segunda-feira, 3 de outubro de 2016

Batalha de El Alamein: Ofensiva inicial alemã - coleção textos da 2a guerra

A Batalha da Inglaterra
Tanto... a tão poucos
 
 
Os caças britânicos penetravam repetidamente nas densas formações de bombardeiros alemães, apesar das enormes escoltas. Seis Hurricanes contra setenta Dorniers; doze Spitfires contra cem Heinkels. Transcorria o verão de 1940 e os “poucos”, um galhardo grupo de 3 pilotos de caça, eram o que havia para impedir a derrota da Grã-Bretanha e do mundo livre.
 
Pleno verão, 1940
 
No encerramento do seu mais famoso discurso de tempo de guerra, Churchill usou as seguintes palavras: “A Batalha da França está terminada... A da Inglaterra está prestes a começar. Dela depende a sobrevivência da civilização cristã. Dela dependem o nosso modo de vida e a continuidade das nossas instituições e do nosso Império”.
 
Estas palavras continham um elemento de verdade histórica normalmente não encontrado nos discursos públicos tão claramente expresso. No fim do verão de 1940, somente a Inglaterra desafiava ainda o poderio alemão e rejeitava a filosofia nazista - porque, de todas as potências que haviam tomado as armas contra Hitler, somente ela permanecia inconquistada. Além da Inglaterra, apenas a Rússia e Estados Unidos podiam oferecer resistência física à Alemanha nazista, mas a cegueira de seus governantes não lhes permitia ver o espantalho da enorme ameaça à soberania dos povos que Hitler levantara.
 
Foi, portanto, verdadeiramente vital para a liberdade do mundo a heróica resistência que a Inglaterra opôs ao furor nazista no momento em que ele subia ao auge.
 
Naqueles longos dias de verão de 1940, em plena batalha da Inglaterra muitos e muitos jovens, atendendo aos apelos de Churchill, deram, como Edward Bishop narra e forma tão vívida, muito sangue e muito suor para que também ali não descesse a noite da civilização. Num dos subúrbios londrinos, um piloto de caça da RAF que abandonara o avião, por haver sido atingido, foi entusiasticamente beijado por todo o pessoal da lavanderia onde caiu, enquanto que, na costa, a policia local teve de lutar para que pilotos da Luftwaffe que haviam sido derrubados não fossem linchados pelas peixeiras.
 
Estes elementos estavam presentes no momento em que se desenrolava o período de grande adversidade para o povo britânico. Por trás deles, porém, o esforço industrial que colocou nos céus o Spitfire, para o que muito contribuíram a iniciativa de Lady Houston e a inventiva que fez surgir o radar. As guerras sempre foram decididas mais pela qualidade das armas e do equipamento do que o reconhece o sentimento popular, e quanto mais industrializado se tem tornado o mundo, maior o fator desempenhado pela habilidade técnica em comparação com as antigas virtudes da bravura e da força. O livro de Edward Bishop também ilustra este aspecto de maneira brilhante: a Batalha da Inglaterra foi finalmente vencida pela capacidade de subir bem alto e depressa, de disparar com boa pontaria e, mais importante ainda, de estar no lugar certo na hora certa.
 
 
 
A queda da França
 
Para Berlim, era quase inacreditável. A França, o velho inimigo, caíra ante o exército e à Luftwaffe. Holanda e Bélgica haviam sido invadidas, a Dinamarca fora ocupada e a Noruega, derrotada depois de luta breve e implacável, enquanto que, no Leste, há pouco menos de um ano o até então vitorioso exército germânico havia, conquistado em poucos dias a Polônia, levantado forte trincheira contra Moscou.
 
Tudo tão fácil, uma autêntica “barbada” para os alemães, tanto que, ao chegar o verão de 1940 à Europa, era razoável que o povo alemão esperasse que a Inglaterra procurasse a paz segundo os termos ditados por Berlim. Certo que, ao firmar o armistício com o velho Marechal Pétain, em fins de 1940, Adolf Hitler, o idolatrado Fuhrer, deus aos alemães razões de sobra para esperar milagres.
 
Ao levar os derrotados franceses à floresta de Compiégne, ao mesmo vagão em que a França, em 1918, obrigara a Alemanha a depor as armas, Adolf Hitler, procedendo de acordo com o sentido que abrigava, conferia ao ato o colorido de vingança a que, segundo afirmava, tinha direito o povo germânico.
 
Ali, Adolf Hitler, mais poderoso na Europa continental do que Napoleão no auge do sucesso, desceu risonho, do trem que o levou ao local, seguido de seus feldmarechais. Gozava o ex-cabo, ao derrotar a França, o prazer de ser vitorioso onde o Keiser e todo os seu brilhante Estado-Maior haviam falhado. Era uma vingança gloriosa, após anos de luta e prisão, pois Hitler retornara da Primeira Guerra decidido a vingar o Tratado de Versalhes e os termos impostos à Alemanha pelos vencedores de 1914-1918.
 
Mas, entre Adolf Hitler e suas ambições estava a Real Força Aérea da Inglaterra, ou, pelo menos, o que restava dela, após a queda da França e a evacuação do exército britânico de Dunquerque. Para grande espanto dos germânicos, os britânicos mantinham-se de pé. Em fins de maio e começo de junho, eles haviam saído do continente, retornando à sua pequena ilha, deixando para trás os seus blindados e o seu equipamento. Em fins de junho, porém, eles se estavam preparando desafiadoramente para a invasão através de 35 km de mar picado e, na opinião dos alemães prolongando a guerra de maneira desesperada e suicida. Por certo os britânicos não demorariam a concluir que a situação era de desespero e que inútil seria a continuação da guerra. A ilha estava sitiada, do golfo de Biscaia aos fiordes da Noruega, por uma invencível Luftwaffe
 
Os alemães eram de opinião de que a Real Força Aérea (RAF), ou melhor, o que restava dela, estava flanqueada e em inferioridade numérica, e, sem cobertura aérea, a Marinha Real, por mais poderosa e corajosa que fosse, não podia salvar a Inglaterra do bloqueio ou da invasão. Em terra, as cidades e indústrias do Reino Unido permaneciam à mercê da Luftwaffe. Assim, não seria temerário e inútil continuar lutando? O povo alemão contentava-se com o fato de que cedo ou tarde os britânicos haveriam de ter bom sendo. Mais alguns dias e a guerra estaria terminada.
 
Mas havia um homem na Alemanha que não tinha tanta certeza. Adolf Hitler estava inquieto com relação à Inglaterra e àquela mosquinha ridiculamente desafiadora, a RAF. No inicio da luta pela conquista do poder que empreendeu em 1933, Adolf Hitler registrou em seu testamento político, o Mein Kampf, a opinião que tinha do povo britânico. “pode-se confiar em que o governo e mesmo o povo britânicos, para se vitoriarem na luta em que se venham a meter, hajam sempre com muita tenacidade, e recorram até mesmo à brutalidade, ainda que o equipamento militar disponível seja totalmente inadequado, comparado ao de outras nações”.
 
Portanto, não era de espantar que Hitler tivesse dúvidas quanto ao sucesso das propostas públicas de paz que fez em junho de 1940 e, a 2 de julho, ordenou o preparativo de planos provisórios para a invasão da Inglaterra. Assim procedendo, ele revelava a intenção de silenciar os receios que possuía de atacar a Inglaterra, deixando-se levar pelo desempenho excepcional da Luftwaffe. Goering, Marechal do Reich e Comandante-Chefe da Luftwaffe, confiava na previsão de que a sua força aérea podia vencer as defesas de caça da Inglaterra em questão de poucos dias. Hitler deixou-se levar pelo sonho. Certamente ele achava a previsão otimista de Goering mais agradável do que as advertências do Grande Almirante Raeder contra a invasão. Além disso, como já estava pensando na conquista da Rússia na primavera seguinte, o Fuhrer permitiu-se acreditar no golpe aéreo arrasador desferido por Goering. Ele possivelmente evitaria a necessidade de desembarques; possivelmente traria a Inglaterra para a sua mesa de paz, onde talvez pudesse ser arregimentada como parceira menor numa cruzada contra a Rússia comunista.
 
Mas, se fosse preciso fazer desembarques, que fossem feitos. Depois de estabelecer a completa superioridade aérea, a Luftwaffe neutralizaria a ameaça de interferência da Marinha Real e aceleraria o avanço do exército alemão rumo a Londres. Se na primavera a Luftwaffe lançara o exército ao outro lado do Mosa e o levara até Paris, agora, pleno verão, o que poderia ser o Canal da Mancha senão outra travessia? Verdade que um pouco mais demorada e turbulenta.
 
No começo de julho, a Luftwaffe, renovada e reequipada após a grande vitória continental, estava pronta para reiniciar as operações em larga escala. Descansando em Karinhall, sua casa de campo, situada nos arredores de Berlim, Herman Goering esperava impaciente a hora de lançar as três frotas aéreas contra a Inglaterra.
 
Enquanto manobrava seus trens de brinquedo, o Marechal do Reich planejava o “Ataque das Águias” que subjugaria a Inglaterra.
 
Do ponto de vista da Alemanha, a Inglaterra e a França haviam ousado declarar guerra contra ela enquanto invadia a Polônia. A Luftwaffe eliminara rapidamente a Polônia e a França estava dobrada. A Inglaterra não demoraria a descobrir que a Alemanha possuía uma arma aérea capaz de a derrubar em poucas semanas.
 
Na verdade, Herman Goering confiava tanto na capacidade da Luftwaffe de conquistar sozinha a Inglaterra que não demonstrou qualquer interesse no planejamento do exército e da marinha para a invasão. Duas frotas aéreas alemães, a 2 e a 3, estavam de prontidão na França, Bélgica e Holanda, enquanto que uma terceira, pouco menor que as duas outras, a Frota Aérea 5, estava estacionada na Noruega e Dinamarca. Estas três frotas aéreas totalizavam mais de 3.000 bombardeiros e caças, força suficientemente grande para eliminar as defesas da área da invasão da Inglaterra em quatro dias e terminar a guerra em menos de um mês. Pelo menos assim pensava o Comandante-Chefe da Luftwaffe.
 
Enquanto os caças e bombardeiros aguardavam nos aeródromos avançados, Goering pensava orgulhoso no instrumento de conquista que havia criado. Vaidoso da sua folha de serviços como piloto de caça, com 22 vitórias creditadas na Primeira Guerra, Goering deu prosperidade à nova arma aérea como Ministro da Aeronáutica da Alemanha, após a subida de Hitler ao poder, em 1933. Contudo, o verdadeiro trabalho de base fora feito anteriormente, pelos profissionais do exército, entre os quais se encontravam os Feldmarechais Kesselring e Sperrle e o general Stumpf, e os líderes da Luftwaffe que estavam enfrentado a Inglaterra no comando das Frotas Aéreas 2, 3 e 5.
 
Explorando uma saída no Tratado de Versalhes, os generais alemães, antes mesmo que os nazistas subissem ao poder, haviam forjado sua grande arma de guerra, o que aliás não fora difícil. Embora tivessem destruído o Corpo Aéreo Alemão da Primeira Guerra Mundial, os Aliados não haviam conseguido regulamentar o futuro da aviação civil alemã. Tendo recebido permissão para manter uma organização de defesa nos termos do Tratado, a Alemanha confiou o alto comando do exército ao general von Seeckt, que, através da estreita ligação que manteve com a aviação civil, lançou as bases da Luftwaffe em 1921 - ajudado pelos jovens Kesselring, Sperrle e Stumpf. Outros que tinham subido ao poder com os comandantes da frota aérea, e que agora se encontravam montados confortavelmente no êxito-relâmpago da Luftwaffe, também colaboraram. Entre outros que ocupavam postos elevados no comando da Luftwaffe estavam Erhard Milch, até pouco antes membro da linha aérea civil, a “Lufthansa”, e que em 1940 era Subcomandante-Chefe da Luftwaffe; Ernst Udet, Chefe de Equipamento, e Hans Jeschonnek, Chefe do Estado-Maior Geral da Luftwaffe. Além disso, os fabricantes alemães de aviões não haviam perdido tempo diante das oportunidades que surgiram nos anos entre as duas guerras. O resultado disso, foi que, no verão de 1940, os aviões Dornier, Junkers, Heinkel e Messershmitt que estavam prontos para conquistar a Inglaterra deviam sua existência aos soldados e industriais que há 21 anos vinham preparando este ato de vingança.
 
Já em 1928, habilmente instalada na Suécia, a companhia Junkers construiu um bombardeiro de mergulho, o precursor do Stuka, o Ju 87. Por volta de 1935, um protótipo do Ju 87 estava voando na Alemanha - registrando uma trepidação de cauda - acionado por um motor Kestrel, da Rolls-Royce, a famosa companhia britânica de automóveis. Em 1933, Ernst Udet fazia experiências com um par de bombardeiros de mergulho Curtiss Hawk que adquirira aos Estados Unidos. O desenvolvimento dos caças também não ficou parado, pois já em 1935 um Me 109 punha à prova as suas qualidades, também acionado por um motor Kestrel, inglês.
 
Os líderes da frota aérea e seus aviões não eram, porém, os únicos produtos do rearmamento secreto alemão; os comandantes em níveis mais baixos e muitos dos que estavam prestes a decolar para o ataque à Inglaterra haviam sido adestrados em campos e aeródromos desconhecidos dos Aliados.
 
A partir de 1924, oficiais escolhidos eram despachados para uma escola de treinamento de pilotos situada na Rússia, em Lipetz, e muitos dos que viriam a ocupar comandos importantes durante a Batalha da Inglaterra, em 1940, passaram por Lipetz como civis. Outros, usando uniforme italiano, haviam treinado na Itália por cortesia do ditador Benito Mussolini.
 
Em 1926, por instigação de von Seeckt, criara-se a Lufthansa como linha aérea estatal, sob a direção de Erhard Milch, herói da aviação de guerra de 1914-18. Em 1940, Milch era general e estava bastante desapontado com o fato de a Luftwaffe ter sido refreada desde a evacuação de Dunquerque.
 
A futura força aérea alemã, estimulada por von Steeckt, encontrou na Lufthansa um campo de treinamento de primeira classe. As tripulações das aeronaves da empresa tendo em vista os objetivos daqueles que inspiraram a sua criação, somaram a seus deveres civis a instrução militar.
 
Somente em 1935 é que a Luftwaffe finalmente se revelou, sob o comando de Goering, Milch e outros camaradas da Primeira Guerra, como a mais poderosa força aérea da Europa, e pronta para testar homens e máquinas em apoio à insurreição de Franco contra o governo republicano espanhol. Foi uma prova bem sucedida.
 
Na Espanha, unidades da Luftwaffe comandadas por Hugo Sperrle e Wolfram von Richthofen, primo do famoso às de caça da Primeira Guerra, compensavam a escassez de artilharia de Franco. Ali, os bombardeiros de mergulho Ju 87, Stuka, de von Richthofen, ensaiaram o cerrado apoio tático aos ataques e à infantaria que produziu a aterradora Blitzkrieg - e colocou as Frotas Aéreas 2 e 3 a poucos minutos de vôo dos aeródromos de linha de frente da Inglaterra. Também na Espanha, pilotos da Luftwaffe que estavam destinados à futura liderança, entre os quais Adolf Galland e Werner Molders, que não demorariam a tornar-se figuras lendárias, ganharam experiência de combate. Como parte dos esquadrões “Condor”, das Alemanha, eles se aperfeiçoaram nas operações de apoio cerrado ao exército que subseqüentemente conduziram às vitórias alemães de 1939 e 1940, na Polônia e na França. A Luftwaffe aproveitou ao máximo as oportunidades de treinamento que teve nos céus da Espanha, revezando voluntários inexperientes com “veteranos” da guerra civil, para difundir a experiência por toda a arma.
 
Tomando por base as possibilidades da força que tinha sob comando, Goering considerava um desperdício de tempo e reforço o trabalho de planejamento da invasão da Inglaterra. Na sua opinião, os 800 caças Me 109, os 300 caças-destróiers bimotores de longo alcance Me 110, os 400 bombardeiros de mergulho Ju 87 e os 1.500 bombardeiros Dornier, Heinkel e Junkers tornavam redundante o planejamento da invasão.
 
Em Karinhall, aumentando impaciente a velocidade do trenzinho de brinquedo com que se divertia em casa, o Comandante-Chefe da Luftwaffe desejava sinceramente que ele fosse o trem especial que o levaria à costa do Canal da Mancha para testemunhar o fim da Inglaterra.
 
Todavia, Hitler não conseguia persuadir-se a dar o passo irrevogável enquanto fosse possível a paz sem conquista. A 16 de julho, duas semanas antes de ordenar a feitura de um plano provisório para a invasão, ele emitiu a Diretiva 16, detalhando alguns pontos da operação: “Como a Inglaterra, apesar de sua desesperada situação militar, ainda não demonstra disposição de chegar a um acordo, decidi preparar, e, se for necessário, executar, uma operação de desembarque contra ela. O objetivo dessa operação é eliminá-la como base de onde possam vir a dar prosseguimento à guerra contra a Alemanha e, se necessário, ocupar completamente o país”. O documento não fixava data. A invasão ainda era, apenas, uma questão de planejamento de contingência.
 
Enquanto o exército, a marinha e a força aérea, seguindo as ordens de Hitler, faziam seus preparativos, o povo alemão não podia crer que a Inglaterra fosse tão imprudente a ponto de provocar uma invasão. Os jornais de Berlim estavam quase certos de que a guerra terminara. “A Inglaterra está à beira de uma decisão”, declarou o vespertino Nachtausgabe. “Existe apenas uma leve possibilidade de vir a Inglaterra a oferecer qualquer resistência militar... O povo britânico está positivamente temeroso dos próximos acontecimentos militares e políticos”.
 
Bandeiras de vitória, música de vitória e alegria de vitória - o Fuhrer relaxara suas restrições à realização de bailes às quartas-feiras e sábados - tudo isso ocorria para dar ao povo a sensação de que tudo estava terminado; alguns generais também pensavam assim. Rommel escreveu, da França, à sua mulher: “segundo calculo, venceremos a guerra dentro de uma quinzena. O tempo está encantador - se há alguma diferença, está ensolarado demais”.
 
Hitler esperava que os otimistas estivessem certos, mas inquiria-se em silêncio: será que os britânicos realmente cederiam sem lutar? O verão, período próprio para a campanha, começava a escoar-se. Só havia um rumo a tomar: submeter as propostas de paz a um último e dramático teste, e se estas fracassassem, soltar a Luftwaffe e dar a Goering a oportunidade por que esperava. A 19 de julho de 1940, Adolf Hitler falou ao mundo:
 
Nesta hora, julgo ser do meu dever, perante a minha consciência, apelar uma vez mais para a razão e o bom senso, tanto da Inglaterra como do resto do mundo. Considero-me em condições de fazer este apelo porquanto não sou um vencido buscando favores, mas o vencedor falando e nome da razão. Não vejo por que esta guerra deva prosseguir. Angustio-me só em pensar nos sacrifícios que ela exigirá. Gostaria de evitá-los também para meu povo... Possivelmente o Sr. Churchill fará de novo por ignorar as minhas declarações alegando que são apenas nascidas do medo... Neste caso, terei desobrigado a minha consciência quanto ao que possa acontecer... O Sr. Churchill deveria, pelo menos uma vez, acreditar quando digo que um grande império será destruído - um império que jamais pretendi destruir ou mesmo prejudicar. Todavia, compreendo que esta luta, se prosseguir, só pode terminar com o completo aniquilamento de um dos adversários. o Sr. Churchill talvez creia que será a Alemanha. Eu sei que será a Inglaterra”.
 
A Inglaterra se entrincheira
 
Em Londres, Winston Churchill desdenhava o apelo de Hitler à razão, o que parecia insensato para os que estavam fora da Inglaterra. Depois de anos de exílio no deserto político, anos em que não se cansou de advertir os sucessivos governos britânicos da ameaça que representava o rearmamento da Alemanha, Churchill substituiu Neville Chamberlain como Primeiro Ministro, a 10 de maio de 1940 - no dia exato em que Hitler invadiu a França e os Países Baixos.
 
Assim, em poucas semanas, Churchill viu realizados os seus piores receios. Viu a Luftwaffe abrir caminho à força para o exército alemão até a costa do Canal da Mancha, e no processo, viu também a RAF ser reduzida. Mas, exceto para aplicá-la a um adversário, a palavra rendição jamais fora encontrada em seu vocabulário - embora, em sua sensatez, ele respeitasse a opinião pessimista dos observadores estrangeiros e suas razões. Através do rádio, ele afirmou: “Não é difícil compreender até que ponto receiam pela nossa sobrevivência os bondosos observadores do outro lado do Atlântico e os amigos naturais de países da Europa ainda não violentados, que não tem condições de medir nossos recursos e nossa determinação, depois de terem visto tantos estados e reinos destroçados, em questão de semanas ou mesmo dias, pela monstruosa força da máquina bélica nazista”.
 
Falando em Pearl Harbor, o Coronel Knox, Secretário da Marinha dos Estados Unidos e amigo da Inglaterra, endossaria as palavras de Churchill quando, no auge da batalha disse: “As possibilidades de vitória da Inglaterra são agora superiores a 50%”.
 
Após a queda da França, Churchill dirigiu-se assim à nação: “O que o General Weygand chamou de a Batalha da França está terminada. A Batalha da Inglaterra está prestes a começar. Dela dependem o nosso modo de vida e a continuidade das nossas instituições e do nosso império. Toda a fúria e todo o vigor do inimigo deverão em pouco ser assestados contra nós. Hitler sabe que terá de destruir-nos nesta ilha ou perder a guerra. Se o pudermos resistir, toda a Europa poderá ser libertada e a vida do mundo poderá erguer-se aos píncaros ensolarados. Mas, se fracassarmos, o mundo inteiro, inclusive os Estados Unidos, e tudo o que conhecemos e que apreciamos, mergulharão no abismo de uma nova era de obscurantismo, tornada ainda mais sinistra, e talvez mais prolongada, pelas luzes de uma ciência pervertida. Portanto, cobremos coragem para cumprir nosso dever e nos comportemos para que, se o Império Britânico e a Comunidade das Nações durarem mil anos, possam todos ainda assim dizer: Este foi o seu momento supremo”.
 
Assumindo o cargo a 10 de maio, confrontado, imediatamente pela invasão da França e, pouco depois, pela evacuação de um exército britânico em retirada e despojado da maior parte do seu equipamento militar, Churchill não teve tempo de reparar os erros dos seus predecessores, de preparar-se para a batalha que, segundo temia, devia sem demora atravessar o Canal, a qual antecipadamente denominou Batalha da Inglaterra.
 
Por trás da estimulante e oportuna convocação de Churchill à nação depositava-se a história, triste e longa, da falta de disposição do governo britânico para encarar o alarmante rearmamento da Alemanha como uma ameaça à paz mundial. Em conseqüência, era apenas razoável a rede de defesa contra ataques aéreos - mesmo depois da queda da França.
 
Na verdade, se não fosse a inventiva pessoal, a filantropia particular, o espírito público e a capacidade empresarial de vários indivíduos e companhias fabricantes de aviões, a RAF não teria sido equipada com quaisquer aparelhos que pudessem competir com a Luftwaffe, como os caças Spitfire e Hurricanes. Em 1936, quando a Luftwaffe já estava preparando seus novos Do 17, He 111, Ju 87 e Me 109, os modernos monoplanos, submetidos à prova um ano mais tarde, na guerra civil espanhola, Londres era protegida por biplanos.
 
Num exercício realizado em 1936 para a defesa dos principais aeródromos de caças de Londres, Biggin Hill, Hornchurch e North Weald, o Comando de Caças da RAF reunira três esquadrões de Bristol Bulldogs, quatro de Hawk Ruries e um de Gloster Gauntlets, Quando Neville Chamberlain retornou de Munique, no outono de 1938, dos 30 esquadrões de caça operacionais, apenas um estava equipado com Spitfires e 5 reequipados com Hurricanes.
 
Se, nos anos inquietos que precederam a deflagração da Segunda Guerra Mundial, a Luftwaffe contava com dedicados servidores, homens com experiência como o seu Comandante-Chefe, Hermann Goering, adquirida nos combates de 1914-18, a RAF também tinha seus líderes do Real Corpo de Aviação do passado.
 
A diferença é que oficiais como o Marechal-do-Ar Sir Hugh Dowding chefe de pesquisa e desenvolvimento no período crítico do começo até meados dos anos 30, tiveram pela frente líderes políticos que não se estavam preparando para a guerra. Carecendo de entusiasmo governamental e de generosidade financeira, Dowding e seus colegas estavam em desvantagem em relação aos seus equivalentes da Luftwaffe.
 
Apesar disto, ainda que os protótipos dos caças Spitfire e Hurricane só fossem encomendados em 1934 e 1935, respectivamente, a liderança da RAF britânica não se manteve ociosa, mas a evolução do Spitfire e do Hurricane se devia tanto a uma série de incidentes românticos e gestos corajosos quanto ao planejamento da defesa. Uma história realmente estranha.
 
Em 1927 e 1929, enquanto as sementes da Luftwaffe estavam sendo plantadas às ocultas, a RAF conquistara o “Troféu Schneider”, o cobiçado prêmio de uma corrida internacional de hidraviões bienalmente disputada. Uma terceira vitória conquistada em 1931, daria à Inglaterra a posse definitiva do troféu. Mas, por motivos econômicos, o governo britânico não deu à RAF as condições de competir. Portanto, parecia que a RAF teria de se conformar em ver os Estados Unidos ou, talvez, a Itália lhe arrebatar o troféu. Foi então que a rica e excêntrica Lady Houston ofereceu 50.000 libras esterlinas para cobrir as despesas com a participação dos britânicos. O governo cedeu envergonhadamente e a RAF, montada num avião que seria o pai de todos os Spitfires, venceu a corrida e conservou o troféu. Os marechais-do-ar aproveitaram a oportunidade e fizeram pedidos de dois protótipos distintos de caças, segundo especificações relacionadas com a experiência adquirida nessa disputa.
 
Era uma corrida contra o tempo. O avião que conquistara o “Troféu Schneider” em 1931 havia saído da prancheta de desenho de R.J. Mitchell, projetista-chefe da Companhia Supermarine, e Mitchel estava morrendo. Em férias na Alemanha, após uma intervenção cirúrgica séria, Mitchell conhecera entusiastas alemães da aviação e voltara cheio de presságios sobre o futuro. Ele sabia que estava trabalhando contra o relógio por dois motivos, suas ruins condições de saúde e o rearmamento da Alemanha. Em sua ansiedade, Mitchell trabalhava em dois aparelhos - o primeiro dentro das especificações restritivas e retrógradas do governo, e o segundo, o verdadeiro Spitfire, para realizar a sua visão e da Companhia Supermarine do que deveria ser um caça moderno. Reginald Mitchell morreu em 1937, aos 42 anos de idade, pouco depois que os primeiros Spitfires produzidos começaram a voar.
 
Sydney Camm, da Hawker, criou o Hurricane. Camm sentia-se feliz em fugir aos biplanos, cujo valor ele há muito vinha discutindo com a Força Aérea, que ainda estava influenciada pelo relatório de uma comissão de 1912, que decidira que os monoplanos eram perigosos.
 
Considerando-se que trabalharam contra o tempo, é extraordinário como Mitchell e Camm reduziram a vantagem da Alemanha. Afinal de contas, eles estavam enfrentando novos problemas, do princípio ao fim, problemas que diziam respeito à era do monoplano e dos seus refinamentos, incluindo trens de aterrissagem escamoteáveis e os novos aparelhos para auxiliar o vôo, como o rádio e os instrumentos de carlinga para vôo cego. Além disso, estavam também ingressando numa nova era de motores aéreos, com a substituição do Kestrel, tão intensamente experimentado na Alemanha, pelo magnífico Merlin da Rolls-Royce. Havia igualmente o problema da compatibilização dos armamentos com a velocidade dos caças modernos, o aparecimento, com o Spitfire e o Hurricane, do caça com 8 metralhadoras.
 
Do lado do crédito, contudo, tiveram o conforto, Mitchell e Camm, de se verem ardorosamente apoiados pelas respectivas companhias durante todo o período de trabalho que realizaram no sentido de avançar vários anos de pesquisa. Na Supermarine, uma subsidiária da Vickers Aviation, o presidente da companhia associada da Vickers, Sir Robert Mclean, protegeu Mitchell da interferência governamental, especialmente porque ele estava construindo secretamente o verdadeiro caça, o que o governo não havia encomendado.
 
Surgiram outros aviões quando iminente a batalha, como esta narrativa mostrará - o bombardeiro Blenheim, por exemplo, lamentavelmente destacado para o papel de caça, e o obsoleto biplano Gladiator, muito superados pelos dois astros notáveis da Batalha da Inglaterra, o Spitfire e o Hurricane.
 
Para imenso alívio da Força Aérea, os protótipos dos dois novos caças revelaram grandes realidades logo em seus vôos inaugurais - o Hurricane a 6 de novembro de 1935, e o Spitfire a 5 de maio de 1936. Por volta de dezembro de 1937, o Uricana estava entrando em serviço em esquadrões, mas os primeiros Spitfires só se tornaram disponíveis para vôo operacional em junho de 1938.
 
Gradativamente, os novos Hurricanes e Spitfires substituíram os obsoletos biplanos Gauntlet e Gladiator, que protegiam a Inglaterra mas não eram adversários para os modernos caças e bombardeiros da Luftwaffe. À medida que a velha-guarda entregava os esquadrões um após outro, quem se sentia cada vez mais aliviado e satisfeito era Dowding que, no verão de 1936, fora transferido da pesquisa e desenvolvimento para criar e dirigir, como Comandante-Chefe, uma organização de defesa digna dos novos aviões, o novo Comando de caça da RAF. Toda a defesa aérea do país passou à responsabilidade de Dowding. Além dos esquadrões de caça da RAF, o Comandante-Chefe do Comando de Caças exercia o controle operacional do Comando Antiaéreo, do Comando de Balões e do Corpo de Observadores - mais tarde chamado Real Corpo de Observadores.
 
As frustrações de Dowding com o equipamento da RAF eram muitas e irritantes, enquanto se esforçava por dotar a Inglaterra de um sistema eficiente de defesa.
 
No começo, quando o Marechal-do-Ar de 54 anos de idade, se deslocou para o QG Bentley Priory, uma histórica mansão situada em Stanmore, nos arredores norte de Londres, teve de lutar contra uma política derrotista. Em 1932, Stanley Baldwin declarou: “O bombardeio sempre conseguirá passar... a única defesa é a ofensiva, o que significa que vocês terão de matar mais mulheres e crianças mais depressa se quiserem salvar-se”. Em 1936, ano em que Dowding chegou ao Comando de caças, Stanley Baldwin se tornara Primeiro Ministro.
 
Considerado homem de mentalidade muito defensiva, Dowding estava incomodamente cônscio de que talvez tivesse de se reformar mais cedo do que pretendia, porque, como o pessoal das forças armadas britânicas dizem, um chapéu coco estava sempre suspenso sobre sua cabeça. Ignorado como Chefe do Estado-Maior da Aeronáutica, o cargo mais elevado da RAF, Dowding, homem inflexível (que seus contemporâneos haviam apelidado de “Enjoado”), não era popular no Ministério da Aeronáutica, onde eram tomadas as decisões políticas. Dowding era obrigado a lutar pelos menores detalhes do seu novo sistema de defesa, inclusive o pedido de pistas de concreto, para tornar os aeródromos, de grama, utilizáveis em todas as estações. O Ministério da Aeronáutica era contra as pistas de concreto, alegando que eram difíceis de camuflar. Somente quando a guerra se tornou iminente é que as autoridades permitiram que Dowding recebesse o concreto pedido. Até então, Dowding vira-se obrigado a experimentar sementes de gramas, para assegurar-se de que nos aeródromos pelo menos fossem plantados tipos de grama mais adequado.
 
Em outra altercação com as autoridades do Ministério da Aeronáutica, Dowding, que lutava pela adoção de pára-brisas à prova de bala nos seus Spitfires e Hurricanes, usou um argumento inspirado: “Se os bandidos de Chicago podem andar em carros protegidos por vidro à prova de bala, não vejo por que meus pilotos também não tenham este direito”.
 
Mas os críticos de Dowding não conseguiam compreender por que o chefe dos caças exigia tanto requinte no planejamento, muito embora Stanley Baldwin tivesse advertido, em 1934: “Com o advento da era do avião, as velhas fronteiras desaparecem. Quando se pensa nas defesas da Inglaterra, não se pensa mais nos brancos rochedos de Dover, e sim no Reno. É ali que estão as nossas fronteiras”. A declaração de Baldwin pretendia justificar o minguado rearmamento que estava ocorrendo. Enquanto isso, Hitler construía uma força aérea capaz de colocar o exército alemão e as bases aéreas avançadas da Luftwaffe a 35 km de distância dos rochedos de Dover.
 
Não obstante, apesar de todas as dificuldades, Dowding construiu um sistema de defesa que, embora despreparado para lutar contra o inimigo em Calais e que não era de modo algum infalível, conseguiu salvar seu país da invasão e da derrota quando chegou a hora da prova, em 1940.
 
O sucesso do sistema dependia da determinação de Dowding, que estava tecnologicamente muito à frente do seu tempo, “em aplicar previdentemente a ciência às exigências operacionais”.
 
Controle e padronização eram as ordens do dia. Idênticas salas de operações foram instaladas nos QGs do Comando de Caças, nos Grupos e nos Setores em que Dowding dividiu seu comando. Já em 1936, Dowding compreendeu que, em caso de guerra, em caso de ataque à luz do dia, ele provavelmente estaria em inferioridade numérica e teria escassez de caças. Portanto, projetou um sistema flexível pelo qual, na área vulnerável do sul da Inglaterra, os caças poderiam ser transferidos de um setor para outro e de um grupo para outro pelo pessoal das salas de operações cuidadosamente ligados por linhas telefônicas e de teletipos.
 
Enquanto se esforçava por preparar a Inglaterra para suportar os ataques, Dowding sofria o drama de escassez de verba. Em 1936 ele recebeu apenas 500 libras para construir uma sala de operações experimental no salão de baile do Bentley Priory. Mais tarde, só lhe destinaram 4.500 libras para montar um QG subterrâneo a prova de bombas.
 
Mas tal parcimônia era perfeitamente desculpável, porque estavam sendo feitas aplicações de verbas vultosas no desenvolvimento de um importante projeto. Tratava-se do radar, direção e alcance pelo rádio, ou, como era conhecido nos seu primeiros tempos, radiogoniômetro, o escudo secreto da Inglaterra e, como se veio saber depois, a própria salvação da pátria. A nova cadeia de radar também foi posta sob o comando de Dowding, como o Grupo 60.
 
Estranhamente, a recém-surgida cadeia de radar que Dowding vinculou ao seu sistema de defesa surgiu da idéia, encontrada na ficção científica, de que os bombardeiros incursores poderiam ser desintegrados por um raio da morte. Em meados dos anos 30, os cientistas do órgão de defesa saíram, meio cépticos, para a pesquisa de tal raio e comunicaram, depois de muito trabalho, a impossibilidade de sua geração. Mas eles escondiam um trunfo: se era um contra-senso fazer um feixe de rádio funcionar como um matador magnético, esse mesmo feixe, como radiogoniômetro de longo alcance, era uma possibilidade prática.
 
Entre os consultores científicos da RAF encontrava-se Robert Watson-Watt, que criara um meio de localizar trovoadas pelo rádio. Ele, que fizera ondas de rádio saltar das tempestades e da ionosfera, conseguiu também que elas saltassem de aviões distantes. Acontece que os primeiros experimentos de Watson-Watt foram feitos quando Dowding era responsável pela pesquisa e desenvolvimento para a Força Aérea. Assim, quando Dowding se mudou para o recém-criado Comando de caças, ele ajudou a implantar a cadeia de torres de 150m de altura que estavam sendo construídas nas costas leste e sul da Inglaterra.
 
Justificadamente, a Luftwaffe, que realizava pesquisas no campo da detecção de aviões a longa distância, estava cheia de curiosidade a respeito das misteriosas torres. Desconfiando de que o aparecimento dessas torres estivesse relacionado com idêntica atividade, a Luftwaffe procurou investigar.
 
Audaciosamente, o General Wolfrang Martini, chefe de comunicações da Luftwaffe, convencera Hermann Goering a repor no serviço ativo o aposentado dirigível “Graff Zepellin” como laboratório aéreo. A idéia era aceitável, porque nenhum dos aviões existentes poderia proporcionar os elementos essenciais ao reconhecimento que pretendia fazer, que eram o raio de ação, o espaço e a maneabilidade que lhe permitissem parar, olhar e ouvir.
 
Apesar disso, a espionagem fracassou. O dirigível fez vários cruzeiros pela costa da Inglaterra, mas seu complicado equipamento não funcionou de maneira adequada e, depois de uma última tentativa, feita em agosto de 1939, a Luftwaffe abandonou o trabalho de reconhecimento.
 
Preocupada com seu importante papel na invasão da Polônia, Noruega, Dinamarca, França, Holanda e Bélgica, a Luftwaffe de desinteressou das torres de radar britânicas. Excessivamente confiante por causa das vitórias continentais que colher e na expectativa de vir proximamente a ditar os termos de paz com a Inglaterra, ou, na pior das hipóteses, outra conquista rápida, a Luftwaffe não deu muita atenção à rede de radar de Dowding na avaliação que fez das possibilidades de sobrevivência da Inglaterra após a queda da França.
 
A confiança da Luftwaffe, em última análise insensata, parecia bastante lógica no começo do verão de 1940. A RAF sofrera seriamente na França e, segundo Goering imaginava, não estava em condições de se reequipar e defender a Inglaterra contra ataques aéreos contínuos. Mas a Luftwaffe ainda não se sentia familiarizado com o espírito de “bulldog” de Churchill, nem tinha conhecimento das providências tomadas pelo velho guerreiro para salvar os caças existentes e para que fossem construídos novos aparelhos enquanto a França estava caindo.
 
Para acelerar a produção de Spitfires e Hurricanes, o Primeiro-Ministro recrutou o que chamou de “a energia vital e vibrante” de Lorde Beaverbrook, o proprietário, canadense de nascimento, do jornal Daily Express, nomeando-o Ministro da Produção Aeronáutica.
 
Para conservar os Spitfires e Hurricanes, o Primeiro-Ministro proibiu a saída de reforços da RAF para a França. A medida, tomada na oportunidade em que a França agonizava, talvez tenha sido a mais pesarosa decisão de Churchill em toda a sua longa e aventurosa existência. Sem o comparecimento dramático de Dowding a uma reunião do Gabinete de Guerra, é de duvidar que Churchill a tivesse autorizado.
 
Estarrecido com a volumosa perda de caças da RAF na França - 250 Hurricanes entre 8 e 18 de maio - Dowding solicitou permissão para comparecer perante Churchill e seus Ministros. A 13 de maio ordenaram-lhe que enviasse mais 32 Hurricanes ao outro lado do canal, e a 14 de maio entrou em cogitação a possibilidade de serem transferidos mais 10 esquadrões, ou 120 Hurricanes, após um pedido urgente do Primeiro-Ministro francês, Paul Reynaud.
 
Dowding não estava só em suas preocupações a respeito da situação. Os chefes de Estado-Maior da Marinha Real, do Exército Britânico e da RAF comunicaram ao Primeiro-Ministro, sob o agourento título de Estratégia Britânica Numa Eventualiade Certa: “Enquanto nossa força aérea existir, a Marinha e Força Aérea, juntas, deveriam ser capazes de impedir que a Alemanha leve a cabo a invasão. Na eventualidade de vir a Alemanha a conquistar a superioridade aérea absoluta, a Marinha poderia impedir a invasão por algum tempo, não por um período indefinido. Nessas circunstâncias, nossas forças de terra serão insuficientes para conter as forças de invasão. O ponto crucial da questão é a superioridade aérea. Uma vez que a Alemanha a tenha conseguido, poderá tentar subjugar o país apenas pelo ar. Teremos que ser capazes de infligir, diariamente, baixas ao inimigo que o impeçam de produzir castigos que nos seja impossível suportar, embora não se possa garantir que nossos grandes centros industriais não venham a sofrer danos sérios provocados por ataques noturnos. Se o inimigo realizar ataques noturnos contra nossa indústria aeronáutica, é provável que possa provocar a paralisação de todo o trabalho”.
 
Enquanto nossa Força Aérea existir...” Tudo se apoiava nessa frase. Dowding não podia ficar de lado e permitir que suas pequenas poupanças, apenas 39 esquadrões de Spitfires e Hurricanes, fossem esbanjadas no que era obviamente uma causa perdida. Com menos de 1.300 pilotos - cerca de 150 abaixo dos efetivos - ele também tinha de preservá-los. A 15 de maio, o marechal-de-Ar entrou na sala do gabinete; colocando um gráfico explanatório sobre a mesa, Dowding disse ao Primeiro-Ministro: “Se a taxa atual de baixas se mantiver por mais uma quinzena, não teremos um único Hurricane na França, ou neste país”. Os Spitfires não foram mencionados; eram tão preciosos que, depois da evacuação do exército britânico de Dunquerque, não se pensava em deixar sair da Inglaterra um Spitfire sequer.
 
A 19 de maio, Churchill determinou que nenhum outro esquadrão de caças fosse para a frança, exceto para dar cobertura à evacuação. A resposta de Churchill ao apelo de Dowding permitiu ao Comando de Caças ajudar a Inglaterra a realizar a evacuação de Dunquerque, entre 26 de maio e 4 de junho. Mesmo assim, Dowding perdeu mais de 430 Spitfires e Hurricanes entre 10 de maio de a retirada de Dunquerque.
 
As perguntas que todos faziam eram sobre o tempo de hesitação de Hitler e se a nomeação de Beaverbrook como Ministro da Produção Aeronáutica demoraria muito a dar resultados. Felizmente para a Inglaterra, enquanto Hitler dizia a von Rundstedt, na França, “que faria a paz com a Inglaterra e lhe ofereceria uma aliança. A Alemanha dominará a Europa e a Inglaterra, o mundo exterior”, Beaverbrook punha a sua varinha de condão sobre as fábricas de caças.
 
Seus expedientes, ainda que pouco ortodoxos, eram divulgados pelo seu próprio jornal, e faziam bem ao moral do povo. Pouco antes de assumir o ministério, Beaverbrook lançou o seguinte apelo “Às Mulheres na Inglaterra”: “Dêem-nos o seu alumínio... Nós transformaremos frigideiras e panelas em Spitfires e Hurricanes, Blenheims e Wellingtons. Portanto, peço a todos que tenham panelas, cabides, sapateiras, peças de banheiro... feitos total ou parcialmente de alumínio... que os levem ao QG local dos Serviços Voluntários Femininos”.
 
Toda a imprensa fez ressoar o apelo. “Da frigideira ao Spitfire” era a manchete inevitável. Na prática, as montanhas de caçarolas feitas pelas donas de casa contribuíram muito pouco para a produção de caças, mas o apelo de Beaverbrook valeu seu peso em, peças de banheiro em termos de moral civil. A gente comum, mulheres, nas suas cozinhas, aturdidas pelo rumo dos acontecimentos, achavam que pelo menos aí estavam fazendo algo que podiam fazer. Caças, caças e mais caças... a sobrevivência nacional dependeria dos Spitfires e Hurricanes. No mês anterior à nomeação de Beaverbrook, a 14 de maio. como Ministro da Produção Aeronáutica, ou Ministro dos Aviões, como caracteristicamente preferia ser conhecido, as fábricas haviam construído 256 caças de primeira linha. No crítico mês de setembro de 1940, quando Londres era vítima de bombardeios aéreos diários e as baixas da RAF atingiram o ponto culminante, a organização de produção e reparos de Beaverbrook entregou 467 caças.
 
Para obter resultados tão espantosos com tanta rapidez - uma produção média, mensal, de quase 500 caças - Beaverbrook enlouqueceu os “malditos marechais-do-ar”, como chamava coletivamente o Estado-Maior da força aérea, no Ministério da Aeronáutica. Ele deitou fora seus programas de produção, meticulosamente preparados e equilibrados, muito bonitos no papel, mas totalmente irrealistas naquele momento de desespero. Dois velhos militares consideravam o fato uma intromissão imprudente de um estranho e o Marechal da RAF, Sir John Slessor, mais tarde comentou: “Como se os amaldiçoados marechais-do-ar não soubessem definir o que bom para eles, o novo ministro não perdeu tempo em preparar um novo programa, baseado unicamente na capacidade de produção da indústria de aviões; ele tinha pouca ou nenhuma relação com as exigências estratégicas e a sua idéia principal (talvez natural em quem não seja versado em problemas da aviação) concentrava-se na produção de quantidades enormes de caças, sem atentar para o efeito desse procedimento sobre outros tipos, igualmente vitais. Coisas essenciais, embora menos espetaculares, como aviões de treinamento, peças sobressalentes e um meticuloso plano de produção de equipamento auxiliar, por não impressionarem muito num gráfico, tendiam a ser postas de lado”.
 
Em todos os departamentos de guerra do governo, os funcionários civis mais graduados ficavam chocados com a exibição de pirotécnica administrativa de Beaverbrook. Eles mal se haviam recuperado do golpe sofrido quando este sujeito extraordinário suprimiu do calendário vigente em seu ministério os feriados de verão, alegando que não permitiam as circunstancias de 1940, quando descobriram que o homem esperava que eles largassem a caneta e usassem o telefone para botar as coisas a funcionar. O pior é que ele convocou para o seu setor alguns homens de negócio e engenheiros de produção inteligentes, notadamente Patrick Henesy, então Gerente-Geral da Ford Motor Company da Inglaterra, e Trevor Westbrook, recém-chegado de Victória e a quem encontrara num campo de golfe, desempregado.
 
Em suas relações com os Estados Unidos, onde ele já estava comprando aviões antes do fim de maio, Beaverbrook, o canadense que falava praticamente a mesma língua, agia com igual rapidez e impetuosidade. Quando Henry Ford interveio pessoalmente num negócio e se recusou a permitir que sua companhia construísse motores Rolls-Royce Merlin, alegando que eram armas de guerra, Beaverbrook transferiu o pedido para a Packard. Ignorando as advertências dos especialistas, que diziam que a Packard era uma empresa pequena demais para o pedido, Beaverbrook disse simplesmente: “Ampliem-na”, e eles assim o fizeram.
 
Em combate
 
Chegou o mês de julho e por volta do dia 10, que é para os britânicos o dia da Batalha da Inglaterra, a Luftwaffe, ainda contida por Hitler, “brincava” com a navegação no Canal da Mancha e na convidativa zona de invasão na costa sul inglesa. Para o Alto Comando germânico a Inglaterra ainda estava em estado de choque, depois da experiência de Dunquerque, e incapaz de compreender a verdadeira situação em que se encontrava. Ela talvez ainda mudasse de opinião e negociasse a paz. Enquanto isso, só poderia ser vantajoso importunar e estender as defesas de caça da RAF, ou o que restava delas.
 
Debaixo de grande excitação das repousadas tripulações da Luftwaffe na costa norte da França, Bélgica e Holanda, os caças foram armados e os bombardeiros, carregados. A Inglaterra continuava normalmente conduzindo seus comboios pelo Canal e os portos e bases navais britânicos do sul da Inglaterra permaneciam inviolados. Fosse de paz ou não a situação, a triunfante Luftwaffe poderia muito bem demonstrar que esse canal já não era mais uma vala inglesa; na verdade, que o canal não era mais inglês. Para a força aérea alemã, a tarefa parecia fácil. Com bom tempo, era possível ver-se claramente os rochedos de Dover dos postos de observação da Luftwaffe e os navios que passavam por eles balançavam como barcos de brinquedos num lago de parque. Alvos fáceis. Bastaria jogar algumas pedras e eles afundariam. A 10 de julho, a Luftwaffe escolheu um comboio.
 
Lentamente, logo depois do almoço, os navios mercantes do comboio levantaram âncora nas proximidades de Dover e, no Comando de Caças, Dowding viu imediatamente que algo de muito especial estava por acontecer. O Radar - ainda conhecido como radiogoniômetro, RDF - captara grande quantidade de aviões atrás de Calais. Por semanas, após Dunquerque, a RAF esperara, pensando no momento em que Hitler, desiludido de qualquer possibilidade de transacionar um acordo com os britânicos, desencadearia o terror contra Londres, mas ele não viera. Entretanto, para o Comando de Caças, em Stanmore, e para o Comando do Grupo 11, em Uxbridge, parecia haver chegado o momento da grande aventura.
 
Mesmo assim, o Vice-Marechal-do-Ar Keith Park, o neozelandês líder do Grupo 11, reagiu com cautela. Duzentos Spitfires e Hurricanes, ou cerca de um terço da força de defesa de primeira linha da Inglaterra, estavam sob seu comando, em 19 esquadrões, 6 de Spitfires e 13 de Hurricanes. Park compreendia que um erro da sua parte pudera causar a derrota da Inglaterra na guerra em poucas horas. Por isso, tão logo verificou que este não era o dia fatídico, que o alvo era o comboio que cruzava o Canal, a RAF reagiu cautelosamente. Seis Hurricanes do Esquadrão 32 já estavam patrulhando na vizinhança e uma força de mais 20 Hurricanes e Spitfires, dos Esquadrões 11, 74, 64 e 56, recebeu ordens de decolar para apoiá-los.
 
Mas o comboio já estava sendo atacado antes mesmo que os 6 pilotos de caça britânicos em patrulha pudessem chegar lá e, quando chegaram, viram um espetáculo aterrador. Cerca de 70 bombardeiros e caças da Luftwaffe caíram em cima do comboio como abelhas num pote de mel. Para os pilotos dos Hurricanes, não havia como esperar reforços, e mergulharam: 6 contra 70.
 
Quando a ajuda chegou, os Hurricanes já haviam obrigado o inimigo a formar uma aspiral defensiva, de três camadas, acima dos navios: Me 109 em cima, Me 110 no meio e os bombardeiros Do 17 embaixo.
 
Entre os elementos de reforço vinham 8 Spitfires do Esquadrão 74. Subindo a 3.900m, 300m acima dos Me 109 de proteção, os Spitfires mergulharam pelo cilindro; ao chegar ao nível do mar, a maioria deles já havia gasto toda a munição. O comboio prosseguiu viagem, tendo sofrido apenas uma baixa, um navio pequeno, mas a Luftwaffe perdera 4 caças para 3 da RAF. A perda de 3 caças num só dia talvez não chegasse a preocupar muito, desde que Hurricanes e Spitfires novos e reformados estivessem chegando ao Comando de Caças, enviado pela organização de Beaverbrook num ritmo de mais de 100 aparelhos por semana. Mas, com os 15 caças perdidos nos 7 dias anteriores, isto preocupava Dowding. Mas, suponhamos que a Luftwaffe se lançasse contra as estações de radar, os aeródromos dos caças, as fábricas de aviões e contra Londres? Então, era de recear que o total das perdas de uma semana no ar, em terra e nas fábricas deixasse a Inglaterra aberta à invasão.
 
Assim, a iniciativa da Luftwaffe, a 10 de julho, criou um dilema terrível para os defensores do mundo livre. Parecia que as alternativas eram deixar que os navios em alto mar corressem o risco, com uma cobertura aérea apenas nominal, às vezes sem nenhuma, ou então arriscar tudo no mar, em vez de poupar os caças para a verdadeira hora do perigo. Dowding tomou o cuidado de advertir a Marinha de que os comboios talvez tivessem de se arranjar sozinhos.
 
O sol estava nascendo, a 11 de julho, o segundo dia da batalha, quando o dilema se repetiu. A Frota Aérea 3 experimentaria a mira contra os navios de um comboio britânico.
 
Naquele dia, os bombardeiros de mergulho, Stuka, de von Richthofen deviam atacar um comboio que rumava para leste, pela Baía de Lyme. Dez Ju 87, escoltados por 20 Me 109 das inquietas unidades de von Richthofen, decolaram da vizinhança de Cherburg; o radar os captou. Três Hurricanes do Esquadrão 501, de Warmwell, situado no setor mais ocidental de Park, o setor de Middle Wallop do Grupo 11, receberam ordem de dar combate ao inimigo, apoiados por 6 Spitfires do Esquadrão 609.
 
O três Hurricanes enfrentaram os Me 109, que lhes eram superiores, na proporção de quase 7 para 1. Um Hurricane logo foi derrubado: perderam-se dois Spitfires, um Stuka foi destruído e o comboio prosseguiu viagem intato.
 
Nos aeródromos, os jovens pilotos dos esquadrões de caça, doidos para enfrentar o inimigo com todo o entusiasmo e impetuosidade da juventude, começavam a irritar-se. Por que aqueles burocratas idiotas os estavam mandando em grupos de três e de seis para enfrentar grupos inimigos muito mais numerosos, quando todos estavam ávidos por entrar em combate? Os pilotos do Esquadrão 609 deram vazão aos seus sentimentos a respeito, consignando no livro de registro de operações: “Os pilotos se ressentem amargamente com o fato de estarem sendo enviados pequenos grupos de caças para enfrentar a intensa atividade inimiga na área de Portland. O envio freqüente de apenas uma seção, no máximo uma esquadrilha, para fazer interceptação, apenas para se verem em desesperada inferioridade numérica ante os caças inimigos que atuam como escolta dos bombardeiros, é desencorajador, porque o caça britânico então se vê incapaz de cumprir a tarefa de destruir os bombardeiros, sendo obrigado a travar apenas ação defensiva”.
 
Para o povo britânico, que ignorava que a RAF pudesse reunir mais que as pequeníssimas formações para lutar como Davi contra Golias, toda sugestão de desvantagens era um deleite.
 
A 14 de julho, com o prosseguimento dos ataques aos comboios, a nação foi presenteada com um emocionante comentário radiofônico transmitido dos rochedos de Dover, que confirmou a crença popular de que, por mais que a RAF fosse numericamente inferior, ela era um tremendo adversário para o seu poderoso inimigo. Todos se sentiam tranqüilos diante da certeza de que a qualidade era mais importante que a quantidade. O repórter radiofônico Charles Gardner berrou ao microfone da BBC: “Bem, agora os alemães estão bombardeando o comboio com mergulhos. Tem um, dois, três, quatro, cinco, seis, sete bombardeiros alemães - Junkers 87. Lá vai um agora contra seu alvo. Bomba - não, aí esta - ele errou o alvo... Não acertou um só navio. Lá vai um caindo, deixando um grande rastro. Não dá para ver bem esses caças por muito tempo. Só se vêem quatro aparelhos rodopiando e se ouvem pequenas rajadas de metralhadora, e quando se consegue ver o aparelho, ele já se foi... Agora há uma luta encarniçada lá no alto - temos três, quatro, cinco, seis aparelhos rodopiando e fazendo curvas. Ouçam as metralhadoras. Ouçam, uma, duas, três, quatro, cinco, seis... Vem vindo, um no encalço do outro. Lá vão eles; sim, eles estão sendo perseguidos, e como. Três Spitfires perseguem três Messerschmitts... Puxa! Olhem só como eles vão! E olhem como os Messerschmitts - puxa, é espetacular! E lá vai um Spitfire bem atrás dos dois primeiros - ele vai pegá-los! É, sim rapaz! Nunca vi nada tão bom... os rapazes dos caças da RAF os pegaram firme!”.
 
Se a batalha aérea que se realizava ao longo da costa, bem à porta da Inglaterra, era algo impar na guerra, seu registro em disco constituía também uma novidade, e provocou enorme controvérsia. Enquanto alguns afirmavam ser errado transmitir pelo rádio o desenrolar da luta aérea como se fosse um acontecimento esportivo, a maioria concordava com o ponto de vista da imprensa, de que era como se o instinto esportivo do povo britânico tivesse chegado aos rochedos de Dover.
 
Para os perplexos pilotos britânicos, que vinham sendo reprimidos, a transmissão foi motivo de mais irritação ainda. “Por que é que não podemos atacá-los?” era a pergunta que corria pelos ranchos dos esquadrões.
 
Mas, em suas bases, os pilotos alemães estavam exultantes. A julgar pelo tipo de oposição que vinham enfrentando, a RAF estava realmente liquidada. Certo que os pilotos dos poucos caças com que se bateram mostraram-se temerários até, mas, poderiam suas tênues fileiras sofrer baixas?
 
A alusão ao esporte não era monopólio britânico. No estágio inicial da batalha, os pilotos dos Me 109 levavam o instinto da caçada para suas carlingas; instinto bastante estimulado pelo seu comandante-chefe, Hermann Goering, que convidava os mais bem sucedidos ases de caça para descansar em seu pavilhão de caça na Prússia.
 
Contudo, tais convites nem sempre eram tão bem aceitos como o Marechal do Reich julgava. Não porque os pilotos tivessem escrúpulo em abater uma peça de caçada mas por temerem que durante a breve ausência da frente de combate os pontos conquistados pudessem ser superados. Assim, quando Werner Molders, convidado por Goering após derrubar o 40° avião inimigo, se despedia do Marechal do Reich, depois de três dias em sua propriedade, o piloto persuadiu-o a reter o seu grande competidor, Adolf Galland, por igual período.
 
Contudo, apesar da enorme vantagem que levavam no inicio da batalha, os pilotos alemães não demoraram a aprender a temperar diligência com cautela. Galland, em seu livro, “Os Primeiros e os últimos”, registrou o seguinte: “Qualquer encontro com caças britânicos exigia de nós o máximo... Só posso expressar a mais elevada admiração pelos seus pilotos que, embora em desvantagem técnica, lutavam com bravura e infatigavelmente. Eles, sem dúvida, salvaram a pátria nessa hora crítica”.
 
A desvantagem técnica a que ele se refere é que no inicio da batalha os Hurricanes e Spitfires eram mais lentos que, por exemplo, o Me 109. Churchill assim resumiu o problema: “Os alemães eram mais velozes e tinham melhor razão inicial de subida; os nossos são mais manobráveis e mais bem armados”.
 
A verdade, apesar da disparidade dos números em combate, a contagem, avião por avião, era desfavorável à Luftwaffe. Nos primeiros 9 dias da Batalha da Inglaterra os alemães perderam 61 aviões, e 28 o Comando de Caças. E então, no 10° dia de luta, o primeiro de uma sucessão de desastres a que viria sofrer atingiu a RAF, quando foram destruídos 6 caças Defiant, de um esquadrão composto por 8 aviões, perdendo a Luftwaffe apenas 2, a 19 de julho.
 
Descrever o Defiant como um caça é realmente correto, mas estes aviões, com suas metralhadoras montadas em torre e com sua forma curta e grossa, integrantes dos Esquadrões 141 e 264, embora não fossem obsoletos, no sentido aplicado aos biplanos Gladiator, do Esquadrão 247, estacionado perto de Plymouth, estavam nitidamente deslocados no meio dos Hurricanes e Spitfires.
 
Tão ansiosos por entrar na luta quanto seus companheiros mais afortunados, dos esquadrões de aviões de um só tripulante, pilotos e artilheiros do Esquadrão 141 exultaram quando receberam ordens de partir da Escócia para o Sul. O entusiasmo demonstrado não era de todo infundado, porquanto o Defiant já tinha desfrutado de um dia de glória, no combate com os Stukas sobre Dunquerque.
 
Na manhã de 19 de julho, 9 aviões Defiant voaram de West Malling para o aeródromo costeiro de Hawkinge. Pouco depois do almoço, veio a ordem: patrulhar a 1500m de altitude ao sul de Folkestone. Mas não duraram muito, pois na direção do sol, e a mais de 3000m acima deles, 20 Me 109 mergulharam contra a patrulha. Em poucos momentos, 5 deles haviam caído ao mar e o 6° chocou-se contra a costa.
 
Na manhã seguinte, mais 70 Defiants uniram-se ao Esquadrão - de acordo com a promessa de Beaverbrook de substituir as perdas assim que ocorressem. No dia seguinte, duas semanas depois que o Esquadrão 141 chegara, entusiasmado, da Escócia, ele retornou ao norte, deixando para trás 6 aparelhos, porque não havia aviadores para pilotá-lo.
 
Com o passar dos dias de julho, incidentes como a destruição dos Defiants encorajaram falsamente as tripulações da Luftwaffe, levando-as a crer que a RAF estava sendo sistematicamente vencida, entusiasmando-se ainda mais por encontrarem tão poucos Spitfires e Hurricanes.
 
Registrou-se também sensível redução no número de navios mercantes britânicos, durante o dia, nas áreas do Canal da Mancha sujeitas a ataque. Se esse poderio marítimo pudesse ser expulso do Canal, como parecia estar acontecendo, então, se houvesse necessidade, a invasão seria realizada praticamente sem oposição!
 
Mas os defensores não ignoravam nada acerca da situação durante esses quentes dias de julho. Por volta de 23 de julho, a Luftwaffe já havia perdido 85 aparelhos, enquanto que a RAF registrava 45 baixas, mas nem Dowding nem Park tinham ilusões sobre o apuro em que estavam metidos. Eles sabiam que o inimigo só estava brincando com eles e temiam o que poderia acontecer ao Comando de Caças se o inimigo utilizasse todos os seus recursos. Acontece que a Luftwaffe privara temporariamente a Marinha Real do domínio do Canal da Mancha, humilhação esta que se tornou maior com os acontecimentos de 25 de julho.
 
Após um dia de ataques simultâneos da Frota Aérea 2 contra comboios no estuário do Tâmisa e no Passo de Calais (o Estreito de Dover, como o chamam os ingleses), 60 bombardeiros, escoltados por caças, hostilizaram um comboio de 21 navios mercantes, a maioria dos quais navios carvoeiros. Cinco deles foram logo postos a pique e 6 ficaram avariado, numa série de ataques precisos e ferozes de bombardeiros de mergulho. Para provar que a Alemanha estava desafiando a Inglaterra pelo comando permanente do Canal, uma frota de torpedeiras fez-se ao mar em plena luz do dia; tornou a fazer-se ao mar à noite, e acabou com três dos navios avariados.
 
Seguiu-se outra humilhação, no dia 27 de julho, quando a Luftwaffe afundou dois destróieres ao largo de Dover e avariou um terceiro. Depois que um terceiro destróier foi afundado, a 29 de julho, os destróieres foram retirados para a segurança relativa e temporária de Portsmouth.
 
A superioridade aérea, primeiro sobre o canal e depois sobre o sudeste da Inglaterra, era o requisito estabelecido pela Alemanha para a obtenção da paz, com ou sem invasão, e o Alto Comando ficou muito encorajado pelos resultados das operações exploratórias da Luftwaffe. Mas, enquanto a RAF considerava que a Batalha pela Inglaterra já havia começado, a Luftwaffe estava apenas sendo vigorosamente contida, impaciente por intensificar as operações.
 
A 30 de julho Hitler instruiu pessoalmente a Goering para que colocasse a Luftwaffe em estado de prontidão para o grande ataque, o “ataque das águias”, como os planejadores do estado-maior alemão o denominavam. Hitler ordenou que a Luftwaffe se preparasse “para destruir as unidades aéreas, as organizações de terra e instalações de suprimentos da RAF e a indústria de armamentos aéreos britânica”.
 
Hitler só precisava sussurrar o codinome “Dia da Águia” para que tivesse inicio um ataque sem precedente na história da guerra.
 
Na Inglaterra, o povo, felizmente, ignorava a diretiva do Fuhrer. A vida em Londres era espantosamente tranqüila, considerando-se o perigo que a capital corria. A 3 de agosto, a equipe da RAF vencia um jogo amistoso de criquete contra o Corpo de Bombeiros de Londres. No mesmo dia, o aerobote Clare, da British Overseas Airways, fez seu primeiro vôo de serviço de passageiros para o Novo Mundo. Foi um marco e uma indicação de que o Atlântico não deixaria o Novo Mundo de quarentena contra a infecção européia durante muito tempo.
 
A 8 de agosto, quando o Clare retornava com um grupo de pilotos americanos contratados pelo Ministério de Produção Aeronáutica para transportar aviões novos e reparados, das fábricas para os aeródromos, Goering e demais comandantes da Luftwaffe estavam reunidos em Karinhall, para completar os planos para o ataque das águias. Tomando conhaque, fumando charutos e divertindo-se com seus trenzinhos de brinquedo na atmosfera de faz-de-conta da faustosa mansão de Karinhall, Goering e seus líderes da Frota Aérea convenceram-se de que, com mais 4 dias de bom tempo, a Luftwaffe poderia conquistar a superioridade aérea sobre o sudeste da Inglaterra para finalmente pô-la de joelhos. Certo que as façanhas da Luftwaffe no Canal da Mancha, no dia 8 de agosto, pareciam corroborar este confiante ponto de vista.
 
Nas primeiras horas de 8 de agosto, a Marinha Real despachou um comboio de 25 navios mercantes pelo Passo de Calais, esperando fazê-lo passar pelos perigosos estreitos sob a proteção da noite. A Marinha Real vinha desde julho, quando passaram a ser muito atacados, reforçando a defesa dos comboios. Este, de 25 navios mercantes, era acompanhado de navios de balão de barragem e destróieres antiaéreos.
 
Mas o inimigo também estivera ocupado desde o começo de julho e construíra uma estação de radar em Wissant, na costa do canal fronteira a Dover, providência que o Almirantado ignorava quando tentou fazer o comboio atravessar os estreitos e penetrar em águas mais livres.
 
Das suas tocas, na costa francesa, surgiu uma força de velozes torpedeiras, que afundou 3 navios e avariou 2 outros antes o amanhecer. Mais tarde, naquele mesmo dia, o restante do comboio estava navegando nas vizinhanças da Ilha de Wight quando a Luftwaffe o descobriu.
 
A Luftwaffe veio duas vezes, trazendo cada leva mais de 80 bombardeiros de mergulho Stuka, escoltados pelo triplo de aviões de caça, e atacavam com “50 de cada vez”. Era um desafio ostensivo ao Comando de Caças - “venha até aqui e lute para proteger seus navios”, o tipo de desafio em que a Luftwaffe confiava para reduzir o número de Spitfires e Hurricanes da RAF e apressar o fim da guerra.
 
Sete esquadrões, dos 10° e 11° Grupos, decolaram às pressas. Para o Cap. J.R.A Peel, que comandava o Esquadrão 145 de Hurricanes, os Stukas não eram mais que um volumoso conjunto de pequenos pontos pretos quando os caças britânicos mergulharam. Os pontos foram-se tornando maiores até ganhar a forma de abutre característica do Stuka, o bombardeiro de mergulho Ju 87.
 
Cuidado com os Me 109!”. Os pilotos dos Hurricanes, no momento de precipitar-se sobre suas presas, ficaram na mira dos caças alemães; os caçadores haviam-se transformado em caçados. Colocados na direção do sol, os pilotos dos Me 109, os anjos da guarda dos Stukas, haviam percebido o que estava por acontecer. Em poucos segundos eles se metiam atrás dos Hurricanes, obrigando os pilotos da RAF a romper a formação para se defenderem. O Cap. Peel fez o seguinte relato do ataque que na oportunidade sofreu de dois Me 109: “Os caças inimigos estavam girando, mergulhando e subindo. Disparei duas rajadas de 5 segundos contra um deles e o vi cair no mar. Então persegui outro, numa cabragem violenta, e o atingi quando ele estolou”. Mas eles atingiram Peel, que caiu no mar, perto da costa inimiga, em Boulogne. Quando os barcos de salvamento informaram que talvez tivessem de voltar, o Esquadrão de Peel comunicou: “Aos barcos de salvamento: vocês serão metralhados por nós se voltarem”. O Cap. de Esquadrão foi salvo.
 
Na batalha furiosa de 8 de agosto, os Hurricanes e Spitfires derrubaram 31 aviões inimigos, perdendo 19, números estes que superaram os de qualquer dia de luta, desde 10 de julho. O comboio prosseguiu viagem, mas perdeu 6 navios para as torpedeiras e bombardeiros de mergulho.
 
A batalha estava ficando quente para os dois lados e a excitação e a confiança cresciam nas carlingas britânicas, agora que os pilotos vinham sendo, gradualmente, lançados ao combate em números cada vez maiores. Também havia mais compenetração. Morte, desfiguração por queimaduras e graves ferimentos provocados pelos encontros dos esquadrões de caça começavam a dar aos jovens pilotos, mal saídos da adolescência - já que Dowding, como regra geral, achava que os comandantes de esquadrão de caça não deviam ter mais de 26 anos - a certeza de que estavam empenhados em algo imensamente mais sério do que aquilo que os comentários de Charles Gardner sugeriam, isto é, uma competição esportiva. Qualquer sensação de irrealidade, só entre os elementos do povo dotados de espírito esportivo tão desenvolvido que nem mesmo a sombra de Hitler poderia neutralizar.
 
Tradicionalmente a caça ao galo silvestre começava a 12 de agosto. A BBC explicou que era trabalho de guerra de importância nacional e o Rei Jorge VI generosamente ofereceu as aves caçadas em suas propriedades aos hospitais militares, e não aos membros da sua família, como era o costume de tempo de paz.
 
A importância do dia 12 de agosto no calendário esportivo britânico não passou despercebida para a Luftwaffe, que reconheceu a “grosseria nazista” em abater 90 aviões da RAF no dia errado - 11 de agosto. A aritmética da Luftwaffe era tão errada quanto certo o conhecimento da tradição britânica revelado. Ela perdera 38 aviões, contra 32 da RAF. Contudo, o crescente índice de perdas da RAF era reflexo do lançamento de número cada vez mais elevado de caças em combate.
 
A 12 de agosto, os boletins meteorológicos comunicaram que a tendência do tempo era para melhorar mais, o que sugeria que Hitler pudesse disparar o há muito esperado codinome “Dia da Águia!”. O dia 12 de agosto amanheceu claro e límpido. De quando em quando, um ligeiro nevoeiro apenas se insinuava e, enquanto as primeiras aves da temporada eram abatidas nas charnecas britânicas, a Luftwaffe aproveitou a favorabilidade do tempo para uma nova atividade, tentando pela primeira vez destruir as estações costeiras de radar e os aeródromos de linha de frente do sistema de controle de defesa a que estas estações serviam.
 
A eficiência do sistema se devia à obstinada insistência de Dowding, antes da guerra, no uso de comunicações perfeitas, em suma, no verdadeiro controle. Embora de modo geral as instruções partissem do QG do Comando de Caças, muitas das decisões mais críticas, tomadas durante a batalha, saíram do QG do Grupo 11 do Vice-Marechal-do-Ar Park, que recebeu toda a força do ataque.
 
Ninguém que visitasse o Grupo 11, em Uxbridge, em 1940, saía sem uma impressão muito forte do que ali se passava, e, Winston Churchill não foi exceção! “A sala de Operações do Grupo era como um pequeno teatro, com cerca de 18m de largura e dois andares de balcões laterais. Tomamos lugar no primeiro pavimento. Lá no meio da sala, a mesa do mapa em grande escala, cercado por uns 20 jovens, homens e mulheres, altamente treinados, com seus assistentes telefonistas. Defronte de nós, cobrindo toda a parede onde deveria ficar o pano de boca do teatro, erguia-se um gigantesco quadro-negro, dividido em seis colunas de lâmpadas elétricas, representando as seus estações de caça. A cada um dos seus esquadrões correspondia uma subcoluna, também dividida por linhas laterais. Assim, a fileira inferior de lâmpadas mostrava, quando acesas, os esquadrões que estavam “De Prontidão” com dois minutos de aviso. A fileira acima, os de “Prontidão” em 5 minutos; a seguir vinham os “Disponíveis”, 20 minutos, e depois os que haviam decolado; a fileira seguinte, os que comunicaram haver avistado o inimigo e a seguinte - com luzes vermelhas - os que se encontravam em ação, por fim, a fileira de cima, os que estavam retornando à base. Do lado esquerdo, numa espécie de caixa de vidro, estavam 4 ou 5 oficiais cuja tarefa era pesar e medir as informações recebidas do nosso Corpo de Observadores, na época integrado por umas 50.000 pessoas, homens e mulheres de diversas idades. O radar ainda estava na infância, mas avisava de incursores que se aproximavam da costa e os observadores, com binóculos e telefones portáteis, eram a nossa principal fonte de informações sobre o inimigo que sobrevoava o local. Milhares de mensagens eram recebidas durante o desenrolar de uma ação. Essas mensagens eram logo passadas a pessoal experimentado, que as distribuía por inúmeras salas situadas no QG subterrâneo, que as selecionava rapidamente e de minuto em minuto as enviava aos cartógrafos e ao oficial supervisor, na caixa de vidro. Em um boxe também de vidro, situado do lado direito da sala, permaneciam oficiais do Exército, que passavam as seus elementos a atividade de nossas baterias antiaéreas...”Churchill.
 
Só depois de várias semanas de observação é que os comandantes de Frota Aérea, Kesselring e Sperrle, sentiram plenamente a importância das altas torres de radar - os olhos desse sistema - que o “Graff Zeppelin” investigara tão mal. Ainda assim as frotas aéreas não estabeleceram muito bem a extensão da ajuda que o radar de Dowding podia dar na interceptação. Mas eles suspeitavam de que talvez a Luftwaffe tivesse que, primeiro, cegar pela destruição os olhos do radar e, segundo, arrasar os aeródromos avançados dos esquadrões inimigos, para que o ataque das águias eliminasse a resistência dos caças no sul da Inglaterra. A 12 de agosto, depois de ataques simulados realizados de manhã cedo do lado francês do Passo de Calais, a Luftwaffe desfechou seus primeiros golpes pesados contra o sistema defensivo de Dowding.
 
Por volta das 09:00 horas, pontos vitais da rede de radar, na costa sul, estavam sendo atacados, com bombardeiros e caças lançando-se contra as 6 estações situadas entre Dover e a Ilha de Wight, onde a estação Ventnor foi tirada do ar. A Luftwaffe também atacou os aeródromos costeiros de caças de Manston, Hawkinge e Lympne, em Kent. Situado bem na costa, esses aeródromos eram extremamente vulneráveis. O Esquadrão 65 de Spitfires, após sua chegada de Rochford, ainda estava em terra quando a primeira das 175 bombas caiu sobre Manston. Na refrega, enquanto os Spitfires corriam pelo aeródromo para decolar, estava o oficial-aviador B.E. “Paddy” Finucane, recém-chegado ao Esquadrão. Já naquela manhã ele estivera em ação, numa peleja com 30 Me 109, sobre o mar. Ao tentar fugir ao ataque de dois insistentes pilotos de Me 109, Finucane subiu a 9.000m e avistou mais 12 aviões inimigos. Ele narrou: “Mergulhei contra o primeiro deles, que caiu no mar, deixando um rastro de fumaça cinzenta”. Sob o céu de Manston, Finucane abateu então outro Me 109, e pôs-se a caminho de seu 32° inimigo derrubado e da promoção a Comandante de Ala (tenente-coronel-aviador).
 
Manston, Hawkinge e Lympne sofreram seriamente com os ataques. Em Hawkinge, os Ju 88 destruíram dois hangares, as oficinas e esburacaram o aeródromo.
 
Felizmente para os defensores, a atenção da Luftwaffe esteve concentrada sobre as estações de radar e os aeródromos avançados nesses ataques a alvos verdadeiramente táticos realizados no dia 12 de agosto. Foi com alivio que Dowding viu o peso do ataque ser transferido para dois comboios que cruzavam o estuário do Tâmisa e, para oeste, contra a base naval de Portsmouth.
 
Foi ali que teve lugar uma das incursões mais arrojadas da Batalha da Inglaterra. Voando pela estreita entrada do porto, para aproveitar uma brecha na trama de balões de barragem, veio uma força de bombardeiros de mergulho Stuka. Felizmente, para uma área repleta de alvos valiosos, como navios e instalações militares, os danos produzidos foram pequenos. “Ali havia tudo com que um aviador sonha”, transmitiu um piloto alemão depois do ataque. “navios enormes estavam ancorados e atracados. Os alvos estavam tão juntos uns dos outros que era praticamente impossível errar”. Mas eles erraram. As bombas lançadas atingiram uma cervejaria, o que, embora prejudicasse o moral da Marinha, não venceria a guerra para a Alemanha.
 
No fim do dia, quando na RAF eram feitos cálculos sobre o tempo que poderiam resistir, se a Luftwaffe concentrasse toda a sua potencialidade contra as estações de radar e aeródromos de caças, o Estado-Maior e as guarnições da Luftwaffe congratulavam-se por mais uma batalha vencida. Apagaram em seus mapas os alvos atacados e afirmaram haver destruído cerca de 60 caças.
 
Na verdade, a Luftwaffe perdeu 31 aviões e a RAF, 22. Manston ficou fora de ação até o dia seguinte, tendo-se iniciado logo os trabalhos de reparo da estação de radar de Ventnor, perto de Bembridge.
 
A investida da águia
 
Quando, finalmente, após muita procrastinação, foi o codinome transmitido, a 13 de agosto, o ataque das águias foi uma espécie de anticlimáx e, pelo menos em seus primeiros momentos, quase um fracasso. Não que os defensores vissem ou compreendessem isso na época, talvez por haverem tomado os ataques contra os alvos terrestres realizados no dia anterior como prenúncio de investidas cada vez mais violentas ou, mesmo, de invasão. Mas logo de inicio a Luftwaffe jogou fora a oportunidade, pois, mal iniciado o “Dia da Águia”, ele foi cancelado apressadamente, embora o cancelamento da ordem não chegasse a alcançar todas as unidades instruídas para o ataque.
 
Os defensores podiam agradecer à inconstância do tempo britânico o verdadeiro prêmio que ganharam. Terça-feira, 13 de agosto, o dia amanheceu nublado; a visibilidade era ruim nas bases da Luftwaffe da França e dos Países Baixos e a manhã cobrira de névoa o sul da Inglaterra. Todavia, se o objetivo era destruir a Inglaterra antes do inverno, o “Dia da Águia” já estava perigosamente atrasado. Assim, quando as previsões meteorológicas, compiladas dos informes transmitidos por reconhecimento aéreo, mensagens de submarino e das mensagens britânicas decifradas sobre o tempo no Atlântico, pareceram suficientemente promissoras, foi disparado o ataque das águias. Mas, quando as condições reais do tempo sobre a Inglaterra chegaram ao conhecimento de Goering e ele decidiu adiar para o período da tarde o início da operação, já algumas seções das Frotas Aéreas estavam a caminho.
 
Para as guarnições terrestres e aéreas da Luftwaffe e da RAF, o “Dia da Águia” começou cedo. Por volta das 05:30 horas, mais de 70 Dorniers 17 haviam decolado.
 
Se o Coronel Fink, comandante dos Dorniers, tivesse recebido do Alto Comando a ordem de cancelamento, ele e seus homens teriam tido mais umas duas horas de sono. Porém, ao amanhecer de 13 de agosto encontrou-os reunidos em suas bases, procurando ansiosamente nos céus a grande escolta de caças que deveria juntar-se a eles. Mas, a ordem que adiava o ataque, que não chegara ao conhecimento de Fink, fora recebida pelos caças pouco depois de decolarem. Contudo, eles não tinham contato radiofônico com os bombardeiros que deveriam escoltar até os alvos e de voltar às bases. O comandante dos caças, preocupado com a mudança, tentou, cabriolando em acrobacias aéreas, inutilmente atrair a atenção de Fink. Os caças tinham ordens de regressar à base e os bombardeiros, de desfechar o “Ataque das Águias”, e ordens eram para ser obedecidas. O cancelamento foi radiografado desesperadamente do QG de Kesselring, mas o receptor de Fink, por qualquer motivo, não o recebeu. Outro bombardeiro captou a mensagem, mas entendeu que fosse apenas a confirmação da ordem, e iniciou-se o ataque.
 
Assim é que Fink se viu comandando a primeira missão do “Ataque das Águias” inexplicavelmente abandonado pela escolta de caças. Mas a sorte não o abandonara de todo, porque a grande camada de nuvens que provocara o adiamento do ataque, de tal modo confundiu as defesas de radar da RAF e o Corpo de Observadores de terra, incumbido de transmitir informes sobre as formações inimigas avistadas aos controladores de caça, que sua força de bombardeiros teve o trabalho muito facilitado.
 
A navegação dos bombardeiros foi excelente, pois ali, a 3.000m abaixo, no momento exato em que as nuvens densas começaram a desfazer-se, estava o aeródromo de Eastchurch. Os bombardeadores da Luftwaffe podiam ver os aviões da RAF enfileirados como se estivessem prontos para receber, em tempo de paz, a visitação pública.
 
Acontece, porém, que foi um alvo dispendioso, porque Eastchurch era um aeródromo do Comando Costeiro, e não de uma das estações do Comando de Caças. Ainda assim, se a Luftwaffe estava disposta a reduzir os efetivos de caça da RAF no ar, um ataque ali provavelmente atrairia os caças de Dowding tanto quanto um ataque em qualquer outra parte, na frente de invasão do sul da Inglaterra; isto, no entanto, não lhe foi possível, na oportunidade, por causa da ausência dos caças alemães.
 
As bombas de Fink estavam caindo, às 07:00 horas, quando os defensores, mal alertados por causa do tempo nublado e de uma marcação de radar incomumente fraca, perceberam que Eastchurch estava sendo atacado. Restava então interceptar os “bandidos” quando voltassem à base; felizmente, os Hurricanes do Esquadrão 111, do Cap. de Esquadrão John Thompson, que estava patrulhando sobre Folkestone, já estava muito bem situado para o trabalho. Os Hurricanes se abateram sobre os Dorniers e, devorando-os, derrubaram 5 aviões inimigos em igual número de minutos. Cerca de meia hora depois, Thompson e seus pilotos, já no rancho do campo de Croydon, tomavam a segunda refeição do dia.
 
A força de Fink, meio desmantelada e desesperadamente ansiosa por retornar à base, amaldiçoou a ausência dos caças que não os acompanharam. Os bombardeiros da Luftwaffe receberam não só a fúria do ataque do Esquadrão 111, como também foram atacados, sobre os viveiros de ostras de Whitstable, pelos Hurricanes do Esquadrão 151 e por Spitfires do ás sul-africano, o Cap. de Esquadrão “Sailor” Malan, com seu Esquadrão 74.
 
Fink chegou são e salvo à base, mas com 50 anos de idade e com um senso paternal de responsabilidade pelos seus jovens tripulantes, ele não era um oficial que ignorasse a terrível experiência, cheio de gratidão pelo que fizeram por sua segurança. Ele se queixou amargamente ao seu Comandante da Frota Aérea, Kesselring, que, compreendendo a explosão do seu alto subordinado nas circunstâncias, explicou e desculpou-se pessoalmente pelo erro.
 
Os Dorniers, apesar de tudo, conseguiram encontrar um alvo, ainda que insignificante, que foi Eastchurch, mas uma força escoltada de bombardeiros Ju 88, operando a oeste, foi completamente lograda pelo tempo nublado. Divididos em duas seções, os JU 88 procuravam o aeródromo de caças de Odiham e o estabelecimento de pesquisa e desenvolvimento da RAF de Farnborough - alvos que, como o aeródromo do Comando Costeiro em Eastchurch, não mereciam a lisonjeira atenção do “Ataque das Águias”. a destruição das estações de Odiham e Farnborough, mesmo que tivesse ocorrido, não teria contribuído para a vitória em quatro dias com que Goering contava. Infelizmente para os Ju 88, eles não só foram incapazes de achar os dois objetivos, como também encontraram os Esquadrões 43, 64 e 601 durante a busca que faziam.
 
Um dos pilotos do 601 era um voluntário americano, oficial-aviador Billy Fiske. Decolando apressadamente de Tangmere, às 06:45 horas, para a primeira de várias surtidas que realizou no dia 13 de agosto, Fiske, envergando o uniforme azul da RAF, não precisava, por dois motivos, buscar dificuldades nos céus da Inglaterra antes do desjejum. Seus país era neutro e seu “Esquadrão da Águia”, formado de voluntários, só se tornaria operacional após a Batalha da Inglaterra. Na luta daquela manhã cedo, Fiske saiu com o crédito de um Ju 88 possivelmente destruído e outro bombardeiro alemão avariado.
 
Mais tarde, naquela manhã de 13 de agosto, a Luftwaffe tornou a estragar o “Ataque das Águias”. Desta feita, uma inversão de erro que tanto perturbara as tripulações dos Dorniers antes do desjejum, uma força de bombardeiros da Frota Aérea 3 não lograra encontrar-se com seus caças para uma incursão contra a base naval de Portland. A escolta de bombardeiros, formada por cerca de 30 caças-destróieres Me 110, foi desbaratada. Cinco Me 110 caíram em 6 minutos e o restante fugiu para a segurança da França.
 
Um dos pilotos da RAF, Tenente-Aviador Sir Archibald Hope, um baronete britânico, do Esquadrão 601, narrou, caracteristicamente: “Disparei uma rajada curta contra um avião inimigo pela frente e, quando passei, ataquei outro da mesma forma. Ele fez uma curva fechada e atravessou na minha frente, subindo, de modo que pude ver toda a sua barriga azul-claro. Esgotei minhas balas ali...”
 
Aproveitando um bom aviso do radar, dois Esquadrões do Grupo 10 e um dos Esquadrões de Park haviam operado formando uma ala dessa operação de defesa, em que esteve em ação razoável quantidades de aviões, diferente do que vinha acontecendo. Embora encontrassem os já desacreditados Me 110, os três esquadrões, acostumados a lutar em desvantagem, ficaram muito encorajados com a fuga precipitada do inimigo diante da superioridade numérica dos caças britânicos.
 
Depois desse tipo de ação, em geral a calma voltava à superfície do mar e, do céu, as cicatrizes formada pelos rastros deixados pelos aviões em queda começavam a dissipar-se. O fim da batalha não marcara, porém, o momento de retornar à base, se ainda havia combustível. Sobre o mar, a atividade muitas vezes prosseguia, para o socorro àqueles que ali houvessem caído. Nesse dia, o Tenente-Aviador Hope desceu para procurar amigos que pudessem estar “no drinque”. Ele sabia que vidas estavam sendo salvas diariamente pelo cuidado que os pilotos de caças tomavam de localizar e proteger seus camaradas no mar. Afirmou Hope: “Estou convencido de que, a menos que andássemos por ali, sobre as águas, eles não teriam sido salvos. Era fácil vê-los do ar enquanto seus pára-quedas flutuassem, isto é, durante meia hora no máximo”. O tenente-aviador avistou um dos pilotos de seu Esquadrão, orientou uma torpedeira da Marinha para o local e uma vida foi salva. Levaram-no para o hospital naval em Portland, para pensar os ferimentos causados por “schrapnel” e, mais tarde, naquela mesma noite, ele retornou aos eu Esquadrão, em Tangmere.
 
O fato de que, não fosse a lealdade dos companheiros, um piloto de caça, com experiência operacional, teria morrido afogado, refletia a triste falta de um bom Serviço de Salvamento Aeronaval, em agosto de 1940. Quando a batalha começou, havia apenas 14 lanchas de alta velocidade para a RAF fazer salvamentos aeronavais em toda a extensa linha costeira da Inglaterra.
 
A vida dos pilotos de caça era muito preciosa. Embora os voluntários que serviam nos barcos salva-vidas da Real Instituição Nacional de Salva-Vidas estivessem fazendo corajosamente o máximo que podiam, e embora os pescadores etc, estivessem também ajudando, o mar estava cobrando tributo em homens que deveriam ter sido salvos.
 
Uma jovem civil salvou uma vida, fazendo-se ao mar numa canoa pequena e frágil. Voltou, remando, com o piloto. Ela foi agraciada com uma medalha pelo rei.
 
Tal façanha, inspiradora de inúmeras outras, estava de acordo com o espírito vigente em 1940, mas também ressaltava a necessidade de um plano de emergência para salvamento aeronaval. A RAF, a Marinha e o Exército esforçaram-se apressadamente para criar um serviço de salvamento no Canal da Mancha, formado de lanchas da RAF, barcos leves da marinha e aviões de reconhecimento Lysander, tomados por empréstimo ao Exército para lançar pequenos botes.
 
Em contraste com isso, a Alemanha tinha um serviço bem planificado para pescar os aviadores do Canal e devolvê-lo ao serviço ativo. A Luftwaffe estava equipada com hidroaviões He 59 e lanchas velozes. Com o prosseguimento da batalha, ela introduziu barcos de luxo para salvamento, dotados de quatro beliches, cobertores, roupas, alimentos e água e colocados a intervalos regulares no meio do Canal.
 
Enquanto os pilotos dos Me 109 transportavam barcos infláveis, os pilotos dos Hurricanes e Spitfires dependiam unicamente dos seus coletes salva-vidas “Mae West”. Contudo, havia uma característica nos arranjos de salvamento britânico como qual a Luftwaffe não podia competir: O Serviço de Pombos da RAF, que havia sido criado antes da guerra.
 
Apesar do mau tempo ininterrupto, a Luftwaffe reiniciou as operações na tarde de 13 de agosto. As grandes camadas de nuvens, densas e baixas, que cobriam o sul da Inglaterra por certo não eram propícias a ações de caça a céu aberto que, segundo a Luftwaffe esperava confiante, acabariam com a força de caça da RAF.
 
Contudo, a Luftwaffe intensificou seus esforços depois do almoço, desfilando caças, bombardeiros e bombardeiros de mergulho desde o estuário do Tâmisa, no leste, a Southampton, no oeste.
 
Noventa bombardeiros, fortemente escoltados, foram despachados com a intenção de estender as defesas de caça meridionais até seus limites, por vários aeródromos fora de combate e, de passagem, fazer as docas de Southampton passar uns maus bocados. Naturalmente, era uma pretensão descabida que só poderia ter saído da atmosfera eufórica de Karinhall.
 
No todo, o plano teve êxito muito minguado. É verdade que uma força de bombardeiros Ju 88 chegou até Southampton e provocou sérios incêndios em suas docas, mas nenhum aeródromo de importância foi danificado, e a Luftwaffe dava-se muito mal toda vez que buracos nas nuvens permitiam aos esquadrões interceptadores a oportunidade de combatê-la.
 
Um Esquadrão do Grupo 10, no qual serviam os oficiais Andy Mamedoff, Red Tobin e Shorty Keogh, três compatriotas, também voluntários, do americano Billy Fiske, saiu-se extraordinariamente bem. Eles apresentaram o seguinte relatório: “Treze Spitfires decolaram de Warmwell para uma reunião memorável sobre a Baía de Lyme e um dia infeliz para os Ju 87, quando nada menos de 14 deles foram destruídos ou danificados numa caçada recorde do Esquadrão, que também incluiu 5 dos Me de escolta. “A formação inimiga, consistindo de cerca de 40 bombardeiros de mergulho, em 4 formações em V, com quase outros tantos Me 110 e 109, deslocando-se na direção norte, vinda do Canal, foi surpreendida pelo ataque do Esquadrão 609, descendo da direção do sol. Os 13 pilotos nossos dispararam suas metralhadoras... Um piloto de caça britânico, que no dia anterior lamentara estar ausente na caça ao galo silvestre, no “Glorioso Dia 12”, achou que o sucesso do Esquadrão 609 compensou plenamente a tristeza da ausência”.
 
Durante a tarde, a RAF também esteve ocupada em seu flanco oriental, o mais vulnerável. Também ali a Luftwaffe escolheu um alvo de importância secundária, atacando Detling que, como Eastchurch, atacada naquela manhã, era basicamente uma estação do Comando Costeiro. Embora o comandante da estação fosse morto no ataque de bombardeiros de mergulho, e a sala de operações, os ranchos e a cozinha acabassem bastante danificados, o pessoal da estação limpou o rancho e repôs os serviços essenciais em seu funcionamento por volta da hora do almoço do dia seguinte.
 
No fim do dia que presenciaria o começo do fim do Comando de Caças, o “Ataque das Águias” fracassou. Ao pôr-do-sol, a Luftwaffe completara 1.485 surtidas; cerca de um terço dos aviões que delas participaram se compunha de bombardeiros, contra 700 da RAF. Na contagem feita no pós-guerra, verificou-se que a Luftwaffe perdera 45 aviões e a RAF, 13. Contudo, na época, a Luftwaffe acreditava ter-se saído bem. Declarando ter destruído 88 caças britânicos em condições atmosféricas adversas, ela deu a si mesmo boas razões para já avistar o fim.
 
Como que para acrescentar mau augúrio à confiança alemã, houve uma notícia, na manhã seguinte, informando que no dia 13 de agosto o “Big Ben” de Londres soou 13 badaladas à meia noite em vez de 12.
 
A RAF, apesar do razoável sucesso obtido a 13 de agosto, não tinha ilusões quanto aos riscos que estavam todos correndo. Tendo muito maior volume de ação, a Luftwaffe estendeu, a 13 de agosto, os Esquadrões de Linha de Frente, ao mesmo tempo em que começavam a ser empenhados mais e mais Hurricanes e Spitfires.
 
Relativamente, o dia 14 de agosto foi mais calmo; entretanto, como sucessor de um dia de operações muito mais movimentado, os defensores o consideraram bastante oneroso. Muito embora neutralizasse em grande parte o seu poder de ataque, voando debaixo de tempo desfavorável e alvejando pontos apenas relativamente recompensadores, a Luftwaffe tinha a vantagem da surpresa. O radar, suplementado pelos informes visuais do Corpo de Observadores, podia servir Dowding e seus comandantes de grupo com razoável precisão, mas a diversidade dos ataques da força aérea germânica e a escolha inesperada dos alvos surpreendiam e confundiam o deslocamento dos esquadrões defensores de uma frente costeira de 400 km. Mas ainda restava ver se o Comando de Caças poderia resistir ao ataque geral esperado e temido desde a queda da França. A 15 de agosto começou o verdadeiro teste, quando pela primeira e única vez, durante a batalha, a Luftwaffe lançou as três Frotas Aéreas contra a Inglaterra.
 
Este seria o dia da grande arremetida, do verdadeiro ataque das águias, o primeiro dos 4 dias em que a RAF seria rechaçada nos céus do sul da Inglaterra. “Ataquem ao longo de uma frente extensa, da costa leste à costa oeste da Inglaterra. Acabem com as estações de radar, destruam os aeródromos, obriguem os caças restantes a decolar para combater e destruam-nos”- esta a orientação que os pilotos alemães receberam.
 
15 de agosto era o dia pelo qual os estrategistas de gabinete alemães haviam esperado impacientes, enquanto exultavam sobre mapas, diagramas e desenhos da imprensa que projetavam uma Inglaterra cercada com a água alemã presa à sua garganta. A rádio alemã, transmitindo em inglês, para que o inimigo não abrigasse dúvidas quanto ao destino que o aguardava, anunciou, impertinente: “A Inglaterra está numa bandeja esperando o ataque da Força Aérea alemã. Ela não pode escapar. John Bull será destruído. Ou se rende ou a Inglaterra será aniquilada”.
 
Quando amanhecia sobre as Ilhas Britânicas, a atividade inimiga se restringia a vôos rotineiros de reconhecimento. Até mesmo as incursões matinais contra os aeródromos avançados de Lympne e Hawkinge, embora severos, podiam ser considerados normais, nas circunstâncias. Contudo, igualmente valiosos para o inimigo foram os ataques simulados que não se materializavam. Desde o amanhecer a Luftwaffe mantinha os Esquadrões do Grupo 11 em guarda. O desgaste dos homens e das máquinas já começavam a fazer-se sentir e as repetidas decolagens e aterrissagens aumentavam o perigo de os esquadrões serem surpreendidos enquanto se rearmavam e reabasteciam em terra. Ali, o problema básico era que a responsabilidade pela defesa do sudeste da Inglaterra - a área da invasão - e de Londres cabia principalmente às estações de caça incluídas num sistema de defesa que supunha que as bases de bombardeiros estavam confortavelmente situadas além do Mosa. Os aeródromos mais avançados não só estavam expostos a ataques repentinos, como também os pilotos que operavam deles muitas vezes eram obrigados a decolar para o interior, para atingir atitudes de onde pudesse se engajar na luta.
 
Assim, até o meio-dia, vários ataques violentos aos aeródromos do sudeste da Inglaterra e muitos ataques simulados no Canal mantiveram o Grupo 11 ocupado e preocupado, enquanto que no norte da Inglaterra surgia numa situação nova.
 
Durante algum tempo, os aviadores alemães da Frota Aérea 5, de Stumpf, estacionada na Noruega e Dinamarca ocupadas, vinham cobiçando a participação mais ativa e gloriosa dos seus colegas das Frotas Aéreas 2 e 3. Foi-lhes dada a oportunidade de também contribuir para o esmagamento iminente da RAF e, enquanto taxiavam para a decolagem, julgavam que um passeio os esperava. As ordens de Stumpf eram para que destruíssem os aeródromos do nordeste da Inglaterra e de Yorkshire, na crença de que as defesas de caça do norte e do interior haviam sido desviadas para reforçar a frente de invasão.
 
Mas o serviço de inteligência alemão estava enganado. O intercâmbio de esquadrões havido foi de grupos cansados, que se deslocaram para setores mais calmos, por elementos já repousados, que voltaram à linha de combate. No Real Corpo de Aviação, quando ainda simples oficial subalterno, Dowding viu pilotos esgotados decolar para morrer sobre as trincheiras da Primeira Guerra. E Dowding não iria incidir no erro cometido por seus superiores no conflito 1914-18 a menos de que não tivesse outra alternativa. Por isso é que as impacientes tripulações da Frota Aérea 5 teriam uma surpresa desagradável.
 
Pouco depois do meio-dia o Comando de caças recebeu a comunicação de que aviões inimigos estavam a 160 km de Firth of Forth, na costa leste da Escócia. A antecedência com que o aviso foi transmitido permitiu que o Grupo 13, do Vice-Marechal-do-Ar R.E. Saul, pusesse no ar seus caças bem a tempo de enfrentar o inimigo sobre o mar.
 
Apesar de o radar da costa leste, que não era afinal mais preciso na avaliação do volume das forças atacantes que os mais ocupados da cadeia de radar da costa sul, haver subestimado em cerca de 65 bombardeiros He 111 e 34 caças de longo alcance Me 110 a formação que vinha para o ataque, Saul despachou todos os seus aviões utilizáveis - três Esquadrões de Spitfires, um de Hurricanes e até mesmo um de Blenheims, que, embora fizessem parte da ordem de batalha do Comando de Caças, dificilmente deveriam ser mencionados no mesmo contexto dos Spitfires do Esquadrão 72 para o combate ao inimigo.
 
A 48 km de distância, além das sombrias Ilhas Farne, os pilotos dos Spitfires o avistaram, e o que constataram foi para eles espantosa surpresa. O radar previra uma força de mais ou menos uns 30 aparelhos, mas o que divisaram os pilotos britânicos abaixo deles, eram uns 100 bombardeiros sem escolta. Em números redondos, o cálculo estava certo, mas os pilotos da RAF erraram em não identificar a escolta de caças Me 110 de longo alcance, transportando tanques extras de combustível para o longo percurso desde a Escandinávia. O Tenente-Aviador Edward Graham, líder de Spitfires, parou mentalmente por instantes. Era com se uma criança tivesse recebido de presente uma fatia enorme de bolo de aniversário e não sabia por onde começar. Ele ficou meio aturdido diante do número de inimigos, mas em segundos a indecisão e o espanto deram lugar à ação. Graham e seu Esquadrão lançaram-se sobre eles com a gula de quem há muito estava faminto pela oportunidade que se apresentava.
 
Desfrutando de vantagem normalmente negada aos seus camaradas lotados no sul da Inglaterra, onde a travessia do mar era demasiado curta, os pilotos de Saul contaram com espaço suficiente para superar a altitude da força atacante durante o vôo de interceptação. A 900 m acima das tripulações alemães e com o sol idealmente às suas costas, os pilotos de caça britânicos mergulharam sobre a massa de Heinkels e Messerschmitts.
 
Na luta que se seguiu, a escolta de caças Me 110 saiu-se pior que os bombardeiros. Sem os seus artilheiros, que haviam ficado na Noruega e na Dinamarca, por causa da longa distância da operação, alguns pilotos do desacreditado caça-destróier de Goering deitaram fora seus tanques extras de combustível e formaram um círculo defensivo. Outros mergulharam na direção do mar e fugiram para suas bases.
 
Os Heinkels, dispondo de alcance maior e mostrando-se mesmo mais determinados, dividiram-se em dois grupos e cruzaram a costa. Hostilizados pelos Esquadrões de apoio de Saul, eles não conseguiram alcançar os aeródromos que tinham como objetivo e retornaram às suas bases, em Stavanger, na Noruega, tendo perdido 8 aparelhos. Com outros 7 que desceram no momento em que se deu o encontro dos dois adversários, contra nenhum da RAF, o dia tinha assim um começo terrivelmente ruim para os homens da Frota Aérea 5, de Stumpf, que haviam decolado com tanta confiança.
 
Mas, a 160 km ao sul, uma força de 50 Ju 88, que eram mais velozes e ágeis, pertencentes à Frota Aérea 5, teve melhor sorte. Descendo de Aalborg, no norte da Dinamarca, os bombardeiros Junkers foram captados pelo radar da costa leste e tornaram-se responsabilidade do Grupo 12, do Vice-Marechal-so-Ar Trafford Leigh-Mallory. Operando em setores situados ao sul dos Esquadrões de Saul e, por conseguinte, já mais envolvidos na Batalha da Inglaterra do que seus vizinhos do norte, os Esquadrões de Leigh-Mallory vinham encontrando freqüentes oportunidades de agir, à medida que a batalha sobre o sudeste da Inglaterra se estendia até Londres.
 
Os Ju 88 que, sem escolta, se aproximavam de Flamborough Head se ofereceram aos 12 pilotos de Spitfire do Esquadrão 616 e aos 6 pilotos de Hurricanes do Esquadrão 73 que, entre si, foram responsáveis pela destruição de 8 bombardeiros. Violentamente empenhados em combate, os Junkers se dividiram, mas uma força de cerca de 30 bombardeiros fez um ataque decidido contra uma estação de bombardeiros da RAF em Great Driffield, Yorkshire. Os danos foram pesados e 10 bombardeiros Whitley foram destruídos em terra; embora séria a perda sofrida pela RAF, foi uma felicidade para os defensores que a Frota Aérea 5 tivesse escolhido uma estação de bombardeiros, porque o caos equivalente provocado num campo de caças teria sido muito mais desastroso para eles, nesse estágio da batalha. A tentativa de impedir a atividade dos bombardeiros da RAF, na época simples alfinetadas, era um desperdício enquanto o Comando de caças, a chave da porta da frente da Inglaterra, continuasse existindo. Por esse esforço valente, ainda que pródigo, a Luftwaffe pagou 8 bombardeiros Ju 88. Perdendo 23 aparelhos dos 123 bombardeiros e 34 caças utilizáveis, a Frota Aérea 5 suspendeu as operações depois de 15 de agosto, e só reapareceria ao anoitecer, com quaisquer números, durante o resto da batalha.
 
No sul, onde os ataques diurnos, feitos, em grande escala, pelas Frotas Aéreas 2 e 3, não obedeciam ao trajeto da Frota Aérea 5, que era pelo Mar do Norte, os acontecimentos de 15 de agosto foram mais duros para os defensores. Ali, a cartada há muito esperada e temida estava sendo jogada, quando toda a fúria das duas Frotas Aéreas foi lançada contra os aeródromos dos caças de linha de frente de Dowding.
 
No meio da manhã, 40 bombardeiros de mergulho Ju 87, escoltados por 60 caças, atacaram os aeródromos avançados de Lympne e Hawkinge. O primeiro foi devastado durante dois dias; o segundo não sofreu tanto, porém mais sério foi o fechamento de duas estações da cadeia de radar, por falta de energia.
 
Uma hora depois de iniciado o ataque aos dois aeródromos citados, 12 Me 109 mergulharam sobre o aeródromo de Manston, localizado no alto de um rochedo, varrendo-o com fogo de canhão e metralhadora e destruindo 2 Spitfires no solo, A seguir, voltou-se a Luftwaffe contra a estação de caças situada mais para o interior, em Martlesham Heath, submetendo-a a um selvagem ataque desfechado por uma força de Stukas poderosamente escoltados. Ao mesmo tempo, 100 caças e bombardeiros da Luftwaffe começavam a aproximar-se da costa de Kent, seguidos, uma hora depois, de outra força de 150 aparelhos.
 
Era chegado o momento. No Grupo 11, toda e qualquer idéia de fazer poupança de caça teve de ser abandonada. O Comando de caças não podia ficar indiferente, em Stanmore, quando as estações avançadas vinham sendo submetidas a tão forte castigo. Os pássaros tinham de aceitar o desafio do inimigo, numericamente mais forte, lutando em defesa do próprio ninho. Para tentar desbaratar as grandes formações da Luftwaffe, 7 Esquadrões de Spitfires e Hurricanes fizeram ao ar, mas os numerosíssimos Me 109, que pareciam ocupar cada metro do espaço aéreo, os castigaram terrivelmente.
 
A oeste, no fim da tarde, a história foi diferente; cerca de 250 aparelhos da Frota Aérea 3 abriram-se em leque sobre Hampshire e Witshire. A RAF despachou mais de 130 caças de 11 Esquadrões e de tal forma hostilizou a Frota Aérea de Sperrle, que ela retornou às bases com menos 25 bombardeiros e caças sem que tivesse causado dano muito sério.
 
Pelo anoitecer, a batalha retornara à área da frente de invasão no sudeste da Inglaterra, com o radar marcando mais de 70 “bandidos” que vinham de Calais. A instrução que traziam era para atacar as estações vitais do setor, em Kenley e Biggin Hill, mas felizmente para Park foi o campo menos importante, de West Malling, que sofreu a violência do ataque, depois que os pilotos desviaram a incursão dos alvos planejados.
 
Depois das 24 horas, a Luftwaffe, ao completar o mais extenso e mais maciço ataque da batalha, havia realizado 1.780 surtidas, das quais mais de 500 foram feitas por bombardeiros. Excetuando-se as atônitas unidades da Frota Aérea 5, que haviam esperado uma tarefa sem oposição, as tripulações de bombardeiros e caças alemães acreditavam haver-se saído bem e afirmavam ter destruído 82 Spitfires e Hurricanes contra 34 aparelhos seus perdidos. Mas a Luftwaffe perdera realmente 75 aviões nesse único dia. Não chegava nem à metade do número calculado pela RAF, que era de 182 aparelhos, mas foi um golpe suficientemente sério para impedir a repetição de ataque aéreo contra a Inglaterra na escala do realizado a 15 de agosto - nessa batalha ou em qualquer outro momento.
 
Na manhã seguinte, depois do esforço sem precedentes da Luftwaffe e da defesa decidida da RAF a 15 de agosto, a atividade das Frotas Aéreas 2 e 3 foi muito reduzida e a Frota Aérea 5 ficou virtualmente fora de combate. Contudo, a Luftwaffe conseguiu fazer 1.700 surtidas - volume capaz de confirmar a bazófia de Goering de que expulsaria a RAF dos céus do sudeste inglês numa questão de dias. Na verdade, os líderes da Luftwaffe, embora surpresos com a resistência da RAF, acreditavam que a derrota de Dowding era iminente. As estatísticas da força aérea germânica afirmavam que a RAF perdera 574 caças no ar desde o começo de julho e que as outras perdas elevavam esse total para 770 aparelhos. Levando em conta as estimativas que faziam da capacidade de produção do parque industrial britânico, a Luftwaffe creditava à RAF cerca de 300 aparelhos utilizáveis, de um total de 430 caças.
 
Na verdade, os novos caças, que estavam deixando as fábricas à razão de 100 por semana, montavam a cerca de 750 Spitfires e Hurricanes desde o começo de julho. 235 destes caças estavam esperando despacho imediato para unirem-se aos quase 600 caças operacionais em 47 Esquadrões de Spitfires e Hurricanes, do Comando de Caças.
 
Como a Luftwaffe, a 16 de agosto, tinha apenas 700 caças Me 109 nas Frotas Aéreas 2 e 3, Dowding estava equipado para enfrentar caça por caça se quisesse empenhar em combate toda a sua força na frente de invasão. Mas, como Park, que vinha poupando para a hora de perigo no Grupo 11, Dowding, com quatro Grupos sob suas ordens no Comando de Caças, vinha poupando numa base mais ampla; e mesmo agora, não estava preparado para gastar suas poupanças. Enquanto houvesse indícios da iminência de invasão, Dowding considerava que era de seu dever a proteção de todas as áreas da Inglaterra que estivessem sob ameaça de bombardeiro e, ao mesmo tempo, manter os Esquadrões de caças fora da área localizada da batalha, em reserva para o pior que pudesse acontecer - um desembarque e a marcha sobre Londres.
 
Assim, no sul da Inglaterra não havia mais de 300 Spitfires e Hurricanes para se pegaram com a Luftwaffe que, supondo estivesse Dowding reduzido aos últimos Esquadrões de Caça, reiniciou as incursões diurnas a 16 de agosto.
 
Os famosos “poucos”
 
A 16 de agosto, os aeródromos voltaram a ser o alvo principal da Luftwaffe. Ao meio-dia, 70 bombardeiros fortemente escoltados penetraram a área de defesa dos caças para bombardear West Malling, não visando, por exemplo, a uma estação permanente de setor, que seria muito mais vantajoso para os alemães. A RAF agradecia bastante à Luftwaffe pela falta de seletividade revelada na escolha dos objetivos, decorrente da precariedade da preparação e das informações. A oeste, os ataques foram contra dois aeródromos, um naval e outro do Comando Costeiro, nenhum deles merecendo prioridade nesse estágio crítico da batalha. Contudo, em Tangmere, a estação do setor mais ocidental do Grupo 11, a história foi diferente. Os pilotos de Park experimentaram a medonha situação de retornar para pousar e reabastecer quando seu aeródromo estava sendo alvo de bombardeio de mergulho.
 
Entre os pilotos que procuravam pousar seu Spitfires enquanto os Stukas sobrevoavam o local encontrava-se Billy Fiske, o americano que não precisava estar ali. Quando Fiske se aproximou, com seu Spitfire fumegante, as rodas recolhidas e enguiçadas, Tangmere estava sendo “surrada”. Os hangares, a oficina, os depósitos, a enfermaria e até mesmo a cabana do Exército da Salvação, eliminados. Fiske e seus colegas dispuseram-se a aterrissagem em meio a à terrível devastação. Mergulhando por entre as bombas que caíam, Fiske arriscou uma aterrissagem de barriga no campo cheio de crateras. Por instantes pareceu que o voluntário americano conseguira, embora ainda tivesse que procurar sobreviver à tormenta que ali se estabelecera. Infelizmente o Spitfire foi presa das chamas que produziram em Fiske ferimentos em conseqüência dos quais veio ele a falecer pouco depois. Na Catedral de São Paulo, no coração de Londres, existe uma placa em memória de Billy Fiske, em que se lê: “Um cidadão americano que morreu para que a Inglaterra pudesse viver”.
 
A morte e queimaduras eram riscos sempre presentes, nas carlingas dos caças da RAF de 1940, especialmente nos Esquadrões de Hurricanes. Um piloto que não conseguisse escapar, não sobrevivia por mais de um minuto num Hurricane em chamas. Nesse dia de verão do mês de agosto de 1940, o Tenente-Aviador Nicholson, ex-piloto de Spitfire do Esquadrão 72, então no Esquadrão 249 de Hurricanes, estava patrulhando Southampton num céu sem nuvens e imaginando se o bebê que sua mulher esperava, no norte, em Yorkshire, havia nascido. Ele também estava esperando dar uma “pregada” no inimigo, como os pilotos de caça dizem - e então, aí estavam eles, 3 bombardeiros Ju 88, um pouco mais à frente.
 
Acompanhado por dois outros pilotos de Hurricanes, Nicholson se aproximava rápido dos bombardeiros quando, para sua irritação, viu que um Esquadrão de Spitfires lhe passara à frente para atacar a presa; os Junkers foram eliminados em poucos instantes. Desapontado, Nicholson começou uma longa subida, para juntar-se ao resto do seu Esquadrão de patrulha. Mas não chegaria à altitude de segurança, pois um Me 109 se aproximava sem ser notado, pela sua cauda, e disparou um tiro de canhão contra o Hurricane. Em poucos segundos o caça de Nicholson ficou em chamas, com o piloto cego pelo sangue que lhe invadia os olhos e ferido numa das pernas.
 
Nessas circunstâncias, Nicholson deveria ter tentado escapar. Mas ele decidiu que levaria consigo para o chão um avião germânico e dispôs-se a fazer do seu atacante a sua primeira vítima. Virando o Hurricane para boreste, Nicholson viu o Me 109 cruzar em sua frente e cair direto na sua alça de mira. Mergulhando a 640km/hora, o Hurricane era um inferno ardente, mas Nicholson manteve-se firme à cauda do caça inimigo até vê-lo cair no mar. Somente então é que concordou em abandonar o aparelho. As mãos crestadas pelas chamas, a esquerda no controle do afogador e o polegar da direita pressionando o botão de disparo, ele lutou por livrar-se das correias que o prendiam no assento da carlinga. Mas, mesmo depois de haver conseguido saltar e em plena descida na direção do solo, Nicholson enfrentou outro teste de resistência; porém, de algum modo, ele conseguiu puxar a corda do pára-quedas com as mãos seriamente queimadas. O pára-quedas aberto, embaixo o chão da pátria, tudo indicava estar quase no fim o sofrimento do piloto, mas dois outros riscos ainda o aguardavam, antes que pudesse certificar-se de estar salvo para outros encontros. Flutuando sobre Hampshire na extremidade do pára-quedas, ele foi atentamente observado por um piloto de caça inimigo, que o deixou finalmente entregue à compassiva bondade da unidade militar da Guarda nacional, em terra. Mas quando Nicholson tocou o solo, os fuzileiros desse exército de voluntários, recrutado às pressas para a esperada invasão, dispararam contra o piloto britânico. Felizmente, a pontaria ruim dos atiradores permitiu que Nicholson sobrevivesse para receber a “Victoria Cross”, a única concedida a um piloto de caça na Batalha da Inglaterra.
 
Martelando os aeródromos, a Luftwaffe estava estrategicamente certa, se pretendia atender à expectativa de Goering de conquistar a superioridade aérea em 4 dias. No território da Inglaterra havia os mais diferentes tipos de aeródromos e antes do fim das operações diurnas a 16 de agosto, a Luftwaffe tornou a fazer um esforço muito bem sucedido mas, nas circunstâncias, totalmente inútil. Dessa vez, ela escolheu para alvo uma estação de treinamento e unidade de manutenção de bombardeiros em Brize Norton. 46 aparelhos Oxford foram destruídos em terra - mas eram aviões que não poderiam influenciar a tentativa de obter superioridade aérea antes da invasão.
 
Contudo, ataques mais inteligentes, dirigidos contra as defesas de caça no sudeste da Inglaterra, estavam sendo planejados. O dia 17 de agosto foi tranqüilo, mas no dia 18 de agosto de 1940, um domingo, a partir do meio-dia, veio a promessa de ataques que poriam a RAF à prova até os limites máximos.
 
As incursões feitas então não foram tão intensas como as do dia 15, mas o que faltava em quantidade para igualar-se às daquele dia era compensado em determinação de atingir os aeródromos ao longo do caminho dos bombardeiros até Londres.
 
Os comandantes da Luftwaffe já respeitavam muito mais a interceptação dirigida pelo radar da RAF e estavam experimentando métodos para anulá-la. A 18 de agosto, a importante estação de setor de Park, em Biggin Hill, foi escolhida para testar o ardil preparado, embora a execução do plano fosse incompleta.
 
O estratagema resumia-se em despachar duas incursões de bombardeiros de alto nível, seguidas de uma incursão breve, intensa e de pouca altitude, feita por um esquadrão sem escolta e voando baixo demais para serem captados pelo radar. Os que buscavam a morte ou a glória nesse vôo rasante teriam a vantagem dos alvos escolhidos e indicados pelos incêndios e pela fumaça provocados pelas levas anteriores de bombardeiros de grande altitude.
 
No papel, o plano parecia ser à prova de caça e radar, mas sua execução colocou a Luftwaffe numa série de situações violentas e inesperadas que não foram totalmente provocadas pelo Comando de Caças, tal a confusão do momento.
 
Para os atacantes, a operação começou mal quando os Ju 88 de alto nível se atrasaram, por causa de uma confusão havida que não permitiu o encontro que tinham marcado, nos céus da França, com os 9 Do 17 do ataque rasante, que foram obrigados a encontrar Biggin Hill sem a ajuda dos Junkers.
 
Assim é que, enquanto as duas formações de grande altitude rumavam lentamente para Biggin Hill, os velozes incursores de baixo nível já estavam quase sobre o lavo, onde, para azar seu, as defesas de terra e aéreas estavam prontas para lhes dar uma recepção bem violenta. Embora Biggin Hill não desconfiasse do ataque de baixo nível - o radar não captara qualquer sinal - a estação estava preparada para os esperados bombardeiros de alto nível.
 
Mas os pilotos dos Dorniers não sabiam disso e, para seu espanto, à frente deles estava inequivocadamente a estação de setor de Biggin Hill, tranqüila e imperturbada como um aeródromo de serviço num domingo de tempo de paz. Não houve tempo para que as tripulações da Luftwaffe vissem o que é que saíra errado, porque, repentinamente, eles se encontraram numa teia de fogo cruzados de artilharia, leve e pesada, disparados de terra, incluindo um novo risco, os cabos de aço projetados por foguetes e suspensos em redor do aeródromo por pequenos pára-quedas. Então, para aumentar seu tormento, os Dorniers foram atacados por 2 dois 3 esquadrões de Biggin Hill, que aguardavam as formações de grande altitude captadas pelo radar; somente dois dos Dorniers retornaram, a salvo, à França. Finalmente, os incursores de alto nível chegaram e, sofrendo uma recepção igualmente violenta, perderam 4 bombardeiros.
 
Felizmente para Biggin Hill, dessa vez foram poucos os danos importantes causados pela incursão, embora as crateras das bombas e, sobretudo, os buracos abertos por bombas não-explodidas criassem inconvenientes sérios. Terminada a incursão, um sargento da Força Aérea Auxiliar Feminina foi visto andando cautelosamente junto das crateras e marcando as bombas não-explodidas com uma das bandeiras vermelhas que carregava debaixo do braço. Durante o ataque, o Sargento Joan Mortiner de 28 anos mostrara evidente bravura ao ajudar a manter o transporte de munição para as posições de canhão e agora, ainda arriscando a vida, cuidava para que Biggin Hill continuasse operacional. Mais tarde, ela foi agraciada com a “Medalha Militar”, uma condecoração masculina, pela bravura demonstrada por uma jovem diante do inimigo.
 
Enquanto Biggin Hill era atacada, Kenley, situada a apenas 10 km a oeste, foi “massacrada” em idênticas circunstâncias e, infelizmente para os defensores, as coisas não saíram tão erradas para a Luftwaffe nessa operação.
 
Ali, os ataques de alto e baixo nível coincidiram plenamente e cerca de 100 bombas atingiram a estação de setor de Kenley, destruindo 6 Hurricanes e vários outros aviões menos importantes. Dez hangares foram arrasados e os Dorniers, tendo perdido vários dos seus, partiram deixando Kenley em destroços fumegantes.
 
Simultaneamente, outros incursores da Frota Aérea 2 atingiram West Mailling e Croydon. Durante a tarde, a Frota Aérea 3 manteve a pressão, atacando aeródromos em Hampshire e West Sussex e, pelo fim da tarde, a Frota Aérea 2 voltou a operar atacando Croydon novamente. Ao anoitecer, quando as tripulações da Luftwaffe se preparavam para manter a Inglaterra acordada, com aparições incômodas e generalizadas e com o lançamento algo preciso de minas no Estuário do Tâmisa e no Canal de Bristol, os defensores já podiam recordar um dia cansativo, que lembrava o 15 de agosto. Contudo, a RAF cobrava tributo à Luftwaffe: 71 bombardeiros e caças alemães pela perda de 27 caças britânicas, nos quais somente 10 pilotos morreram.
 
Mas a RAF podia contar com alguns benefícios nesses quentes dias de agosto, quando a luta era ininterrupta, um dos quais residia no fato de ela vir travando uma batalha defensiva sobre seu próprio terreno e águas costeiras.
 
Como as estatísticas indicam para 18 de agosto, grande número de pilotos de caça da RAF abandonavam seus aparelhos quando atingidos, salvando-se para lutar novamente, uma benção que ninguém mais que o próprio comandante-chefe agradecia. Em meados de agosto, as perdas de Dowding estavam em ascensão. Entre 8 e 18 daquele mês, ele perdeu 183 caças no ar e cerca de 30 destruídos em terra. Nesse período, a RAF perdeu 94 pilotos de caças, entre mortos e feridos, e 60 estavam feridos, muitos deles seriamente queimados. Beaverbrook vinha substituindo aparelhos destruídos ou danificados à razão de mais de 100 por semana, mas a reserva de pilotos de caça treinados não era grande. A preocupação de Dowding era que talvez perdesse a guerra antes que uma nova geração de pilotos de caça estivesse em condições de poder operar. Já ao anoitecer de 18 de agosto a situação era de tal forma grave que os novos pilotos ingressavam nos Esquadrões sem ter recebido mais de 10 horas de vôos solo num Hurricane ou num Spitfire.
 
Com este problema a preocupá-lo, era compreensível que Dowding procurasse novos “meninos” fora do Comando de caças; era assim que Churchill chamava afetuosamente seus jovens aviadores, ainda adolescentes ou mal entrados nos 20 anos. Não poderia ele obter mais que 50 pilotos de caças navais emprestados pela Arma Aérea da Marinha, pilotos treinados dos Comandos de Bombardeiros e Costeiro da RAF? Esses pilotos talvez não satisfizessem as exigências de treinamento para o ingresso num Comando de Caças de tempo de paz, mas eram homens treinados nas forças armadas e usavam o distintivo da força aérea. Infelizmente, os pedidos feitos pelo chefe dos caças foram recebidos friamente pelo Ministério da Aeronáutica. Os comandos estavam responsavelmente cônscios do que lhe poderia ser exigido caso uma esquadra invasora se fizesse ao mar. Assim como Dowding vinha poupando caças para seu momento de perigo, o Estado-Maior da Aeronáutica guardava o restante da força aérea para opô-la às forças de invasão, que só podiam ser contidas se Dowding negasse a superioridade aérea à Luftwaffe. Quando Dowding solicitou a transferência de todos os pilotos mais experientes das tripulações de Fairey Battles do Comando de Bombardeiros, o Estado-Maior da Aeronáutica negou, porque estava mantendo essas máquinas obsoletas de prontidão para atacar as barcaças de desembarque. Finalmente, cedendo à pressão do chefe dos caças, ele concordou em transferir um grupo de pilotos para o Comando de Caças. Dowding recebeu emprestado 20 pilotos de Fairey Battles e 33 pilotos dos Esquadrões do Comando de Cooperação do Exército, 53 aviadores que, depois de um curso de apenas 6 dias, enfileirando-se ao lado daquele grupo de valentes aviadores a quem Winston Churchill veio a imortalizar como os famosos “Poucos”.
 
Falando à Câmara dos Comuns sobre a situação geral da guerra a 20 de agosto de 1940, o Primeiro-Ministro disse: “A gratidão de cada lar em nossa ilha, em nosso império e, na verdade, no mundo inteiro, exceto no covil dos culpados, vai para os aviadores britânicos que, sem se intimidarem diante das desvantagens, incansáveis diante do terrível desafio e indiferentes quase à presença constante da morte, estão mudando o rumo da guerra mundial, pelas suas façanhas e pela devoção à causa da liberdade. Nunca, no campo dos conflitos humanos, tantos deveram tanto a tão poucos. Todos os corações acompanham os pilotos de caça, cujas ações brilhantes testemunhamos diariamente com nossos próprios olhos...”
 
Dessa maneira, Winston Churchill encerrou a exposição que fez aos Comuns com a frase que será lembrada e repetida enquanto a Inglaterra puder honrar a memória dos 415 pilotos que tombaram em sua defesa na Batalha da Inglaterra, em 1940.
 
Com o anoitecer de 18 de agosto, cumpriam-se os 4 dias que Goering calculara serem suficientes para conquistar a superioridade aérea sobre o sul da Inglaterra, e parte das duas semanas de prazo que Hitler se dera para decidir sobre a “Operação Leão-Marinho”, a invasão da Inglaterra. Perceptivelmente, a Batalha da Inglaterra estava saindo contra a Luftwaffe e, dentro das Forças Aéreas, a aceitação dessa verdade pelos alemães se refletia nos ligeiros começos de desânimo. Portanto, não era de espantar que o ás de caças da Luftwaffe, Adolf Galland, dissesse na cara do seu Comandante-Chefe que preferia uma ala de Spitfires aos seus Me 109.
 
Os Spitfires que operavam em agosto de 1940 não poderiam ter recebido maior elogio. O desempenho desses aparelhos era bem superior ao dos que foram inicialmente lançados, melhoramento que, como aconteceu com o nascimento do Spitfire, se devia em grande parte a iniciativa pessoal e à empresa privada.
 
Durante algum tempo, o Capitão Geoffrey de Havilland, pioneiro da fabricação de aviões, que projetara e pilotara caças na Primeira Guerra, se convencera de que a margem entre as hélices de passo variável dos caças existentes e as de passo constante, por cuja adoção ele insistia, poderia ser fatal para a nação.
 
Incapaz de obter a permissão oficial para um programa de conversão, de Havilland fez arranjos particulares com um esquadrão para converter um só caça. A notícia de um melhoramento miraculoso no desempenho correu célere de um esquadrão para outro e as autoridades foram bombardeadas com pedidos de conversão.
 
Correndo o rico de que sua companhia talvez nunca viesse a receber o pagamento pelo trabalho, de Havilland mandou equipes de engenheiros de aeródromo em aeródromo para converter os caças de linha de frente. Os contratos vieram depois.
 
O desempenho do motor também melhorara. Entre as deficiências técnicas do Spitfire e do Hurricane no começo da batalha, havia o problema do carburador. Os pilotos de caça da Luftwaffe rapidamente aprenderam a fugir de um caça que estivesse em sua cauda em mergulho, por saberem que o carburador do motor Merlin sentia a mudança súbita de uma posição para outra, por exemplo, da vertical para a horizontal. A Rolls-Royce projetou então um carburador novo que tornou o Spitfire ainda mais atraente para Galland e seus camaradas.
 
Quando Galland pediu Spitfires a Goering, havia no pedido menos cinismo do que se pode admitir. O manobrável Spitfire era muito mais compatível com as novas instruções emitidas pelo Comandante-Chefe nazista do que o Me 109, que lhe era superior.
 
Alarmado com as perdas de bombardeiros e com o que vinha sucedendo com o moral de sua tripulações, Goering insistia para que os pilotos dos Me 109 ficassem perto de seus protegidos, tarefa particularmente canhestra e que manietava o Me 109, principalmente quando em escolta dos bombardeiros de mergulho Stuka, que eram lentos e vulneráveis.
 
Assim, enquanto o moral das tripulações de bombardeiros era solapado pelas perdas que sofriam, o espírito ofensivo dos pilotos de caça se debilitava, diante da proibição de perseguir e destruir os caças defensores da RAF, principal objetivo do “Ataque das Águias”. Além disso, os pilotos dos Me 109 se irritavam com o fato de saberem que a direção da Luftwaffe esperava que eles cuidassem do fracassado caça de longo alcance, o Me 110.
 
Em seu livro “Os Primeiros e os Últimos”, Galland mostrou o quanto o alcance do Me 109 já era perigosamente limitado para o percurso até Londres. “O reduzido alcance do Me 109 tornava-se cada vez mais desvantajoso. Durante uma única surtida, minha ala perdeu 12 caças, não por ação inimiga, mas simplesmente porque, após suas horas de vôo, os bombardeiros que estávamos escoltando ainda não haviam chegado ao continente, no percurso de volta. Cinco desses caças conseguiram fazer uma aterragem de plano na costa francesa, com sua última gota de combustível, e 7 deles caíram no “drinque”(no mar).
 
Mas Goering não estava interessado na experiência contida no comentário de Galland. Ele ainda considerava as operações de verão contra a Inglaterra como a realização do que sonhara para a sua Luftwaffe. Como um jogador que sente que vencerá na próxima jogada, ele continuava confiante de que, mais 4 dias de bom tempo, conseguiria a vitória. Despachando Kesselring e Sperrle de volta às suas Frotas Aéreas, após uma conferência no mundo de ilusões que era Karinhall, o Comandante-Chefe ordenou que os Feldmarechais-do-Ar submetessem o inimigo a bombardeios ininterruptos. Mas o mau tempo interveio e deu à RAF um repouso muito necessário a partir do dia 19 de agosto. Somente a 24 é que esta nova fase da Batalha da Inglaterra começou a sério.
 
O erro miraculoso
 
Para que a Alemanha invadisse a Inglaterra antes que o bom tempo do fim do verão e começo de outono cedesse lugar aos nevoeiros e tempestades do inverno inglês, a ordem de Goering para ataques ininterruptos fora dado num momento crítico. O Comandante-Chefe da Luftwaffe passou então a lutar contra dois inimigos, o relógio e a RAF. A 24 de agosto, o calendário fê-lo lembrar-se de que restavam apenas 3 dias para que se esgotasse o prazo dado por Hitler para uma decisão - invadir ou não.
 
Goering procurou nas condições ruins e variáveis de tempo o consolo de não ter conseguido a vitória sobre as defesas de caça da Inglaterra em 4 dias. Entretanto, o tempo melhorara no sul da Inglaterra; estava firme e límpido. Mais 3 dias de tempo favorável e tudo estaria terminado.
 
No Grupo 11, onde o mau tempo foram bem recebido, os dias de trégua haviam representado aviões operacionais preservados, novos caças construídos e entregues e pilotos descansados. A manhã clara e límpida de 24 de agosto, um sábado, colocou em todos grande apreensão.
 
Os controladores de setor esperavam o pior e, por volta das 09:00 horas, o radar confirmou que a Luftwaffe se concentrava no Cabo Gris-Nez, do lado oposto a Dover. Não havia dúvidas de que uma nova confusão da Luftwaffe, de caças não conseguindo reunir-se com bombardeiros. Ali vinham eles, 100 bombardeiros e caças a uma altitude de 3.600 a 7.2000m, rumando para Dover. Mas será que estavam vindo mesmo? Convencida da eficiência da cadeia costeira de radares, e tendo abandonado a esperança de destruir as estações uma a uma, a Luftwaffe empenhava-se então em ludibriá-la. Mantendo aviões em vôo sobre o lado oposto do canal, Kesselring fazia Park afundar em conjeturas. Uma simulação pode continuar sendo uma simulação ou transformar-se num ataque em massa, e como se isto já não fosse bastante confuso, o radar da RAF era incapaz de distinguir entre caças e bombardeiros. Por conseguinte, o Grupo 11 se viu obrigado a manter vários esquadrões em vôo de patrulhamento, com os conseqüentes riscos de fadiga dos pilotos e escassez de combustível no momento crítico do ataque.
 
Na verdade, um incidente assim ocorreu no meio da manhã, quando o infeliz Esquadrão 264 de Defiants foi surpreendido em terra. Apesar de o Defiant ter provado estar abaixo do padrão do caça da época, o Esquadrão 264 fora mandado de Yorkshire para o sul para reforçar o Grupo 11, em Hornchurch. Por não ganhar altitude com rapidez, ele era inadequado para defender um aeródromo de linha de frente erguido sobre um rochedo. Por isso os Defiants do 264 foram despachados para Manston às 05:00 horas de 24 de agosto. Às 08:30 horas eles decolaram às pressas pela segunda vez desde que chegaram à costa de Kent, e retornaram a Hornchurch. Mal aterrissaram tiveram de retornar a Manston onde 9 dos 12 aviões do esquadrão pousaram para reabastecer, enquanto os outros três permaneciam de vigia, no alto. E foi então que aconteceu a catástrofe. Sete dos Defiants reabastecidos estavam para decolar quando 20 bombardeiros Ju 88, escoltados por grande número de caças, surgiu do mar, com suas bombas caindo no meio dos Defiants que tentavam subir. Na refrega sobre Manston, 3 Defiants foram destruídos, de modo que os sobreviventes retornaram a Hornchurch e sua chegada lá coincidiu com o reinicio dos ataques da Luftwaffe naquela tarde e cujo alvo era esse aeródromo. Uma vez mais, os pilotos dos Defiants, decolaram por entre uma cortina de bombas, perdendo seu quarto aparelho naquele dia. No dia seguinte chegaram 7 novos Defiants; eles pareciam bons, mas as suas tripulações conheciam muito bem as suas limitações. Ademais, como alguns dos aviões não tinham tanques autovedadores e como suas metralhadoras Browning não eram sincronizadas, era evidente que a tensão da batalha começava a fazer-se sentir na organização de abastecimento. Na verdade, era tal a incapacidade geral do esquadrão para a luta, que, três dias depois, quando as tripulações correram, para seus aparelhos, durante uma incursão, apenas três deles estavam em condições de serem usados. E lá subiram os pesados e lentos caças com torres de metralhadoras. Esta foi sua última aparição no sul da Inglaterra durante a Batalha, pois o esquadrão foi removido para o norte. Os dias do Defiant como caça haviam terminado.
 
À medida que o combate ia e vinha pelo sul da Inglaterra durante o dia 24 de agosto, com a Frota Aérea 3 fazendo importante aparição diurna sobre Southampton e Portsmouth, no sudoeste, os defensores se conscientizavam, de que a Luftwaffe tornara a tática que adotava mais rigorosa. Os chefes dos caças reconheciam que os violentos ataques contra seus aeródromos de linha de frente e a nova defesa cerrada dos caças Me 109 em torno dos bombardeiros representava a mais séria ameaça até então enfrentada.
 
Kenley, Croydon, Biggin Hill, West Malling, Hornchurch, Rochford, North Weald, Debden, Hawkinge, Lympne, Manston, estes aeródromos compunham, em agosto e setembro de 1940, o anel de defesa colocado em torno de Londres. A 24 de agosto, a dúvida era saber por quanto tempo essas bases de caças poderiam resistir. Depois de 4 violentos ataques nesse dia desesperado, Manston foi totalmente abandonado. A retirada soava como um mau presságio.
 
Mas enquanto os líderes dos “Poucos” se atormentavam com as perspectivas de serem rechaçados do sudeste da Inglaterra, e com suas conseqüências sobre o moral do povo, o moral dos pilotos pairava nas alturas. O Sargento R.F. Hamlyn, um escriturário que se tornara aviador de fins de semana três anos antes da guerra, travou três batalhas no espaço de tempo entre as 09:00 horas e as 16:00 horas de 24 de agosto - no “horário comercial”, como os pilotos de caça chamavam as aparições diurnas da Luftwaffe. O sargento abateu um Ju 88 e 4 Me 109 durante o “horário comercial”, em que, de ordinário, ele estaria à sua mesa no escritório. Mas os “Poucos” não poderiam ter voado e lutado com tanto êxito sem o concurso das laboriosas tripulações de terra, que, com seus macacões sujos de graxa, desempenhavam a tarefa nada atraente e muito perigosa de reabastecer os caças debaixo dos ataques inimigos e trabalhavam ininterruptamente para manter seus pilotos no ar. Desde esse sábado desesperado até o fim de agosto de 1940, houve troca de memorandos que ressaltam de maneira eloqüente o espírito de equipe existente entre essas tripulações de terra e os pilotos.
 
Retornando de luta encarniçada, um Comandante de Esquadrão encontrou uma nota em sua mesa: “Dos suboficiais e soldados do Esquadrão 609 para o Líder de Esquadrão Darley e todos os pilotos do Esquadrão 609: Em vista dos recentes sucessos obtidos pela RAF, e pelo Esquadrão 609 em particular, desejamos oferecer a todos os pilotos as nossas mais sinceras congratulações e os votos de “Boa Caçada” para o futuro. Sentimo-nos honrados em ter nos aparelhos sob nossos cuidados pilotos como vocês”.
 
Boa Caçada!” Descontando os danos causados aos aeródromos, o dia fora lucrativo para os pilotos de Spitfire e Hurricane de Dowding, com a Luftwaffe perdendo 38 caças e bombardeiros para os 28 caças da RAF.
 
Nesse ponto, quando o verão cedeu lugar aos primeiros dias de outono, o duelo aéreo entre a Luftwaffe e a RAF vinha sendo travado quase que ininterruptamente havia 6 semanas. Entretanto, o povo britânico, na sua maioria, estava curiosamente alheio à perigosa realidade da situação.
 
Nos céus do sul da Inglaterra, os aviadores sustentavam uma batalha desesperada pela sobrevivência do país. Mas, fora da luta, a vida prosseguia no seu estilo familiar. O criquete, o esporte nacional de verão, ainda era jogado e seus resultados apareciam nos jornais, embora com comentário sobre os resultados da disputa mais emocionante, RAF versus Luftwaffe. Era um ideal de despreocupação caro aos britânicos que regozijavam em sua projeção ao mundo. Quando as partidas de tênis foram substituídas pela criação de porcos em Wimbledom, o secretário do internacionalmente famoso All England Tennis Club explicou jocosamente: “Há muito pouco tênis e temos de fazer algo”.
 
Os teatros, no West End de Londres, viviam repletos. Robert Donnat estreava “O discípulo do Diabo” no Piccadilly, uma sátira de Bernard Shaw ao comportamento dos Casacos Vermelhos - os soldados da Coroa - na América da época da Independência. Em vista da recente evacuação do exército britânico de Dunquerque, uma fala da peça era altamente alusiva: “O soldado britânico pode resistir a tudo, senhor, exceto ao seu Ministério da Guerra”. Sendo vegetariano, George Bernard Shaw deleitou a nação observando que “Não há nada de errado com a ração oficial sem carne e ovos que é virtualmente a minha alimentação normal. Mas não posso garantir que ela venha a transformar a Inglaterra numa nação de Bernards Shaws. Isto seria esperar muito”.
 
Semelhante senso de humor era corriqueiro. Não a pilhéria tensa de um povo desesperado, mas o humor do comentário e dos apartes leves, transmitindo o encanto dos britânicos por estarem encurralados. E, entre o anoitecer de 24 e o amanhecer de 25 de agosto, aconteceu algo que mudaria tudo isso. Londres foi bombardeada.
 
Foi um erro, um erro de proporções históricas, cometido não porque Hitler tivesse ordenado ataques de terror aos edifícios históricos e aos civis não-combatentes, mas porque algumas das guarnições de bombardeiros, instruídas para atacar os reservatórios de petróleo de Thameshaven, a leste das velhas e estreitas ruas do setor bancário e comercial de Londres, haviam perdido a direção. “Um dos maiores erros da história”, comentou Hanson Baldwin do New York Times, anos depois, esse engano, cometido por 10 dos 170 bombardeiros que sobrevoavam a Inglaterra naquela noite, desencadeou uma seqüência de acontecimentos que levariam à destruição de grande parte da Alemanha, ao bombardeio de Dresden e, finalmente, a Hiroxima. Um de suas primeiras conseqüências, como veremos, foi desviar a Luftwaffe do plano de bombardeio que a poderia ter levado à vitória na Batalha da Inglaterra. Mal a nação recuperou o fôlego e bradava pela retaliação, antes mesmo que a fumaça desaparecesse e a poeira pousasse sobre os escombros da Igreja de St-Giles, em Cripplegate, e de edificações outras do coração da City, uma força de mais de 80 bombardeiros da RAF decolou, naquela noite, rumo a Berlim. As tripulações britânicas foram especificamente instruídas para só atacar objetivos militares, ou retornar com suas bombas e, na verdade, 21 tripulações regressaram sem ter feito bombardeio. Mas, retaliação com retaliação se paga, e em breve se estabeleceu o que hoje chamamos de escalada.
 
Até então, os bombardeios realizados pela Luftwaffe e pela RAF tinham sido mutuamente escrupulosos. A primeira só bombardeava objetivos que julgava úteis para acelerar a conquista da superioridade aérea e garantir o sucesso da invasão. Evidentemente, civis morriam e propriedades eram destruídas ou danificadas devido à imprecisão dos bombardeios realizados em pânico, mas, depois da incursão da RAF contra Berlim, a guerra aérea nunca mais apresentaria as características até então mantidas. A Luftwaffe visava a navios mercantes, bases navais, aeródromos, fábricas de aviões, centros ferroviários e depósitos de combustível. A RAF lançava panfletos, atacava portos de invasões e alvos industriais. Em breve, porém, os padrões mantidos pelos dois adversários se modificariam, até que não mais houvesse qualquer escrúpulo em usar a bomba e o bombardeio como armas de terror indiscriminado.
 
Na noite de 25 para 26 de agosto, quando os bombardeiros pesados Wellington, Hampden e Whitley, do Comando de Bombardeiros da RAF, sobrepujaram momentaneamente seus irmãos menores, os Spitfires e Hurricanes, Dowding não sabia que a raiva provocada pela incursão contra Berlim agiria como uma bomba-relógio no cérebro de Hitler; que a explosão eventual salvaria as estações aéreas e aeródromos do seu setor de linha de frente da ameaça de extinção.
 
Nessa conjuntura, enquanto o povo britânico se deleitava com o vinho tonificante da retribuição, o chefe dos caças estava preocupado com dois problemas urgentes que o público praticamente ignorava: o rápido aumento do número de bombardeiros que sobrevoavam à vontade a Inglaterra depois do anoitecer e a deterioração da defesa de caças do setor sudeste da área de invasão da Inglaterra. Como as técnicas de radar, para a luta e para a artilharia antiaérea noturnas, ainda engatinhavam, a Luftwaffe ficava virtualmente à solta durante a noite. Mal equipada para se defender contra os incursores noturnos, era para a RAF um conforto que a Luftwaffe fosse igualmente ineficiente na navegação e no encontro dos alvos depois do anoitecer.
 
Por exemplo, a maioria dos 150 bombardeiros despachados durante três noites seguidas para atacar as docas de Liverpool se desviou tanto, que os defensores não conseguiram deduzir que aquelas docas eram o alvo buscado. Mesmo assim, a simples presença de incursores noturnos era uma preocupação considerável. Roubando o sono de todos com o ruído que faziam e irritantemente esquivos, eles perturbavam o descanso dos esgotados trabalhadores das fábricas e, de modo geral, deixavam a nação com os nervos em frangalhos.
 
Enquanto eram aceleradas as pesquisas científicas para a obtenção de meios capazes de conter os atacantes noturnos, restava aos britânicos suportar e aguardar momentos melhores.
 
Goering continuava esperando que a Inglaterra cedesse ao impacto do martelar contínuo, mas as semanas próprias para a campanha da Alemanha em 1940 estavam-se esvaindo rapidamente. O dia da decisão para a “Operação Leão-Marinho” fora fixado para 27 de agosto, mas ele chegou e o Fuhrer tornou a hesitar. O líder de caças de Kesselring, General von Doering, declarou categoricamente sua “superioridade ilimitada em caças”, mas Hitler tinha dúvidas. Naquela mente desconfiada, as perdas da Luftwaffe, conforme anunciadas, não justificavam a opinião otimista de von Doering. Hitler decidiu adiar a decisão por mais 10 dias, quando talvez os britânicos estivessem prontos para negociar a paz que o libertaria do fantasma da invasão. Assim, Hitler deixou que a Luftwaffe provasse a validade da afirmação de Doering.
 
A julgar pelas aparências, a estimativa de von Doering estava muito errada, pois mal ele afirmara dispor de superioridade ilimitada em caças, o Comando de Caças fez num dia 1.000 surtidas. Isto não significava que Doering pudesse empregar 1.000 caças. A defesa dos aeródromos de linha de frente se apoiava em cerca de 200 Hurricanes e Spitfires no Grupo 11, de Park; em veteranos cansados e recém-chegados inexperientes que faziam várias surtidas por dia, muitas vezes em aviões remendados. Nessas circunstâncias, simulando cada vez mais e iludindo o radar, os incursores, fortemente protegidos pelos caças da Luftwaffe, estavam conseguindo passar e espezinhando as vitais estações de setor de Park.
 
Escutando as comunicações radiofônicas dos caças da RAF pela sua estação monitora, em Wissant, a Luftwaffe anotava cuidadosamente a vinda de gente nova e se alegrava quando Esquadrões do norte da Inglaterra substituíam os já cansados, mas com experiência de combate. Novas vozes pressagiavam um aumento nas perdas da RAF, à medida que pilotos inexperientes procuravam demonstrar seu valor em combate.
 
Os livros de registro de operações dos esquadrões e estações de setor dão conta dessa tragédia. Por exemplo, o de Hornchurch, a 27 de agosto de 1940: “Hoje à tarde, o Esquadrão 65 partiu para um período de recuperação em Turnhouse, sendo substituído pelo Esquadrão 603”. Por trás desta simples anotação administrativa estava a substituição de um Esquadrão de Spitfires com experiência de combate por outro, formado de inexperientes “aviadores de fins de semana” de antes da guerra, rapazes de cabelos longos, filhos de famílias aristocráticas, recém-saídos das escolas e universidades; eram jovens risonhamente barulhentos, fortes e que levavam o esporte da caça para os céus do sul da Inglaterra.
 
Quando chamado o Esquadrão 603 (Cidade de Edimburgo), alguns dos seu pilotos estavam caçando galos silvestres nas charnecas do seu comandante de estação, o Duque de Hamilton.
 
Terminou agosto e começou o mês de setembro, mas não passava um dia em que os aeródromos não sofressem a pressão mais extrema. Dois ataques sobressaem como exemplos da provação por que passavam as estações de caça, e que atingiram seu ponto culminante no último dia de agosto e no primeiro de setembro, uma batalha dentro da Batalha da Inglaterra, a de Biggin Hill. Recebendo regularmente a lisonjeira atenção da Luftwaffe, Biggin Hill, a estação de setor de Park situada na frente de Londres, esperava mais dificuldades a 31 de agosto. Um ataque de baixo nível, breve e intenso, realizado no dia 30, destruíra o aeródromo e a maioria dos seus prédios, matando 39 e ferindo 26 pessoas. De ordinário, semelhantes perdas de vida e destruição teriam exigido uma retirada operacional, mas os sobreviventes realizaram um milagre e repuseram Biggin em funcionamento no dia seguinte.
 
Felizmente, o quarteirão de operações permanecera intato. Ali, usando capacetes de soldados - seus “chapéus-coco de combate”, como eram chamados - as moças da Força Aérea Auxiliar Feminina, em mangas de camisa, mantinham contato telefônico com o mundo exterior, através de linhas consertadas depois de cada ataque, enquanto que outras WAAFs traçavam o rumo dos incursores que se aproximavam. Ainda quando as bombas voavam sobre suas cabeças, as moças permaneciam em seus postos, numa demonstração de amor ao dever que exigia mais que a coragem comum, após a carnificina do dia anterior. As bombas que choviam sobre o aeródromo fazia-o tremer como se houvesse um terremoto, e uma das bombas atingiu o quarteirão de operações. Mas somente no fim da tarde do dia seguinte, 1° de setembro, é que Biggin Hill sofreu a pior provação. Depois de um ataque matutino, o sexto em três dias, as moças da sala de operações haviam tornado a indicar a presença de incursores bem sobre suas cabeças, e desta vez os bombardeadores não erraram: a sala de operações foi destruída. Tal foi a bravura de duas telefonistas das WAAFs, Sargento Helen Turner e Cabo Elspeth Henderson, que elas mais tarde foram condecoradas com a “Medalha Militar”.
 
Os aeródromos do sudeste da Inglaterra se transformaram num campo de luta onde a Luftwaffe e a RAF mediram-se como se estivessem decidindo a Batalha da Inglaterra. Biggin Hill e os campos costeiros de Manston, Hawkinge e Lympne foram quase postos fora de ação, e os do interior sofreram igualmente a fúria dos novos golpes.
 
Diariamente, formações alemãs se reuniam sobre a França, em levas, matinais e vespertinas, de 200 a 300 bombardeiros e caças, abrindo em leque sobre o Canal da Mancha e dividindo-se em grupo de 10 a 20, e às vezes de 30 a 40, quando se dispersavam na direção dos aeródromos destacados como seus objetivos. Tampouco havia trégua à noite.
 
Por volta de 6 de setembro, a tensão no sul de Londres, na extremidade do setor de invasão da Inglaterra, era quase intolerável. Salas de operações destruídas, aeródromos repletos de crateras abertas pelas bombas, o Comando de Caças da RAF cambaleava. Então, com a vitória quase à vista, a Luftwaffe parou repentinamente e lançou-se contra Londres.
 
Tomado de ira pela represália de Churchill contra Berlim, Hitler se intrometeu. A 4 de setembro, o líder alemão subiu ao palanque do Palácio dos Esportes, em Berlim e vociferou contra Churchill e a Inglaterra: “Esperei três meses sem responder, pensando que eles pudessem pôr fim a essa maldade. Herr Churchill viu nisto um sinal de fraqueza... Enquanto eles declaram que atacarão nossas cidades em grandes números, vamos destruindo as suas”.
 
Mas, enquanto falava, Hitler só pensava numa cidade. Felizmente para a Inglaterra, nem Hermann Goering, nem qualquer dos militares profissionais se atreveram a discutir com Hitler sobre a sensatez da sua decisão. Aliás, longe mesmo de sugerir que o Fuhrer estivesse taticamente errado, Goering e os líderes da Luftwaffe convenceram-se de que a intuição de Hitler, ao mudar a direção dos ataques, estava correta.
 
Mal informada quanto ao verdadeiro estado das defesas de caça da Inglaterra por relatórios de inteligência que não retratavam fielmente a situação, a Luftwaffe acreditava que o ataque a Londres obrigaria Dowding a reforçar sua defesa com os restos das reservas do Comando de Caças que estavam nos Midlands e no norte, enfim, uma última colheita que os caças alemães esmagadoramente mais numerosos, fariam dentro em breve. Tão ignorante sobre a eficiência e precisão do bombardeio noturno como quanto aos efetivos de caça da RAF, a Luftwaffe também acreditava que os violentos ataques noturnos que vinham sendo feitos sem oposição destruiriam as docas e os serviços essenciais de Londres. Com a aproximação do inverno, a Luftwaffe ansiava por encurtar o caminho da vitória, e Londres parecia ser o atalho ideal.
 
Londres cambaleia
 
Hermann Goering estava no convencimento de que a resistência britânica se aproximava do fim. Desejoso de estar com seus pilotos na hora do triunfo, o Comandante-Chefe, aboletado em seu suntuoso trem pessoal, chegou ao Passo de Calais e, no fim da tarde de 7 de setembro, um sábado, o Marechal do Reich observava, do Cabo Gris-Nez, a enevoada costa da Inglaterra. Ele chegara para estimular os 300 bombardeiros e 600 caças que se reuniam ali e cujo objetivo era Londres, num percurso de 35 km sobre o mar e mais 80 km para o interior do território britânico. Era uma viagem curta para um bombardeiro, mas perigosamente longa para os caças Me 109, de pouco alcance, posto que, em 1940, em qualquer ponto da ida ou da volta era certo encontrar combate.
 
Lá no alto, dirigindo sua ala de Dornier 17, estava o mesmo Coronel Fink que tão ansiosamente procurara os caças, nos céus, na fatídica manhã de 13 de agosto, quando a confusão havida no “Ataque das Águias” o deixara sem uma escolta de caças.
 
E hoje, perversamente, a presença dos enxames de caças lhe produzia quase tanta ansiedade quanto a sua ausência no “Dia da Águia”. O esgotamento dos tanques de combustível talvez eliminasse a escolta de caças nos momentos em que mais fosse necessária.
 
Mas Fink e suas tripulações voltaram a ter sorte no primeiro trecho da viagem. No fim desta tarde de setembro quase não havia sinal da RAF nos céus e os bombardeiros puderam aproximar-se livremente, ainda à luz do dia, até as docas de Londres, onde despejaram mais de 300 toneladas de bombas de alto explosivo.
 
Os defensores, interpretando mal as intenções do inimigo, deixaram a Luftwaffe passar. Após o ataque matutino normal - desta vez contra Hawkinge - os defensores esperavam que o “horário comercial” da tarde trouxesse outras incursões sobre os aeródromos de setor, de acordo com o padrão que vinha sendo adotado.
 
Quando o East End de Londres já estava em chamas, os defensores se haviam recuperado e a viagem de volta da Luftwaffe, não foi assim tão fácil. As tripulações de bombardeiros que retornavam às bases foram particularmente infelizes em cruzar o caminho do Esquadrão 303, de Northolt, pois este não era um esquadrão comum. Dirigido pelo Líder de Esquadrão R.G. Kellett, ele era formado de pilotos poloneses altamente treinados, vindos da Força Aérea Polonesa. Fugindo da Polônia, esses pilotos haviam jurado vingar a devastação que a Luftwaffe produziu em seu país. Finalmente liberados depois de meses de treinamento para se identificarem com os procedimentos da RAF, eles mergulharam ao avistarem 40 Dorniers 1.200m abaixo do ponto em que se encontravam. E lá foram Kellett e seu grupo, com seus Spitfires dotados de mísseis, até que conseguiram colocar os Dorniers na alça de mira. Um aperto nos botões de disparo e em poucos momentos os poloneses destruíram ou avariaram seriamente ¼ da formação inimiga, contribuindo magnificamente para os resultados daquele dia. Ao todo, durante o período diurno do sábado 7 de setembro a Luftwaffe foi atacada por 17 Esquadrões do Grupo 11, 1 do Grupo 10 e 3 do Grupo 12, perdendo 41 bombardeiros, e a RAF 28 caças. Mas, embora as suas perdas fossem grandes, a Luftwaffe não ficou excessivamente intimidada. Este era o preço da vitória rápida. A guerra terminaria dentro de poucos dias, porque, com sua capital em chamas, os britânicos por certo não se animariam a prosseguir com as hostilidades. Ao anoitecer, era tal o inferno que parecia haver no céu dois sóis e que um deles se punha a leste.
 
Naquela noite, o clarão facilitou a navegação alemã e às 21:00 horas a Frota Aérea 3 reiniciou a incursão contra Londres. As tripulações dos bombardeiros alemães exultavam ao ver a capital de um grande império à sua mercê, em chamas e praticamente indefesa. Os 264 canhões antiaéreos de Londres eram quase ineficazes, só podendo mesmo manter os bombardeiros a grande altitude. Defesas de caças, à noite, praticamente não existiam, excetuando-se dois esquadrões de Blenheims e uma pequena unidade de caças noturnos que estavam experimentando o radar aerotransportado. Assim, imperturbados, 250 bombardeiros da Frota Aérea 3 roncavam nos céus de Londres. Os veteranos, sobrevoando os grandes incêndios que lavravam na cidade indefesa, lembravam-se dos bons tempos de Guernica, Varsóvia e Roterdã. Para acentuar a impressão de passeio, as tripulações sintonizaram seus receptores nos programas de música de dança irradiados pela BBC. Os aviadores que tinham conhecimento do idioma inglês devem ter ficado perplexos com o que captaram seus receptores. No momento da agonia de Londres, quando todos os alemães acreditavam que a Inglaterra estivesse à beira do grande desastre, as ondas da BBC levavam ao ar a palavra do Major W.H Osman, redator de The Racing Pigeon, discorrendo doutamente sobre “Os Pombos de Corrida do ponto de vista da utilidade”, e pedindo o apoio dos criadores de pombos para o “Fundo Spitfire”.
 
Contudo, era apenas uma ilusão ou uma excentricidade o que os alemães pegaram em seus receptores. Na frente interna alemã, a incursão da RAF contra Berlim, na noite de 25 para 26 de agosto, produzira um choque considerável no seio da população civil, condicionada à idéia de que a guerra teria um fim rápido. Os soldados, os marinheiros e aviadores alemães que se preparavam para a “Operação Leão-Marinho” iriam aprender, daí para a frente, que a RAF tinha ainda ânimo para estabelecer mão dupla no caminho do bombardeio dos aeródromos e dos portos onde se faziam os preparativos da invasão.
 
Nesse mesmo sábado, 7 de setembro, enquanto Londres sofria um bombardeio aéreo noturno, os aviões de reconhecimento da RAF confirmavam que estavam sendo feitos acréscimos consideráveis à frota de barcaças de invasão que vinha sendo reunida na costa ocupada pelo inimigo, na França e nos Países Baixos, desde fins de agosto. Também nos aeródromos da Luftwaffe registravam-se mudanças que só poderiam ter uma interpretação. Bombardeiros da Frota Aérea 5 chegavam da Escandinávia para reforçar a Frota Aérea 2 e, o que era mais significativo ainda, bombardeiros de mergulho Stuka, retirados da batalha depois de haverem sofrido pesadas baixas, reapareciam na outra margem do Canal da Mancha.
 
Diante das muitas provas fotográficas e considerando o que vinha sendo feito contra Londres, os chefes do Estado-Maior britânico concluíram que era iminente a invasão. Para os britânicos, a perspectiva de desembarques inimigos, o risco de conquista jamais pareceram tão reais, desde o histórico ano de 1066, quando Guilherme o Conquistador veio da Normandia, cruzou o Canal e derrotou o Rei Haroldo num campo de batalha perto de Hastings.
 
Assim, enquanto Londres desmoronava e ardia, a Home Fleet, em Scapa Flow, preparava-se para zarpar rumo ao sul e, se preciso fosse, resolver a questão lutando nos estreitos limites do Canal. O exército, inadequadamente equipado, após as baixas sofridas na França, ficou a postos, com os voluntários da defesa local, das Guardas Civil e Nacional, na costa sul da Inglaterra.
 
A invasão é iminente! Leva após leva de bombardeiros passavam rugindo pela costa, a caminho de Londres, e os comandantes do Exército, nas praias, a imaginar o que lhes reservava toda aquela atividade aérea. Eles esperavam que a qualquer momento fossem todos envolvidos por uma descida em massa de pára-quedistas, e punham alerta os ouvidos para o alarme de pára-quedas previamente acertado - o soar dos sinos das igrejas nas aldeias e cidades das áreas de invasão da costa inglesa.
 
E então, pelas cidades, pelas aldeias, pelas estradas e campos soou repentinamente o repicar de sinos. “Chegou o momento”, disseram, de si para consigo, homens e mulheres, velhos e jovens, dispondo-se a morrer mas “carregando um deles consigo”, e procurando, para tanto, armar-se com o que lhes fosse possível encontrar, uma faca de cozinha, um forçado, enfim, o que quer que desse para derrubar um inimigo.
 
Mas foi um alarme falso. Nem a Marinha, o Exército, nem mesmo o povo britânico, no papel de guerrilheiros, foram chamados a provar se poderiam repelir a Alemanha invasora sem a RAF, pois Hitler não se atrevia a aparecer sem a garantia da total superioridade aérea, e isto era algo que ele jogava fora quando lançava a Luftwaffe contra Londres.
 
A 8 de setembro, as estações de rádio alemães noticiaram que Goering assumira o comando das operações da Luftwaffe contra Londres. Para os defensores, o dia passou em relativa tranqüilidade; os londrinos aproveitaram a trégua para sepultar os mortos, tirar os feridos dos escombros, combater os incêndios e repor os serviços essenciais em funcionamento, sobretudo em vários dos grandes terminais ferroviários que haviam sido seriamente danificados.
 
No Comando de Caças, também a trégua foi recebida com enorme alívio. Outra concentração equivalente contra as bases de Park e todo o Grupo 11 seriam eliminados. Mas, ao mesmo tempo, Dowding procurava respostas para perguntas perturbadoras: O que é que saíra errado? Como é que as imensas formações diurnas tinham conseguido passar virtualmente sem oposição? Afinal onde estavam os mais de 300 Hurricanes e Spitfires disponíveis dos 21 esquadrões de Park e dos setores imediatamente vizinhos, nos Grupos 10 e 12?
 
Basicamente, o problema era que os controladores, os homens que supervisionavam os percursos nas salas de operações, avaliando os informes dos radares e do corpo de observadores, tinham estado esperando a batalha ontem. Fazendo decolar dois esquadrões para cobrir os aeródromos de setor, eles tinham escancarado o caminho à passagem da avalancha inimiga.
 
A defeituosa interpretação das intenções do inimigo, por acaso cometida na ausência eventual do Vice-Marechal-do-Ar Park da sala de operações do QG do Grupo 11, foi, na realidade, custosíssima.
 
Mas o erro não se repetiria no dia seguinte. No fim da tarde de 9 de setembro, 9 esquadrões de Park estavam em vôo, à espera da primeira leva de 100 bombardeiros, fortemente escoltados, que se aproximava da costa. Evitando os caças, os pilotos de Park atacaram os bombardeiros com tanta obstinação, que os tiraram do rumo de Kent e Sussex, que eram o objetivo, e os forçaram a regressar às bases, depois de lançarem a esmo as bombas que traziam.
 
Quanto à maior parte da segunda leva, embora incessantemente hostilizada e desviada chegou às áreas o sudoeste de Londres e lançou suas bombas sobre distritos residenciais muito distantes das áreas das docas, que eram o alvo. Nessa segunda-feira negra para a Luftwaffe, as tripulações de bombardeiros começaram a imaginar se Londres seria realmente o atalho para a vitória que esperavam tão confiantes. O dia para os alemães saíra caro. A RAF perdeu 19 caças, mas a Luftwaffe deixou ali 28 aparelhos.
 
Contudo, se a recepção violenta de 9 de setembro havia embotado um pouco a confiança dos homens de Goering, nos círculos oficiais da Inglaterra a preocupação girava em torno do tempo que Londres poderia resistir aos ataques aéreos ininterruptos. Em 1940, o bombardeio constante de uma grande capital era um fato sem precedentes e problemas como o limite de resistência do moral do povo e o tempo necessário à recuperação dos serviços essenciais nunca haviam sido equacionados. Além da probabilidade da invasão - a lua e a maré eram ideais para desembarques entre 8 e 10 de setembro - as perspectivas eram excessivamente sombrias.
 
Mas Hitler não estava ainda convencido de que a superioridade aérea necessária ao sucesso da invasão havia-se estabelecido. A 10 de setembro ele anunciou que se decidiria no dia 14, na verdade adiando a “Operação Leão-Marinho” para 24 de setembro, se é que ela seria efetuada.
 
Embora Goering tivesse recebido mais 4 dias para acabar com as defesas de Dowding, as possibilidades de vitória da Luftwaffe estavam diminuindo, porque diariamente os “Poucos” da RAF salvaram a Batalha da Inglaterra. Não que os defensores tivessem a menor idéia dessa diminuta mudança de sorte, na época.
 
A 11 de setembro, Churchill advertiu a nação: “Se realmente vai haver uma tentativa de invasão, parece-me que ela não demorará muito... Portanto, devemos considerar as duas próximas semanas um período muito importante de nossa história. Ele se iguala à época em que a invencível Armada espanhola se aproximava do Canal e Drake estava acabando seu jogo de boliche; ou quando Nelson se interpunha entre nós e o Grande Exército de Bonaparte, em Boulogne. Temos lido a respeito de tudo isso nos livros de História; mas o que está acontecendo agora, realiza-se em escala muito maior e suas conseqüências são muito mais sérias para a vida futura do mundo, para a civilização do que os acontecimentos registrados nesses admiráveis tempos passados”.
 
No domingo, 15 de setembro, Churchill tinha a impressão de que a História assinalaria de forma toda especial a passagem desse dia. Ele não sabia que Hitler vacilara uma vez mais durante o fim de semana, sobre a invasão, adiando a decisão de 14 para 24 de setembro. Mas algo lhe dizia, nessa manhã, ensolarada de setembro - “Um daqueles dias de outono, quando o campo fica mais belo”, como Park recordaria mais tarde - que ele devia visitar Park no QG do Grupo 11.
 
Assim, pouco depois das 10:30 horas, e para grande surpresa das moças da WAAF que movimentavam suas peças no mapa das operações, o Primeiro-Ministro entrava na sala de operações de Uxbridge, acompanhado de sua mulher. Os Churchills, que faziam uma visita casual, assim como se fossem à casa de um vizinho, haviam chegado no momento em que se iniciaria uma situação histórica.
 
Não sei se acontecerá alguma coisa hoje. Por enquanto está tudo muito calmo”, disse Park a Churchill. Fascinado pela teatralidade do ambiente, Churchill estava absorto quando as moças da WAAF começaram a marcar as primeiras movimentações inimigas. O radar anunciava a presença de grande número de aviões que se reuniam sobre a costa inimiga. Calmamente e sem excitação, a defesa estava tomando suas providências. A sotto voce, os oficiais de operações falavam bem junto dos seus fones, dando ordens que faziam os pilotos dos esquadrões de Park correr para seus aviões e os artilheiros antiaéreos, para seus postos de combate.
 
Por volta das 11:30 horas, quando os primeiros aviões alemães cruzaram a costa sul, os Churchills haviam visto Park fazer decolar seus 21 esquadrões. Para apoiá-los, os Spitfires do Esquadrão 609 vinham céleres, do Grupo 10. Sua tarefa específica era dar cobertura à fábrica de aviões em Weybridge e ao Castelo de Windsor, a residência de fim de semana do rei, em cujos terrenos Beaverbrook estava armazenando secretamente os novos caças que aguardavam o momento de serem entregues aos esquadrões. Na retaguarda, atrás de Londres, uma grande ala de 60 caças, de 5 esquadrões do Grupo 12, do Vice-Marechal-do-Ar Leigh-Mallory, estava-se reunindo sob o comando do Líder de Esquadrão Douglas Bader, o piloto de caças a quem faltava uma perna.
 
O Comando de Caças aprendera a lição de 7 de setembro e, enquanto Churchill estudava cada movimento, os controladores das operações punham em prática a instrução corretiva que Park ordenara a 11 de setembro. Os controladores deviam emparelhar os esquadrões, Spitfire com Spitfire, Hurricane com Hurricane. Os primeiros tinham de atacar o anteparo aéreo defensivo de caças inimigos enquanto que os Hurricanes combatiam os bombardeiros e seu amontoado de caças de escolta cerrada.
 
O radar, o “cesto de gávea” eletrônico da Inglaterra, com seus pontos-chaves poupados aos ataques da Luftwaffe, dera o aviso, e agora, decolando dos aeródromos que a mudança para Londres da ênfase dos ataques de Goering havia poupado, levantavam-se os caças britânicos que dariam aos 100 bombardeiros e 400 caças da Frota Aérea 2, de Kesselring, uma acolhida violenta.
 
A Luftwaffe viu-se em dificuldades desde o instante em que seu primeiro avião cruzou a costa leste de Kent, mas as tripulações dos bombardeiros prosseguiram, ainda confiantes de que bastava que chegassem a Londres para acabar logo com a guerra. Por todo o caminho, até Londres, os caças britânicos mergulhavam incessantemente sobe o grosso da grande ala de bombardeiros, fazendo aviões Dornier, Junker e Heinkel cair em chamas nos verdes campos lá embaixo, enquanto que, aqui e ali, um Spitfire ou um Hurricane desafortunado descia rodopiando, envolto em fumaça e chamas.
 
Mas não havia como chegar aos alvos costumeiros, as docas e as instalações petrolíferas do Tâmisa. O melhor que as hostilizadas tripulações podiam fazer era despejar suas bombas sobre o centro de Londres e fugir para casa.
 
O “Big-Ben”, simbolicamente o emblema oficial do Grupo 11, acabara de soar as 12 badaladas do meio-dia quando as bombas começaram a descer, indo uma delas cair nos jardins do Palácio de Buckingham, mas sem explodir.
 
Em casa, nas ruas, noa bares onde tomavam seu caneco de cerveja, os londrinos imaginando se isto seria o prelúdio da invasão, liam seus jornais: “Se e quando a invasão ocorrer, ela não será mantida em segredo. A notícia será dada pela BBC e pelos jornais”. E uma hora depois o noticiário das 13:00 horas da BBC anunciou: “A primeira incursão aérea contra a área de Londres, hoje, começou há pouco mais de uma hora. Um ou dois minutos depois que as sereias começavam a soar, comunicados dão conta de que no sudeste violento fogo antiaéreo foi aberto contra o inimigo e de que outras partes da capital foi adotado comportamento semelhante. Era possível ouvir o silvo das bombas que caiam... diz-se que pelo menos 50 aviões estão lutando numa área de batalha dos arredores da cidade”.
 
A calma reação da BBC foi tranquilizadora. Os pilotos dos caças da RAF estavam operando a 6.000m acima da radiodifusão. Entre eles estava o Líder de Esquadrão John Sample, do Esquadrão 504, um corretor de imóveis que aprendera a voar nos fins de semana, antes da guerra. “cada um de nós escolhia seu alvo”, lembrou ele, mais tarde. “Nosso primeiro ataque os dispersou muito bem. O Dornier que ataquei, com uma rajada de vários segundos, começou a afastar-se dos seus amigos, desviando-se para a esquerda. Dei-lhe outra rajada de 5 segundos e lá se foi ele, deixando um rastro de fumaça.
 
Quando me afastei e comecei a fazer uma curva ascendente, fechada, olhei para o lado e vislumbrei, por um buraco nas nuvens, um rio correndo lá embaixo. Vi as curvas do rio e tentei descobrir onde estava. Não reconheci imediatamente e foi então que vi o “Kennington Oval” e pensei comigo mesmo: “É ali que se joga críquete”. É estranho como, no meio de uma batalha, a gente vê algo em terra e pensa em outra coisa totalmente diferente do que se está fazendo no momento...
 
Não demorei a ver-me debaixo de outro Dornier que deixava um rastro de fumaça. Ele estava sendo atacado por Hurricanes e um Spitfire... Como não via outra coisa para atacar no momento, aproximei-me para participar daquele ataque. Mergulhando, observei o que parecia ser uma luz vermelha brilhando na carlinga do artilheiro de ré, mas quando me aproximei mais, compreendi que estava vendo, através da carlinga do artilheiro, diretamente a do piloto e do observador. A luz vermelha era fogo. Disparei uma rajada e, ao passar pela sua direita, olhei pelo grande nariz de vidro do Dornier. Dentro dele parecia uma fornalha. O aparelho começou a cair e em poucos segundos a cauda se soltou. O bombardeiro deu um salto mortal para a frente e começou a rodopiar. Depois de dois rodopios, suas asas romperam-se perto dos motores externos, de modo que o que restava era metade de uma fuselagem e a base das asas, com os motores presos a elas. Nesse momento, os destroços foram ocultos pelas nuvens e não vi mais nada. Já então a batalha terminara. Como não vi mais nada para atacar, retornei à base”.
 
Depois de reabastecer e rearmar, o Esquadrão de Sample voltou a decolar às pressas, uma hora depois, para enfrentar nova leva de bombardeiros de caças.
 
Entrementes, Bader e sua ala de 60 caças, que voavam para o sul, por trás de Londres fizeram a Luftwaffe sofrer o maior choque que já experimentara até então. Doida por lutar, a ala de Bader - parte do agressivo Grupo 12 de Leigh-Mallory - era integrado por um grupo cosmopolita de pilotos representativos da causa aliada. Voando lado a lado dos esquadrões da RAF havia um Esquadrão de canadenses, um de tchecos e um de poloneses. Varrendo tudo à sua frente, os furiosos 60 obrigaram a Luftwaffe a uma veloz retirada de Londres para a costa, com os Hurricanes atacando os bombardeiros, e os Spitfires, os caças.
 
Lá embaixo, nas ruas de Londres, as sereias soavam a nota prolongada e tranquilizadora de “passou o perigo”, e logo após haver o último dos aviões inimigos fugido. Enquanto os carros de bombeiros, as ambulâncias e as turmas de salvamentos trabalhavam em meio aos escombros, os empregados de escritório saiam dos porões para reiniciar o almoço interrompido.
 
Muitos se reanimavam, nos bares, contando histórias de bombardeiros, de escapadas miraculosas e de pedaços da ação. Num dos bares houve uma atração especial: alguém apareceu com uma bota de aviador alemão, de cano longo, feito de couro preto e fecho “é clair” dos dois lados e, como o grupo viu, com um buraco de bala. Se dono morrera bombardeando Londres.
 
Depois de terrivelmente maltratada nessa fatídica manhã de domingo, a Luftwaffe retornou à tarde, mas também dessa os defensores estavam preparados. Quando a nova leva de 100 bombardeiros e 300 caças cruzou o Canal, mais de 200 caças da RAF decolaram em pares e esquadrões e tomaram posições na frente de Londres.
 
Os pilotos de caças britânicos estavam exultantes por se verem em grandes formações, depois de semanas ansiosas e decepcionantes em que voavam em grupos de 3 e 6, ou, na melhor das hipóteses, de 9 ou 12. Isto compensava em parte o grande cansaço das repetidas surtidas. Também era tranquilizador verificar que ser derrubado não significava necessariamente ficar fora da batalha. Não era raro um piloro abandonar o aparelho atingido sobre Londres, tomar um taxi para o seu aeródromo e decolar de novo num Spitfire ou Hurricane que chegara naquela mesma tarde. Graças à organização de reparo e produção dirigida por Beaverbrook, se a RAF tivesse perdido 200 caças a 15 de setembro, somente 18 não teriam sido substituídos pela produção daquela semana. Entretanto, a escassez de pilotos de caça treinados era um problema muito mais sério que o suprimento de aviões para eles voarem. Dowding abandonou o sistema de revezamento de unidades cansadas com esquadrões vindo de fora da área de invasão, e reforçou temporariamente os esquadrões de Park com a elite dos seus “meninos” das áreas mais calmas.
 
A medida era realmente boa, porque os pilotos inexperientes não duravam tempo suficiente para se transformarem em veteranos, especialmente porque os Spitfires nem sempre podiam impedir que a linha de frente formada pelos Me 109 atacassem os Hurricanes, que eram mais lentos e mais vulneráveis.
 
Apesar disso, os pares de esquadrões de Park hostilizavam a Luftwaffe, naquela tarde, a caminho de Londres, com a mesma persistência com que haviam combatido os incursores de manhã; mas os bombardeiros, apesar das perdas sofridas, prosseguiram corajosamente. As bombas foram lançadas a esmo sobre Londres, através das nuvens. Embora despejadas às cegas sobre a extensa área da capital, algumas bombas danificaram ferrovias e outros serviços essenciais.
 
Nessa tarde, após a experiência vivida pelos bombardeiros, naquela manhã, nas mãos da ala de caças de Bader, os pilotos de caça de Kesselring estavam procurando aborrecimentos. As estimativas errôneas da Luftwaffe garantiam aos pilotos germânicos que mais de 2.000 caças da RAF haviam sido destruídos desde o começo da batalha, de modo que eles consideravam que a reação feita naquela manhã eram os estertores de uma força de caças despachadas desesperadamente para proteger Londres. Por esta óptica é que viram o aparecimento de Spitfires e Hurricanes da RAF em números incomumente formidáveis. Ali, nos céus de Londres, estava a oportunidade de a Luftwaffe conquistar a superioridade aérea que vinha buscando. Mas a Luftwaffe fracassou. Nem mesmo o famoso líder de caça, Major Adolf Galland, que em breve iria a Berlim receber o abraço de Hitler e a condecoração pela 40ª vitória, as “Folhas de Carvalho”, da “Cruz de cavaleiro”, conseguiu alguma coisa.
 
Na Inglaterra, a contagem, feita de maneira otimista na época, acusava uma bela vitória para a RAF. No dia seguinte, quando Winston Churchill entrou em sua Sala de mapas, ele viu escrito, a giz, no quadro - Destruídos, 183; Prováveis, 42; Danificados, 75; Perdidos, 28. O Primeiro-Ministro cumprimentou imediatamente a RAF: “O dia de ontem eclipsa todos os recordes anteriores do Comando de Caças. Auxiliado por esquadrões dos seus camaradas tchecos e poloneses, usando somente pequena proporção dos seus efetivos, e em condições de tempo algo difíceis, ele destruiu três levas de assassinos da população civil da sua terra natal, infligindo baixas da ordem de 125 bombardeiros e 53 caças ao inimigo, sem falar dos prováveis e dos avariados, sofrendo apenas a perda de 20 pilotos e 25 aparelhos. Esses resultados superam todas as expectativas e dão confiança justa e sóbria na luta que se aproxima”.
 
Como se descobriu após a guerra, os números constantes do quadro de totais e da mensagem do Primeiro-Ministro estavam exageradas. Contudo, as perdas da Luftwaffe, em cerca de 60 para os 28 da RAF, eram suficientemente elevadas para pôr fim às esperanças dos alemães de forçarem a uma paz negociada ou conseguirem uma invasão bem sucedida.
 
Naquele sábado, à noite, a Luftwaffe reapareceu, quando 180 bombardeiros atacaram o centro de Londres.
 
Na manhã seguinte, o trem de luxo de Goering chegou a Boulogne e o comandante da Luftwaffe fez uma palestra aos seus feldmarechais e generais. O mau tempo, disse ele, deu aos britânicos a oportunidade de se reorganizarem. Ainda hipnotizado pela sua previsão, o Comandante-Chefe insistia em que 4 dias de tempo favorável dariam à Luftwaffe a superioridade aérea que há tanto lhe vinha escapando. Rodeado de eufóricos aduladores em seu trem especial, o Marechal do Reich ordenou outros ataques em grande escala, usando até 400 bombardeiros e uma só vez, mas somente quando o tempo estivesse perfeito. Em dias de mau tempo, disse Goering, para não permitir ao inimigo a oportunidade de se recuperar, deveria ser repetido o aparecimento de incursores de inquietação fortemente escoltados. Em condições de tempo realmente ruins, um único aparelho deveria decolar para provocar o alarme no sistema de defesa.
 
Em Berlim, Hitler preferia ser mais realista. Aceitando o fato de que as condições atmosféricas piorariam com a aproximação do inverno, adiou a “Operação Leão-Marinho” até nova ordem. Na verdade, esse adiamento foi definitivo.
 
Depois da guerra ficou esclarecido que o domingo 15 de setembro fora o ponto culminante da Batalha da Inglaterra, sendo este o dia em que a nação comemora anualmente a sua salvação da invasão e da escravidão pelos alemães. Contudo, em 1940, nem a Luftwaffe nem a RAF podiam dizer o que o amanhã traria. Enquanto permanecesse de pé a possibilidade de serem feitas pelo inimigo operações da envergadura da que se verificou a 15 de setembro, a invasão era o grande fantasma dos defensores. Na verdade, se Kesselring e Sperrle tivessem tido aviões suficientes para obedecer à risca às últimas ordens de Goering, o Comando de Caças teria encontrado dificuldade muito grande para deter o curso até que o inverno fizesse baixar a cortina da segurança sobre o Canal e o sudeste da Inglaterra. A 15 de setembro, quando Churchill deixava a sala de operações de Uxbridge, Park disse-lhe: “Excelência, estamos muito felizes porque o senhor assistiu a tudo. Isto mostra a limitação dos nossos recursos presentes. E hoje eles foram estendidos aos seus limites máximos”.
 
A 16 de setembro, o mau tempo e a exaustão da Luftwaffe, depois do esforço que fez nas últimas 24 horas, deram à RAF uma trégua merecida. O domingo fora um dia radioso e a segunda-feira amanheceu chuvosa e nublada, com nuvens a 90m de altura. O caprichoso tempo britânico, aliado secreto que já ajudara a frustar os planos de “quatro dias” de Goering, viria a repetir a proeza. Se o Comandante-Chefe da Luftwaffe tivesse dado mais atenção às considerações meteorológicas desde o início, é duvidoso que ele tivesse jogado na pouco provável “vitória em quatro dias”. Mas o fato é que, quando a Luftwaffe finalmente compreendeu o tempo britânico, ele de tal forma se confundiu com a mistura de boletins “meteorológicos” que Goering foi obrigado a intervir, ordenando que, quando as previsões fossem conflitantes, a decisão caberia aos homens no local, ao meteorologista que estivesse na unidade encarregada de uma operação aérea.
 
Graças às nuvens baixas, a 16 de setembro o Vice-Marechal-do-Ar Park encontrou a calma necessária à revisão do planejamento da luta. Com base no que observou durante a luta de domingo, estabeleceu ele o emparelhamento de esquadrões do mesmo tipo depois da penetração inimiga, destacando os Hurricanes para atacar os bombardeiros e os Spitfires, para os caças. Embora a medida melhorasse a interceptação, Park ainda não estava satisfeito. Na prática, os erros de encontro e as tendências dos pilotos de caça para a luta encarniçada estavam impedindo que a teoria do Comandante do Grupo II fosse plenamente bem sucedida. Contudo, enquanto a Luftwaffe desperdiçasse esforço no alvo infrutífero de Londres, o Comando de Caças poderia respirar com relativa liberdade. Mas, e se o inimigo voltasse a atacar Biggin Hill, ou Henley, ou Hornchurch, ou qualquer outro aeródromo de Park? E se ele fizesse um ataque simultâneo contra as fábricas de avião? Então, a situação, já de si muito séria, descambaria para o insuportável.
 
Felizmente para os defensores, enquanto setembro se escoava e a batalha aérea ia e vinha pelo sudeste da Inglaterra, Londres permanecia como alvo principal dos incursores diurnos e noturnos. Mas, em comparação com os ataques feitos em fins de agosto e começo de setembro, a intensidade dos golpes da Luftwaffe começava a diminuir, diminuindo também o sangue que fluía dos grandes ferimentos de Londres.
 
A 23 de setembro, quando se completou a terceira semana de ataques ininterruptos a Londres, foi dada a ordem para nova retaliação contra Berlim. O Ministério da Guerra queria que a RAF montasse uma incursão terrorista, com minas lançasses de pára-quedas, mas a RAF insistia em que os ataques fossem contra objetivos militares. De qualquer modo, já era difícil atingir alvos úteis e a RAF não estava preparada para privar a Luftwaffe do lugar de honra como desperdiçador de bombas. Naquela noite, enquanto mais de 260 incursores alemães bombardeavam Londres indiscriminadamente, 119 bombardeiros Wellington, Whitley e Hampden da RAF receberam ordens de bombardear alvos militares em Berlim. Comparado à atividade da Luftwaffe, o esforço dos britânicos era pequeno, mas a notícia da retaliação trouxe enorme sensação de conforto e satisfação para os londrinos, “que estavam sendo atacados naquela mesma noite”.
 
Na manhã seguinte, a Luftwaffe fez dois ataques, bem cedo, contra Londres. À tarde houve uma incursão muito mais importante. Usando duas formações de cerca de 20 Me 109 cada uma, isto é, convertendo seu melhor caça num caça-bombardeiro, a Luftwaffe surpreendeu os defensores e penetrou livremente até as fábricas de Spitfire, em Southampton, local histórico do nascimento do S6B de Mitchell, o pai dos Spitfires. Felizmente a fábrica escapou de danos muito sérios, mas 100 membros da equipe da Supermarine morreram quando um abrigo antiaéreo foi atingido em cheio.
 
Como Dowding há muito tempo temia, a Luftwaffe escolhera uma importante fábrica de caças e, de acordo com a paixão do inimigo pelas manias táticas de pouca duração, era de esperar que a operação em Southampton ou alhures se repetisse nos próximos dias.
 
Na manhã seguinte, 25 de setembro, uma força de mais de 50 bombardeiros escoltados danificou seriamente a fábrica da Companhia Bristol Aeroplane e causou mais de 250 baixas.
 
Os ataques às fábricas de avião e a utilização de caças-bombardeiros difícil de serem alcançados tornaram os defensores perturbadoramente cônscios de que apesar das contínuas incursões sobre Londres, ainda que feitas com menos aviões que antes, a Luftwaffe estava recuperando a objetividade revelada nos ataques de fins de agosto, contra os aeródromos de setor.
 
Como que confirmando o receio do Comando de caças, uma força mista de mais de 70 Me 109, He 111 e Ju 88 subiram de suas bases na Bretanha e atacaram a fábrica de Spitfire em Southampton, dando um exemplo do novo padrão de bombardeio adotado. Em poucos minutos, 70 toneladas de bombas já haviam caído, e como tal efeito que a produção foi suspensa e três novos caças foram destruídos nas oficinas, dando à Luftwaffe um ganho nítido naquele dia. Na luta aérea, registraram-se 3 baixas para cada lado.
 
Uma vez mais a iniciativa retornara à Luftwaffe, fato que se tornava patente, durante a Batalha da Inglaterra, toda vez que a força aérea alemã se concentrava, ainda que temporariamente, nos alvos táticos ou estratégicos de valor. Ao mesmo tempo, a Luftwaffe começava a desnortear os esquadrões interceptadores com um novo estratagema - entremeando formações de caças verdadeiros com caças-bombardeiros. Vastas formações de Me 109 despachadas para atrair Spitfires e Hurricanes para combate podiam ser ignoradas com boa segurança, mas as formações que continham bombardeiros e caças-bombardeiros exigiam atenção. Bastava apenas alguns desses ataques contra as fábricas de aviões - a dispersão estava sendo feita, mas ainda não era plenamente eficaz - para pôr a superioridade aérea ao alcance do inimigo antes da chegada do inverno.
 
Felizmente para os defensores, a maioria das formações de caça de grande altitude não conseguia mais que a derrubada de alguns caças da RAF. A 27 de setembro, voltando às suas antigas formações - bombardeiros Dornier, Heinkel e Junkers escoltados - à Luftwaffe foi mostrada a sua vulnerabilidade diurna. De 80 aviões que rumavam para Bristol e dos 300 para Londres, os alemães perderam 55, para 28 da RAF.
 
A participação dos bombardeiros Dornier, Heinkel e Junker estava quase no fim. No último dia de setembro de 1940, os bombardeiros Dio 17 e He 111, tão eficientes na Espanha, tão proveitosos na França, juntaram-se ao bombardeiro de mergulho “Stuka” Ju 87 entre os aviões comprovadamente obsoletos para combate nos céus da Inglaterra. O Ju 88, que era mais veloz e mais recente, também não se saiu bem. Foi um dia ruim para a Luftwaffe: 47 aviões - na maioria bombardeiros - derrubados ao preço de 20 caças da RAF.
 
Em menos de 2 meses, a lenda da invencibilidade da Luftwaffe fora destruída. Os bombardeiros, que deveriam ter aberto o caminho para a vitória em apenas 4 dias, foram obrigados a se ocultar na sombra da noite, e o caça Me 110 de longo alcance foi de tal forma desacreditado, que necessitava de uma escolta de Me 109 como bombardeiro de ataque-e-fuga.
 
Ponto de equilíbrio
 
Chegara o mês de outubro e em quase 12 semanas a Luftwaffe tentara por todos os meios a rápida obtenção da paz com ou sem conquista. Primeiro, saiu para o desfile de forças sobre o Canal da Mancha; depois, para as incursões curtas e intensivas sobre as estações de radar, empreendidas de maneira tão acertada e tão totalmente abandonadas. Em seguida, depois de perder-se sobre alvos sem importância, mudou a mira para os aeródromos de caças, particularmente as estações de setor de Park. Veio a provação de Londres e, por último, os atrasados bombardeios de precisão das fábricas de aviões.
 
Abandonando cada nova tática às vésperas de se vitoriar, a Luftwaffe ganhara pouco, perdera 25% dos seus efetivos operacionais e não valorizara a reputação que tinha.
 
Contudo, visto dos QGs do grupo de Park e do comando de Dowding, o desempenho da Luftwaffe ainda era motivo de graves preocupações. No começo de outubro, a possibilidade de bom tempo sustentava de pé a perspectiva de invasão; além disso, a nova tática do caça-bombardeiro continuava criando problemas.
 
Livres da presença dos bombardeiros bimotores leves, as formações de caça diurnas voavam a altitudes de 6.000m a 7.500m, colocando-se fora da área de detecção pelo radar e altas demais para que o Corpo de Observadores produzisse um traçado preciso. Insatisfatório também redundou o esforço feito, por meio de aviões de exploração voando a grande altura, no sentido de acusar a aproximação do inimigo. Vários desses aviões foram derrubados. O desempenho do Me 109 acima de 7.500m - graças ao seu superalimentador de dois estágios - era ainda melhor do que o dos Spitfires e Hurricanes Mark 2 que estavam então aparecendo.
 
A técnica noturna do Comando de Caças melhorara pouco durante os meses de verão. Em outubro havia apenas 6 Esquadrões de Caça noturno Blenheim e 2 Defiant em serviço, mas suas surtidas tinham resultados erráticos. O caça noturno, equipado com radar de interceptação de confiança, estava ainda por nascer, embora o novo Beaufighter com radar já estivesse em experiência. Quanto às defesas antiaéreas, os refletores e canhões davam mais esperança aos civis do que dificuldades para o inimigo, além de serem mais barulhentos que eficazes. Mas o barulho não constituía problema, porque a Batalha da Inglaterra estava sendo travada tanto nas ruas como nos céus de Londres, onde os rastros tenuêmente marcados pelos aviões em luta mostravam a que altitude os caças e caças-bombardeiros haviam elevado o conflito.
 
Embora o domingo 15 de setembro - o dia supremo da Batalha da Inglaterra - marcasse o ponto culminante do maciço regime de carga dirigido contra a capital, a provação subsequente de Londres foi, em alguns aspectos, mais penosa.
 
A frase “Londres pode agüentar” já era um chavão no começo de outubro, mas quantas semanas mais, de morte e destruição, Londres poderia realmente agüentar? Entre os que se perguntavam isto estava Goering, que via no colapso do moral do povo de Londres, aterrorizada e em chamas, como o caminho mais provável para a vitória do que os “quatro dias” arbitrários com os quais se hipnotizara durante o verão.
 
Achando melhor ignorar a finalidade original dos ataques em massa realizados entre 7 e 15 de setembro - a destruição dos remanescentes da RAF que decolariam e dariam tudo na defesa da capital - o marechal do Reich passou a exigir a desmoralização do povo britânico pela completa destruição de Londres.
 
Se as noites insones, a destruição das ruas e dos lugares que lhe eram familiares, o avultado número de mortes, de lares reduzidos a escombros pela explosão de bombas e pelo fogo poderiam combinar-se para vergar o moral do londrino, então a Luftwaffe por certo venceria a Batalha da Inglaterra. Goering visualizava o seu término para meados de outubro; ele tranqüilizou seus pilotos, que já mostravam sinais de cansaço: “Seus ataques infatigáveis e corajosos ao coração do Império Britânico, a cidade de Londres, reduziram a plutocracia britânica ao medo e ao terror. As perdas que vocês tem infligido à decantada RAF, em decididos combates entre caças, são insubstituíveis.
 
Mas a vontade britânica de continuar lutando, alimentada pela oportuna exaltação de Churchill, e os caças que saiam das linhas de produção de Beaverbrook desafiavam as afirmações do Comandante-Chefe da Luftwaffe. Também a Família Real saiu dos seus castelos para se colocar mais próxima do povo, para participar da ansiedade de todas as classes. O rei e rainha, os pais da Rainha Elizabeth II, passavam muitas horas nas ruas bombardeadas, encorajando os bombeiros e compartilhando dos sentimentos daqueles cujas casas haviam sido destruídas. De certo modo, o fato de Hitler haver também bombardeado a residência londrina do rei ajudou.
 
O rei, procurando um meio de expressar sua admiração pela coragem dos civis e dos militares - todos então igualmente sob ataque - instituiu duas condecorações pessoais por bravura diante dos ataques aéreos. Falando pelo rádio do Palácio de Buckingham, o Rei Jorge VI proclamou a instituição da George Cross e da George Medal, e por coincidência dramática as sereias soavam enquanto o rei falava. A George Cross, disse o soberano, só seria superada pela Victoria Cross.
 
As bombas e minas que não explodiam, reconhecidas como uma ameaça nos aeródromos e fábricas, começavam a determinar o fechamento de ruas e a colocar as pessoas em perigo, como o rei bem sabia, pois tivera uma em seu próprio jardim, no Palácio de Buckingham. Os primeiros agraciados com as novas condecorações foram corajosos peritos integrantes das Unidades de Remoção de Bombas, homens como o Tenente R. Davies, do Real Corpo de Engenheiros, que desarmara uma bomba de alto explosivo que caíra junto à Catedral de São Paulo.
 
Corria o mês de outubro e os londrinos procuravam conviver com seu “fado”, enquanto os incursores diurnos se tornavam progressivamente mais esquivos, à medida que caças e caças-bombardeiros apareciam a altitudes cada vez maiores.
 
Os pilotos de Park, que inicialmente achavam que os Me 109 e Me 110, a 6.000 e 7.5000m, estavam muito longe, não demorou para que estivessem operando a 9.000m - altitude de combate que os Spitfires e Hurricanes tinham dificuldade de atingir a tempo de interceptá-los.
 
Os problemas de rastreamento de fins de setembro e começo de outubro pioraram com o começo das condições meteorológicas características do final de outono, e os primeiros avisos que o radar e o Corpo de Observadores podiam esperar chegavam quando os incursores estavam a apenas 20 minutos de vôo de Londres.
 
Assim, o Vice-Marechal-do-Ar Park teve de reconsiderar suas táticas mais uma vez. Se seus pilotos levavam até 30 minutos para atingir a altitude de 9.000m e se a presença do inimigo era anunciada com 20 minutos de antecipação, impunha-se a manutenção em vôo de patrulhas de prontidão. “A experiência amarga”, lembrou Park aos seus controladores de operações, “tem provado repetidamente que é melhor interceptar o inimigo com um Esquadrão acima dele do que com toda uma ala voando abaixo dele, provavelmente depois que o inimigo lançou suas bombas”.
 
As palavras de Park vinham repassadas de amargura, porque enquanto ele as escrevia as incursões de grande altitude estavam se tornando regulares. A 15 de outubro, um dia típico, 30 Messerschmitts bombardearam Londres às 09:00 horas, atingindo a Estação de Waterloo; 45 minutos depois, mas 50 Messerschmitts bombardearam os quarteirões financeiros da cidade. Às 11:30 horas, mais outra formação cruzou o estuário do Tâmisa, e durante toda aquela noite houve incursões à luz do luar. O serviço de trens parou nos cinco grandes terminais londrinos. O metrô foi interrompido em cinco pontos, houve 900 incêndios e mais de 400 pessoas morreram. As perdas da Luftwaffe nas operações diurnas e noturnas totalizaram 14 aviões; a RAF perdeu 15.
 
Em fins de outubro, no Comando de Caças, a impressão era de que o pesadelo nunca mais acabaria, pois não havia muito o que fazer para deter os incursores noturnos. Dowding e Park ainda estavam procurando a solução do problema.
 
Depois de um longo verão de luta incessante, as novas táticas da Luftwaffe impuseram uma tensão quase intolerável ao Comando de Caças. Em agosto e na primeira metade de setembro, os esquadrões de caças pelo menos tinham conseguido descansar e permanecer nos seus aeródromos entre as corridas para decolar. Depois disso, a necessidade do patrulhamento de área a 9.000m e de lutar àquela altitude impôs um castigo físico muito mais severo aos pilotos, que já estavam passando até 5 horas de vôo operacional por dia. As expectativas de vida de um piloto de caça, na Batalha da Inglaterra passara a ser, desde então, avaliada em 87 horas de vôo - ou pouco mais de uma quinzena, no índice máximo de emprego. Por volta de 31 de outubro, 415 pilotos, de um total de cerca de 1.500 que participaram da Batalha, tinham morrido.
 
Quando tudo acabou, quando a Batalha aérea da Inglaterra pôde ser analisada dentro de uma perspectiva mais ampla, em conjunto com as operações subsequentes, quando finalmente, os livros de História exigiram datas, a oficialidade britânica fixou o período de 10 de julho a 31 de outubro como o da Batalha da Inglaterra. Evidentemente, batalhas aéreas foram travadas antes e depois de julho e outubro, mas a História e a concessão inevitável de condecorações de campanha para as tripulações aéreas exigiam datas. Em novembro, embora a situação da Inglaterra continuasse perigosa, o povo parecia sentir que o momento da morte começava a distanciar-se.
 
A confiança, raiando mesmo pela complacência, retornou. As corridas de cavalos com obstáculos estavam em plena estação e as corridas de galgos começavam a atrair muito mais que qualquer outro esporte. Nos campos de golfe, onde Beaverbrook mandara depositar os restos de bombardeiros alemães, para ressaltar a inoportunidade do passatempo, os gramados começavam a ser desimpedidos. Um anúncio da época mostrava quatro Spitfires num céu azul – nenhum caça da Luftwaffe à vista – e dizia: “Estes são os homens que, quando de licença, perseguem uma bola de golfe com a mesma determinação com que perseguem sua presa”.
 
Os britânicos se estavam condicionando para a guerra e até mesmo abreviando a feia palavra Blitzkrieg para “blitz”, conseguindo fazer com que o sinônimo de terror caísse melhor no ouvido dos que tiveram o lar destruído pelas bombas, do pessoal dos abrigos e dos que trabalhavam durante os ataques aéreos. “Não se preocupem”, diziam, “tomaremos um chá quando a blitz terminar”.
 
Por volta de novembro, os civis já aceitavam os ataques aéreos como fato da vida diária. Muitos se sentiam até orgulhosos por se mostrarem mais na linha de frente do que os soldados. Contudo a RAF não podia aceitar os ataques aéreos com a mesma resignação. Afinal de contas, seu trabalho era impedir a entrada do inimigo, ou pelo menos desviá-lo dos alvos importantes, e nem sempre o estava conseguindo. Entre 7 de setembro e 13 de novembro, Londres foi bombardeada por 160 aviões, em média, durante 67 noites consecutivas, descansando neste período, apenas uma. Com as incursões diurnas diminuindo e roubando à RAF a oportunidade de derrubar aviões inimigos, o desalento pela sua relativa incapacidade à noite aumentava. Mas houve um momento de alívio que chegou a ser até cômico.
 
Para constrangimento da Luftwaffe, a Regia Aeronáutica de Mussolini, decidida a dar também a sua contribuição para a conquista da Inglaterra, foi-se estabelecer em bases na Bélgica. Desde fins de outubro, bombardeiros italianos vinham atacando os portos ao longo da costa leste da Inglaterra, à noite. A 11 de novembro, introduzindo um momento de opereta no cenário diurno que se fechava, os italianos, usando capacetes de latão e baionetas, apareceram durante o dia, voando sobre o Mar do Norte em 10 bombardeiros Fiat BR20, escoltados por 40 caças, biplanos, Fiat CR42. Depois de se recuperarem do espanto, os pilotos de dois esquadrões interceptadores de Hurricanes derrubaram três bombardeiros e três caças sem perder nenhum dos seus.
 
Com esta nota de alívio, terminou o período das grandes operações diurnas contra a Inglaterra, em 1940. A 14 de novembro, o bombardeio de Conventry iniciaria um inverno de bombardeios de terror por toda a Inglaterra. Mas Londres resistiria, assim como todas as outras grandes cidades; a destruição de um centro após o outro, longe de provocar o clamor público pela paz, aumentou a determinação do povo britânico de ir até o fim. Mas a história do inverno de terror da Inglaterra, da blitz noturna que quase arranca o coração das suas cidades, até a invasão da Rússia, pela Alemanha, em 1941, está fora dos limites deste livro.
 
Em meados de novembro, a Batalha diurna da Inglaterra, que atingiu seu ponto culminante a 15 de setembro e prosseguiu até o fim de outubro, fracassara com o sombrio desempenho da Força Aérea de Mussolini. A possibilidade de a Alemanha conquistar a Inglaterra em 1940 começava a diluir-se.
 
O veredito da História
 
Basicamente, a Luftwaffe estava mal equipada para a Batalha da Inglaterra. Os primeiros sucessos na Espanha, Polônia, frança e Bélgica deram à Força Aérea Alemã uma idéia falsa de sua capacidade. Em primeiro lugar, os pais da Luftwaffe, alimentando o filho intelectual no texto do Tratado de Versalhes, haviam construído uma arma aérea para apoiar tanques e infantaria na campanha, trabalho que a Luftwaffe realizou de maneira magnífica no continente.
 
A França resistiu tão pouco, que a Luftwaffe pôde funcionar de maneira impecável. Em maio de 1940, a excelência da tática da Luftwaffe no apoio cerrado a um exército que avançava colocara as Frotas Aéreas 2 e 3, de Kesselring e Sperrle, na costa do Canal da Mancha. Tudo indicava que a Inglaterra estava à mercê dos comandantes das Frotas Aéreas. Erroneamente, suas tripulações viam o Canal apenas como um rio Mosa mais largo e agitado. Apenas 35 Km, no seu ponto mais estreito, e, uma vez na outra margem, a Luftwaffe prosseguiria na sua acalentada função de apoio tático ao exército – marchando finalmente sobre Londres. Contudo, a Luftwaffe, pelo que se conseguiu saber, não estava corretamente equipada para estabelecer o requisito prévio de uma invasão, a completa superioridade aérea sobre o ponto de invasão, no sudeste da Inglaterra. Mas, curiosamente, a incapacidade era acidental.
 
Deixando momentaneamente de lado os erros de critério, as mudanças caprichosas de ênfase que precederam e sucederam o “Ataque das Águias”, em meados de agosto de 1940, a Luftwaffe carecia de uma rama essencial para o sucesso: o bombardeiro quadrimotor pesado. Esse avião estaria disponível em grandes números não fosse a morte acidental do General Walther Wever, o primeiro Chefe do Estado-Maior da Luftwaffe e o mais ardente defensor do bombardeiro estratégico, na Alemanha. Perspicaz e dotado de mentalidade tecnológica, Wever planejara a produção em massa do bombardeiro quadrimotor, com um raio de ação que atingiria o norte da Escócia, onde toda a Home Fleet britânica ficava ancorada, em 1940. Encorajadas por Wever, as companhias Dornier e Junkers construíram em 1935, os protótipos do Do 19 e do Ju 89. Mas, naquele ano, Wever morreu num acidente de avião e os bombardeiros estratégicos Dorniers e Junkers, que poderiam ter dado à Alemanha a vitória em 1940, morreram com ele. Os dois aviões foram cancelados por Kesselring, em favor do bombardeiro de mergulho “Stuka” e dos bombardeiros bimotores médios que me breve se tornariam tão conhecidos.
 
Se Goering tivesse uma frota de bombardeiros estratégicos para lançar contra cadeia de radar, os aeródromos do setor de Grupo 11, as fábricas de aviões e talvez também contra a Marinha Real, seu sonho de “quatro dias” talvez se tivesse realizado. Teria apenas de controlar suas mudanças de ênfase. O dano que os bombardeiros médios e os caças-bombardeiros produziam quando atacavam alvos importantes – como a incursão contra a fábrica de Spitfires, em Southampton – mostra o quanto seria diferente a presença do Do 19 e do Ju 89 que foram mandados cancelar.
 
Contudo, Wever morreu e a Luftwaffe justificou muito bem a decisão de Kesselring até alcançar a costa do Canal da Mancha. Mesmo então, na pior das hipóteses, ela poderia ter criado condições 50% favoráveis a uma invasão, não fosse a incapacidade crônica de Goering de encontrar um plano e ater-se ao mesmo. Isto porque, durante a maior parte da campanha, ele fora um Comandante-Chefe ausente, dando ordens de Berlim ou de Karinhall. Apesar de excelente piloto de caça da Primeira Guerra, Goering era tecnológica, estratégica e taticamente ignorante. Ele permanecia mentalmente na carlinga aberta da incipiente aviação de 1914-18. O seu conceito de guerra aérea moderna em nada ajudou ao desajudado por natureza tirocínio militar de Hitler. Fosse Goering uma vocação para o cargo que ocupava, tivesse ouvidos para os conselheiros tecnológicos, facilmente teria avaliado a importância do radar no sistema de defesa de Dowding. O serviço de informações da Luftwaffe mostrou-se ruim e impreciso antes e durante a batalha aérea. O radar não era nenhum segredo, desde que as altas torres começaram a ser erguidas, antes do início da guerra. A Luftwaffe perdeu terreno vital quando abandonou as investigações iniciadas pelo “Graf Zeppelin” após os primeiros resultados desapontadores.
 
Se os quadrimotores tivessem bombardeado os locais do radar e tornado as estações de setor insustentáveis, então os “Stukas” poderiam ter sido usados novamente em apoio de um exército invasor. As dispendiosas incursões de setembro, contra Londres, que finalmente roubaram à Luftwaffe quaisquer possibilidades de conquistar a superioridade aérea sobre a Inglaterra, não teriam ocorrido.
 
Em suma, um corpo de elite – até setembro as baixas o alteraram bastante – integrado por alguns homens excelentes, abandonados por uma liderança muito ruim, fez o máximo que pôde, com algumas máquinas excelentes mas mal distribuídas. Falando dos pilotos alemães, Dowding, o arquiteto da sua derrota, disse: “Eles se portaram com muita dignidade. Tiveram momentos terríveis, mas não esmoreceram”.
 
Poderia a Inglaterra ter-se saído melhor?
 
Superficialmente, a pergunta parece impertinente. A sobrevivência nacional estava em jogo e a RAF, para garanti-la, enfrentou desvantagens avassaladoras no começo da batalha e deteve o seu rumo para, aproveitando-se dos erros do inimigo, impor a sua experiência. Porém, o aspecto mais importante do extraordinário desempenho que teve foi que ela quebrou a exagerada reputação de invencibilidade da Luftwaffe e o excesso de confiança de seus integrantes.
 
Em Londres e nas grandes cidades da Inglaterra, a população apoiou “Os Poucos” demonstrando magnífico moral sob os ataques. Enquanto que, no ar, a vitória sobre a Luftwaffe criava uma dívida eterna para com “Os Poucos”, o estoicismo dos civis, inspirados por Winston Churchill, suscitava uma dívida difícil de ser atirada ao esquecimento. Por 12 semanas, a nação manteve-se de pé por uma parceria espiritual estimulada por Churchill: o piloto, o povo e o Primeiro-Ministro. Grandes parceiros nessa jornada inesquecível foram também Dowding, o cérebro do Comando de caças; Park, o capataz no local, e Beaverbrook, que sustentou miraculosamente, com caças novos ou reparados, o esforço desses homens a quem tanto tantos devem. Entretanto, estes homens não escaparam aos golpes da crítica posteriormente feita. Houve queixa de que Park, e implicitamente Dowding, deixara o inimigo passar muitas vezes, não matara alemães em quantidade suficiente e não dava ouvidos a conselhos; que Beaverbrook interrompeu temerariamente os programas a longo prazo da indústria aeronáutica para produzir caças. Mas, estando a sobrevivência em jogo, será que Dowding e Park ignorariam qualquer proposição prática? Teria Beaverbrook, que de fato deu a atenção possível à produção de quadrimotores pesados, cometido erro ao estabelecer as metas prioritárias?
 
A crítica dirigida a Park e, indiretamente, a Dowding e à direção geral do Comando de Caças, partia sobretudo de um setor.
 
À medida que a batalha esquentava, em julho, a frustração natural dos pilotos do Grupo 11, que se sentiam furiosamente refreados, não era nada em comparação com a do Grupo 12, onde havia até ressentimento. Enquanto que os pilotos de Park reclamavam porque só lhes permitiam atacar o inimigo em pequenos grupos, os esquadrões do Vice-Marechal-do-Ar Leigh-Mallory achavam que estavam vendo a guerra passar enquanto a Inglaterra caía. Para agravar a exasperação compreensível ao nível de esquadrão, o comandante do Grupo era um líder naturalmente agressivo, doido por uma luta. Mas Dowding construíra um sistema cuidadosamente ponderado de defesa e, nesse sistema, o homem-chave, Park, era um lutador defensivo, fazendo seus movimentos de olho no amanhã.
 
Poderia a RAF ter-se saído melhor com Leigh-Mallory no lugar de Park? Leigh-Mallory achava que sim. Insistia na grande ala, 5 formações de Esquadrões de 60 caças, como a que finalmente colocou nos céus de Londres a 15 de setembro, e que perseguiu o inimigo desde Westminster até o interior do mar. Mas acontece que a tática que logrou êxito nas condições vigentes a 15 de setembro representaria o desastre em junho e agosto.
 
É verdade que as grandes alas poderiam ter aumentado o número de aviões inimigos abatidos, uma vez que tivessem reunido e localizado o adversário. Mas, enquanto estivessem ganhando altitude, reunindo-se e procurando o inimigo, danos irreparáveis teriam sido causados aos aeródromos sob ataque. O trabalho nesse estágio da guerra, quando os esquadrões não dispunham de meios de se comunicar entre si uma vez no ar. Além disso o fato de oferecer à Luftwaffe as grandes alas, compostas de elevada percentagem dos efetivos operacionais da RAF, teria ajudado o plano inimigo de eliminar a resistência de caça no canto sudeste de invasão da Inglaterra. Embora pequenas as forças de interceptação de Park, nas primeiras semanas da batalha, elas conseguiram repetidamente romper as formações inimigas e muitas vezes desviar os caças de escolta, deixando a força de bombardeiros aberta ao ataque. Quando, mais tarde, durante a batalha, Park começou a emparelhar esquadrões e até mesmo a reunir formações maiores não foi por causa da pressão exercida pelo Grupo 12, mas porque as táticas da Luftwaffe estavam mudando. Quando, em virtude da introdução dos caças-bombardeiros, Park colocou patrulhas de prontidão a alturas superiores a 6.000 m, o fator tempo na reunião de uma ala não era tão premente.
 
Apesar de tudo isto, em novembro de 1940 a autoridade superior foi atraída para a teoria da grande ala e deixou-se levar por uma descrição emocionante do que poderia ter acontecido e do que poderia acontecer no futuro.
 
Quando a invasão já não era mais provável, quando os incursores diurnos já haviam sido expulsos dos céus da Inglaterra pelo inverno, Dowding, algo ignobilmente - embora já contasse 60 anos - foi demitido, como já esperava desde que tudo começara, em 1936.
 
A 25 de novembro, ele foi substituído pelo Marechal-do-Ar Sholto Douglas, mais tarde promovido a marechal da RAF, honra jamais concedida a Dowding. Pouco depois, Park foi substituído por Mallory, que o vinha vigiando há muito tempo. Essas injustiças foram parcialmente reparadas pela subsequente elevação de Dowding a Par do Reino e pelos importantes comandos dados a Park em Malta e no Sudeste Asiático. A contribuição conjunta de Dowding e Park para a sobrevivência nacional igualou, se não superou, a folha de serviços de Nelson em Trafalgar, o maior heróis da Inglaterra até então conhecido.
 
E quanto a Beaverbrook, o terceiro homem do trio? Churchill e Dowding não deixaram a posteridade em dúvida quanto à opinião que tinham sobre o milionário jornalista da Fleet Street que produziu os caças. Dowding considerava a nomeação de Beaverbrook uma decisão importante como o veto de Churchill ao envio de reforços de caças à frança, em maio de 1940. Churchill precisava da sua “energia vital e vibrante”.
 
Beaverbrook, rico, poderoso, com 61 anos de idade, era impedido por um curioso incentivo. “Londres tem muitos postes de iluminação”, dizia ele, “e Hitler reservou um para mim - e nele eu teria sido enforcado se não tivesse produzido os caças”.
 
Vitoriosa a Luftwaffe, o exército alemão teria ocupado Londres e, em poucas semanas, entre as muitas medidas de opressão que estava decidida a tomar, a Alemanha teria ativado o programa do Coronel das SS, Professor Six, que previa a deportação de todos os homens fisicamente aptos entre 17 e 45 anos.
 
Sem a cobertura aérea, é improvável que a Marinha Real tivesse conseguido o controle dos mares.
 
A mensagem da Batalha da Inglaterra é inequivocadamente a de que, sob a inspiração nacional de Winston Churchill, “Os Poucos” salvaram o povo britânico de ser escravizado pela Alemanha de Hitler.
 
 
 
 


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