empreenderam uma perseguição que os levou até o
Mediterrâneo central e somente terminou quando os navios italianos
atingiram a zona da proteção de suas próprias baterias de costa.
Um dos couraçados italianos foi atingido por um tiro a longa
distância e um cruzador foi danificado por torpedo aéreo. Os navios
britânicos, que retornaram ao trabalho de comboiamento, foram
submetidos a fortes ataques aéreos durante os dois dias seguintes;
mas embora os italianos tivessem descrito o bombardeio como
"inclemente" e insistido em que ele forçara os navios
ingleses a fugir para Alexandria, os britânicos afirmaram que seus
navios não haviam sofrido nenhum impacto. Ao mesmo tempo, as
unidades que se encontravam em Gibraltar efetuaram amplo cruzeiro de
combate no Mediterrâneo ocidental sem encontrar navio italiano
algum. Ela também foi atacada por bombardeiros, que informaram terem
atingido os alvos favoritos dos comunicados do Eixo que eram o Hood e
o Ark Royal - informação essa terminantemente desmentida pela
Grã-Bretanha.
As conclusões tiradas dessa
ação, de que a armada italiana não tinha sido muito bem sucedida
nem no combate nem na retirada, foram confirmadas por outro encontro,
a 19 de julho, quando o cruzador Sydney e destróieres de escolta
entraram em contato com dois cruzadores ligeiros italianos e
afundaram um deles, o Bartolomeo Colleoni, que imprudentemente
esperou até travar-se um duelo de artilharia. E numa extensa
operação de seis dias, entre 30 de agosto e 5 de setembro, no
decorrer da qual a frota de batalha italiana se manteve prudentemente
bastante fora do alcance do fogo, a chegada de reforços esteve
coberta por ataques aéreos à Sardenha e pelo bombardeio e canhoneio
das bases italianas do Dodecaneso. Se a essas operações se
acrescentar o prévio bombardeamento das bases costeiras da Líbia,
parecia que a frota britânica ainda podia utilizar-se do
Mediterrâneo quase à vontade.
Esses acontecimentos também
tiveram certos efeitos políticos De modo geral julgara-se que a
principal importância da perda da Somália britânica consistia no
golpe que vibrava no prestígio britânico. Mas houve indícios de
que esse golpe era ofuscado por outros fatores. A imprensa italiana,
por exemplo, revivendo os agravos sofridos pelos italianos em Tunis,
achou ocasião para se queixar de que as autoridades francesas
ignoravam os êxitos italianos e viam apenas o poder da frota
britânica. Era um ponto de vista que parecia ter certa influência
também sobre outros neutros.
Um desses neutros era a
Espanha. Parecia inevitável que a entrada da Itália na guerra
aumentasse a tentação da Espanha de se lhe juntar, particularmente
em vista de já existir um forte sentimento entre os líderes
falangistas em favor da Alemanha. O colapso da França e a chegada de
tropas alemães aos Pirineus transformou a posição estratégica e
ofereceu perspectivas de direto auxílio alemão se a Espanha se
unisse ao Eixo. Uma proclamação oficial espanhola de 12 de junho
anunciou de modo significativo a "não beligerância", em
vez de neutralidade, da Espanha; e a ocupação de Tânger,
completada com o aumento da grita pela volta de Gibraltar ao domínio
da Espanha exigência essa publicamente endossada por Franco a 17 de
julho - fez prever a possibilidade de ação direta. Em agosto,
entretanto, as tendências beligerantes estavam menos evidentes. Os
reides aéreos italianos contra Gibraltar pouco tinham conseguido a
não ser precipitar a evacuação dos civis. O poder marítimo
italiano desaparecia visivelmente do Mediterrâneo ocidental. Os
protestos contra o bloqueio britânico, e particularmente contra a
interferência nas importações de gasolina, começaram a se
acalmar, e um acordo na segunda quinzena de agosto teve como
conseqüência a aceitação prática do controle britânico. A
Espanha pelo menos retardou a união de seu destino ao das potências
do Eixo.
Resistência semelhante era
mostrada pela Grécia. Pelos meados de agosto, a Itália exerceu
pressão sobre a Grécia, para que esta desistisse das garantias
britânicas que tinha aceito em 1939. Quando os primeiros passos se
mostraram ineficazes, foi iniciada uma campanha de ameaças, baseada
em pretensas atividades terroristas gregas na fronteira albanesa.
Navios mercantes gregos eram capturados, destróieres gregos eram
bombardeados por aviões italianos e um cruzador grego foi afundado
por um submarino cuja propriedade a Itália negou indignadamente. A
Grécia, por sua vez, procurou auxílio de qualquer fonte possível.
Apelos à Alemanha para reduzir a pressão italiana seguiam paralelo
com a conversação de Estado-Maior com peritos russos e esforços
para obter garantias de assistência turca. Finalmente, em face da
firme atitude grega, a Itália desistiu do caso e voltou a atenção
para o Egito, que tratou de ameaçar com a invasão iminente. A
Grécia ainda se agarrava à garantia britânica - talvez porque no
destino da Romênia tivera um exemplo frisante dos resultados de uma
renúncia.
A partilha da Romênia
As esmagadoras vitórias
alemães no ocidente confirmaram certas tendências da política
romena já estabelecidas ao fim de maio. A nomeação do pró-fascista
Gigurtu para ministro dos Negócios Estrangeiros foi seguida de
sinais que demonstravam uma orientação em favor do Reich. É certo
que um acordo comercial, fôra firmado a 6 de junho com a
Grã-Bretanha, mas ele representava os últimos fracos sinais de
hesitação do rei Carol. Com a derrocada da França, ele se decidiu.
A 21 de junho, um decreto real estabeleceu a criação de um Estado
totalitário tendo Carol no controle completo. Era um sinal
indisfarçável de sua decisão de lançar-se aos braços das
potências do Eixo. Sua recompensa veio imediatamente. Foi a partilha
de seu reino e a perda do trono.
O sinal foi dado pela Rússia.
Já uma vez a União Soviética tirara vantagens do avanço alemão
para consolidar a sua posição no Báltico. O ultimato à Lituânia
exigindo plena ocupação militar e o estabelecimento de um governo
favorável foi seguido pela imposição de exigências semelhantes à
Letônia e à Estônia. Mudanças de governo aplanaram o caminho para
a completa absorção dessas repúblicas. Eleições realizadas sob
auspícios comunistas a 14 de julho produziram maiorias favoráveis.
A 21 de julho, as três assembléias aprovaram resoluções
solicitando admissão na União Soviética. Sua solicitação foi
aceita pelo Supremo Soviete no começo de agosto. Uma área com a
qual a Alemanha contara como pertencendo à sua particular esfera de
influência tinha-se submetido ao bolchevismo.
Nada disso, entretanto,
desviou a atenção da Rússia dos Bálcãs; e com a resolução de
Carol chegara a hora da reobtenção da Bessarábia, antes que a
Alemanha se nomeasse protetora das fronteiras romenas. A 26 de junho
um ultimato solicitou a volta da Bessarábia e da Bucovina do Norte e
exigiu a resposta para o dia seguinte. A Romênia sugeriu discussões
em torno da proposta. enquanto tentava freneticamente obter uma
promessa de apoio alemão e italiano. Mas nenhuma dessas potências
estava preparada para arriscar um choque com a Rússia, e a União
Soviética insistiu pelo cumprimento imediato. Uma hora antes do
expirar do limite de tempo, a Romênia concordou. Durante os quatro
dias seguintes, as tropas russas - que usaram a manobra como teste de
seu poder de velocidade e mobilidade - haviam percorrido 55 km² de
uma população de cerca de quatro milhões.
Era de se esperar logicamente
que os outros vizinhos da Romênia se sentissem encorajados por esse
passo para exigir a imediata satisfação de suas próprias
reivindicações. A Bulgária, que procurava reaver a parte da
Dobruja perdida em 1913, estava na feliz situação de ter a
aprovação de quase todos, exceto da própria Romênia. A Hungria,
cujas exigências eram mais extensas e mais intransigentes, não
estava tão favorecida, e os magiares estavam ficando extremamente
impacientes com as exortações à paciência repetidamente feitas
pela Alemanha e Itália. Delegados da Hungria foram como peregrinos a
Munique no dia 10 de julho, onde receberam de Ciano e Ribbentrop
lições sobre a beleza da harmonia entre vizinhos e as virtudes de
acordos por meio de negociações - preceitos esses positivamente em
desacordo com as práticas comuns das potências do Eixo. Mas a
Hungria estava dessa vez decidida a obter uma satisfação mesmo ao
risco de guerra.
Esta era a última coisa que o
Eixo desejava. Sua vontade era a de haver paz e colaboração
econômica de parte dos Bálcãs. Enquanto tentavam induzir a Hungria
à moderação, deixaram claro que a Romênia tinha de fazer algumas
concessões. A Romênia estava agora completamente dependente da
vontade dos ditadores. Tinha proclamado formalmente a sua plena
conversão pela renúncia da garantia britânica e formação de uma
administração fascista tendo Gigurtu como premier. Para satisfazer
as necessidades econômicas da Alemanha, ela tomou conta da principal
companhia de petróleo, a Astra Romano, em que a Grã-Bretanha tinha
fortes interesses, e lhe requisitou tanto os carros-tanque como as
embarcações fluviais que, em alguns casos, eram também propriedade
britânica. A Grã-Bretanha revidou com a captura de alguns navios
romenos e ameaça de represálias mais drásticas; mas Carol, mesmo
que o quisesse agora não mais podia escapar à escolha que fizera.
A conseqüência necessária
foi a cessão de territórios à Hungria e à Bulgária. No começo
de agosto, a cessão da Dobruja meridional ficou resolvida em
princípio, se bem que as discussões em torno dos detalhes da
transferência continuassem durante todo o mês. Uma delegação
romena que visitou Salnzburg e Roma nos últimos dias de julho tinha
sido convencida de que algum esforço deveria ser feito para atender
o desejo do Eixo de solucionar as dificuldades balcânicas; e pelos
meados de agosto as conversações com a Hungria começaram. Mas os
dois lados estavam ainda muito discordantes, e no dia 22 as
negociações chegaram a um ponto morto.
A Alemanha e Itália
decidiram, assim, resolver o assunto discricionariamente. Os dois
países balcânicos foram convocados para uma conferência em Viena.
A 30 de agosto foi baixada uma determinação que mandava a Romênia
ceder aproximadamente metade da Transilvânia à Hungria e evacuá-la
no prazo de 15 dias. Embora o ministro romeno dos Negócios
Estrangeiros, que chamou essa determinação de "uma sentença
que nem sequer discutir pudemos", tivesse afirmado que ela veio
acompanhada de uma garantia alemã para o restante território
romeno, o acatamento da decisão provocou descontentamentos populares
que ameaçavam resistir à ocupação e que resultaram na abdicação
do rei.
Não tinha importância que
Carol não pudesse ter feito outra escolha. Ele assumira a direção
pessoal da política; tinha, portanto, que sofrer as conseqüências
do desastre que se lhe seguiu. Mas, de modo bastante paradoxal, foi a
Guarda de Ferro com os seus simpatizantes nazistas que centralizou os
ressentimentos contra a decisão alemã de afastar Carol em nome do
patriotismo. O próprio Carol havia contemporizado com essa
organização, mas sobravam ainda os ressentimentos mútuos; e agora
que a Guarda de Ferro se decidira a tirar sua desforra, Carol achou
que não poderia apoiar-se em nenhuma outra organização. Tentou
conseguir um acordo por meio de transigências chamando o general
Antonescu para a chefia do gabinete. Mas as simpatias de Antonescu
estavam com a Guarda de Ferro, e sua recente prisão por motivos
políticos (ele fôra preso duas vezes em julho) dificilmente lhe
dispunha o ânimo a favor do monarca. A 5 de setembro ele assumiu o
cargo, mas somente depois que Carol tinha abdicado quase todos os
poderes em favor do novo premier. Mas apesar disto, as demonstrações
contra o rei continuavam a crescer de violência, e a Guarda de
Ferro, inflada com o seu triunfo depois de anos de opressão,
ameaçava ficar incontrolável. A 6 de setembro, Carol abdicou e
partiu para o exílio, e seu filho Miguel subiu ao trono pela segunda
vez nos seus dezoito anos de idade. Mas o poder real estava nas mãos
de Antonescu, e ele publicamente proclamou a intenção de usá-lo
para completar a transformação da Romênia num Estado fascista
firmemente ligado à Alemanha e Itália.
As
Américas e Hitler
O rápido êxito dos exércitos
de Hitler despertou vivas emoções no Novo Mundo. Estas não eram,
na verdade, inteiramente uniformes. A existência de tendências
totalitárias em certas repúblicas latino-americanas inclinou os
respectivos líderes para uma cautelosa simpatia pelo avanço
nazista. Mas o sentimento mais característico era um alarme
crescente causado pelo desmoronamento de defesas que então começavam
a aparecer como baluartes das próprias Américas.
Esse senso de interesse direto
no começo da guerra era aguçado pelo estado de emergência de
certos problemas definitivos resultantes do avanço alemão. A
questão de que suas conquistas européias poderiam conduzir à
aquisição das colônias dos países conquistados despertou
recordações da situação que levou à proclamação da doutrina de
Monroe um século atrás. O fenômeno da Quinta Coluna como
predecessor de conquista provocou a alarmada percepção da amplitude
de movimentos semelhantes em várias repúblicas americanas. O
comércio da América Latina, já seriamente deslocado pela guerra,
enfrentava novas dificuldades à medida que a tenaz de Hitler
apertava a maioria de seus restantes clientes. E por trás dessas
questões práticas estava a especulação mais generalizada em torno
do que as Américas fariam num mundo dominado por um Hitler
vitorioso. Alguns observadores foram ainda capazes de encarar essa
perspectiva com relativo otimismo. Mas a maioria estava inclinada a
concordar com Roosevelt quando este a descreveu como sendo "o
pesadelo irremediável de um povo sem liberdade... o pesadelo de um
povo encarcerado, algemado, faminto e alimentado através de grades
dia a dia pelos donos desdenhosos e desapiedados de outros
continentes."
A administração americana,
na verdade, era estimulada a seguir com vigor crescente a política
que orientava suas atividades desde a própria deflagração da
guerra. Em especial, ela se encaminhava para três rumos simultâneos
- o reforço da defesa nacional, a cooperação com as outras
repúblicas americanas por um sistema defensivo comum para o
hemisfério ocidental e o reforço da Grã-Bretanha na sua contínua
resistência ao avanço nazista.
Era natural que a revelação
de novos métodos de ataque pelo exército alemão conduzisse os
americanos à revisão de seu sistema militar, à luz dos recentes
progressos. Era igualmente de se esperar que as autoridades militares
solicitassem não somente um número crescente de homens, mas também
o aumento ainda mais crescente de material mecanizado, especialmente
de tanques e aviões. Mas enquanto as deficiências do exército eram
objeto de amplas discussões, o aspecto naval do quadro pareceu ainda
mais fundamental. Até então a função da marinha tinha sido
primariamente a defesa do Pacífico. O perigo de qualquer ataque
sério do lado do Atlântico fôra praticamente eliminado pela
ascendência da armada britânica. Mas a crise em torno da frota
francesa e a perspectiva da invasão alemã da Inglaterra tornava
essencial considerar o que aconteceria se essa ascendência chegasse
a um fim e o encargo de controlar o Atlântico fosse acrescentado à
marinha dos Estados Unidos.
A influência dessas
considerações foi verificada no aumento sem precedentes das verbas
da defesa americana. Uma lei concedendo 1.784 milhões de dólares já
estava pendente quando Hitler invadiu os Países Baixos. Em seguida a
essa ocorrência, o presidente solicitou uma nova verba de mais de um
bilhão de dólares. A 10 de julho, o total das verbas para a defesa
chegou a 5.252 milhões de dólares. A essa data, o presidente enviou
uma nova solicitação de 4.848 milhões de dólares, destinados à
crescente expansão. Já então também estava sendo discutido o
projeto da criação de uma armada-de-dois-oceanos, do custo inicial
de cerca de quatro bilhões de dólares. Um total de dez bilhões de
dólares seria, pois, gasto com a defesa durante o ano fiscal de
1941, com outros dez bilhões em perspectiva para o término da
expansão naval, calculada para 1947.
Mais passos previam o duplo
problema do potencial humano e dos recursos. Uma lei, já em
discussão ao começo de setembro, previa a instrução militar
obrigatória, baseada no sorteio. Uma proclamação a 1o
de setembro convocava 60.000 homens da Guarda Nacional para o serviço
ativo. Um departamento de recursos de guerra foi criado, e o
presidente foi revestido de poderes excepcionais para controlar a
exportação de artigos vitais por meio de licenças ou embargos. A
perspectiva de que os acontecimentos do Pacífico pudessem interferir
nos abastecimentos essenciais de borracha e estanho, dois organismos
governamentais foram criados, tendo por tarefa acumular suprimentos
de reserva desses artigos vitais. No começo do outono um gigantesco
programa de preparação encontrava-se em pleno desenvolvimento.
A conferência de Havana
As medidas internas,
entretanto, constituíam apenas um aspecto do problema. Os Estados
Unidos poderiam ser tornados, com relativa facilidade, imunes contra
qualquer ataque vindo da Europa, pelo menos num futuro imediato. Mas
era também altamente desejável evitar qualquer flanqueamento das
defesas americanas por meio de uma infiltração fascista na América
Latina. A defesa eficaz era um problema que dizia respeito a todo o
hemisfério e exigia a cooperação dos Estados pan-americanos.
Vários episódios revelaram
que esses Estados se sentiam em real perigo por parte das atividades
nazistas. Ao fim de maio, o Uruguai deu passos tendentes a sufocar
aquilo que acreditou ser um plano nazista de levante militar e tomada
do país. Uma organização bem aparelhada foi desmascarada, com
"pontos de apoio" nos centros-chave e comunicações
fronteiriças com grupos semelhantes na Argentina e Brasil.
Investigações levadas a efeito por um comitê do Congresso
obtiveram provas que, acreditava-se, mostravam ser o Uruguai o centro
de uma organização nazista sul-americana dirigida do Ministério do
Exterior de Berlim e supervisada de perto por agentes diplomáticos
alemães. Revelações em torno de extensa penetração econômica no
Brasil, onde a substancial população alemã estava bem organizada,
e sobre planos de um golpe de Estado direitista no Chile, em meados
de julho, foram suficientemente capazes de impressionar os Estados
Unidos - que já haviam enviado um cruzador para visitar o Uruguai -
a ponto de fazê-los mandar mais dois navios de guerra a esses países
mencionados. Uma nota insultuosa da Espanha e a retirada de seu
enviado ao Chile foram tomadas como evidências de pressão
totalitária; e pressão ainda mais direta era ameaçada por notas da
Alemanha a cinco Estados centro-americanos, advertindo-os contra
medidas inamistosas no desenrolar da vindoura conferência de Havana.
Por mais isolados e talvez mesmo exagerados, que alguns desses
episódios pudessem ser, eles mostravam ao menos um definido
interesse nazista na América Latina. Mas havia dúvida sobre se
esses países cooperariam para um pacto defensivo que, já que o
encargo principal de seu desenvolvimento devia recair sobre os
Estados Unidos, iria reforçar a hegemonia daquela nação no
hemisfério ocidental.
A questão das colônias
européias apresentava dificuldades algo similares. A ocupação
aliada das ilhas holandesas no mar das Antilhas fôra aceita, mas a
tomada pelos alemães dessas ilhas ou das possessões francesas no
caso de vitória teria sido uma questão bem diferente. Mesmo no pé
em que estavam as coisas, a vigilância exercida por uma divisão
naval britânica em torno de unidades navais francesas na Martinica
poderia resultar numa situação embaraçosa. Hitler por sua vez
desmentira numa entrevista que tivesse quaisquer desígnios quanto ao
Novo Mundo, mas isto nem um desmentido mais oficial pronunciado por
Ribbentrop eram muito convincentes. A 17 de junho, uma resolução
conjunta foi adotada pelo Congresso no sentido de se recusar a
transferência de "qualquer região geográfica do hemisfério
ocidental de uma potência não-americana para outra potência
não-americana". Mas mesmo sem transferência, um controle
eficaz poderia ser obtido por meio de algum governo títere da França
ou Holanda. Seria, entretanto, falta de tato os Estados Unidos agirem
por sua própria iniciativa numa região em que outros Estados
americanos pudessem reivindicar interesses de prioridade, e alguma
outra forma de procedimento aceita era desejável em nome da
solidariedade.
O problema econômico era
ainda mais vexatório. Setenta e cinco por cento do comércio dos
países ao sul das Caraíbas se fazia normalmente com a Europa.
Exportavam eles artigos de primeira necessidade e importavam
mercadorias manufaturadas; e enquanto os Estados Unidos estavam
prontos para servi-los com importações, pouca necessidade tinha de
suas exportações, a exceção de uns poucos produtos, como frutas e
café. A Europa, mesmo uma Europa dominada pelos alemães, seria
provavelmente imprescindível à prosperidade da América Latina -
fato que Herr Funk assinalou a 25 de junho numa advertência contra a
adoção de medidas econômicas inamistosas. Ele tinha em mente, em
particular, a sugestão americana de um cartel, financiado pelos
Estados Unidos, para comprar e dispor os excedentes
latino-americanos. Mas a praticabilidade do plano era incerta; e
enquanto os Estados da América Latina estavam dispostos a deixar-se
financiar por fundos americanos, era duvidoso que, em troca, se
solidarizassem com a política desejada pelos Estados Unidos.
Eram essas as principais
questões da conferência Pan-Americana que se reuniu em Havana a 21
de julho. Se o sucesso da conferência foi, inevitavelmente,
limitado, representou ela, entretanto, um progresso real no caminho
da cooperação. Pelo Ato de Havana adotado a 29 de julho (embora sua
validade final ficasse dependendo da ratificação dos signatários)
o princípio da não-transferência de colônias foi ratificado, os
meios de ação em torno desse princípio foram adotados, e medidas
foram recomendadas para restringir as atividades quinta-colunistas.
Não se fez nenhum pacto defensivo, e a resolução em torno das
questões econômicas não oferecia nenhuma medida positiva de
cooperação; mas não há dúvida de que se tornou maior a
possibilidade de que nesse terreno fossem tomadas medidas para
enfrentar uma emergência futura.
Bases e destróieres
Enquanto se verificavam esses
esforços em favor da solidariedade continental, os Estados Unidos
também procuravam meios de fortalecer a Inglaterra contra a ameaça
nazista. E esses dois objetivos, que já chegaram a parecer
completamente diferentes, mostravam agora uma crescente conexão um
com o outro, e ambos com o problema americano da defesa nacional.
A política da administração
consistia ainda em limitar a assistência à Grã-Bretanha a "medidas
que não levassem à guerra". Era esta uma política endossada
pelas convenções tanto democráticas como republicanas que se
tinham reunido durante o verão. Fôra reafirmada por Roosevelt
quando, em mensagem ao Congresso a 10 de julho, solicitando novos
créditos para a defesa, ele argumentou: "Não usaremos nossas
armas numa guerra de agressão. Não mandaremos nossos homens tomar
parte em guerras européias." Era uma política que parecia no
todo representar o ponto de vista da grande massa do povo americano.
Restava a questão,
entretanto, do auxílio eficaz que se poderia proporcionar fora a
assistência armada. Havia ainda certa relutância para se repelir a
disposição da Lei de Neutralidade que impedia os empréstimos aos
beligerantes. Os preparativos americanos de defesa poderiam ser
integrados com encomendas bélicas britânicas de um modo que
estimulasse a indústria sem interferir na remessa de suprimentos à
Grã-Bretanha. O governo poderia permitir que intermediários
comprassem estoques de armamentos para vendê-los, e isso permitiu
que as forças britânicas fossem rapidamente reequipadas ao tempo em
que se considerava a invasão iminente. Mas tais estoques
esgotaram-se em pouco tempo, e pouco mais poderia ser feito
diretamente para prover a Inglaterra de material bélico. Os
equipamentos navais, entretanto, ficaram disponíveis na forma de 123
destróieres que tinham sido postos na reserva como antiquados e os
quais seriam uma adição muito bem-vinda à força naval britânica
duramente delapidada.
Houve tantos incentivos como
obstáculos à sua venda. A condição em que se encontravam não
constituía uma barreira, pois que centenas deles tinham sido postos
em serviço depois da deflagração da guerra, e cerca de cinqüenta
estariam imediatamente disponíveis para o serviço. O real obstáculo
era constituído por certos dispositivos da Convenção de Haia,
completados pela legislação americana que proibia a venda de tais
navios a beligerantes; mas os conselheiros jurídicos do presidente
confiavam em que se pudessem encontrar subterfúgios adequados. O
incentivo era o desejo de se evitar a derrota da Grã-Bretanha e de
manter a armada britânica como primeira linha de defesa. No momento,
a superioridade britânica em navios de grande tonelagem não estava
ameaçada; mas a sua carência de destróieres era demonstrada pelas
perdas na navegação, que sugeriam uma suspensão parcial do sistema
de comboios, causada pela falta de meios. Para que as linhas vitais
de abastecimento da Grã-Bretanha fossem mantidas abertas, era
desejável reforçá-la neste setor. Se bem que os Estados Unidos
estivessem planejando uma armada de dois-oceanos, esta não poderia
ficar pronta em menos de cinco ou seis anos. A manutenção da frota
britânica, pelo menos durante esse intervalo, deveria ser
ardentemente desejada.
A Grã-Bretanha, por sua vez,
tinha motivos, fora sua necessidade de destróieres, para aceitar
quaisquer condições razoáveis que os Estados Unidos pudessem
apresentar. Seus interesses no Pacífico estavam num perigo crescente
diante das pretensões nipônicas. A fraqueza de sua posição no
Extremo Oriente era demonstrada pelo fato de concordar com o
fechamento da estrada da Birmânia aos suprimentos destinados à
China, e em fazer voltar suas restantes guarnições na China
Setentrional, inclusive Shangai. Se os Estados Unidos também se
vissem compelidos a deixar o Pacífico devido aos receios causados
pela Europa, os interesses britânicos no Oriente ficariam ainda mais
enfraquecidos. Era, pois, uma política razoável a se considerar a
crescente confiança e a dependência americanas na armada britânica,
bem como a apoiar a América por meio de suas defesas atlânticas,
permitindo-lhe estabelecer bases navais e aéreas em solo britânico.
A plena realização desta
última política, entretanto, envolvia a cooperação de um terceiro
interessado. O Canadá, como Domínio de governo próprio, não mais
estava sujeito às ordens da Mãe Pátria, por mais predisposto que
estivesse à persuasão. Ao mesmo tempo, o Canadá, como Estado
virtualmente independente, estava ficando mais interessado na idéia
da solidariedade pan-americana, embora ainda estivesse para aceitar
um assento na conferência Pan-Americana. Estava, pois, em situação
de facilitar ou dificultar o projeto de arranjos defensivos entre a
Grã-Bretanha e os Estados Unidos.
O acordo firmado entre o
presidente Roosevelt e o primeiro ministro Mackenzie King em
Ogdensburg, a 18 de agosto, foi assim um prelúdio desejável, senão
mesmo necessário, de arranjos mais amplos. Era importante menos por
quaisquer dispositivos detalhados que pelo que possivelmente
envolvia. Decidia o estabelecimento de um departamento de defesa
conjunta para "considerar num sentido amplo a defesa da metade
norte do hemisfério ocidental". Não assentava, entretanto,
nenhuma ação específica em condições também específicas. Não
era uma aliança formal nem dava explicitamente às forças de uma
nação o direito de usar o território da outra. Mas os Estados
Unidos não poderiam de modo algum ver um inimigo potencial no
controle do Canadá, conforme Roosevelt o havia reconhecido dois anos
antes, quando garantiu a assistência americana contra um invasor;
nem também poderiam os Estados Unidos permitir que o Canadá pusesse
em perigo a sua própria segurança caso a América se visse
envolvida numa guerra importante. Praticamente, os dois países
estavam unidos; e a tarefa essencial do Departamento de Defesa, cujas
sessões começaram em Ottawa na semana seguinte, seria o preparo das
medidas que se mostrariam necessárias num caso de emergência.
A Grã-Bretanha estava agora
preparada para agir. A 20 de agosto, Churchill anunciou estar o seu
governo de conformidade com o princípio da cessão de bases aos
Estados Unidos. A 3 de setembro, Roosevelt informou o Congresso de
que tinha completado os arranjos para a venda de cinqüenta
destróieres e de que os Estados Unidos adquiririam sete bases em
território britânico nas Caraíbas e oito na Terra Nova, a título
de empréstimo, pelo prazo de noventa e nove anos. Era um grande
passo para a frente na questão da defesa do hemisfério, e o augúrio
feliz para a Grã-Bretanha de que teria a contínua assistência
americana.
E, para a resistência
britânica, isso era um novo penhor, se é que tal era necessário.
Uma das bases da oposição à venda dos destróieres tinha sido a
alegação de que nem mesmo isso capacitaria a Grã-Bretanha a
sobreviver ao assalto alemão, e que esses navios americanos poderiam
eventualmente ser voltados contra os Estados Unidos, quando se
entregassem como parte da frota britânica. Agora, anunciando a
venda, o secretário de Estado Hull revelou a garantia britânica de
que a frota jamais seria metida a pique nem entregue, sob quaisquer
condições. Era um simples eco do desafio de Churchill à invasão,
no dia 4 de junho, depois da evacuação de Dunquerque:
"Iremos até o fim,
lutaremos na França, lutaremos nos mares e oceanos, lutaremos com
crescente confiança e força crescente no ar, defenderemos a nossa
ilha a qualquer custo, lutaremos nas praias, lutaremos nos
aeródromos, lutaremos nos campos e nas ruas, lutaremos nas
montanhas, jamais nos renderemos, e mesmo que, o que nem por um
instante acredito, esta ilha ou grande parte dela seja subjugada e
aniquilada, o nosso império além dos mares, armado e guardado pela
frota britânica, continuará a luta até que pela vontade de Deus o
Novo Mundo, com toda a sua força e seu poderio, se adiante para a
libertação do Velho Mundo."
A Nova Europa de Hitler
O aniversário da invasão da
Polônia mostrou a quase totalidade da Europa continental prostrada
sob o poderio nazista. As transformações de doze meses de guerra
estavam pouco aquém de um cataclisma. Das 25 Nações-Estados do
continente apenas sete estavam com as fronteiras intactas ou o solo
livre de um invasor estrangeiro. Um milhão de quilômetros quadrados
de território tinham mudado de dono. Cem milhões de pessoas
viram-se submetidas a ordens alienígenas, e três quartas partes
dessas pessoas caíram sobre domínio alemão.
Para essas pessoas, a
transformação significava mais que simples conquista. Significava a
mais profunda destruição de um modo de viver cuja tradição
remontava a séculos. A civilização criada pela Europa ocidental
baseava-se em dois elementos. Um era o conceito helênico da
liberdade intelectual, da pesquisa plena e sem travas e do julgamento
individual como únicos guias seguros na busca da verdade. O outro
era o conceito fundamental do cristianismo, o conceito da
fraternidade do homem e do valor de todo o indivíduo, sem distinção
aos olhos de seu Criador. Ambas estas tradições foram completamente
repudiadas pela filosofia nazista. Nem a fé, nem a razão deveriam
servir de guias; e os homens deveriam deixar conduzir-se por uma
emotividade primitiva e brutal que não os seus e nenhum poder livre
de sua irrestrita força física.
Esse ponto de vista, puramente
destrutivo nas suas decorrências, não podia tolerar nenhuma dessas
expressões espontâneas da vida em comunidade tão características
da existência ocidental. Não era somente a liberdade política que
devia desaparecer. Todas as modalidades culturais e econômicas
emanadas da iniciativa popular eram igualmente perigosa. A religião
tinha de ser arregimentada. As uniões trabalhistas deviam ser
abolidas. A educação tinha de se basear não na busca da verdade,
mas no aprofundamento do obscurantismo em que os novos dirigentes
viam sua única salvaguarda. Todas as vias de livre comunicação de
idéias, fosse a literatura, o rádio ou a imprensa, deviam ser
hermeticamente seladas, para evitar que um raio de luz penetrasse e
provocasse perguntas na mente fenecida de uma população subjugada.
A Europa - uma Europa dócil e apática - deveria jazer para sempre
sob um manto de silêncio mantido pelas trevas e pelo medo.
Não restava a essa Europa se
não servir seu novo amo. A suprema raça germânica - ou ao grupo de
terroristas que serviam de patrões àquela raça - o resto do
continente devia ser tributário. Na Polônia conquistada, enquanto
os velhos eram tangidos para o leste onde iam morrer de inanição
numa terra espoliada de seus recursos, dois milhões de camponeses
capazes foram transportados para o trabalho forçado na Alemanha. Na
Tchecoslováquia esmagada, o sistema industrial outrora próspero foi
transformado em benefício da Alemanha. No oeste, os países
conquistados, privados de abastecimento, enfrentavam um inverno de
privações, senão mesmo de morte pela fome, e a ruína iminente de
sua economia era ilustrada pela perspectiva de a Dinamarca ter de
abater uma terça parte de suas aves e quase metade de seus suínos
em virtude de não ser possível alimentá-los. Os canais principais
e secundários de comércio utilizados por esses países, a liberdade
de adaptar a sua produção ao mercado mundial haviam desaparecido, e
seus esforços produtivos estavam sendo dirigidos no sentido de
servir às necessidades da Alemanha, que seria um freguês
monopolizador - sob condições por ela mesma impostas.
Para assegurar essa
subserviência, os territórios conquistados teriam de ser privados
do vigor e da inteligência. Nenhum líder iria ficar para promover
resistência ao conquistador. A destruição dos principais elementos
de caráter e inteligência foi entregue às mãos peritas da
Gestapo. Na Polônia e na Tchecoslováquia, os campos de concentração
estavam atulhados de pastores, professores e líderes políticos que
iam sendo vagarosamente mortos ou aniquilados espiritualmente por
meio de torturas calculadas. "Os poloneses são servos" -
disse um administrador alemão - "e só lhes cabe servir. Temos
de injetar uma dose de ferro na nossa coluna vertebral e jamais
admitir que a Polônia se possa reerguer." No oeste, a lista dos
proscritos aumentava à medida que os nazistas buscavam um por um os
principais pensadores e chefes liberais; e a maré desesperada dos
refugiados inflava cada vez mais enquanto os refúgios, um atrás do
outro, capitulavam às armas alemães.
Tais eram as características
responsáveis, em última análise, pelo horror do avanço alemão.
Havia horror físico bastante para emocionar mesmo um mundo tornado
refratário à brutalidade - a matança de refugiados nas estradas, a
desumana destruição de uma Roterdã indefesa, a selvageria
indiscriminada da guerra aérea em geral. Mas a coroar tudo isso
havia a mais lenta agonia daqueles milhões de seres humanos decentes
e inofensivos que viviam suas vidas modestas em paz com os vizinhos,
tinham liberdade para expressar seus pensamentos sem sofrerem ofensas
e podiam associar-se a seus semelhantes nos cultos ou diversões ou
organizações tendentes a melhorar sua própria sorte e a da
comunidade a que pertenciam, e os quais viam agora tudo isso varrido
para longe e seu corpo e espírito submetidos à tirania da barbárie.
Era uma revolução que, por mais que o pretendesse, não visava uma
vida mais abundante, mas sim a criação de uma sociedade servil em
que o Reich alemão, rodeado de nações escravas, se ergueria,
arrogante, a receber o tributo obtido pelo poder de suas armas
vitoriosas. Era contra esse obscurantismo espiritual que a
Grã-Bretanha, ao fim do primeiro ano de guerra, se destacava
sozinha, qual o baluarte da fé dos homens livres na sobrevivência
final da liberdade.
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