A
Batalha da Inglaterra
Tanto...
a tão poucos
Os caças britânicos
penetravam repetidamente nas densas formações de bombardeiros
alemães, apesar das enormes escoltas. Seis Hurricanes contra setenta
Dorniers; doze Spitfires contra cem Heinkels. Transcorria o verão de
1940 e os “poucos”, um galhardo grupo de 3 pilotos de caça, eram
o que havia para impedir a derrota da Grã-Bretanha e do mundo livre.
Pleno verão, 1940
No encerramento do seu mais
famoso discurso de tempo de guerra, Churchill usou as seguintes
palavras: “A Batalha da França está terminada... A da Inglaterra
está prestes a começar. Dela depende a sobrevivência da
civilização cristã. Dela dependem o nosso modo de vida e a
continuidade das nossas instituições e do nosso Império”.
Estas palavras continham um
elemento de verdade histórica normalmente não encontrado nos
discursos públicos tão claramente expresso. No fim do verão de
1940, somente a Inglaterra desafiava ainda o poderio alemão e
rejeitava a filosofia nazista - porque, de todas as potências que
haviam tomado as armas contra Hitler, somente ela permanecia
inconquistada. Além da Inglaterra, apenas a Rússia e Estados Unidos
podiam oferecer resistência física à Alemanha nazista, mas a
cegueira de seus governantes não lhes permitia ver o espantalho da
enorme ameaça à soberania dos povos que Hitler levantara.
Foi, portanto, verdadeiramente
vital para a liberdade do mundo a heróica resistência que a
Inglaterra opôs ao furor nazista no momento em que ele subia ao
auge.
Naqueles longos dias de verão
de 1940, em plena batalha da Inglaterra muitos e muitos jovens,
atendendo aos apelos de Churchill, deram, como Edward Bishop narra e
forma tão vívida, muito sangue e muito suor para que também ali
não descesse a noite da civilização. Num dos subúrbios londrinos,
um piloto de caça da RAF que abandonara o avião, por haver sido
atingido, foi entusiasticamente beijado por todo o pessoal da
lavanderia onde caiu, enquanto que, na costa, a policia local teve de
lutar para que pilotos da Luftwaffe que haviam sido derrubados não
fossem linchados pelas peixeiras.
Estes elementos estavam
presentes no momento em que se desenrolava o período de grande
adversidade para o povo britânico. Por trás deles, porém, o
esforço industrial que colocou nos céus o Spitfire, para o que
muito contribuíram a iniciativa de Lady Houston e a inventiva que
fez surgir o radar. As guerras sempre foram decididas mais pela
qualidade das armas e do equipamento do que o reconhece o sentimento
popular, e quanto mais industrializado se tem tornado o mundo, maior
o fator desempenhado pela habilidade técnica em comparação com as
antigas virtudes da bravura e da força. O livro de Edward Bishop
também ilustra este aspecto de maneira brilhante: a Batalha da
Inglaterra foi finalmente vencida pela capacidade de subir bem alto e
depressa, de disparar com boa pontaria e, mais importante ainda, de
estar no lugar certo na hora certa.
A queda da França
Para Berlim, era quase
inacreditável. A França, o velho inimigo, caíra ante o exército e
à Luftwaffe. Holanda e Bélgica haviam sido invadidas, a Dinamarca
fora ocupada e a Noruega, derrotada depois de luta breve e
implacável, enquanto que, no Leste, há pouco menos de um ano o até
então vitorioso exército germânico havia, conquistado em poucos
dias a Polônia, levantado forte trincheira contra Moscou.
Tudo tão fácil, uma
autêntica “barbada” para os alemães, tanto que, ao chegar o
verão de 1940 à Europa, era razoável que o povo alemão esperasse
que a Inglaterra procurasse a paz segundo os termos ditados por
Berlim. Certo que, ao firmar o armistício com o velho Marechal
Pétain, em fins de 1940, Adolf Hitler, o idolatrado Fuhrer, deus aos
alemães razões de sobra para esperar milagres.
Ao levar os derrotados
franceses à floresta de Compiégne, ao mesmo vagão em que a França,
em 1918, obrigara a Alemanha a depor as armas, Adolf Hitler,
procedendo de acordo com o sentido que abrigava, conferia ao ato o
colorido de vingança a que, segundo afirmava, tinha direito o povo
germânico.
Ali, Adolf Hitler, mais
poderoso na Europa continental do que Napoleão no auge do sucesso,
desceu risonho, do trem que o levou ao local, seguido de seus
feldmarechais. Gozava o ex-cabo, ao derrotar a França, o prazer de
ser vitorioso onde o Keiser e todo os seu brilhante Estado-Maior
haviam falhado. Era uma vingança gloriosa, após anos de luta e
prisão, pois Hitler retornara da Primeira Guerra decidido a vingar o
Tratado de Versalhes e os termos impostos à Alemanha pelos
vencedores de 1914-1918.
Mas, entre Adolf Hitler e suas
ambições estava a Real Força Aérea da Inglaterra, ou, pelo menos,
o que restava dela, após a queda da França e a evacuação do
exército britânico de Dunquerque. Para grande espanto dos
germânicos, os britânicos mantinham-se de pé. Em fins de maio e
começo de junho, eles haviam saído do continente, retornando à sua
pequena ilha, deixando para trás os seus blindados e o seu
equipamento. Em fins de junho, porém, eles se estavam preparando
desafiadoramente para a invasão através de 35 km de mar picado e,
na opinião dos alemães prolongando a guerra de maneira desesperada
e suicida. Por certo os britânicos não demorariam a concluir que a
situação era de desespero e que inútil seria a continuação da
guerra. A ilha estava sitiada, do golfo de Biscaia aos fiordes da
Noruega, por uma invencível Luftwaffe
Os alemães eram de opinião
de que a Real Força Aérea (RAF), ou melhor, o que restava dela,
estava flanqueada e em inferioridade numérica, e, sem cobertura
aérea, a Marinha Real, por mais poderosa e corajosa que fosse, não
podia salvar a Inglaterra do bloqueio ou da invasão. Em terra, as
cidades e indústrias do Reino Unido permaneciam à mercê da
Luftwaffe. Assim, não seria temerário e inútil continuar lutando?
O povo alemão contentava-se com o fato de que cedo ou tarde os
britânicos haveriam de ter bom sendo. Mais alguns dias e a guerra
estaria terminada.
Mas havia um homem na Alemanha
que não tinha tanta certeza. Adolf Hitler estava inquieto com
relação à Inglaterra e àquela mosquinha ridiculamente
desafiadora, a RAF. No inicio da luta pela conquista do poder que
empreendeu em 1933, Adolf Hitler registrou em seu testamento
político, o Mein Kampf, a opinião que tinha do povo britânico.
“pode-se confiar em que o governo e mesmo o povo britânicos, para
se vitoriarem na luta em que se venham a meter, hajam sempre com
muita tenacidade, e recorram até mesmo à brutalidade, ainda que o
equipamento militar disponível seja totalmente inadequado, comparado
ao de outras nações”.
Portanto, não era de espantar
que Hitler tivesse dúvidas quanto ao sucesso das propostas públicas
de paz que fez em junho de 1940 e, a 2 de julho, ordenou o
preparativo de planos provisórios para a invasão da Inglaterra.
Assim procedendo, ele revelava a intenção de silenciar os receios
que possuía de atacar a Inglaterra, deixando-se levar pelo
desempenho excepcional da Luftwaffe. Goering, Marechal do Reich e
Comandante-Chefe da Luftwaffe, confiava na previsão de que a sua
força aérea podia vencer as defesas de caça da Inglaterra em
questão de poucos dias. Hitler deixou-se levar pelo sonho.
Certamente ele achava a previsão otimista de Goering mais agradável
do que as advertências do Grande Almirante Raeder contra a invasão.
Além disso, como já estava pensando na conquista da Rússia na
primavera seguinte, o Fuhrer permitiu-se acreditar no golpe aéreo
arrasador desferido por Goering. Ele possivelmente evitaria a
necessidade de desembarques; possivelmente traria a Inglaterra para a
sua mesa de paz, onde talvez pudesse ser arregimentada como parceira
menor numa cruzada contra a Rússia comunista.
Mas, se fosse preciso fazer
desembarques, que fossem feitos. Depois de estabelecer a completa
superioridade aérea, a Luftwaffe neutralizaria a ameaça de
interferência da Marinha Real e aceleraria o avanço do exército
alemão rumo a Londres. Se na primavera a Luftwaffe lançara o
exército ao outro lado do Mosa e o levara até Paris, agora, pleno
verão, o que poderia ser o Canal da Mancha senão outra travessia?
Verdade que um pouco mais demorada e turbulenta.
No começo de julho, a
Luftwaffe, renovada e reequipada após a grande vitória continental,
estava pronta para reiniciar as operações em larga escala.
Descansando em Karinhall, sua casa de campo, situada nos arredores de
Berlim, Herman Goering esperava impaciente a hora de lançar as três
frotas aéreas contra a Inglaterra.
Enquanto manobrava seus trens
de brinquedo, o Marechal do Reich planejava o “Ataque das Águias”
que subjugaria a Inglaterra.
Do ponto de vista da Alemanha,
a Inglaterra e a França haviam ousado declarar guerra contra ela
enquanto invadia a Polônia. A Luftwaffe eliminara rapidamente a
Polônia e a França estava dobrada. A Inglaterra não demoraria a
descobrir que a Alemanha possuía uma arma aérea capaz de a derrubar
em poucas semanas.
Na verdade, Herman Goering
confiava tanto na capacidade da Luftwaffe de conquistar sozinha a
Inglaterra que não demonstrou qualquer interesse no planejamento do
exército e da marinha para a invasão. Duas frotas aéreas alemães,
a 2 e a 3, estavam de prontidão na França, Bélgica e Holanda,
enquanto que uma terceira, pouco menor que as duas outras, a Frota
Aérea 5, estava estacionada na Noruega e Dinamarca. Estas três
frotas aéreas totalizavam mais de 3.000 bombardeiros e caças, força
suficientemente grande para eliminar as defesas da área da invasão
da Inglaterra em quatro dias e terminar a guerra em menos de um mês.
Pelo menos assim pensava o Comandante-Chefe da Luftwaffe.
Enquanto os caças e
bombardeiros aguardavam nos aeródromos avançados, Goering pensava
orgulhoso no instrumento de conquista que havia criado. Vaidoso da
sua folha de serviços como piloto de caça, com 22 vitórias
creditadas na Primeira Guerra, Goering deu prosperidade à nova arma
aérea como Ministro da Aeronáutica da Alemanha, após a subida de
Hitler ao poder, em 1933. Contudo, o verdadeiro trabalho de base fora
feito anteriormente, pelos profissionais do exército, entre os quais
se encontravam os Feldmarechais Kesselring e Sperrle e o general
Stumpf, e os líderes da Luftwaffe que estavam enfrentado a
Inglaterra no comando das Frotas Aéreas 2, 3 e 5.
Explorando uma saída no
Tratado de Versalhes, os generais alemães, antes mesmo que os
nazistas subissem ao poder, haviam forjado sua grande arma de guerra,
o que aliás não fora difícil. Embora tivessem destruído o Corpo
Aéreo Alemão da Primeira Guerra Mundial, os Aliados não haviam
conseguido regulamentar o futuro da aviação civil alemã. Tendo
recebido permissão para manter uma organização de defesa nos
termos do Tratado, a Alemanha confiou o alto comando do exército ao
general von Seeckt, que, através da estreita ligação que manteve
com a aviação civil, lançou as bases da Luftwaffe em 1921 -
ajudado pelos jovens Kesselring, Sperrle e Stumpf. Outros que tinham
subido ao poder com os comandantes da frota aérea, e que agora se
encontravam montados confortavelmente no êxito-relâmpago da
Luftwaffe, também colaboraram. Entre outros que ocupavam postos
elevados no comando da Luftwaffe estavam Erhard Milch, até pouco
antes membro da linha aérea civil, a “Lufthansa”, e que em 1940
era Subcomandante-Chefe da Luftwaffe; Ernst Udet, Chefe de
Equipamento, e Hans Jeschonnek, Chefe do Estado-Maior Geral da
Luftwaffe. Além disso, os fabricantes alemães de aviões não
haviam perdido tempo diante das oportunidades que surgiram nos anos
entre as duas guerras. O resultado disso, foi que, no verão de 1940,
os aviões Dornier, Junkers, Heinkel e Messershmitt que estavam
prontos para conquistar a Inglaterra deviam sua existência aos
soldados e industriais que há 21 anos vinham preparando este ato de
vingança.
Já em 1928, habilmente
instalada na Suécia, a companhia Junkers construiu um bombardeiro de
mergulho, o precursor do Stuka, o Ju 87. Por volta de 1935, um
protótipo do Ju 87 estava voando na Alemanha - registrando uma
trepidação de cauda - acionado por um motor Kestrel, da
Rolls-Royce, a famosa companhia britânica de automóveis. Em 1933,
Ernst Udet fazia experiências com um par de bombardeiros de mergulho
Curtiss Hawk que adquirira aos Estados Unidos. O desenvolvimento dos
caças também não ficou parado, pois já em 1935 um Me 109 punha à
prova as suas qualidades, também acionado por um motor Kestrel,
inglês.
Os líderes da frota aérea e
seus aviões não eram, porém, os únicos produtos do rearmamento
secreto alemão; os comandantes em níveis mais baixos e muitos dos
que estavam prestes a decolar para o ataque à Inglaterra haviam sido
adestrados em campos e aeródromos desconhecidos dos Aliados.
A partir de 1924, oficiais
escolhidos eram despachados para uma escola de treinamento de pilotos
situada na Rússia, em Lipetz, e muitos dos que viriam a ocupar
comandos importantes durante a Batalha da Inglaterra, em 1940,
passaram por Lipetz como civis. Outros, usando uniforme italiano,
haviam treinado na Itália por cortesia do ditador Benito Mussolini.
Em 1926, por instigação de
von Seeckt, criara-se a Lufthansa como linha aérea estatal, sob a
direção de Erhard Milch, herói da aviação de guerra de 1914-18.
Em 1940, Milch era general e estava bastante desapontado com o fato
de a Luftwaffe ter sido refreada desde a evacuação de Dunquerque.
A futura força aérea alemã,
estimulada por von Steeckt, encontrou na Lufthansa um campo de
treinamento de primeira classe. As tripulações das aeronaves da
empresa tendo em vista os objetivos daqueles que inspiraram a sua
criação, somaram a seus deveres civis a instrução militar.
Somente em 1935 é que a
Luftwaffe finalmente se revelou, sob o comando de Goering, Milch e
outros camaradas da Primeira Guerra, como a mais poderosa força
aérea da Europa, e pronta para testar homens e máquinas em apoio à
insurreição de Franco contra o governo republicano espanhol. Foi
uma prova bem sucedida.
Na Espanha, unidades da
Luftwaffe comandadas por Hugo Sperrle e Wolfram von Richthofen, primo
do famoso às de caça da Primeira Guerra, compensavam a escassez de
artilharia de Franco. Ali, os bombardeiros de mergulho Ju 87, Stuka,
de von Richthofen, ensaiaram o cerrado apoio tático aos ataques e à
infantaria que produziu a aterradora Blitzkrieg - e colocou as Frotas
Aéreas 2 e 3 a poucos minutos de vôo dos aeródromos de linha de
frente da Inglaterra. Também na Espanha, pilotos da Luftwaffe que
estavam destinados à futura liderança, entre os quais Adolf Galland
e Werner Molders, que não demorariam a tornar-se figuras lendárias,
ganharam experiência de combate. Como parte dos esquadrões
“Condor”, das Alemanha, eles se aperfeiçoaram nas operações de
apoio cerrado ao exército que subseqüentemente conduziram às
vitórias alemães de 1939 e 1940, na Polônia e na França. A
Luftwaffe aproveitou ao máximo as oportunidades de treinamento que
teve nos céus da Espanha, revezando voluntários inexperientes com
“veteranos” da guerra civil, para difundir a experiência por
toda a arma.
Tomando por base as
possibilidades da força que tinha sob comando, Goering considerava
um desperdício de tempo e reforço o trabalho de planejamento da
invasão da Inglaterra. Na sua opinião, os 800 caças Me 109, os 300
caças-destróiers bimotores de longo alcance Me 110, os 400
bombardeiros de mergulho Ju 87 e os 1.500 bombardeiros Dornier,
Heinkel e Junkers tornavam redundante o planejamento da invasão.
Em Karinhall, aumentando
impaciente a velocidade do trenzinho de brinquedo com que se divertia
em casa, o Comandante-Chefe da Luftwaffe desejava sinceramente que
ele fosse o trem especial que o levaria à costa do Canal da Mancha
para testemunhar o fim da Inglaterra.
Todavia, Hitler não conseguia
persuadir-se a dar o passo irrevogável enquanto fosse possível a
paz sem conquista. A 16 de julho, duas semanas antes de ordenar a
feitura de um plano provisório para a invasão, ele emitiu a
Diretiva 16, detalhando alguns pontos da operação: “Como a
Inglaterra, apesar de sua desesperada situação militar, ainda não
demonstra disposição de chegar a um acordo, decidi preparar, e, se
for necessário, executar, uma operação de desembarque contra ela.
O objetivo dessa operação é eliminá-la como base de onde possam
vir a dar prosseguimento à guerra contra a Alemanha e, se
necessário, ocupar completamente o país”. O documento não fixava
data. A invasão ainda era, apenas, uma questão de planejamento de
contingência.
Enquanto o exército, a
marinha e a força aérea, seguindo as ordens de Hitler, faziam seus
preparativos, o povo alemão não podia crer que a Inglaterra fosse
tão imprudente a ponto de provocar uma invasão. Os jornais de
Berlim estavam quase certos de que a guerra terminara. “A
Inglaterra está à beira de uma decisão”, declarou o vespertino
Nachtausgabe. “Existe apenas uma leve possibilidade de vir a
Inglaterra a oferecer qualquer resistência militar... O povo
britânico está positivamente temeroso dos próximos acontecimentos
militares e políticos”.
Bandeiras de vitória, música
de vitória e alegria de vitória - o Fuhrer relaxara suas restrições
à realização de bailes às quartas-feiras e sábados - tudo isso
ocorria para dar ao povo a sensação de que tudo estava terminado;
alguns generais também pensavam assim. Rommel escreveu, da França,
à sua mulher: “segundo calculo, venceremos a guerra dentro de uma
quinzena. O tempo está encantador - se há alguma diferença, está
ensolarado demais”.
Hitler esperava que os
otimistas estivessem certos, mas inquiria-se em silêncio: será que
os britânicos realmente cederiam sem lutar? O verão, período
próprio para a campanha, começava a escoar-se. Só havia um rumo a
tomar: submeter as propostas de paz a um último e dramático teste,
e se estas fracassassem, soltar a Luftwaffe e dar a Goering a
oportunidade por que esperava. A 19 de julho de 1940, Adolf Hitler
falou ao mundo:
“Nesta hora, julgo ser do
meu dever, perante a minha consciência, apelar uma vez mais para a
razão e o bom senso, tanto da Inglaterra como do resto do mundo.
Considero-me em condições de fazer este apelo porquanto não sou um
vencido buscando favores, mas o vencedor falando e nome da razão.
Não vejo por que esta guerra deva prosseguir. Angustio-me só em
pensar nos sacrifícios que ela exigirá. Gostaria de evitá-los
também para meu povo... Possivelmente o Sr. Churchill fará de novo
por ignorar as minhas declarações alegando que são apenas nascidas
do medo... Neste caso, terei desobrigado a minha consciência quanto
ao que possa acontecer... O Sr. Churchill deveria, pelo menos uma
vez, acreditar quando digo que um grande império será destruído -
um império que jamais pretendi destruir ou mesmo prejudicar.
Todavia, compreendo que esta luta, se prosseguir, só pode terminar
com o completo aniquilamento de um dos adversários. o Sr. Churchill
talvez creia que será a Alemanha. Eu sei que será a Inglaterra”.
A Inglaterra se
entrincheira
Em Londres, Winston Churchill
desdenhava o apelo de Hitler à razão, o que parecia insensato para
os que estavam fora da Inglaterra. Depois de anos de exílio no
deserto político, anos em que não se cansou de advertir os
sucessivos governos britânicos da ameaça que representava o
rearmamento da Alemanha, Churchill substituiu Neville Chamberlain
como Primeiro Ministro, a 10 de maio de 1940 - no dia exato em que
Hitler invadiu a França e os Países Baixos.
Assim, em poucas semanas,
Churchill viu realizados os seus piores receios. Viu a Luftwaffe
abrir caminho à força para o exército alemão até a costa do
Canal da Mancha, e no processo, viu também a RAF ser reduzida. Mas,
exceto para aplicá-la a um adversário, a palavra rendição jamais
fora encontrada em seu vocabulário - embora, em sua sensatez, ele
respeitasse a opinião pessimista dos observadores estrangeiros e
suas razões. Através do rádio, ele afirmou: “Não é difícil
compreender até que ponto receiam pela nossa sobrevivência os
bondosos observadores do outro lado do Atlântico e os amigos
naturais de países da Europa ainda não violentados, que não tem
condições de medir nossos recursos e nossa determinação, depois
de terem visto tantos estados e reinos destroçados, em questão de
semanas ou mesmo dias, pela monstruosa força da máquina bélica
nazista”.
Falando em Pearl Harbor, o
Coronel Knox, Secretário da Marinha dos Estados Unidos e amigo da
Inglaterra, endossaria as palavras de Churchill quando, no auge da
batalha disse: “As possibilidades de vitória da Inglaterra são
agora superiores a 50%”.
Após a queda da França,
Churchill dirigiu-se assim à nação: “O que o General Weygand
chamou de a Batalha da França está terminada. A Batalha da
Inglaterra está prestes a começar. Dela dependem o nosso modo de
vida e a continuidade das nossas instituições e do nosso império.
Toda a fúria e todo o vigor do inimigo deverão em pouco ser
assestados contra nós. Hitler sabe que terá de destruir-nos nesta
ilha ou perder a guerra. Se o pudermos resistir, toda a Europa poderá
ser libertada e a vida do mundo poderá erguer-se aos píncaros
ensolarados. Mas, se fracassarmos, o mundo inteiro, inclusive os
Estados Unidos, e tudo o que conhecemos e que apreciamos, mergulharão
no abismo de uma nova era de obscurantismo, tornada ainda mais
sinistra, e talvez mais prolongada, pelas luzes de uma ciência
pervertida. Portanto, cobremos coragem para cumprir nosso dever e nos
comportemos para que, se o Império Britânico e a Comunidade das
Nações durarem mil anos, possam todos ainda assim dizer: Este foi o
seu momento supremo”.
Assumindo o cargo a 10 de
maio, confrontado, imediatamente pela invasão da França e, pouco
depois, pela evacuação de um exército britânico em retirada e
despojado da maior parte do seu equipamento militar, Churchill não
teve tempo de reparar os erros dos seus predecessores, de preparar-se
para a batalha que, segundo temia, devia sem demora atravessar o
Canal, a qual antecipadamente denominou Batalha da Inglaterra.
Por trás da estimulante e
oportuna convocação de Churchill à nação depositava-se a
história, triste e longa, da falta de disposição do governo
britânico para encarar o alarmante rearmamento da Alemanha como uma
ameaça à paz mundial. Em conseqüência, era apenas razoável a
rede de defesa contra ataques aéreos - mesmo depois da queda da
França.
Na verdade, se não fosse a
inventiva pessoal, a filantropia particular, o espírito público e a
capacidade empresarial de vários indivíduos e companhias
fabricantes de aviões, a RAF não teria sido equipada com quaisquer
aparelhos que pudessem competir com a Luftwaffe, como os caças
Spitfire e Hurricanes. Em 1936, quando a Luftwaffe já estava
preparando seus novos Do 17, He 111, Ju 87 e Me 109, os modernos
monoplanos, submetidos à prova um ano mais tarde, na guerra civil
espanhola, Londres era protegida por biplanos.
Num exercício realizado em
1936 para a defesa dos principais aeródromos de caças de Londres,
Biggin Hill, Hornchurch e North Weald, o Comando de Caças da RAF
reunira três esquadrões de Bristol Bulldogs, quatro de Hawk Ruries
e um de Gloster Gauntlets, Quando Neville Chamberlain retornou de
Munique, no outono de 1938, dos 30 esquadrões de caça operacionais,
apenas um estava equipado com Spitfires e 5 reequipados com
Hurricanes.
Se, nos anos inquietos que
precederam a deflagração da Segunda Guerra Mundial, a Luftwaffe
contava com dedicados servidores, homens com experiência como o seu
Comandante-Chefe, Hermann Goering, adquirida nos combates de 1914-18,
a RAF também tinha seus líderes do Real Corpo de Aviação do
passado.
A diferença é que oficiais
como o Marechal-do-Ar Sir Hugh Dowding chefe de pesquisa e
desenvolvimento no período crítico do começo até meados dos anos
30, tiveram pela frente líderes políticos que não se estavam
preparando para a guerra. Carecendo de entusiasmo governamental e de
generosidade financeira, Dowding e seus colegas estavam em
desvantagem em relação aos seus equivalentes da Luftwaffe.
Apesar disto, ainda que os
protótipos dos caças Spitfire e Hurricane só fossem encomendados
em 1934 e 1935, respectivamente, a liderança da RAF britânica não
se manteve ociosa, mas a evolução do Spitfire e do Hurricane se
devia tanto a uma série de incidentes românticos e gestos corajosos
quanto ao planejamento da defesa. Uma história realmente estranha.
Em 1927 e 1929, enquanto as
sementes da Luftwaffe estavam sendo plantadas às ocultas, a RAF
conquistara o “Troféu Schneider”, o cobiçado prêmio de uma
corrida internacional de hidraviões bienalmente disputada. Uma
terceira vitória conquistada em 1931, daria à Inglaterra a posse
definitiva do troféu. Mas, por motivos econômicos, o governo
britânico não deu à RAF as condições de competir. Portanto,
parecia que a RAF teria de se conformar em ver os Estados Unidos ou,
talvez, a Itália lhe arrebatar o troféu. Foi então que a rica e
excêntrica Lady Houston ofereceu 50.000 libras esterlinas para
cobrir as despesas com a participação dos britânicos. O governo
cedeu envergonhadamente e a RAF, montada num avião que seria o pai
de todos os Spitfires, venceu a corrida e conservou o troféu. Os
marechais-do-ar aproveitaram a oportunidade e fizeram pedidos de dois
protótipos distintos de caças, segundo especificações
relacionadas com a experiência adquirida nessa disputa.
Era uma corrida contra o
tempo. O avião que conquistara o “Troféu Schneider” em 1931
havia saído da prancheta de desenho de R.J. Mitchell,
projetista-chefe da Companhia Supermarine, e Mitchel estava morrendo.
Em férias na Alemanha, após uma intervenção cirúrgica séria,
Mitchell conhecera entusiastas alemães da aviação e voltara cheio
de presságios sobre o futuro. Ele sabia que estava trabalhando
contra o relógio por dois motivos, suas ruins condições de saúde
e o rearmamento da Alemanha. Em sua ansiedade, Mitchell trabalhava em
dois aparelhos - o primeiro dentro das especificações restritivas e
retrógradas do governo, e o segundo, o verdadeiro Spitfire, para
realizar a sua visão e da Companhia Supermarine do que deveria ser
um caça moderno. Reginald Mitchell morreu em 1937, aos 42 anos de
idade, pouco depois que os primeiros Spitfires produzidos começaram
a voar.
Sydney Camm, da Hawker, criou
o Hurricane. Camm sentia-se feliz em fugir aos biplanos, cujo valor
ele há muito vinha discutindo com a Força Aérea, que ainda estava
influenciada pelo relatório de uma comissão de 1912, que decidira
que os monoplanos eram perigosos.
Considerando-se que
trabalharam contra o tempo, é extraordinário como Mitchell e Camm
reduziram a vantagem da Alemanha. Afinal de contas, eles estavam
enfrentando novos problemas, do princípio ao fim, problemas que
diziam respeito à era do monoplano e dos seus refinamentos,
incluindo trens de aterrissagem escamoteáveis e os novos aparelhos
para auxiliar o vôo, como o rádio e os instrumentos de carlinga
para vôo cego. Além disso, estavam também ingressando numa nova
era de motores aéreos, com a substituição do Kestrel, tão
intensamente experimentado na Alemanha, pelo magnífico Merlin da
Rolls-Royce. Havia igualmente o problema da compatibilização dos
armamentos com a velocidade dos caças modernos, o aparecimento, com
o Spitfire e o Hurricane, do caça com 8 metralhadoras.
Do lado do crédito, contudo,
tiveram o conforto, Mitchell e Camm, de se verem ardorosamente
apoiados pelas respectivas companhias durante todo o período de
trabalho que realizaram no sentido de avançar vários anos de
pesquisa. Na Supermarine, uma subsidiária da Vickers Aviation, o
presidente da companhia associada da Vickers, Sir Robert Mclean,
protegeu Mitchell da interferência governamental, especialmente
porque ele estava construindo secretamente o verdadeiro caça, o que
o governo não havia encomendado.
Surgiram outros aviões quando
iminente a batalha, como esta narrativa mostrará - o bombardeiro
Blenheim, por exemplo, lamentavelmente destacado para o papel de
caça, e o obsoleto biplano Gladiator, muito superados pelos dois
astros notáveis da Batalha da Inglaterra, o Spitfire e o Hurricane.
Para imenso alívio da Força
Aérea, os protótipos dos dois novos caças revelaram grandes
realidades logo em seus vôos inaugurais - o Hurricane a 6 de
novembro de 1935, e o Spitfire a 5 de maio de 1936. Por volta de
dezembro de 1937, o Uricana estava entrando em serviço em
esquadrões, mas os primeiros Spitfires só se tornaram disponíveis
para vôo operacional em junho de 1938.
Gradativamente, os novos
Hurricanes e Spitfires substituíram os obsoletos biplanos Gauntlet e
Gladiator, que protegiam a Inglaterra mas não eram adversários para
os modernos caças e bombardeiros da Luftwaffe. À medida que a
velha-guarda entregava os esquadrões um após outro, quem se sentia
cada vez mais aliviado e satisfeito era Dowding que, no verão de
1936, fora transferido da pesquisa e desenvolvimento para criar e
dirigir, como Comandante-Chefe, uma organização de defesa digna dos
novos aviões, o novo Comando de caça da RAF. Toda a defesa aérea
do país passou à responsabilidade de Dowding. Além dos esquadrões
de caça da RAF, o Comandante-Chefe do Comando de Caças exercia o
controle operacional do Comando Antiaéreo, do Comando de Balões e
do Corpo de Observadores - mais tarde chamado Real Corpo de
Observadores.
As frustrações de Dowding
com o equipamento da RAF eram muitas e irritantes, enquanto se
esforçava por dotar a Inglaterra de um sistema eficiente de defesa.
No começo, quando o
Marechal-do-Ar de 54 anos de idade, se deslocou para o QG Bentley
Priory, uma histórica mansão situada em Stanmore, nos arredores
norte de Londres, teve de lutar contra uma política derrotista. Em
1932, Stanley Baldwin declarou: “O bombardeio sempre conseguirá
passar... a única defesa é a ofensiva, o que significa que vocês
terão de matar mais mulheres e crianças mais depressa se quiserem
salvar-se”. Em 1936, ano em que Dowding chegou ao Comando de caças,
Stanley Baldwin se tornara Primeiro Ministro.
Considerado homem de
mentalidade muito defensiva, Dowding estava incomodamente cônscio de
que talvez tivesse de se reformar mais cedo do que pretendia, porque,
como o pessoal das forças armadas britânicas dizem, um chapéu coco
estava sempre suspenso sobre sua cabeça. Ignorado como Chefe do
Estado-Maior da Aeronáutica, o cargo mais elevado da RAF, Dowding,
homem inflexível (que seus contemporâneos haviam apelidado de
“Enjoado”), não era popular no Ministério da Aeronáutica, onde
eram tomadas as decisões políticas. Dowding era obrigado a lutar
pelos menores detalhes do seu novo sistema de defesa, inclusive o
pedido de pistas de concreto, para tornar os aeródromos, de grama,
utilizáveis em todas as estações. O Ministério da Aeronáutica
era contra as pistas de concreto, alegando que eram difíceis de
camuflar. Somente quando a guerra se tornou iminente é que as
autoridades permitiram que Dowding recebesse o concreto pedido. Até
então, Dowding vira-se obrigado a experimentar sementes de gramas,
para assegurar-se de que nos aeródromos pelo menos fossem plantados
tipos de grama mais adequado.
Em outra altercação com as
autoridades do Ministério da Aeronáutica, Dowding, que lutava pela
adoção de pára-brisas à prova de bala nos seus Spitfires e
Hurricanes, usou um argumento inspirado: “Se os bandidos de Chicago
podem andar em carros protegidos por vidro à prova de bala, não
vejo por que meus pilotos também não tenham este direito”.
Mas os críticos de Dowding
não conseguiam compreender por que o chefe dos caças exigia tanto
requinte no planejamento, muito embora Stanley Baldwin tivesse
advertido, em 1934: “Com o advento da era do avião, as velhas
fronteiras desaparecem. Quando se pensa nas defesas da Inglaterra,
não se pensa mais nos brancos rochedos de Dover, e sim no Reno. É
ali que estão as nossas fronteiras”. A declaração de Baldwin
pretendia justificar o minguado rearmamento que estava ocorrendo.
Enquanto isso, Hitler construía uma força aérea capaz de colocar o
exército alemão e as bases aéreas avançadas da Luftwaffe a 35 km
de distância dos rochedos de Dover.
Não obstante, apesar de todas
as dificuldades, Dowding construiu um sistema de defesa que, embora
despreparado para lutar contra o inimigo em Calais e que não era de
modo algum infalível, conseguiu salvar seu país da invasão e da
derrota quando chegou a hora da prova, em 1940.
O sucesso do sistema dependia
da determinação de Dowding, que estava tecnologicamente muito à
frente do seu tempo, “em aplicar previdentemente a ciência às
exigências operacionais”.
Controle e padronização eram
as ordens do dia. Idênticas salas de operações foram instaladas
nos QGs do Comando de Caças, nos Grupos e nos Setores em que Dowding
dividiu seu comando. Já em 1936, Dowding compreendeu que, em caso de
guerra, em caso de ataque à luz do dia, ele provavelmente estaria em
inferioridade numérica e teria escassez de caças. Portanto,
projetou um sistema flexível pelo qual, na área vulnerável do sul
da Inglaterra, os caças poderiam ser transferidos de um setor para
outro e de um grupo para outro pelo pessoal das salas de operações
cuidadosamente ligados por linhas telefônicas e de teletipos.
Enquanto se esforçava por
preparar a Inglaterra para suportar os ataques, Dowding sofria o
drama de escassez de verba. Em 1936 ele recebeu apenas 500 libras
para construir uma sala de operações experimental no salão de
baile do Bentley Priory. Mais tarde, só lhe destinaram 4.500 libras
para montar um QG subterrâneo a prova de bombas.
Mas tal parcimônia era
perfeitamente desculpável, porque estavam sendo feitas aplicações
de verbas vultosas no desenvolvimento de um importante projeto.
Tratava-se do radar, direção e alcance pelo rádio, ou, como era
conhecido nos seu primeiros tempos, radiogoniômetro, o escudo
secreto da Inglaterra e, como se veio saber depois, a própria
salvação da pátria. A nova cadeia de radar também foi posta sob o
comando de Dowding, como o Grupo 60.
Estranhamente, a recém-surgida
cadeia de radar que Dowding vinculou ao seu sistema de defesa surgiu
da idéia, encontrada na ficção científica, de que os bombardeiros
incursores poderiam ser desintegrados por um raio da morte. Em meados
dos anos 30, os cientistas do órgão de defesa saíram, meio
cépticos, para a pesquisa de tal raio e comunicaram, depois de muito
trabalho, a impossibilidade de sua geração. Mas eles escondiam um
trunfo: se era um contra-senso fazer um feixe de rádio funcionar
como um matador magnético, esse mesmo feixe, como radiogoniômetro
de longo alcance, era uma possibilidade prática.
Entre os consultores
científicos da RAF encontrava-se Robert Watson-Watt, que criara um
meio de localizar trovoadas pelo rádio. Ele, que fizera ondas de
rádio saltar das tempestades e da ionosfera, conseguiu também que
elas saltassem de aviões distantes. Acontece que os primeiros
experimentos de Watson-Watt foram feitos quando Dowding era
responsável pela pesquisa e desenvolvimento para a Força Aérea.
Assim, quando Dowding se mudou para o recém-criado Comando de caças,
ele ajudou a implantar a cadeia de torres de 150m de altura que
estavam sendo construídas nas costas leste e sul da Inglaterra.
Justificadamente, a Luftwaffe,
que realizava pesquisas no campo da detecção de aviões a longa
distância, estava cheia de curiosidade a respeito das misteriosas
torres. Desconfiando de que o aparecimento dessas torres estivesse
relacionado com idêntica atividade, a Luftwaffe procurou investigar.
Audaciosamente, o General
Wolfrang Martini, chefe de comunicações da Luftwaffe, convencera
Hermann Goering a repor no serviço ativo o aposentado dirigível
“Graff Zepellin” como laboratório aéreo. A idéia era
aceitável, porque nenhum dos aviões existentes poderia proporcionar
os elementos essenciais ao reconhecimento que pretendia fazer, que
eram o raio de ação, o espaço e a maneabilidade que lhe
permitissem parar, olhar e ouvir.
Apesar disso, a espionagem
fracassou. O dirigível fez vários cruzeiros pela costa da
Inglaterra, mas seu complicado equipamento não funcionou de maneira
adequada e, depois de uma última tentativa, feita em agosto de 1939,
a Luftwaffe abandonou o trabalho de reconhecimento.
Preocupada com seu importante
papel na invasão da Polônia, Noruega, Dinamarca, França, Holanda e
Bélgica, a Luftwaffe de desinteressou das torres de radar
britânicas. Excessivamente confiante por causa das vitórias
continentais que colher e na expectativa de vir proximamente a ditar
os termos de paz com a Inglaterra, ou, na pior das hipóteses, outra
conquista rápida, a Luftwaffe não deu muita atenção à rede de
radar de Dowding na avaliação que fez das possibilidades de
sobrevivência da Inglaterra após a queda da França.
A confiança da Luftwaffe, em
última análise insensata, parecia bastante lógica no começo do
verão de 1940. A RAF sofrera seriamente na França e, segundo
Goering imaginava, não estava em condições de se reequipar e
defender a Inglaterra contra ataques aéreos contínuos. Mas a
Luftwaffe ainda não se sentia familiarizado com o espírito de
“bulldog” de Churchill, nem tinha conhecimento das providências
tomadas pelo velho guerreiro para salvar os caças existentes e para
que fossem construídos novos aparelhos enquanto a França estava
caindo.
Para acelerar a produção de
Spitfires e Hurricanes, o Primeiro-Ministro recrutou o que chamou de
“a energia vital e vibrante” de Lorde Beaverbrook, o
proprietário, canadense de nascimento, do jornal Daily Express,
nomeando-o Ministro da Produção Aeronáutica.
Para conservar os Spitfires e
Hurricanes, o Primeiro-Ministro proibiu a saída de reforços da RAF
para a França. A medida, tomada na oportunidade em que a França
agonizava, talvez tenha sido a mais pesarosa decisão de Churchill em
toda a sua longa e aventurosa existência. Sem o comparecimento
dramático de Dowding a uma reunião do Gabinete de Guerra, é de
duvidar que Churchill a tivesse autorizado.
Estarrecido com a volumosa
perda de caças da RAF na França - 250 Hurricanes entre 8 e 18 de
maio - Dowding solicitou permissão para comparecer perante Churchill
e seus Ministros. A 13 de maio ordenaram-lhe que enviasse mais 32
Hurricanes ao outro lado do canal, e a 14 de maio entrou em cogitação
a possibilidade de serem transferidos mais 10 esquadrões, ou 120
Hurricanes, após um pedido urgente do Primeiro-Ministro francês,
Paul Reynaud.
Dowding não estava só em
suas preocupações a respeito da situação. Os chefes de
Estado-Maior da Marinha Real, do Exército Britânico e da RAF
comunicaram ao Primeiro-Ministro, sob o agourento título de
Estratégia Britânica Numa Eventualiade Certa: “Enquanto nossa
força aérea existir, a Marinha e Força Aérea, juntas, deveriam
ser capazes de impedir que a Alemanha leve a cabo a invasão. Na
eventualidade de vir a Alemanha a conquistar a superioridade aérea
absoluta, a Marinha poderia impedir a invasão por algum tempo, não
por um período indefinido. Nessas circunstâncias, nossas forças de
terra serão insuficientes para conter as forças de invasão. O
ponto crucial da questão é a superioridade aérea. Uma vez que a
Alemanha a tenha conseguido, poderá tentar subjugar o país apenas
pelo ar. Teremos que ser capazes de infligir, diariamente, baixas ao
inimigo que o impeçam de produzir castigos que nos seja impossível
suportar, embora não se possa garantir que nossos grandes centros
industriais não venham a sofrer danos sérios provocados por ataques
noturnos. Se o inimigo realizar ataques noturnos contra nossa
indústria aeronáutica, é provável que possa provocar a
paralisação de todo o trabalho”.
“Enquanto nossa Força Aérea
existir...” Tudo se apoiava nessa frase. Dowding não podia ficar
de lado e permitir que suas pequenas poupanças, apenas 39 esquadrões
de Spitfires e Hurricanes, fossem esbanjadas no que era obviamente
uma causa perdida. Com menos de 1.300 pilotos - cerca de 150 abaixo
dos efetivos - ele também tinha de preservá-los. A 15 de maio, o
marechal-de-Ar entrou na sala do gabinete; colocando um gráfico
explanatório sobre a mesa, Dowding disse ao Primeiro-Ministro: “Se
a taxa atual de baixas se mantiver por mais uma quinzena, não
teremos um único Hurricane na França, ou neste país”. Os
Spitfires não foram mencionados; eram tão preciosos que, depois da
evacuação do exército britânico de Dunquerque, não se pensava em
deixar sair da Inglaterra um Spitfire sequer.
A 19 de maio, Churchill
determinou que nenhum outro esquadrão de caças fosse para a frança,
exceto para dar cobertura à evacuação. A resposta de Churchill ao
apelo de Dowding permitiu ao Comando de Caças ajudar a Inglaterra a
realizar a evacuação de Dunquerque, entre 26 de maio e 4 de junho.
Mesmo assim, Dowding perdeu mais de 430 Spitfires e Hurricanes entre
10 de maio de a retirada de Dunquerque.
As perguntas que todos faziam
eram sobre o tempo de hesitação de Hitler e se a nomeação de
Beaverbrook como Ministro da Produção Aeronáutica demoraria muito
a dar resultados. Felizmente para a Inglaterra, enquanto Hitler dizia
a von Rundstedt, na França, “que faria a paz com a Inglaterra e
lhe ofereceria uma aliança. A Alemanha dominará a Europa e a
Inglaterra, o mundo exterior”, Beaverbrook punha a sua varinha de
condão sobre as fábricas de caças.
Seus expedientes, ainda que
pouco ortodoxos, eram divulgados pelo seu próprio jornal, e faziam
bem ao moral do povo. Pouco antes de assumir o ministério,
Beaverbrook lançou o seguinte apelo “Às Mulheres na Inglaterra”:
“Dêem-nos o seu alumínio... Nós transformaremos frigideiras e
panelas em Spitfires e Hurricanes, Blenheims e Wellingtons. Portanto,
peço a todos que tenham panelas, cabides, sapateiras, peças de
banheiro... feitos total ou parcialmente de alumínio... que os levem
ao QG local dos Serviços Voluntários Femininos”.
Toda a imprensa fez ressoar o
apelo. “Da frigideira ao Spitfire” era a manchete inevitável. Na
prática, as montanhas de caçarolas feitas pelas donas de casa
contribuíram muito pouco para a produção de caças, mas o apelo de
Beaverbrook valeu seu peso em, peças de banheiro em termos de moral
civil. A gente comum, mulheres, nas suas cozinhas, aturdidas pelo
rumo dos acontecimentos, achavam que pelo menos aí estavam fazendo
algo que podiam fazer. Caças, caças e mais caças... a
sobrevivência nacional dependeria dos Spitfires e Hurricanes. No mês
anterior à nomeação de Beaverbrook, a 14 de maio. como Ministro da
Produção Aeronáutica, ou Ministro dos Aviões, como
caracteristicamente preferia ser conhecido, as fábricas haviam
construído 256 caças de primeira linha. No crítico mês de
setembro de 1940, quando Londres era vítima de bombardeios aéreos
diários e as baixas da RAF atingiram o ponto culminante, a
organização de produção e reparos de Beaverbrook entregou 467
caças.
Para obter resultados tão
espantosos com tanta rapidez - uma produção média, mensal, de
quase 500 caças - Beaverbrook enlouqueceu os “malditos
marechais-do-ar”, como chamava coletivamente o Estado-Maior da
força aérea, no Ministério da Aeronáutica. Ele deitou fora seus
programas de produção, meticulosamente preparados e equilibrados,
muito bonitos no papel, mas totalmente irrealistas naquele momento
de desespero. Dois velhos militares consideravam o fato uma
intromissão imprudente de um estranho e o Marechal da RAF, Sir John
Slessor, mais tarde comentou: “Como se os amaldiçoados
marechais-do-ar não soubessem definir o que bom para eles, o novo
ministro não perdeu tempo em preparar um novo programa, baseado
unicamente na capacidade de produção da indústria de aviões; ele
tinha pouca ou nenhuma relação com as exigências estratégicas e a
sua idéia principal (talvez natural em quem não seja versado em
problemas da aviação) concentrava-se na produção de quantidades
enormes de caças, sem atentar para o efeito desse procedimento sobre
outros tipos, igualmente vitais. Coisas essenciais, embora menos
espetaculares, como aviões de treinamento, peças sobressalentes e
um meticuloso plano de produção de equipamento auxiliar, por não
impressionarem muito num gráfico, tendiam a ser postas de lado”.
Em todos os departamentos de
guerra do governo, os funcionários civis mais graduados ficavam
chocados com a exibição de pirotécnica administrativa de
Beaverbrook. Eles mal se haviam recuperado do golpe sofrido quando
este sujeito extraordinário suprimiu do calendário vigente em seu
ministério os feriados de verão, alegando que não permitiam as
circunstancias de 1940, quando descobriram que o homem esperava que
eles largassem a caneta e usassem o telefone para botar as coisas a
funcionar. O pior é que ele convocou para o seu setor alguns homens
de negócio e engenheiros de produção inteligentes, notadamente
Patrick Henesy, então Gerente-Geral da Ford Motor Company da
Inglaterra, e Trevor Westbrook, recém-chegado de Victória e a quem
encontrara num campo de golfe, desempregado.
Em suas relações com os
Estados Unidos, onde ele já estava comprando aviões antes do fim de
maio, Beaverbrook, o canadense que falava praticamente a mesma
língua, agia com igual rapidez e impetuosidade. Quando Henry Ford
interveio pessoalmente num negócio e se recusou a permitir que sua
companhia construísse motores Rolls-Royce Merlin, alegando que eram
armas de guerra, Beaverbrook transferiu o pedido para a Packard.
Ignorando as advertências dos especialistas, que diziam que a
Packard era uma empresa pequena demais para o pedido, Beaverbrook
disse simplesmente: “Ampliem-na”, e eles assim o fizeram.
Em combate
Chegou o mês de julho e por
volta do dia 10, que é para os britânicos o dia da Batalha da
Inglaterra, a Luftwaffe, ainda contida por Hitler, “brincava” com
a navegação no Canal da Mancha e na convidativa zona de invasão na
costa sul inglesa. Para o Alto Comando germânico a Inglaterra ainda
estava em estado de choque, depois da experiência de Dunquerque, e
incapaz de compreender a verdadeira situação em que se encontrava.
Ela talvez ainda mudasse de opinião e negociasse a paz. Enquanto
isso, só poderia ser vantajoso importunar e estender as defesas de
caça da RAF, ou o que restava delas.
Debaixo de grande excitação
das repousadas tripulações da Luftwaffe na costa norte da França,
Bélgica e Holanda, os caças foram armados e os bombardeiros,
carregados. A Inglaterra continuava normalmente conduzindo seus
comboios pelo Canal e os portos e bases navais britânicos do sul da
Inglaterra permaneciam inviolados. Fosse de paz ou não a situação,
a triunfante Luftwaffe poderia muito bem demonstrar que esse canal já
não era mais uma vala inglesa; na verdade, que o canal não era mais
inglês. Para a força aérea alemã, a tarefa parecia fácil. Com
bom tempo, era possível ver-se claramente os rochedos de Dover dos
postos de observação da Luftwaffe e os navios que passavam por eles
balançavam como barcos de brinquedos num lago de parque. Alvos
fáceis. Bastaria jogar algumas pedras e eles afundariam. A 10 de
julho, a Luftwaffe escolheu um comboio.
Lentamente, logo depois do
almoço, os navios mercantes do comboio levantaram âncora nas
proximidades de Dover e, no Comando de Caças, Dowding viu
imediatamente que algo de muito especial estava por acontecer. O
Radar - ainda conhecido como radiogoniômetro, RDF - captara grande
quantidade de aviões atrás de Calais. Por semanas, após
Dunquerque, a RAF esperara, pensando no momento em que Hitler,
desiludido de qualquer possibilidade de transacionar um acordo com os
britânicos, desencadearia o terror contra Londres, mas ele não
viera. Entretanto, para o Comando de Caças, em Stanmore, e para o
Comando do Grupo 11, em Uxbridge, parecia haver chegado o momento da
grande aventura.
Mesmo assim, o
Vice-Marechal-do-Ar Keith Park, o neozelandês líder do Grupo 11,
reagiu com cautela. Duzentos Spitfires e Hurricanes, ou cerca de um
terço da força de defesa de primeira linha da Inglaterra, estavam
sob seu comando, em 19 esquadrões, 6 de Spitfires e 13 de
Hurricanes. Park compreendia que um erro da sua parte pudera causar a
derrota da Inglaterra na guerra em poucas horas. Por isso, tão logo
verificou que este não era o dia fatídico, que o alvo era o comboio
que cruzava o Canal, a RAF reagiu cautelosamente. Seis Hurricanes do
Esquadrão 32 já estavam patrulhando na vizinhança e uma força de
mais 20 Hurricanes e Spitfires, dos Esquadrões 11, 74, 64 e 56,
recebeu ordens de decolar para apoiá-los.
Mas o comboio já estava sendo
atacado antes mesmo que os 6 pilotos de caça britânicos em patrulha
pudessem chegar lá e, quando chegaram, viram um espetáculo
aterrador. Cerca de 70 bombardeiros e caças da Luftwaffe caíram em
cima do comboio como abelhas num pote de mel. Para os pilotos dos
Hurricanes, não havia como esperar reforços, e mergulharam: 6
contra 70.
Quando a ajuda chegou, os
Hurricanes já haviam obrigado o inimigo a formar uma aspiral
defensiva, de três camadas, acima dos navios: Me 109 em cima, Me 110
no meio e os bombardeiros Do 17 embaixo.
Entre os elementos de reforço
vinham 8 Spitfires do Esquadrão 74. Subindo a 3.900m, 300m acima dos
Me 109 de proteção, os Spitfires mergulharam pelo cilindro; ao
chegar ao nível do mar, a maioria deles já havia gasto toda a
munição. O comboio prosseguiu viagem, tendo sofrido apenas uma
baixa, um navio pequeno, mas a Luftwaffe perdera 4 caças para 3 da
RAF. A perda de 3 caças num só dia talvez não chegasse a preocupar
muito, desde que Hurricanes e Spitfires novos e reformados estivessem
chegando ao Comando de Caças, enviado pela organização de
Beaverbrook num ritmo de mais de 100 aparelhos por semana. Mas, com
os 15 caças perdidos nos 7 dias anteriores, isto preocupava Dowding.
Mas, suponhamos que a Luftwaffe se lançasse contra as estações de
radar, os aeródromos dos caças, as fábricas de aviões e contra
Londres? Então, era de recear que o total das perdas de uma semana
no ar, em terra e nas fábricas deixasse a Inglaterra aberta à
invasão.
Assim, a iniciativa da
Luftwaffe, a 10 de julho, criou um dilema terrível para os
defensores do mundo livre. Parecia que as alternativas eram deixar
que os navios em alto mar corressem o risco, com uma cobertura aérea
apenas nominal, às vezes sem nenhuma, ou então arriscar tudo no
mar, em vez de poupar os caças para a verdadeira hora do perigo.
Dowding tomou o cuidado de advertir a Marinha de que os comboios
talvez tivessem de se arranjar sozinhos.
O sol estava nascendo, a 11 de
julho, o segundo dia da batalha, quando o dilema se repetiu. A Frota
Aérea 3 experimentaria a mira contra os navios de um comboio
britânico.
Naquele dia, os bombardeiros
de mergulho, Stuka, de von Richthofen deviam atacar um comboio que
rumava para leste, pela Baía de Lyme. Dez Ju 87, escoltados por 20
Me 109 das inquietas unidades de von Richthofen, decolaram da
vizinhança de Cherburg; o radar os captou. Três Hurricanes do
Esquadrão 501, de Warmwell, situado no setor mais ocidental de Park,
o setor de Middle Wallop do Grupo 11, receberam ordem de dar combate
ao inimigo, apoiados por 6 Spitfires do Esquadrão 609.
O três Hurricanes enfrentaram
os Me 109, que lhes eram superiores, na proporção de quase 7 para
1. Um Hurricane logo foi derrubado: perderam-se dois Spitfires, um
Stuka foi destruído e o comboio prosseguiu viagem intato.
Nos aeródromos, os jovens
pilotos dos esquadrões de caça, doidos para enfrentar o inimigo com
todo o entusiasmo e impetuosidade da juventude, começavam a
irritar-se. Por que aqueles burocratas idiotas os estavam mandando em
grupos de três e de seis para enfrentar grupos inimigos muito mais
numerosos, quando todos estavam ávidos por entrar em combate? Os
pilotos do Esquadrão 609 deram vazão aos seus sentimentos a
respeito, consignando no livro de registro de operações: “Os
pilotos se ressentem amargamente com o fato de estarem sendo enviados
pequenos grupos de caças para enfrentar a intensa atividade inimiga
na área de Portland. O envio freqüente de apenas uma seção, no
máximo uma esquadrilha, para fazer interceptação, apenas para se
verem em desesperada inferioridade numérica ante os caças inimigos
que atuam como escolta dos bombardeiros, é desencorajador, porque o
caça britânico então se vê incapaz de cumprir a tarefa de
destruir os bombardeiros, sendo obrigado a travar apenas ação
defensiva”.
Para o povo britânico, que
ignorava que a RAF pudesse reunir mais que as pequeníssimas
formações para lutar como Davi contra Golias, toda sugestão de
desvantagens era um deleite.
A 14 de julho, com o
prosseguimento dos ataques aos comboios, a nação foi presenteada
com um emocionante comentário radiofônico transmitido dos rochedos
de Dover, que confirmou a crença popular de que, por mais que a RAF
fosse numericamente inferior, ela era um tremendo adversário para o
seu poderoso inimigo. Todos se sentiam tranqüilos diante da certeza
de que a qualidade era mais importante que a quantidade. O repórter
radiofônico Charles Gardner berrou ao microfone da BBC: “Bem,
agora os alemães estão bombardeando o comboio com mergulhos. Tem
um, dois, três, quatro, cinco, seis, sete bombardeiros alemães -
Junkers 87. Lá vai um agora contra seu alvo. Bomba - não, aí esta
- ele errou o alvo... Não acertou um só navio. Lá vai um caindo,
deixando um grande rastro. Não dá para ver bem esses caças por
muito tempo. Só se vêem quatro aparelhos rodopiando e se ouvem
pequenas rajadas de metralhadora, e quando se consegue ver o
aparelho, ele já se foi... Agora há uma luta encarniçada lá no
alto - temos três, quatro, cinco, seis aparelhos rodopiando e
fazendo curvas. Ouçam as metralhadoras. Ouçam, uma, duas, três,
quatro, cinco, seis... Vem vindo, um no encalço do outro. Lá vão
eles; sim, eles estão sendo perseguidos, e como. Três Spitfires
perseguem três Messerschmitts... Puxa! Olhem só como eles vão! E
olhem como os Messerschmitts - puxa, é espetacular! E lá vai um
Spitfire bem atrás dos dois primeiros - ele vai pegá-los! É, sim
rapaz! Nunca vi nada tão bom... os rapazes dos caças da RAF os
pegaram firme!”.
Se a batalha aérea que se
realizava ao longo da costa, bem à porta da Inglaterra, era algo
impar na guerra, seu registro em disco constituía também uma
novidade, e provocou enorme controvérsia. Enquanto alguns afirmavam
ser errado transmitir pelo rádio o desenrolar da luta aérea como se
fosse um acontecimento esportivo, a maioria concordava com o ponto de
vista da imprensa, de que era como se o instinto esportivo do povo
britânico tivesse chegado aos rochedos de Dover.
Para os perplexos pilotos
britânicos, que vinham sendo reprimidos, a transmissão foi motivo
de mais irritação ainda. “Por que é que não podemos atacá-los?”
era a pergunta que corria pelos ranchos dos esquadrões.
Mas, em suas bases, os pilotos
alemães estavam exultantes. A julgar pelo tipo de oposição que
vinham enfrentando, a RAF estava realmente liquidada. Certo que os
pilotos dos poucos caças com que se bateram mostraram-se temerários
até, mas, poderiam suas tênues fileiras sofrer baixas?
A alusão ao esporte não era
monopólio britânico. No estágio inicial da batalha, os pilotos dos
Me 109 levavam o instinto da caçada para suas carlingas; instinto
bastante estimulado pelo seu comandante-chefe, Hermann Goering, que
convidava os mais bem sucedidos ases de caça para descansar em seu
pavilhão de caça na Prússia.
Contudo, tais convites nem
sempre eram tão bem aceitos como o Marechal do Reich julgava. Não
porque os pilotos tivessem escrúpulo em abater uma peça de caçada
mas por temerem que durante a breve ausência da frente de combate os
pontos conquistados pudessem ser superados. Assim, quando Werner
Molders, convidado por Goering após derrubar o 40° avião inimigo,
se despedia do Marechal do Reich, depois de três dias em sua
propriedade, o piloto persuadiu-o a reter o seu grande competidor,
Adolf Galland, por igual período.
Contudo, apesar da enorme
vantagem que levavam no inicio da batalha, os pilotos alemães não
demoraram a aprender a temperar diligência com cautela. Galland, em
seu livro, “Os Primeiros e os últimos”, registrou o seguinte:
“Qualquer encontro com caças britânicos exigia de nós o
máximo... Só posso expressar a mais elevada admiração pelos seus
pilotos que, embora em desvantagem técnica, lutavam com bravura e
infatigavelmente. Eles, sem dúvida, salvaram a pátria nessa hora
crítica”.
A desvantagem técnica a que
ele se refere é que no inicio da batalha os Hurricanes e Spitfires
eram mais lentos que, por exemplo, o Me 109. Churchill assim resumiu
o problema: “Os alemães eram mais velozes e tinham melhor razão
inicial de subida; os nossos são mais manobráveis e mais bem
armados”.
A verdade, apesar da
disparidade dos números em combate, a contagem, avião por avião,
era desfavorável à Luftwaffe. Nos primeiros 9 dias da Batalha da
Inglaterra os alemães perderam 61 aviões, e 28 o Comando de Caças.
E então, no 10° dia de luta, o primeiro de uma sucessão de
desastres a que viria sofrer atingiu a RAF, quando foram destruídos
6 caças Defiant, de um esquadrão composto por 8 aviões, perdendo a
Luftwaffe apenas 2, a 19 de julho.
Descrever o Defiant como um
caça é realmente correto, mas estes aviões, com suas metralhadoras
montadas em torre e com sua forma curta e grossa, integrantes dos
Esquadrões 141 e 264, embora não fossem obsoletos, no sentido
aplicado aos biplanos Gladiator, do Esquadrão 247, estacionado perto
de Plymouth, estavam nitidamente deslocados no meio dos Hurricanes e
Spitfires.
Tão ansiosos por entrar na
luta quanto seus companheiros mais afortunados, dos esquadrões de
aviões de um só tripulante, pilotos e artilheiros do Esquadrão 141
exultaram quando receberam ordens de partir da Escócia para o Sul. O
entusiasmo demonstrado não era de todo infundado, porquanto o
Defiant já tinha desfrutado de um dia de glória, no combate com os
Stukas sobre Dunquerque.
Na manhã de 19 de julho, 9
aviões Defiant voaram de West Malling para o aeródromo costeiro de
Hawkinge. Pouco depois do almoço, veio a ordem: patrulhar a 1500m de
altitude ao sul de Folkestone. Mas não duraram muito, pois na
direção do sol, e a mais de 3000m acima deles, 20 Me 109
mergulharam contra a patrulha. Em poucos momentos, 5 deles haviam
caído ao mar e o 6° chocou-se contra a costa.
Na manhã seguinte, mais 70
Defiants uniram-se ao Esquadrão - de acordo com a promessa de
Beaverbrook de substituir as perdas assim que ocorressem. No dia
seguinte, duas semanas depois que o Esquadrão 141 chegara,
entusiasmado, da Escócia, ele retornou ao norte, deixando para trás
6 aparelhos, porque não havia aviadores para pilotá-lo.
Com o passar dos dias de
julho, incidentes como a destruição dos Defiants encorajaram
falsamente as tripulações da Luftwaffe, levando-as a crer que a RAF
estava sendo sistematicamente vencida, entusiasmando-se ainda mais
por encontrarem tão poucos Spitfires e Hurricanes.
Registrou-se também sensível
redução no número de navios mercantes britânicos, durante o dia,
nas áreas do Canal da Mancha sujeitas a ataque. Se esse poderio
marítimo pudesse ser expulso do Canal, como parecia estar
acontecendo, então, se houvesse necessidade, a invasão seria
realizada praticamente sem oposição!
Mas os defensores não
ignoravam nada acerca da situação durante esses quentes dias de
julho. Por volta de 23 de julho, a Luftwaffe já havia perdido 85
aparelhos, enquanto que a RAF registrava 45 baixas, mas nem Dowding
nem Park tinham ilusões sobre o apuro em que estavam metidos. Eles
sabiam que o inimigo só estava brincando com eles e temiam o que
poderia acontecer ao Comando de Caças se o inimigo utilizasse todos
os seus recursos. Acontece que a Luftwaffe privara temporariamente a
Marinha Real do domínio do Canal da Mancha, humilhação esta que se
tornou maior com os acontecimentos de 25 de julho.
Após um dia de ataques
simultâneos da Frota Aérea 2 contra comboios no estuário do Tâmisa
e no Passo de Calais (o Estreito de Dover, como o chamam os
ingleses), 60 bombardeiros, escoltados por caças, hostilizaram um
comboio de 21 navios mercantes, a maioria dos quais navios
carvoeiros. Cinco deles foram logo postos a pique e 6 ficaram
avariado, numa série de ataques precisos e ferozes de bombardeiros
de mergulho. Para provar que a Alemanha estava desafiando a
Inglaterra pelo comando permanente do Canal, uma frota de torpedeiras
fez-se ao mar em plena luz do dia; tornou a fazer-se ao mar à noite,
e acabou com três dos navios avariados.
Seguiu-se outra humilhação,
no dia 27 de julho, quando a Luftwaffe afundou dois destróieres ao
largo de Dover e avariou um terceiro. Depois que um terceiro
destróier foi afundado, a 29 de julho, os destróieres foram
retirados para a segurança relativa e temporária de Portsmouth.
A superioridade aérea,
primeiro sobre o canal e depois sobre o sudeste da Inglaterra, era o
requisito estabelecido pela Alemanha para a obtenção da paz, com ou
sem invasão, e o Alto Comando ficou muito encorajado pelos
resultados das operações exploratórias da Luftwaffe. Mas, enquanto
a RAF considerava que a Batalha pela Inglaterra já havia começado,
a Luftwaffe estava apenas sendo vigorosamente contida, impaciente por
intensificar as operações.
A 30 de julho Hitler instruiu
pessoalmente a Goering para que colocasse a Luftwaffe em estado de
prontidão para o grande ataque, o “ataque das águias”, como os
planejadores do estado-maior alemão o denominavam. Hitler ordenou
que a Luftwaffe se preparasse “para destruir as unidades aéreas,
as organizações de terra e instalações de suprimentos da RAF e a
indústria de armamentos aéreos britânica”.
Hitler só precisava sussurrar
o codinome “Dia da Águia” para que tivesse inicio um ataque sem
precedente na história da guerra.
Na Inglaterra, o povo,
felizmente, ignorava a diretiva do Fuhrer. A vida em Londres era
espantosamente tranqüila, considerando-se o perigo que a capital
corria. A 3 de agosto, a equipe da RAF vencia um jogo amistoso de
criquete contra o Corpo de Bombeiros de Londres. No mesmo dia, o
aerobote Clare, da British Overseas Airways, fez seu primeiro vôo de
serviço de passageiros para o Novo Mundo. Foi um marco e uma
indicação de que o Atlântico não deixaria o Novo Mundo de
quarentena contra a infecção européia durante muito tempo.
A 8 de agosto, quando o Clare
retornava com um grupo de pilotos americanos contratados pelo
Ministério de Produção Aeronáutica para transportar aviões novos
e reparados, das fábricas para os aeródromos, Goering e demais
comandantes da Luftwaffe estavam reunidos em Karinhall, para
completar os planos para o ataque das águias. Tomando conhaque,
fumando charutos e divertindo-se com seus trenzinhos de brinquedo na
atmosfera de faz-de-conta da faustosa mansão de Karinhall, Goering e
seus líderes da Frota Aérea convenceram-se de que, com mais 4 dias
de bom tempo, a Luftwaffe poderia conquistar a superioridade aérea
sobre o sudeste da Inglaterra para finalmente pô-la de joelhos.
Certo que as façanhas da Luftwaffe no Canal da Mancha, no dia 8 de
agosto, pareciam corroborar este confiante ponto de vista.
Nas primeiras horas de 8 de
agosto, a Marinha Real despachou um comboio de 25 navios mercantes
pelo Passo de Calais, esperando fazê-lo passar pelos perigosos
estreitos sob a proteção da noite. A Marinha Real vinha desde
julho, quando passaram a ser muito atacados, reforçando a defesa dos
comboios. Este, de 25 navios mercantes, era acompanhado de navios de
balão de barragem e destróieres antiaéreos.
Mas o inimigo também estivera
ocupado desde o começo de julho e construíra uma estação de radar
em Wissant, na costa do canal fronteira a Dover, providência que o
Almirantado ignorava quando tentou fazer o comboio atravessar os
estreitos e penetrar em águas mais livres.
Das suas tocas, na costa
francesa, surgiu uma força de velozes torpedeiras, que afundou 3
navios e avariou 2 outros antes o amanhecer. Mais tarde, naquele
mesmo dia, o restante do comboio estava navegando nas vizinhanças da
Ilha de Wight quando a Luftwaffe o descobriu.
A Luftwaffe veio duas vezes,
trazendo cada leva mais de 80 bombardeiros de mergulho Stuka,
escoltados pelo triplo de aviões de caça, e atacavam com “50 de
cada vez”. Era um desafio ostensivo ao Comando de Caças - “venha
até aqui e lute para proteger seus navios”, o tipo de desafio em
que a Luftwaffe confiava para reduzir o número de Spitfires e
Hurricanes da RAF e apressar o fim da guerra.
Sete esquadrões, dos 10° e
11° Grupos, decolaram às pressas. Para o Cap. J.R.A Peel, que
comandava o Esquadrão 145 de Hurricanes, os Stukas não eram mais
que um volumoso conjunto de pequenos pontos pretos quando os caças
britânicos mergulharam. Os pontos foram-se tornando maiores até
ganhar a forma de abutre característica do Stuka, o bombardeiro de
mergulho Ju 87.
“Cuidado com os Me 109!”.
Os pilotos dos Hurricanes, no momento de precipitar-se sobre suas
presas, ficaram na mira dos caças alemães; os caçadores haviam-se
transformado em caçados. Colocados na direção do sol, os pilotos
dos Me 109, os anjos da guarda dos Stukas, haviam percebido o que
estava por acontecer. Em poucos segundos eles se metiam atrás dos
Hurricanes, obrigando os pilotos da RAF a romper a formação para se
defenderem. O Cap. Peel fez o seguinte relato do ataque que na
oportunidade sofreu de dois Me 109: “Os caças inimigos estavam
girando, mergulhando e subindo. Disparei duas rajadas de 5 segundos
contra um deles e o vi cair no mar. Então persegui outro, numa
cabragem violenta, e o atingi quando ele estolou”. Mas eles
atingiram Peel, que caiu no mar, perto da costa inimiga, em Boulogne.
Quando os barcos de salvamento informaram que talvez tivessem de
voltar, o Esquadrão de Peel comunicou: “Aos barcos de salvamento:
vocês serão metralhados por nós se voltarem”. O Cap. de
Esquadrão foi salvo.
Na batalha furiosa de 8 de
agosto, os Hurricanes e Spitfires derrubaram 31 aviões inimigos,
perdendo 19, números estes que superaram os de qualquer dia de luta,
desde 10 de julho. O comboio prosseguiu viagem, mas perdeu 6 navios
para as torpedeiras e bombardeiros de mergulho.
A batalha estava ficando
quente para os dois lados e a excitação e a confiança cresciam nas
carlingas britânicas, agora que os pilotos vinham sendo,
gradualmente, lançados ao combate em números cada vez maiores.
Também havia mais compenetração. Morte, desfiguração por
queimaduras e graves ferimentos provocados pelos encontros dos
esquadrões de caça começavam a dar aos jovens pilotos, mal saídos
da adolescência - já que Dowding, como regra geral, achava que os
comandantes de esquadrão de caça não deviam ter mais de 26 anos -
a certeza de que estavam empenhados em algo imensamente mais sério
do que aquilo que os comentários de Charles Gardner sugeriam, isto
é, uma competição esportiva. Qualquer sensação de irrealidade,
só entre os elementos do povo dotados de espírito esportivo tão
desenvolvido que nem mesmo a sombra de Hitler poderia neutralizar.
Tradicionalmente a caça ao
galo silvestre começava a 12 de agosto. A BBC explicou que era
trabalho de guerra de importância nacional e o Rei Jorge VI
generosamente ofereceu as aves caçadas em suas propriedades aos
hospitais militares, e não aos membros da sua família, como era o
costume de tempo de paz.
A importância do dia 12 de
agosto no calendário esportivo britânico não passou despercebida
para a Luftwaffe, que reconheceu a “grosseria nazista” em abater
90 aviões da RAF no dia errado - 11 de agosto. A aritmética da
Luftwaffe era tão errada quanto certo o conhecimento da tradição
britânica revelado. Ela perdera 38 aviões, contra 32 da RAF.
Contudo, o crescente índice de perdas da RAF era reflexo do
lançamento de número cada vez mais elevado de caças em combate.
A 12 de agosto, os boletins
meteorológicos comunicaram que a tendência do tempo era para
melhorar mais, o que sugeria que Hitler pudesse disparar o há muito
esperado codinome “Dia da Águia!”. O dia 12 de agosto amanheceu
claro e límpido. De quando em quando, um ligeiro nevoeiro apenas se
insinuava e, enquanto as primeiras aves da temporada eram abatidas
nas charnecas britânicas, a Luftwaffe aproveitou a favorabilidade do
tempo para uma nova atividade, tentando pela primeira vez destruir as
estações costeiras de radar e os aeródromos de linha de frente do
sistema de controle de defesa a que estas estações serviam.
A eficiência do sistema se
devia à obstinada insistência de Dowding, antes da guerra, no uso
de comunicações perfeitas, em suma, no verdadeiro controle. Embora
de modo geral as instruções partissem do QG do Comando de Caças,
muitas das decisões mais críticas, tomadas durante a batalha,
saíram do QG do Grupo 11 do Vice-Marechal-do-Ar Park, que recebeu
toda a força do ataque.
Ninguém que visitasse o Grupo
11, em Uxbridge, em 1940, saía sem uma impressão muito forte do que
ali se passava, e, Winston Churchill não foi exceção! “A sala de
Operações do Grupo era como um pequeno teatro, com cerca de 18m de
largura e dois andares de balcões laterais. Tomamos lugar no
primeiro pavimento. Lá no meio da sala, a mesa do mapa em grande
escala, cercado por uns 20 jovens, homens e mulheres, altamente
treinados, com seus assistentes telefonistas. Defronte de nós,
cobrindo toda a parede onde deveria ficar o pano de boca do teatro,
erguia-se um gigantesco quadro-negro, dividido em seis colunas de
lâmpadas elétricas, representando as seus estações de caça. A
cada um dos seus esquadrões correspondia uma subcoluna, também
dividida por linhas laterais. Assim, a fileira inferior de lâmpadas
mostrava, quando acesas, os esquadrões que estavam “De Prontidão”
com dois minutos de aviso. A fileira acima, os de “Prontidão” em
5 minutos; a seguir vinham os “Disponíveis”, 20 minutos, e
depois os que haviam decolado; a fileira seguinte, os que comunicaram
haver avistado o inimigo e a seguinte - com luzes vermelhas - os que
se encontravam em ação, por fim, a fileira de cima, os que estavam
retornando à base. Do lado esquerdo, numa espécie de caixa de
vidro, estavam 4 ou 5 oficiais cuja tarefa era pesar e medir as
informações recebidas do nosso Corpo de Observadores, na época
integrado por umas 50.000 pessoas, homens e mulheres de diversas
idades. O radar ainda estava na infância, mas avisava de incursores
que se aproximavam da costa e os observadores, com binóculos e
telefones portáteis, eram a nossa principal fonte de informações
sobre o inimigo que sobrevoava o local. Milhares de mensagens eram
recebidas durante o desenrolar de uma ação. Essas mensagens eram
logo passadas a pessoal experimentado, que as distribuía por
inúmeras salas situadas no QG subterrâneo, que as selecionava
rapidamente e de minuto em minuto as enviava aos cartógrafos e ao
oficial supervisor, na caixa de vidro. Em um boxe também de vidro,
situado do lado direito da sala, permaneciam oficiais do Exército,
que passavam as seus elementos a atividade de nossas baterias
antiaéreas...”Churchill.
Só depois de várias semanas
de observação é que os comandantes de Frota Aérea, Kesselring e
Sperrle, sentiram plenamente a importância das altas torres de radar
- os olhos desse sistema - que o “Graff Zeppelin” investigara tão
mal. Ainda assim as frotas aéreas não estabeleceram muito bem a
extensão da ajuda que o radar de Dowding podia dar na interceptação.
Mas eles suspeitavam de que talvez a Luftwaffe tivesse que, primeiro,
cegar pela destruição os olhos do radar e, segundo, arrasar os
aeródromos avançados dos esquadrões inimigos, para que o ataque
das águias eliminasse a resistência dos caças no sul da
Inglaterra. A 12 de agosto, depois de ataques simulados realizados de
manhã cedo do lado francês do Passo de Calais, a Luftwaffe
desfechou seus primeiros golpes pesados contra o sistema defensivo de
Dowding.
Por volta das 09:00 horas,
pontos vitais da rede de radar, na costa sul, estavam sendo atacados,
com bombardeiros e caças lançando-se contra as 6 estações
situadas entre Dover e a Ilha de Wight, onde a estação Ventnor foi
tirada do ar. A Luftwaffe também atacou os aeródromos costeiros de
caças de Manston, Hawkinge e Lympne, em Kent. Situado bem na costa,
esses aeródromos eram extremamente vulneráveis. O Esquadrão 65 de
Spitfires, após sua chegada de Rochford, ainda estava em terra
quando a primeira das 175 bombas caiu sobre Manston. Na refrega,
enquanto os Spitfires corriam pelo aeródromo para decolar, estava o
oficial-aviador B.E. “Paddy” Finucane, recém-chegado ao
Esquadrão. Já naquela manhã ele estivera em ação, numa peleja
com 30 Me 109, sobre o mar. Ao tentar fugir ao ataque de dois
insistentes pilotos de Me 109, Finucane subiu a 9.000m e avistou mais
12 aviões inimigos. Ele narrou: “Mergulhei contra o primeiro
deles, que caiu no mar, deixando um rastro de fumaça cinzenta”.
Sob o céu de Manston, Finucane abateu então outro Me 109, e pôs-se
a caminho de seu 32° inimigo derrubado e da promoção a Comandante
de Ala (tenente-coronel-aviador).
Manston, Hawkinge e Lympne
sofreram seriamente com os ataques. Em Hawkinge, os Ju 88 destruíram
dois hangares, as oficinas e esburacaram o aeródromo.
Felizmente para os defensores,
a atenção da Luftwaffe esteve concentrada sobre as estações de
radar e os aeródromos avançados nesses ataques a alvos
verdadeiramente táticos realizados no dia 12 de agosto. Foi com
alivio que Dowding viu o peso do ataque ser transferido para dois
comboios que cruzavam o estuário do Tâmisa e, para oeste, contra a
base naval de Portsmouth.
Foi ali que teve lugar uma das
incursões mais arrojadas da Batalha da Inglaterra. Voando pela
estreita entrada do porto, para aproveitar uma brecha na trama de
balões de barragem, veio uma força de bombardeiros de mergulho
Stuka. Felizmente, para uma área repleta de alvos valiosos, como
navios e instalações militares, os danos produzidos foram pequenos.
“Ali havia tudo com que um aviador sonha”, transmitiu um piloto
alemão depois do ataque. “navios enormes estavam ancorados e
atracados. Os alvos estavam tão juntos uns dos outros que era
praticamente impossível errar”. Mas eles erraram. As bombas
lançadas atingiram uma cervejaria, o que, embora prejudicasse o
moral da Marinha, não venceria a guerra para a Alemanha.
No fim do dia, quando na RAF
eram feitos cálculos sobre o tempo que poderiam resistir, se a
Luftwaffe concentrasse toda a sua potencialidade contra as estações
de radar e aeródromos de caças, o Estado-Maior e as guarnições da
Luftwaffe congratulavam-se por mais uma batalha vencida. Apagaram em
seus mapas os alvos atacados e afirmaram haver destruído cerca de 60
caças.
Na verdade, a Luftwaffe perdeu
31 aviões e a RAF, 22. Manston ficou fora de ação até o dia
seguinte, tendo-se iniciado logo os trabalhos de reparo da estação
de radar de Ventnor, perto de Bembridge.
A investida da águia
Quando, finalmente, após
muita procrastinação, foi o codinome transmitido, a 13 de agosto, o
ataque das águias foi uma espécie de anticlimáx e, pelo menos em
seus primeiros momentos, quase um fracasso. Não que os defensores
vissem ou compreendessem isso na época, talvez por haverem tomado os
ataques contra os alvos terrestres realizados no dia anterior como
prenúncio de investidas cada vez mais violentas ou, mesmo, de
invasão. Mas logo de inicio a Luftwaffe jogou fora a oportunidade,
pois, mal iniciado o “Dia da Águia”, ele foi cancelado
apressadamente, embora o cancelamento da ordem não chegasse a
alcançar todas as unidades instruídas para o ataque.
Os defensores podiam agradecer
à inconstância do tempo britânico o verdadeiro prêmio que
ganharam. Terça-feira, 13 de agosto, o dia amanheceu nublado; a
visibilidade era ruim nas bases da Luftwaffe da França e dos Países
Baixos e a manhã cobrira de névoa o sul da Inglaterra. Todavia, se
o objetivo era destruir a Inglaterra antes do inverno, o “Dia da
Águia” já estava perigosamente atrasado. Assim, quando as
previsões meteorológicas, compiladas dos informes transmitidos por
reconhecimento aéreo, mensagens de submarino e das mensagens
britânicas decifradas sobre o tempo no Atlântico, pareceram
suficientemente promissoras, foi disparado o ataque das águias. Mas,
quando as condições reais do tempo sobre a Inglaterra chegaram ao
conhecimento de Goering e ele decidiu adiar para o período da tarde
o início da operação, já algumas seções das Frotas Aéreas
estavam a caminho.
Para as guarnições
terrestres e aéreas da Luftwaffe e da RAF, o “Dia da Águia”
começou cedo. Por volta das 05:30 horas, mais de 70 Dorniers 17
haviam decolado.
Se o Coronel Fink, comandante
dos Dorniers, tivesse recebido do Alto Comando a ordem de
cancelamento, ele e seus homens teriam tido mais umas duas horas de
sono. Porém, ao amanhecer de 13 de agosto encontrou-os reunidos em
suas bases, procurando ansiosamente nos céus a grande escolta de
caças que deveria juntar-se a eles. Mas, a ordem que adiava o
ataque, que não chegara ao conhecimento de Fink, fora recebida pelos
caças pouco depois de decolarem. Contudo, eles não tinham contato
radiofônico com os bombardeiros que deveriam escoltar até os alvos
e de voltar às bases. O comandante dos caças, preocupado com a
mudança, tentou, cabriolando em acrobacias aéreas, inutilmente
atrair a atenção de Fink. Os caças tinham ordens de regressar à
base e os bombardeiros, de desfechar o “Ataque das Águias”, e
ordens eram para ser obedecidas. O cancelamento foi radiografado
desesperadamente do QG de Kesselring, mas o receptor de Fink, por
qualquer motivo, não o recebeu. Outro bombardeiro captou a mensagem,
mas entendeu que fosse apenas a confirmação da ordem, e iniciou-se
o ataque.
Assim é que Fink se viu
comandando a primeira missão do “Ataque das Águias”
inexplicavelmente abandonado pela escolta de caças. Mas a sorte não
o abandonara de todo, porque a grande camada de nuvens que provocara
o adiamento do ataque, de tal modo confundiu as defesas de radar da
RAF e o Corpo de Observadores de terra, incumbido de transmitir
informes sobre as formações inimigas avistadas aos controladores de
caça, que sua força de bombardeiros teve o trabalho muito
facilitado.
A navegação dos bombardeiros
foi excelente, pois ali, a 3.000m abaixo, no momento exato em que as
nuvens densas começaram a desfazer-se, estava o aeródromo de
Eastchurch. Os bombardeadores da Luftwaffe podiam ver os aviões da
RAF enfileirados como se estivessem prontos para receber, em tempo de
paz, a visitação pública.
Acontece, porém, que foi um
alvo dispendioso, porque Eastchurch era um aeródromo do Comando
Costeiro, e não de uma das estações do Comando de Caças. Ainda
assim, se a Luftwaffe estava disposta a reduzir os efetivos de caça
da RAF no ar, um ataque ali provavelmente atrairia os caças de
Dowding tanto quanto um ataque em qualquer outra parte, na frente de
invasão do sul da Inglaterra; isto, no entanto, não lhe foi
possível, na oportunidade, por causa da ausência dos caças
alemães.
As bombas de Fink estavam
caindo, às 07:00 horas, quando os defensores, mal alertados por
causa do tempo nublado e de uma marcação de radar incomumente
fraca, perceberam que Eastchurch estava sendo atacado. Restava então
interceptar os “bandidos” quando voltassem à base; felizmente,
os Hurricanes do Esquadrão 111, do Cap. de Esquadrão John Thompson,
que estava patrulhando sobre Folkestone, já estava muito bem situado
para o trabalho. Os Hurricanes se abateram sobre os Dorniers e,
devorando-os, derrubaram 5 aviões inimigos em igual número de
minutos. Cerca de meia hora depois, Thompson e seus pilotos, já no
rancho do campo de Croydon, tomavam a segunda refeição do dia.
A força de Fink, meio
desmantelada e desesperadamente ansiosa por retornar à base,
amaldiçoou a ausência dos caças que não os acompanharam. Os
bombardeiros da Luftwaffe receberam não só a fúria do ataque do
Esquadrão 111, como também foram atacados, sobre os viveiros de
ostras de Whitstable, pelos Hurricanes do Esquadrão 151 e por
Spitfires do ás sul-africano, o Cap. de Esquadrão “Sailor”
Malan, com seu Esquadrão 74.
Fink chegou são e salvo à
base, mas com 50 anos de idade e com um senso paternal de
responsabilidade pelos seus jovens tripulantes, ele não era um
oficial que ignorasse a terrível experiência, cheio de gratidão
pelo que fizeram por sua segurança. Ele se queixou amargamente ao
seu Comandante da Frota Aérea, Kesselring, que, compreendendo a
explosão do seu alto subordinado nas circunstâncias, explicou e
desculpou-se pessoalmente pelo erro.
Os Dorniers, apesar de tudo,
conseguiram encontrar um alvo, ainda que insignificante, que foi
Eastchurch, mas uma força escoltada de bombardeiros Ju 88, operando
a oeste, foi completamente lograda pelo tempo nublado. Divididos em
duas seções, os JU 88 procuravam o aeródromo de caças de Odiham e
o estabelecimento de pesquisa e desenvolvimento da RAF de Farnborough
- alvos que, como o aeródromo do Comando Costeiro em Eastchurch, não
mereciam a lisonjeira atenção do “Ataque das Águias”. a
destruição das estações de Odiham e Farnborough, mesmo que
tivesse ocorrido, não teria contribuído para a vitória em quatro
dias com que Goering contava. Infelizmente para os Ju 88, eles não
só foram incapazes de achar os dois objetivos, como também
encontraram os Esquadrões 43, 64 e 601 durante a busca que faziam.
Um dos pilotos do 601 era um
voluntário americano, oficial-aviador Billy Fiske. Decolando
apressadamente de Tangmere, às 06:45 horas, para a primeira de
várias surtidas que realizou no dia 13 de agosto, Fiske, envergando
o uniforme azul da RAF, não precisava, por dois motivos, buscar
dificuldades nos céus da Inglaterra antes do desjejum. Seus país
era neutro e seu “Esquadrão da Águia”, formado de voluntários,
só se tornaria operacional após a Batalha da Inglaterra. Na luta
daquela manhã cedo, Fiske saiu com o crédito de um Ju 88
possivelmente destruído e outro bombardeiro alemão avariado.
Mais tarde, naquela manhã de
13 de agosto, a Luftwaffe tornou a estragar o “Ataque das Águias”.
Desta feita, uma inversão de erro que tanto perturbara as
tripulações dos Dorniers antes do desjejum, uma força de
bombardeiros da Frota Aérea 3 não lograra encontrar-se com seus
caças para uma incursão contra a base naval de Portland. A escolta
de bombardeiros, formada por cerca de 30 caças-destróieres Me 110,
foi desbaratada. Cinco Me 110 caíram em 6 minutos e o restante fugiu
para a segurança da França.
Um dos pilotos da RAF,
Tenente-Aviador Sir Archibald Hope, um baronete britânico, do
Esquadrão 601, narrou, caracteristicamente: “Disparei uma rajada
curta contra um avião inimigo pela frente e, quando passei, ataquei
outro da mesma forma. Ele fez uma curva fechada e atravessou na minha
frente, subindo, de modo que pude ver toda a sua barriga azul-claro.
Esgotei minhas balas ali...”
Aproveitando um bom aviso do
radar, dois Esquadrões do Grupo 10 e um dos Esquadrões de Park
haviam operado formando uma ala dessa operação de defesa, em que
esteve em ação razoável quantidades de aviões, diferente do que
vinha acontecendo. Embora encontrassem os já desacreditados Me 110,
os três esquadrões, acostumados a lutar em desvantagem, ficaram
muito encorajados com a fuga precipitada do inimigo diante da
superioridade numérica dos caças britânicos.
Depois desse tipo de ação,
em geral a calma voltava à superfície do mar e, do céu, as
cicatrizes formada pelos rastros deixados pelos aviões em queda
começavam a dissipar-se. O fim da batalha não marcara, porém, o
momento de retornar à base, se ainda havia combustível. Sobre o
mar, a atividade muitas vezes prosseguia, para o socorro àqueles que
ali houvessem caído. Nesse dia, o Tenente-Aviador Hope desceu para
procurar amigos que pudessem estar “no drinque”. Ele sabia que
vidas estavam sendo salvas diariamente pelo cuidado que os pilotos de
caças tomavam de localizar e proteger seus camaradas no mar. Afirmou
Hope: “Estou convencido de que, a menos que andássemos por ali,
sobre as águas, eles não teriam sido salvos. Era fácil vê-los do
ar enquanto seus pára-quedas flutuassem, isto é, durante meia hora
no máximo”. O tenente-aviador avistou um dos pilotos de seu
Esquadrão, orientou uma torpedeira da Marinha para o local e uma
vida foi salva. Levaram-no para o hospital naval em Portland, para
pensar os ferimentos causados por “schrapnel” e, mais tarde,
naquela mesma noite, ele retornou aos eu Esquadrão, em Tangmere.
O fato de que, não fosse a
lealdade dos companheiros, um piloto de caça, com experiência
operacional, teria morrido afogado, refletia a triste falta de um bom
Serviço de Salvamento Aeronaval, em agosto de 1940. Quando a batalha
começou, havia apenas 14 lanchas de alta velocidade para a RAF fazer
salvamentos aeronavais em toda a extensa linha costeira da
Inglaterra.
A vida dos pilotos de caça
era muito preciosa. Embora os voluntários que serviam nos barcos
salva-vidas da Real Instituição Nacional de Salva-Vidas estivessem
fazendo corajosamente o máximo que podiam, e embora os pescadores
etc, estivessem também ajudando, o mar estava cobrando tributo em
homens que deveriam ter sido salvos.
Uma jovem civil salvou uma
vida, fazendo-se ao mar numa canoa pequena e frágil. Voltou,
remando, com o piloto. Ela foi agraciada com uma medalha pelo rei.
Tal façanha, inspiradora de
inúmeras outras, estava de acordo com o espírito vigente em 1940,
mas também ressaltava a necessidade de um plano de emergência para
salvamento aeronaval. A RAF, a Marinha e o Exército esforçaram-se
apressadamente para criar um serviço de salvamento no Canal da
Mancha, formado de lanchas da RAF, barcos leves da marinha e aviões
de reconhecimento Lysander, tomados por empréstimo ao Exército para
lançar pequenos botes.
Em contraste com isso, a
Alemanha tinha um serviço bem planificado para pescar os aviadores
do Canal e devolvê-lo ao serviço ativo. A Luftwaffe estava equipada
com hidroaviões He 59 e lanchas velozes. Com o prosseguimento da
batalha, ela introduziu barcos de luxo para salvamento, dotados de
quatro beliches, cobertores, roupas, alimentos e água e colocados a
intervalos regulares no meio do Canal.
Enquanto os pilotos dos Me 109
transportavam barcos infláveis, os pilotos dos Hurricanes e
Spitfires dependiam unicamente dos seus coletes salva-vidas “Mae
West”. Contudo, havia uma característica nos arranjos de
salvamento britânico como qual a Luftwaffe não podia competir: O
Serviço de Pombos da RAF, que havia sido criado antes da guerra.
Apesar do mau tempo
ininterrupto, a Luftwaffe reiniciou as operações na tarde de 13 de
agosto. As grandes camadas de nuvens, densas e baixas, que cobriam o
sul da Inglaterra por certo não eram propícias a ações de caça a
céu aberto que, segundo a Luftwaffe esperava confiante, acabariam
com a força de caça da RAF.
Contudo, a Luftwaffe
intensificou seus esforços depois do almoço, desfilando caças,
bombardeiros e bombardeiros de mergulho desde o estuário do Tâmisa,
no leste, a Southampton, no oeste.
Noventa bombardeiros,
fortemente escoltados, foram despachados com a intenção de estender
as defesas de caça meridionais até seus limites, por vários
aeródromos fora de combate e, de passagem, fazer as docas de
Southampton passar uns maus bocados. Naturalmente, era uma pretensão
descabida que só poderia ter saído da atmosfera eufórica de
Karinhall.
No todo, o plano teve êxito
muito minguado. É verdade que uma força de bombardeiros Ju 88
chegou até Southampton e provocou sérios incêndios em suas docas,
mas nenhum aeródromo de importância foi danificado, e a Luftwaffe
dava-se muito mal toda vez que buracos nas nuvens permitiam aos
esquadrões interceptadores a oportunidade de combatê-la.
Um Esquadrão do Grupo 10, no
qual serviam os oficiais Andy Mamedoff, Red Tobin e Shorty Keogh,
três compatriotas, também voluntários, do americano Billy Fiske,
saiu-se extraordinariamente bem. Eles apresentaram o seguinte
relatório: “Treze Spitfires decolaram de Warmwell para uma reunião
memorável sobre a Baía de Lyme e um dia infeliz para os Ju 87,
quando nada menos de 14 deles foram destruídos ou danificados numa
caçada recorde do Esquadrão, que também incluiu 5 dos Me de
escolta. “A formação inimiga, consistindo de cerca de 40
bombardeiros de mergulho, em 4 formações em V, com quase outros
tantos Me 110 e 109, deslocando-se na direção norte, vinda do
Canal, foi surpreendida pelo ataque do Esquadrão 609, descendo da
direção do sol. Os 13 pilotos nossos dispararam suas
metralhadoras... Um piloto de caça britânico, que no dia anterior
lamentara estar ausente na caça ao galo silvestre, no “Glorioso
Dia 12”, achou que o sucesso do Esquadrão 609 compensou plenamente
a tristeza da ausência”.
Durante a tarde, a RAF também
esteve ocupada em seu flanco oriental, o mais vulnerável. Também
ali a Luftwaffe escolheu um alvo de importância secundária,
atacando Detling que, como Eastchurch, atacada naquela manhã, era
basicamente uma estação do Comando Costeiro. Embora o comandante da
estação fosse morto no ataque de bombardeiros de mergulho, e a sala
de operações, os ranchos e a cozinha acabassem bastante
danificados, o pessoal da estação limpou o rancho e repôs os
serviços essenciais em seu funcionamento por volta da hora do almoço
do dia seguinte.
No fim do dia que presenciaria
o começo do fim do Comando de Caças, o “Ataque das Águias”
fracassou. Ao pôr-do-sol, a Luftwaffe completara 1.485 surtidas;
cerca de um terço dos aviões que delas participaram se compunha de
bombardeiros, contra 700 da RAF. Na contagem feita no pós-guerra,
verificou-se que a Luftwaffe perdera 45 aviões e a RAF, 13. Contudo,
na época, a Luftwaffe acreditava ter-se saído bem. Declarando ter
destruído 88 caças britânicos em condições atmosféricas
adversas, ela deu a si mesmo boas razões para já avistar o fim.
Como que para acrescentar mau
augúrio à confiança alemã, houve uma notícia, na manhã
seguinte, informando que no dia 13 de agosto o “Big Ben” de
Londres soou 13 badaladas à meia noite em vez de 12.
A RAF, apesar do razoável
sucesso obtido a 13 de agosto, não tinha ilusões quanto aos riscos
que estavam todos correndo. Tendo muito maior volume de ação, a
Luftwaffe estendeu, a 13 de agosto, os Esquadrões de Linha de
Frente, ao mesmo tempo em que começavam a ser empenhados mais e mais
Hurricanes e Spitfires.
Relativamente, o dia 14 de
agosto foi mais calmo; entretanto, como sucessor de um dia de
operações muito mais movimentado, os defensores o consideraram
bastante oneroso. Muito embora neutralizasse em grande parte o seu
poder de ataque, voando debaixo de tempo desfavorável e alvejando
pontos apenas relativamente recompensadores, a Luftwaffe tinha a
vantagem da surpresa. O radar, suplementado pelos informes visuais do
Corpo de Observadores, podia servir Dowding e seus comandantes de
grupo com razoável precisão, mas a diversidade dos ataques da força
aérea germânica e a escolha inesperada dos alvos surpreendiam e
confundiam o deslocamento dos esquadrões defensores de uma frente
costeira de 400 km. Mas ainda restava ver se o Comando de Caças
poderia resistir ao ataque geral esperado e temido desde a queda da
França. A 15 de agosto começou o verdadeiro teste, quando pela
primeira e única vez, durante a batalha, a Luftwaffe lançou as três
Frotas Aéreas contra a Inglaterra.
Este seria o dia da grande
arremetida, do verdadeiro ataque das águias, o primeiro dos 4 dias
em que a RAF seria rechaçada nos céus do sul da Inglaterra.
“Ataquem ao longo de uma frente extensa, da costa leste à costa
oeste da Inglaterra. Acabem com as estações de radar, destruam os
aeródromos, obriguem os caças restantes a decolar para combater e
destruam-nos”- esta a orientação que os pilotos alemães
receberam.
15 de agosto era o dia pelo
qual os estrategistas de gabinete alemães haviam esperado
impacientes, enquanto exultavam sobre mapas, diagramas e desenhos da
imprensa que projetavam uma Inglaterra cercada com a água alemã
presa à sua garganta. A rádio alemã, transmitindo em inglês, para
que o inimigo não abrigasse dúvidas quanto ao destino que o
aguardava, anunciou, impertinente: “A Inglaterra está numa bandeja
esperando o ataque da Força Aérea alemã. Ela não pode escapar.
John Bull será destruído. Ou se rende ou a Inglaterra será
aniquilada”.
Quando amanhecia sobre as
Ilhas Britânicas, a atividade inimiga se restringia a vôos
rotineiros de reconhecimento. Até mesmo as incursões matinais
contra os aeródromos avançados de Lympne e Hawkinge, embora
severos, podiam ser considerados normais, nas circunstâncias.
Contudo, igualmente valiosos para o inimigo foram os ataques
simulados que não se materializavam. Desde o amanhecer a Luftwaffe
mantinha os Esquadrões do Grupo 11 em guarda. O desgaste dos homens
e das máquinas já começavam a fazer-se sentir e as repetidas
decolagens e aterrissagens aumentavam o perigo de os esquadrões
serem surpreendidos enquanto se rearmavam e reabasteciam em terra.
Ali, o problema básico era que a responsabilidade pela defesa do
sudeste da Inglaterra - a área da invasão - e de Londres cabia
principalmente às estações de caça incluídas num sistema de
defesa que supunha que as bases de bombardeiros estavam
confortavelmente situadas além do Mosa. Os aeródromos mais
avançados não só estavam expostos a ataques repentinos, como
também os pilotos que operavam deles muitas vezes eram obrigados a
decolar para o interior, para atingir atitudes de onde pudesse se
engajar na luta.
Assim, até o meio-dia, vários
ataques violentos aos aeródromos do sudeste da Inglaterra e muitos
ataques simulados no Canal mantiveram o Grupo 11 ocupado e
preocupado, enquanto que no norte da Inglaterra surgia numa situação
nova.
Durante algum tempo, os
aviadores alemães da Frota Aérea 5, de Stumpf, estacionada na
Noruega e Dinamarca ocupadas, vinham cobiçando a participação mais
ativa e gloriosa dos seus colegas das Frotas Aéreas 2 e 3. Foi-lhes
dada a oportunidade de também contribuir para o esmagamento iminente
da RAF e, enquanto taxiavam para a decolagem, julgavam que um passeio
os esperava. As ordens de Stumpf eram para que destruíssem os
aeródromos do nordeste da Inglaterra e de Yorkshire, na crença de
que as defesas de caça do norte e do interior haviam sido desviadas
para reforçar a frente de invasão.
Mas o serviço de inteligência
alemão estava enganado. O intercâmbio de esquadrões havido foi de
grupos cansados, que se deslocaram para setores mais calmos, por
elementos já repousados, que voltaram à linha de combate. No Real
Corpo de Aviação, quando ainda simples oficial subalterno, Dowding
viu pilotos esgotados decolar para morrer sobre as trincheiras da
Primeira Guerra. E Dowding não iria incidir no erro cometido por
seus superiores no conflito 1914-18 a menos de que não tivesse outra
alternativa. Por isso é que as impacientes tripulações da Frota
Aérea 5 teriam uma surpresa desagradável.
Pouco depois do meio-dia o
Comando de caças recebeu a comunicação de que aviões inimigos
estavam a 160 km de Firth of Forth, na costa leste da Escócia. A
antecedência com que o aviso foi transmitido permitiu que o Grupo
13, do Vice-Marechal-do-Ar R.E. Saul, pusesse no ar seus caças bem a
tempo de enfrentar o inimigo sobre o mar.
Apesar de o radar da costa
leste, que não era afinal mais preciso na avaliação do volume das
forças atacantes que os mais ocupados da cadeia de radar da costa
sul, haver subestimado em cerca de 65 bombardeiros He 111 e 34 caças
de longo alcance Me 110 a formação que vinha para o ataque, Saul
despachou todos os seus aviões utilizáveis - três Esquadrões de
Spitfires, um de Hurricanes e até mesmo um de Blenheims, que, embora
fizessem parte da ordem de batalha do Comando de Caças, dificilmente
deveriam ser mencionados no mesmo contexto dos Spitfires do Esquadrão
72 para o combate ao inimigo.
A 48 km de distância, além
das sombrias Ilhas Farne, os pilotos dos Spitfires o avistaram, e o
que constataram foi para eles espantosa surpresa. O radar previra uma
força de mais ou menos uns 30 aparelhos, mas o que divisaram os
pilotos britânicos abaixo deles, eram uns 100 bombardeiros sem
escolta. Em números redondos, o cálculo estava certo, mas os
pilotos da RAF erraram em não identificar a escolta de caças Me 110
de longo alcance, transportando tanques extras de combustível para o
longo percurso desde a Escandinávia. O Tenente-Aviador Edward
Graham, líder de Spitfires, parou mentalmente por instantes. Era com
se uma criança tivesse recebido de presente uma fatia enorme de bolo
de aniversário e não sabia por onde começar. Ele ficou meio
aturdido diante do número de inimigos, mas em segundos a indecisão
e o espanto deram lugar à ação. Graham e seu Esquadrão
lançaram-se sobre eles com a gula de quem há muito estava faminto
pela oportunidade que se apresentava.
Desfrutando de vantagem
normalmente negada aos seus camaradas lotados no sul da Inglaterra,
onde a travessia do mar era demasiado curta, os pilotos de Saul
contaram com espaço suficiente para superar a altitude da força
atacante durante o vôo de interceptação. A 900 m acima das
tripulações alemães e com o sol idealmente às suas costas, os
pilotos de caça britânicos mergulharam sobre a massa de Heinkels e
Messerschmitts.
Na luta que se seguiu, a
escolta de caças Me 110 saiu-se pior que os bombardeiros. Sem os
seus artilheiros, que haviam ficado na Noruega e na Dinamarca, por
causa da longa distância da operação, alguns pilotos do
desacreditado caça-destróier de Goering deitaram fora seus tanques
extras de combustível e formaram um círculo defensivo. Outros
mergulharam na direção do mar e fugiram para suas bases.
Os Heinkels, dispondo de
alcance maior e mostrando-se mesmo mais determinados, dividiram-se em
dois grupos e cruzaram a costa. Hostilizados pelos Esquadrões de
apoio de Saul, eles não conseguiram alcançar os aeródromos que
tinham como objetivo e retornaram às suas bases, em Stavanger, na
Noruega, tendo perdido 8 aparelhos. Com outros 7 que desceram no
momento em que se deu o encontro dos dois adversários, contra nenhum
da RAF, o dia tinha assim um começo terrivelmente ruim para os
homens da Frota Aérea 5, de Stumpf, que haviam decolado com tanta
confiança.
Mas, a 160 km ao sul, uma
força de 50 Ju 88, que eram mais velozes e ágeis, pertencentes à
Frota Aérea 5, teve melhor sorte. Descendo de Aalborg, no norte da
Dinamarca, os bombardeiros Junkers foram captados pelo radar da costa
leste e tornaram-se responsabilidade do Grupo 12, do
Vice-Marechal-so-Ar Trafford Leigh-Mallory. Operando em setores
situados ao sul dos Esquadrões de Saul e, por conseguinte, já mais
envolvidos na Batalha da Inglaterra do que seus vizinhos do norte, os
Esquadrões de Leigh-Mallory vinham encontrando freqüentes
oportunidades de agir, à medida que a batalha sobre o sudeste da
Inglaterra se estendia até Londres.
Os Ju 88 que, sem escolta, se
aproximavam de Flamborough Head se ofereceram aos 12 pilotos de
Spitfire do Esquadrão 616 e aos 6 pilotos de Hurricanes do Esquadrão
73 que, entre si, foram responsáveis pela destruição de 8
bombardeiros. Violentamente empenhados em combate, os Junkers se
dividiram, mas uma força de cerca de 30 bombardeiros fez um ataque
decidido contra uma estação de bombardeiros da RAF em Great
Driffield, Yorkshire. Os danos foram pesados e 10 bombardeiros
Whitley foram destruídos em terra; embora séria a perda sofrida
pela RAF, foi uma felicidade para os defensores que a Frota Aérea 5
tivesse escolhido uma estação de bombardeiros, porque o caos
equivalente provocado num campo de caças teria sido muito mais
desastroso para eles, nesse estágio da batalha. A tentativa de
impedir a atividade dos bombardeiros da RAF, na época simples
alfinetadas, era um desperdício enquanto o Comando de caças, a
chave da porta da frente da Inglaterra, continuasse existindo. Por
esse esforço valente, ainda que pródigo, a Luftwaffe pagou 8
bombardeiros Ju 88. Perdendo 23 aparelhos dos 123 bombardeiros e 34
caças utilizáveis, a Frota Aérea 5 suspendeu as operações
depois de 15 de agosto, e só reapareceria ao anoitecer, com
quaisquer números, durante o resto da batalha.
No sul, onde os ataques
diurnos, feitos, em grande escala, pelas Frotas Aéreas 2 e 3, não
obedeciam ao trajeto da Frota Aérea 5, que era pelo Mar do Norte, os
acontecimentos de 15 de agosto foram mais duros para os defensores.
Ali, a cartada há muito esperada e temida estava sendo jogada,
quando toda a fúria das duas Frotas Aéreas foi lançada contra os
aeródromos dos caças de linha de frente de Dowding.
No meio da manhã, 40
bombardeiros de mergulho Ju 87, escoltados por 60 caças, atacaram os
aeródromos avançados de Lympne e Hawkinge. O primeiro foi devastado
durante dois dias; o segundo não sofreu tanto, porém mais sério
foi o fechamento de duas estações da cadeia de radar, por falta de
energia.
Uma hora depois de iniciado o
ataque aos dois aeródromos citados, 12 Me 109 mergulharam sobre o
aeródromo de Manston, localizado no alto de um rochedo, varrendo-o
com fogo de canhão e metralhadora e destruindo 2 Spitfires no solo,
A seguir, voltou-se a Luftwaffe contra a estação de caças situada
mais para o interior, em Martlesham Heath, submetendo-a a um selvagem
ataque desfechado por uma força de Stukas poderosamente escoltados.
Ao mesmo tempo, 100 caças e bombardeiros da Luftwaffe começavam a
aproximar-se da costa de Kent, seguidos, uma hora depois, de outra
força de 150 aparelhos.
Era chegado o momento. No
Grupo 11, toda e qualquer idéia de fazer poupança de caça teve de
ser abandonada. O Comando de caças não podia ficar indiferente, em
Stanmore, quando as estações avançadas vinham sendo submetidas a
tão forte castigo. Os pássaros tinham de aceitar o desafio do
inimigo, numericamente mais forte, lutando em defesa do próprio
ninho. Para tentar desbaratar as grandes formações da Luftwaffe, 7
Esquadrões de Spitfires e Hurricanes fizeram ao ar, mas os
numerosíssimos Me 109, que pareciam ocupar cada metro do espaço
aéreo, os castigaram terrivelmente.
A oeste, no fim da tarde, a
história foi diferente; cerca de 250 aparelhos da Frota Aérea 3
abriram-se em leque sobre Hampshire e Witshire. A RAF despachou mais
de 130 caças de 11 Esquadrões e de tal forma hostilizou a Frota
Aérea de Sperrle, que ela retornou às bases com menos 25
bombardeiros e caças sem que tivesse causado dano muito sério.
Pelo anoitecer, a batalha
retornara à área da frente de invasão no sudeste da Inglaterra,
com o radar marcando mais de 70 “bandidos” que vinham de Calais.
A instrução que traziam era para atacar as estações vitais do
setor, em Kenley e Biggin Hill, mas felizmente para Park foi o campo
menos importante, de West Malling, que sofreu a violência do ataque,
depois que os pilotos desviaram a incursão dos alvos planejados.
Depois das 24 horas, a
Luftwaffe, ao completar o mais extenso e mais maciço ataque da
batalha, havia realizado 1.780 surtidas, das quais mais de 500 foram
feitas por bombardeiros. Excetuando-se as atônitas unidades da Frota
Aérea 5, que haviam esperado uma tarefa sem oposição, as
tripulações de bombardeiros e caças alemães acreditavam haver-se
saído bem e afirmavam ter destruído 82 Spitfires e Hurricanes
contra 34 aparelhos seus perdidos. Mas a Luftwaffe perdera realmente
75 aviões nesse único dia. Não chegava nem à metade do número
calculado pela RAF, que era de 182 aparelhos, mas foi um golpe
suficientemente sério para impedir a repetição de ataque aéreo
contra a Inglaterra na escala do realizado a 15 de agosto - nessa
batalha ou em qualquer outro momento.
Na manhã seguinte, depois do
esforço sem precedentes da Luftwaffe e da defesa decidida da RAF a
15 de agosto, a atividade das Frotas Aéreas 2 e 3 foi muito reduzida
e a Frota Aérea 5 ficou virtualmente fora de combate. Contudo, a
Luftwaffe conseguiu fazer 1.700 surtidas - volume capaz de confirmar
a bazófia de Goering de que expulsaria a RAF dos céus do sudeste
inglês numa questão de dias. Na verdade, os líderes da Luftwaffe,
embora surpresos com a resistência da RAF, acreditavam que a derrota
de Dowding era iminente. As estatísticas da força aérea germânica
afirmavam que a RAF perdera 574 caças no ar desde o começo de julho
e que as outras perdas elevavam esse total para 770 aparelhos.
Levando em conta as estimativas que faziam da capacidade de produção
do parque industrial britânico, a Luftwaffe creditava à RAF cerca
de 300 aparelhos utilizáveis, de um total de 430 caças.
Na verdade, os novos caças,
que estavam deixando as fábricas à razão de 100 por semana,
montavam a cerca de 750 Spitfires e Hurricanes desde o começo de
julho. 235 destes caças estavam esperando despacho imediato para
unirem-se aos quase 600 caças operacionais em 47 Esquadrões de
Spitfires e Hurricanes, do Comando de Caças.
Como a Luftwaffe, a 16 de
agosto, tinha apenas 700 caças Me 109 nas Frotas Aéreas 2 e 3,
Dowding estava equipado para enfrentar caça por caça se quisesse
empenhar em combate toda a sua força na frente de invasão. Mas,
como Park, que vinha poupando para a hora de perigo no Grupo 11,
Dowding, com quatro Grupos sob suas ordens no Comando de Caças,
vinha poupando numa base mais ampla; e mesmo agora, não estava
preparado para gastar suas poupanças. Enquanto houvesse indícios da
iminência de invasão, Dowding considerava que era de seu dever a
proteção de todas as áreas da Inglaterra que estivessem sob ameaça
de bombardeiro e, ao mesmo tempo, manter os Esquadrões de caças
fora da área localizada da batalha, em reserva para o pior que
pudesse acontecer - um desembarque e a marcha sobre Londres.
Assim, no sul da Inglaterra
não havia mais de 300 Spitfires e Hurricanes para se pegaram com a
Luftwaffe que, supondo estivesse Dowding reduzido aos últimos
Esquadrões de Caça, reiniciou as incursões diurnas a 16 de agosto.
Os famosos “poucos”
A 16 de agosto, os aeródromos
voltaram a ser o alvo principal da Luftwaffe. Ao meio-dia, 70
bombardeiros fortemente escoltados penetraram a área de defesa dos
caças para bombardear West Malling, não visando, por exemplo, a uma
estação permanente de setor, que seria muito mais vantajoso para os
alemães. A RAF agradecia bastante à Luftwaffe pela falta de
seletividade revelada na escolha dos objetivos, decorrente da
precariedade da preparação e das informações. A oeste, os ataques
foram contra dois aeródromos, um naval e outro do Comando Costeiro,
nenhum deles merecendo prioridade nesse estágio crítico da batalha.
Contudo, em Tangmere, a estação do setor mais ocidental do Grupo
11, a história foi diferente. Os pilotos de Park experimentaram a
medonha situação de retornar para pousar e reabastecer quando seu
aeródromo estava sendo alvo de bombardeio de mergulho.
Entre os pilotos que
procuravam pousar seu Spitfires enquanto os Stukas sobrevoavam o
local encontrava-se Billy Fiske, o americano que não precisava estar
ali. Quando Fiske se aproximou, com seu Spitfire fumegante, as rodas
recolhidas e enguiçadas, Tangmere estava sendo “surrada”. Os
hangares, a oficina, os depósitos, a enfermaria e até mesmo a
cabana do Exército da Salvação, eliminados. Fiske e seus colegas
dispuseram-se a aterrissagem em meio a à terrível devastação.
Mergulhando por entre as bombas que caíam, Fiske arriscou uma
aterrissagem de barriga no campo cheio de crateras. Por instantes
pareceu que o voluntário americano conseguira, embora ainda tivesse
que procurar sobreviver à tormenta que ali se estabelecera.
Infelizmente o Spitfire foi presa das chamas que produziram em Fiske
ferimentos em conseqüência dos quais veio ele a falecer pouco
depois. Na Catedral de São Paulo, no coração de Londres, existe
uma placa em memória de Billy Fiske, em que se lê: “Um cidadão
americano que morreu para que a Inglaterra pudesse viver”.
A morte e queimaduras eram
riscos sempre presentes, nas carlingas dos caças da RAF de 1940,
especialmente nos Esquadrões de Hurricanes. Um piloto que não
conseguisse escapar, não sobrevivia por mais de um minuto num
Hurricane em chamas. Nesse dia de verão do mês de agosto de 1940, o
Tenente-Aviador Nicholson, ex-piloto de Spitfire do Esquadrão 72,
então no Esquadrão 249 de Hurricanes, estava patrulhando
Southampton num céu sem nuvens e imaginando se o bebê que sua
mulher esperava, no norte, em Yorkshire, havia nascido. Ele também
estava esperando dar uma “pregada” no inimigo, como os pilotos de
caça dizem - e então, aí estavam eles, 3 bombardeiros Ju 88, um
pouco mais à frente.
Acompanhado por dois outros
pilotos de Hurricanes, Nicholson se aproximava rápido dos
bombardeiros quando, para sua irritação, viu que um Esquadrão de
Spitfires lhe passara à frente para atacar a presa; os Junkers foram
eliminados em poucos instantes. Desapontado, Nicholson começou uma
longa subida, para juntar-se ao resto do seu Esquadrão de patrulha.
Mas não chegaria à altitude de segurança, pois um Me 109 se
aproximava sem ser notado, pela sua cauda, e disparou um tiro de
canhão contra o Hurricane. Em poucos segundos o caça de Nicholson
ficou em chamas, com o piloto cego pelo sangue que lhe invadia os
olhos e ferido numa das pernas.
Nessas circunstâncias,
Nicholson deveria ter tentado escapar. Mas ele decidiu que levaria
consigo para o chão um avião germânico e dispôs-se a fazer do seu
atacante a sua primeira vítima. Virando o Hurricane para boreste,
Nicholson viu o Me 109 cruzar em sua frente e cair direto na sua alça
de mira. Mergulhando a 640km/hora, o Hurricane era um inferno
ardente, mas Nicholson manteve-se firme à cauda do caça inimigo até
vê-lo cair no mar. Somente então é que concordou em abandonar o
aparelho. As mãos crestadas pelas chamas, a esquerda no controle do
afogador e o polegar da direita pressionando o botão de disparo, ele
lutou por livrar-se das correias que o prendiam no assento da
carlinga. Mas, mesmo depois de haver conseguido saltar e em plena
descida na direção do solo, Nicholson enfrentou outro teste de
resistência; porém, de algum modo, ele conseguiu puxar a corda do
pára-quedas com as mãos seriamente queimadas. O pára-quedas
aberto, embaixo o chão da pátria, tudo indicava estar quase no fim
o sofrimento do piloto, mas dois outros riscos ainda o aguardavam,
antes que pudesse certificar-se de estar salvo para outros encontros.
Flutuando sobre Hampshire na extremidade do pára-quedas, ele foi
atentamente observado por um piloto de caça inimigo, que o deixou
finalmente entregue à compassiva bondade da unidade militar da
Guarda nacional, em terra. Mas quando Nicholson tocou o solo, os
fuzileiros desse exército de voluntários, recrutado às pressas
para a esperada invasão, dispararam contra o piloto britânico.
Felizmente, a pontaria ruim dos atiradores permitiu que Nicholson
sobrevivesse para receber a “Victoria Cross”, a única concedida
a um piloto de caça na Batalha da Inglaterra.
Martelando os aeródromos, a
Luftwaffe estava estrategicamente certa, se pretendia atender à
expectativa de Goering de conquistar a superioridade aérea em 4
dias. No território da Inglaterra havia os mais diferentes tipos de
aeródromos e antes do fim das operações diurnas a 16 de agosto, a
Luftwaffe tornou a fazer um esforço muito bem sucedido mas, nas
circunstâncias, totalmente inútil. Dessa vez, ela escolheu para
alvo uma estação de treinamento e unidade de manutenção de
bombardeiros em Brize Norton. 46 aparelhos Oxford foram destruídos
em terra - mas eram aviões que não poderiam influenciar a tentativa
de obter superioridade aérea antes da invasão.
Contudo, ataques mais
inteligentes, dirigidos contra as defesas de caça no sudeste da
Inglaterra, estavam sendo planejados. O dia 17 de agosto foi
tranqüilo, mas no dia 18 de agosto de 1940, um domingo, a partir do
meio-dia, veio a promessa de ataques que poriam a RAF à prova até
os limites máximos.
As incursões feitas então
não foram tão intensas como as do dia 15, mas o que faltava em
quantidade para igualar-se às daquele dia era compensado em
determinação de atingir os aeródromos ao longo do caminho dos
bombardeiros até Londres.
Os comandantes da Luftwaffe já
respeitavam muito mais a interceptação dirigida pelo radar da RAF e
estavam experimentando métodos para anulá-la. A 18 de agosto, a
importante estação de setor de Park, em Biggin Hill, foi escolhida
para testar o ardil preparado, embora a execução do plano fosse
incompleta.
O estratagema resumia-se em
despachar duas incursões de bombardeiros de alto nível, seguidas de
uma incursão breve, intensa e de pouca altitude, feita por um
esquadrão sem escolta e voando baixo demais para serem captados pelo
radar. Os que buscavam a morte ou a glória nesse vôo rasante teriam
a vantagem dos alvos escolhidos e indicados pelos incêndios e pela
fumaça provocados pelas levas anteriores de bombardeiros de grande
altitude.
No papel, o plano parecia ser
à prova de caça e radar, mas sua execução colocou a Luftwaffe
numa série de situações violentas e inesperadas que não foram
totalmente provocadas pelo Comando de Caças, tal a confusão do
momento.
Para os atacantes, a operação
começou mal quando os Ju 88 de alto nível se atrasaram, por causa
de uma confusão havida que não permitiu o encontro que tinham
marcado, nos céus da França, com os 9 Do 17 do ataque rasante, que
foram obrigados a encontrar Biggin Hill sem a ajuda dos Junkers.
Assim é que, enquanto as duas
formações de grande altitude rumavam lentamente para Biggin Hill,
os velozes incursores de baixo nível já estavam quase sobre o lavo,
onde, para azar seu, as defesas de terra e aéreas estavam prontas
para lhes dar uma recepção bem violenta. Embora Biggin Hill não
desconfiasse do ataque de baixo nível - o radar não captara
qualquer sinal - a estação estava preparada para os esperados
bombardeiros de alto nível.
Mas os pilotos dos Dorniers
não sabiam disso e, para seu espanto, à frente deles estava
inequivocadamente a estação de setor de Biggin Hill, tranqüila e
imperturbada como um aeródromo de serviço num domingo de tempo de
paz. Não houve tempo para que as tripulações da Luftwaffe vissem o
que é que saíra errado, porque, repentinamente, eles se encontraram
numa teia de fogo cruzados de artilharia, leve e pesada, disparados
de terra, incluindo um novo risco, os cabos de aço projetados por
foguetes e suspensos em redor do aeródromo por pequenos pára-quedas.
Então, para aumentar seu tormento, os Dorniers foram atacados por 2
dois 3 esquadrões de Biggin Hill, que aguardavam as formações de
grande altitude captadas pelo radar; somente dois dos Dorniers
retornaram, a salvo, à França. Finalmente, os incursores de alto
nível chegaram e, sofrendo uma recepção igualmente violenta,
perderam 4 bombardeiros.
Felizmente para Biggin Hill,
dessa vez foram poucos os danos importantes causados pela incursão,
embora as crateras das bombas e, sobretudo, os buracos abertos por
bombas não-explodidas criassem inconvenientes sérios. Terminada a
incursão, um sargento da Força Aérea Auxiliar Feminina foi visto
andando cautelosamente junto das crateras e marcando as bombas
não-explodidas com uma das bandeiras vermelhas que carregava debaixo
do braço. Durante o ataque, o Sargento Joan Mortiner de 28 anos
mostrara evidente bravura ao ajudar a manter o transporte de munição
para as posições de canhão e agora, ainda arriscando a vida,
cuidava para que Biggin Hill continuasse operacional. Mais tarde, ela
foi agraciada com a “Medalha Militar”, uma condecoração
masculina, pela bravura demonstrada por uma jovem diante do inimigo.
Enquanto Biggin Hill era
atacada, Kenley, situada a apenas 10 km a oeste, foi “massacrada”
em idênticas circunstâncias e, infelizmente para os defensores, as
coisas não saíram tão erradas para a Luftwaffe nessa operação.
Ali, os ataques de alto e
baixo nível coincidiram plenamente e cerca de 100 bombas atingiram a
estação de setor de Kenley, destruindo 6 Hurricanes e vários
outros aviões menos importantes. Dez hangares foram arrasados e os
Dorniers, tendo perdido vários dos seus, partiram deixando Kenley em
destroços fumegantes.
Simultaneamente, outros
incursores da Frota Aérea 2 atingiram West Mailling e Croydon.
Durante a tarde, a Frota Aérea 3 manteve a pressão, atacando
aeródromos em Hampshire e West Sussex e, pelo fim da tarde, a Frota
Aérea 2 voltou a operar atacando Croydon novamente. Ao anoitecer,
quando as tripulações da Luftwaffe se preparavam para manter a
Inglaterra acordada, com aparições incômodas e generalizadas e com
o lançamento algo preciso de minas no Estuário do Tâmisa e no
Canal de Bristol, os defensores já podiam recordar um dia cansativo,
que lembrava o 15 de agosto. Contudo, a RAF cobrava tributo à
Luftwaffe: 71 bombardeiros e caças alemães pela perda de 27 caças
britânicas, nos quais somente 10 pilotos morreram.
Mas a RAF podia contar com
alguns benefícios nesses quentes dias de agosto, quando a luta era
ininterrupta, um dos quais residia no fato de ela vir travando uma
batalha defensiva sobre seu próprio terreno e águas costeiras.
Como as estatísticas indicam
para 18 de agosto, grande número de pilotos de caça da RAF
abandonavam seus aparelhos quando atingidos, salvando-se para lutar
novamente, uma benção que ninguém mais que o próprio
comandante-chefe agradecia. Em meados de agosto, as perdas de Dowding
estavam em ascensão. Entre 8 e 18 daquele mês, ele perdeu 183 caças
no ar e cerca de 30 destruídos em terra. Nesse período, a RAF
perdeu 94 pilotos de caças, entre mortos e feridos, e 60 estavam
feridos, muitos deles seriamente queimados. Beaverbrook vinha
substituindo aparelhos destruídos ou danificados à razão de mais
de 100 por semana, mas a reserva de pilotos de caça treinados não
era grande. A preocupação de Dowding era que talvez perdesse a
guerra antes que uma nova geração de pilotos de caça estivesse em
condições de poder operar. Já ao anoitecer de 18 de agosto a
situação era de tal forma grave que os novos pilotos ingressavam
nos Esquadrões sem ter recebido mais de 10 horas de vôos solo num
Hurricane ou num Spitfire.
Com este problema a
preocupá-lo, era compreensível que Dowding procurasse novos
“meninos” fora do Comando de caças; era assim que Churchill
chamava afetuosamente seus jovens aviadores, ainda adolescentes ou
mal entrados nos 20 anos. Não poderia ele obter mais que 50 pilotos
de caças navais emprestados pela Arma Aérea da Marinha, pilotos
treinados dos Comandos de Bombardeiros e Costeiro da RAF? Esses
pilotos talvez não satisfizessem as exigências de treinamento para
o ingresso num Comando de Caças de tempo de paz, mas eram homens
treinados nas forças armadas e usavam o distintivo da força aérea.
Infelizmente, os pedidos feitos pelo chefe dos caças foram recebidos
friamente pelo Ministério da Aeronáutica. Os comandos estavam
responsavelmente cônscios do que lhe poderia ser exigido caso uma
esquadra invasora se fizesse ao mar. Assim como Dowding vinha
poupando caças para seu momento de perigo, o Estado-Maior da
Aeronáutica guardava o restante da força aérea para opô-la às
forças de invasão, que só podiam ser contidas se Dowding negasse a
superioridade aérea à Luftwaffe. Quando Dowding solicitou a
transferência de todos os pilotos mais experientes das tripulações
de Fairey Battles do Comando de Bombardeiros, o Estado-Maior da
Aeronáutica negou, porque estava mantendo essas máquinas obsoletas
de prontidão para atacar as barcaças de desembarque. Finalmente,
cedendo à pressão do chefe dos caças, ele concordou em transferir
um grupo de pilotos para o Comando de Caças. Dowding recebeu
emprestado 20 pilotos de Fairey Battles e 33 pilotos dos Esquadrões
do Comando de Cooperação do Exército, 53 aviadores que, depois de
um curso de apenas 6 dias, enfileirando-se ao lado daquele grupo de
valentes aviadores a quem Winston Churchill veio a imortalizar como
os famosos “Poucos”.
Falando à Câmara dos Comuns
sobre a situação geral da guerra a 20 de agosto de 1940, o
Primeiro-Ministro disse: “A gratidão de cada lar em nossa ilha, em
nosso império e, na verdade, no mundo inteiro, exceto no covil dos
culpados, vai para os aviadores britânicos que, sem se intimidarem
diante das desvantagens, incansáveis diante do terrível desafio e
indiferentes quase à presença constante da morte, estão mudando o
rumo da guerra mundial, pelas suas façanhas e pela devoção à
causa da liberdade. Nunca, no campo dos conflitos humanos, tantos
deveram tanto a tão poucos. Todos os corações acompanham os
pilotos de caça, cujas ações brilhantes testemunhamos diariamente
com nossos próprios olhos...”
Dessa maneira, Winston
Churchill encerrou a exposição que fez aos Comuns com a frase que
será lembrada e repetida enquanto a Inglaterra puder honrar a
memória dos 415 pilotos que tombaram em sua defesa na Batalha da
Inglaterra, em 1940.
Com o anoitecer de 18 de
agosto, cumpriam-se os 4 dias que Goering calculara serem suficientes
para conquistar a superioridade aérea sobre o sul da Inglaterra, e
parte das duas semanas de prazo que Hitler se dera para decidir sobre
a “Operação Leão-Marinho”, a invasão da Inglaterra.
Perceptivelmente, a Batalha da Inglaterra estava saindo contra a
Luftwaffe e, dentro das Forças Aéreas, a aceitação dessa verdade
pelos alemães se refletia nos ligeiros começos de desânimo.
Portanto, não era de espantar que o ás de caças da Luftwaffe,
Adolf Galland, dissesse na cara do seu Comandante-Chefe que preferia
uma ala de Spitfires aos seus Me 109.
Os Spitfires que operavam em
agosto de 1940 não poderiam ter recebido maior elogio. O desempenho
desses aparelhos era bem superior ao dos que foram inicialmente
lançados, melhoramento que, como aconteceu com o nascimento do
Spitfire, se devia em grande parte a iniciativa pessoal e à empresa
privada.
Durante algum tempo, o Capitão
Geoffrey de Havilland, pioneiro da fabricação de aviões, que
projetara e pilotara caças na Primeira Guerra, se convencera de que
a margem entre as hélices de passo variável dos caças existentes e
as de passo constante, por cuja adoção ele insistia, poderia ser
fatal para a nação.
Incapaz de obter a permissão
oficial para um programa de conversão, de Havilland fez arranjos
particulares com um esquadrão para converter um só caça. A notícia
de um melhoramento miraculoso no desempenho correu célere de um
esquadrão para outro e as autoridades foram bombardeadas com pedidos
de conversão.
Correndo o rico de que sua
companhia talvez nunca viesse a receber o pagamento pelo trabalho, de
Havilland mandou equipes de engenheiros de aeródromo em aeródromo
para converter os caças de linha de frente. Os contratos vieram
depois.
O desempenho do motor também
melhorara. Entre as deficiências técnicas do Spitfire e do
Hurricane no começo da batalha, havia o problema do carburador. Os
pilotos de caça da Luftwaffe rapidamente aprenderam a fugir de um
caça que estivesse em sua cauda em mergulho, por saberem que o
carburador do motor Merlin sentia a mudança súbita de uma posição
para outra, por exemplo, da vertical para a horizontal. A Rolls-Royce
projetou então um carburador novo que tornou o Spitfire ainda mais
atraente para Galland e seus camaradas.
Quando Galland pediu Spitfires
a Goering, havia no pedido menos cinismo do que se pode admitir. O
manobrável Spitfire era muito mais compatível com as novas
instruções emitidas pelo Comandante-Chefe nazista do que o Me 109,
que lhe era superior.
Alarmado com as perdas de
bombardeiros e com o que vinha sucedendo com o moral de sua
tripulações, Goering insistia para que os pilotos dos Me 109
ficassem perto de seus protegidos, tarefa particularmente canhestra e
que manietava o Me 109, principalmente quando em escolta dos
bombardeiros de mergulho Stuka, que eram lentos e vulneráveis.
Assim, enquanto o moral das
tripulações de bombardeiros era solapado pelas perdas que sofriam,
o espírito ofensivo dos pilotos de caça se debilitava, diante da
proibição de perseguir e destruir os caças defensores da RAF,
principal objetivo do “Ataque das Águias”. Além disso, os
pilotos dos Me 109 se irritavam com o fato de saberem que a direção
da Luftwaffe esperava que eles cuidassem do fracassado caça de longo
alcance, o Me 110.
Em seu livro “Os Primeiros e
os Últimos”, Galland mostrou o quanto o alcance do Me 109 já era
perigosamente limitado para o percurso até Londres. “O reduzido
alcance do Me 109 tornava-se cada vez mais desvantajoso. Durante uma
única surtida, minha ala perdeu 12 caças, não por ação inimiga,
mas simplesmente porque, após suas horas de vôo, os bombardeiros
que estávamos escoltando ainda não haviam chegado ao continente, no
percurso de volta. Cinco desses caças conseguiram fazer uma
aterragem de plano na costa francesa, com sua última gota de
combustível, e 7 deles caíram no “drinque”(no mar).
Mas Goering não estava
interessado na experiência contida no comentário de Galland. Ele
ainda considerava as operações de verão contra a Inglaterra como a
realização do que sonhara para a sua Luftwaffe. Como um jogador que
sente que vencerá na próxima jogada, ele continuava confiante de
que, mais 4 dias de bom tempo, conseguiria a vitória. Despachando
Kesselring e Sperrle de volta às suas Frotas Aéreas, após uma
conferência no mundo de ilusões que era Karinhall, o
Comandante-Chefe ordenou que os Feldmarechais-do-Ar submetessem o
inimigo a bombardeios ininterruptos. Mas o mau tempo interveio e deu
à RAF um repouso muito necessário a partir do dia 19 de agosto.
Somente a 24 é que esta nova fase da Batalha da Inglaterra começou
a sério.
O erro miraculoso
Para que a Alemanha invadisse
a Inglaterra antes que o bom tempo do fim do verão e começo de
outono cedesse lugar aos nevoeiros e tempestades do inverno inglês,
a ordem de Goering para ataques ininterruptos fora dado num momento
crítico. O Comandante-Chefe da Luftwaffe passou então a lutar
contra dois inimigos, o relógio e a RAF. A 24 de agosto, o
calendário fê-lo lembrar-se de que restavam apenas 3 dias para que
se esgotasse o prazo dado por Hitler para uma decisão - invadir ou
não.
Goering procurou nas condições
ruins e variáveis de tempo o consolo de não ter conseguido a
vitória sobre as defesas de caça da Inglaterra em 4 dias.
Entretanto, o tempo melhorara no sul da Inglaterra; estava firme e
límpido. Mais 3 dias de tempo favorável e tudo estaria terminado.
No Grupo 11, onde o mau tempo
foram bem recebido, os dias de trégua haviam representado aviões
operacionais preservados, novos caças construídos e entregues e
pilotos descansados. A manhã clara e límpida de 24 de agosto, um
sábado, colocou em todos grande apreensão.
Os controladores de setor
esperavam o pior e, por volta das 09:00 horas, o radar confirmou que
a Luftwaffe se concentrava no Cabo Gris-Nez, do lado oposto a Dover.
Não havia dúvidas de que uma nova confusão da Luftwaffe, de caças
não conseguindo reunir-se com bombardeiros. Ali vinham eles, 100
bombardeiros e caças a uma altitude de 3.600 a 7.2000m, rumando para
Dover. Mas será que estavam vindo mesmo? Convencida da eficiência
da cadeia costeira de radares, e tendo abandonado a esperança de
destruir as estações uma a uma, a Luftwaffe empenhava-se então em
ludibriá-la. Mantendo aviões em vôo sobre o lado oposto do canal,
Kesselring fazia Park afundar em conjeturas. Uma simulação pode
continuar sendo uma simulação ou transformar-se num ataque em
massa, e como se isto já não fosse bastante confuso, o radar da RAF
era incapaz de distinguir entre caças e bombardeiros. Por
conseguinte, o Grupo 11 se viu obrigado a manter vários esquadrões
em vôo de patrulhamento, com os conseqüentes riscos de fadiga dos
pilotos e escassez de combustível no momento crítico do ataque.
Na verdade, um incidente assim
ocorreu no meio da manhã, quando o infeliz Esquadrão 264 de
Defiants foi surpreendido em terra. Apesar de o Defiant ter provado
estar abaixo do padrão do caça da época, o Esquadrão 264 fora
mandado de Yorkshire para o sul para reforçar o Grupo 11, em
Hornchurch. Por não ganhar altitude com rapidez, ele era inadequado
para defender um aeródromo de linha de frente erguido sobre um
rochedo. Por isso os Defiants do 264 foram despachados para Manston
às 05:00 horas de 24 de agosto. Às 08:30 horas eles decolaram às
pressas pela segunda vez desde que chegaram à costa de Kent, e
retornaram a Hornchurch. Mal aterrissaram tiveram de retornar a
Manston onde 9 dos 12 aviões do esquadrão pousaram para
reabastecer, enquanto os outros três permaneciam de vigia, no alto.
E foi então que aconteceu a catástrofe. Sete dos Defiants
reabastecidos estavam para decolar quando 20 bombardeiros Ju 88,
escoltados por grande número de caças, surgiu do mar, com suas
bombas caindo no meio dos Defiants que tentavam subir. Na refrega
sobre Manston, 3 Defiants foram destruídos, de modo que os
sobreviventes retornaram a Hornchurch e sua chegada lá coincidiu com
o reinicio dos ataques da Luftwaffe naquela tarde e cujo alvo era
esse aeródromo. Uma vez mais, os pilotos dos Defiants, decolaram por
entre uma cortina de bombas, perdendo seu quarto aparelho naquele
dia. No dia seguinte chegaram 7 novos Defiants; eles pareciam bons,
mas as suas tripulações conheciam muito bem as suas limitações.
Ademais, como alguns dos aviões não tinham tanques autovedadores e
como suas metralhadoras Browning não eram sincronizadas, era
evidente que a tensão da batalha começava a fazer-se sentir na
organização de abastecimento. Na verdade, era tal a incapacidade
geral do esquadrão para a luta, que, três dias depois, quando as
tripulações correram, para seus aparelhos, durante uma incursão,
apenas três deles estavam em condições de serem usados. E lá
subiram os pesados e lentos caças com torres de metralhadoras. Esta
foi sua última aparição no sul da Inglaterra durante a Batalha,
pois o esquadrão foi removido para o norte. Os dias do Defiant como
caça haviam terminado.
À medida que o combate ia e
vinha pelo sul da Inglaterra durante o dia 24 de agosto, com a Frota
Aérea 3 fazendo importante aparição diurna sobre Southampton e
Portsmouth, no sudoeste, os defensores se conscientizavam, de que a
Luftwaffe tornara a tática que adotava mais rigorosa. Os chefes dos
caças reconheciam que os violentos ataques contra seus aeródromos
de linha de frente e a nova defesa cerrada dos caças Me 109 em torno
dos bombardeiros representava a mais séria ameaça até então
enfrentada.
Kenley, Croydon, Biggin Hill,
West Malling, Hornchurch, Rochford, North Weald, Debden, Hawkinge,
Lympne, Manston, estes aeródromos compunham, em agosto e setembro de
1940, o anel de defesa colocado em torno de Londres. A 24 de agosto,
a dúvida era saber por quanto tempo essas bases de caças poderiam
resistir. Depois de 4 violentos ataques nesse dia desesperado,
Manston foi totalmente abandonado. A retirada soava como um mau
presságio.
Mas enquanto os líderes dos
“Poucos” se atormentavam com as perspectivas de serem rechaçados
do sudeste da Inglaterra, e com suas conseqüências sobre o moral do
povo, o moral dos pilotos pairava nas alturas. O Sargento R.F.
Hamlyn, um escriturário que se tornara aviador de fins de semana
três anos antes da guerra, travou três batalhas no espaço de tempo
entre as 09:00 horas e as 16:00 horas de 24 de agosto - no “horário
comercial”, como os pilotos de caça chamavam as aparições
diurnas da Luftwaffe. O sargento abateu um Ju 88 e 4 Me 109 durante o
“horário comercial”, em que, de ordinário, ele estaria à sua
mesa no escritório. Mas os “Poucos” não poderiam ter voado e
lutado com tanto êxito sem o concurso das laboriosas tripulações
de terra, que, com seus macacões sujos de graxa, desempenhavam a
tarefa nada atraente e muito perigosa de reabastecer os caças
debaixo dos ataques inimigos e trabalhavam ininterruptamente para
manter seus pilotos no ar. Desde esse sábado desesperado até o fim
de agosto de 1940, houve troca de memorandos que ressaltam de maneira
eloqüente o espírito de equipe existente entre essas tripulações
de terra e os pilotos.
Retornando de luta
encarniçada, um Comandante de Esquadrão encontrou uma nota em sua
mesa: “Dos suboficiais e soldados do Esquadrão 609 para o Líder
de Esquadrão Darley e todos os pilotos do Esquadrão 609: Em vista
dos recentes sucessos obtidos pela RAF, e pelo Esquadrão 609 em
particular, desejamos oferecer a todos os pilotos as nossas mais
sinceras congratulações e os votos de “Boa Caçada” para o
futuro. Sentimo-nos honrados em ter nos aparelhos sob nossos cuidados
pilotos como vocês”.
“Boa Caçada!” Descontando
os danos causados aos aeródromos, o dia fora lucrativo para os
pilotos de Spitfire e Hurricane de Dowding, com a Luftwaffe perdendo
38 caças e bombardeiros para os 28 caças da RAF.
Nesse ponto, quando o verão
cedeu lugar aos primeiros dias de outono, o duelo aéreo entre a
Luftwaffe e a RAF vinha sendo travado quase que ininterruptamente
havia 6 semanas. Entretanto, o povo britânico, na sua maioria,
estava curiosamente alheio à perigosa realidade da situação.
Nos céus do sul da
Inglaterra, os aviadores sustentavam uma batalha desesperada pela
sobrevivência do país. Mas, fora da luta, a vida prosseguia no seu
estilo familiar. O criquete, o esporte nacional de verão, ainda era
jogado e seus resultados apareciam nos jornais, embora com comentário
sobre os resultados da disputa mais emocionante, RAF versus
Luftwaffe. Era um ideal de despreocupação caro aos britânicos que
regozijavam em sua projeção ao mundo. Quando as partidas de tênis
foram substituídas pela criação de porcos em Wimbledom, o
secretário do internacionalmente famoso All England Tennis Club
explicou jocosamente: “Há muito pouco tênis e temos de fazer
algo”.
Os teatros, no West End de
Londres, viviam repletos. Robert Donnat estreava “O discípulo do
Diabo” no Piccadilly, uma sátira de Bernard Shaw ao comportamento
dos Casacos Vermelhos - os soldados da Coroa - na América da época
da Independência. Em vista da recente evacuação do exército
britânico de Dunquerque, uma fala da peça era altamente alusiva: “O
soldado britânico pode resistir a tudo, senhor, exceto ao seu
Ministério da Guerra”. Sendo vegetariano, George Bernard Shaw
deleitou a nação observando que “Não há nada de errado com a
ração oficial sem carne e ovos que é virtualmente a minha
alimentação normal. Mas não posso garantir que ela venha a
transformar a Inglaterra numa nação de Bernards Shaws. Isto seria
esperar muito”.
Semelhante senso de humor era
corriqueiro. Não a pilhéria tensa de um povo desesperado, mas o
humor do comentário e dos apartes leves, transmitindo o encanto dos
britânicos por estarem encurralados. E, entre o anoitecer de 24 e o
amanhecer de 25 de agosto, aconteceu algo que mudaria tudo isso.
Londres foi bombardeada.
Foi um erro, um erro de
proporções históricas, cometido não porque Hitler tivesse
ordenado ataques de terror aos edifícios históricos e aos civis
não-combatentes, mas porque algumas das guarnições de
bombardeiros, instruídas para atacar os reservatórios de petróleo
de Thameshaven, a leste das velhas e estreitas ruas do setor bancário
e comercial de Londres, haviam perdido a direção. “Um dos maiores
erros da história”, comentou Hanson Baldwin do New York Times,
anos depois, esse engano, cometido por 10 dos 170 bombardeiros que
sobrevoavam a Inglaterra naquela noite, desencadeou uma seqüência
de acontecimentos que levariam à destruição de grande parte da
Alemanha, ao bombardeio de Dresden e, finalmente, a Hiroxima. Um de
suas primeiras conseqüências, como veremos, foi desviar a Luftwaffe
do plano de bombardeio que a poderia ter levado à vitória na
Batalha da Inglaterra. Mal a nação recuperou o fôlego e bradava
pela retaliação, antes mesmo que a fumaça desaparecesse e a poeira
pousasse sobre os escombros da Igreja de St-Giles, em Cripplegate, e
de edificações outras do coração da City, uma força de mais de
80 bombardeiros da RAF decolou, naquela noite, rumo a Berlim. As
tripulações britânicas foram especificamente instruídas para só
atacar objetivos militares, ou retornar com suas bombas e, na
verdade, 21 tripulações regressaram sem ter feito bombardeio. Mas,
retaliação com retaliação se paga, e em breve se estabeleceu o
que hoje chamamos de escalada.
Até então, os bombardeios
realizados pela Luftwaffe e pela RAF tinham sido mutuamente
escrupulosos. A primeira só bombardeava objetivos que julgava úteis
para acelerar a conquista da superioridade aérea e garantir o
sucesso da invasão. Evidentemente, civis morriam e propriedades eram
destruídas ou danificadas devido à imprecisão dos bombardeios
realizados em pânico, mas, depois da incursão da RAF contra Berlim,
a guerra aérea nunca mais apresentaria as características até
então mantidas. A Luftwaffe visava a navios mercantes, bases navais,
aeródromos, fábricas de aviões, centros ferroviários e depósitos
de combustível. A RAF lançava panfletos, atacava portos de invasões
e alvos industriais. Em breve, porém, os padrões mantidos pelos
dois adversários se modificariam, até que não mais houvesse
qualquer escrúpulo em usar a bomba e o bombardeio como armas de
terror indiscriminado.
Na noite de 25 para 26 de
agosto, quando os bombardeiros pesados Wellington, Hampden e Whitley,
do Comando de Bombardeiros da RAF, sobrepujaram momentaneamente seus
irmãos menores, os Spitfires e Hurricanes, Dowding não sabia que a
raiva provocada pela incursão contra Berlim agiria como uma
bomba-relógio no cérebro de Hitler; que a explosão eventual
salvaria as estações aéreas e aeródromos do seu setor de linha de
frente da ameaça de extinção.
Nessa conjuntura, enquanto o
povo britânico se deleitava com o vinho tonificante da retribuição,
o chefe dos caças estava preocupado com dois problemas urgentes que
o público praticamente ignorava: o rápido aumento do número de
bombardeiros que sobrevoavam à vontade a Inglaterra depois do
anoitecer e a deterioração da defesa de caças do setor sudeste da
área de invasão da Inglaterra. Como as técnicas de radar, para a
luta e para a artilharia antiaérea noturnas, ainda engatinhavam, a
Luftwaffe ficava virtualmente à solta durante a noite. Mal equipada
para se defender contra os incursores noturnos, era para a RAF um
conforto que a Luftwaffe fosse igualmente ineficiente na navegação
e no encontro dos alvos depois do anoitecer.
Por exemplo, a maioria dos 150
bombardeiros despachados durante três noites seguidas para atacar as
docas de Liverpool se desviou tanto, que os defensores não
conseguiram deduzir que aquelas docas eram o alvo buscado. Mesmo
assim, a simples presença de incursores noturnos era uma preocupação
considerável. Roubando o sono de todos com o ruído que faziam e
irritantemente esquivos, eles perturbavam o descanso dos esgotados
trabalhadores das fábricas e, de modo geral, deixavam a nação com
os nervos em frangalhos.
Enquanto eram aceleradas as
pesquisas científicas para a obtenção de meios capazes de conter
os atacantes noturnos, restava aos britânicos suportar e aguardar
momentos melhores.
Goering continuava esperando
que a Inglaterra cedesse ao impacto do martelar contínuo, mas as
semanas próprias para a campanha da Alemanha em 1940 estavam-se
esvaindo rapidamente. O dia da decisão para a “Operação
Leão-Marinho” fora fixado para 27 de agosto, mas ele chegou e o
Fuhrer tornou a hesitar. O líder de caças de Kesselring, General
von Doering, declarou categoricamente sua “superioridade ilimitada
em caças”, mas Hitler tinha dúvidas. Naquela mente desconfiada,
as perdas da Luftwaffe, conforme anunciadas, não justificavam a
opinião otimista de von Doering. Hitler decidiu adiar a decisão por
mais 10 dias, quando talvez os britânicos estivessem prontos para
negociar a paz que o libertaria do fantasma da invasão. Assim,
Hitler deixou que a Luftwaffe provasse a validade da afirmação de
Doering.
A julgar pelas aparências, a
estimativa de von Doering estava muito errada, pois mal ele afirmara
dispor de superioridade ilimitada em caças, o Comando de Caças fez
num dia 1.000 surtidas. Isto não significava que Doering pudesse
empregar 1.000 caças. A defesa dos aeródromos de linha de frente se
apoiava em cerca de 200 Hurricanes e Spitfires no Grupo 11, de Park;
em veteranos cansados e recém-chegados inexperientes que faziam
várias surtidas por dia, muitas vezes em aviões remendados. Nessas
circunstâncias, simulando cada vez mais e iludindo o radar, os
incursores, fortemente protegidos pelos caças da Luftwaffe, estavam
conseguindo passar e espezinhando as vitais estações de setor de
Park.
Escutando as comunicações
radiofônicas dos caças da RAF pela sua estação monitora, em
Wissant, a Luftwaffe anotava cuidadosamente a vinda de gente nova e
se alegrava quando Esquadrões do norte da Inglaterra substituíam os
já cansados, mas com experiência de combate. Novas vozes
pressagiavam um aumento nas perdas da RAF, à medida que pilotos
inexperientes procuravam demonstrar seu valor em combate.
Os livros de registro de
operações dos esquadrões e estações de setor dão conta dessa
tragédia. Por exemplo, o de Hornchurch, a 27 de agosto de 1940:
“Hoje à tarde, o Esquadrão 65 partiu para um período de
recuperação em Turnhouse, sendo substituído pelo Esquadrão 603”.
Por trás desta simples anotação administrativa estava a
substituição de um Esquadrão de Spitfires com experiência de
combate por outro, formado de inexperientes “aviadores de fins de
semana” de antes da guerra, rapazes de cabelos longos, filhos de
famílias aristocráticas, recém-saídos das escolas e
universidades; eram jovens risonhamente barulhentos, fortes e que
levavam o esporte da caça para os céus do sul da Inglaterra.
Quando chamado o Esquadrão
603 (Cidade de Edimburgo), alguns dos seu pilotos estavam caçando
galos silvestres nas charnecas do seu comandante de estação, o
Duque de Hamilton.
Terminou agosto e começou o
mês de setembro, mas não passava um dia em que os aeródromos não
sofressem a pressão mais extrema. Dois ataques sobressaem como
exemplos da provação por que passavam as estações de caça, e que
atingiram seu ponto culminante no último dia de agosto e no primeiro
de setembro, uma batalha dentro da Batalha da Inglaterra, a de Biggin
Hill. Recebendo regularmente a lisonjeira atenção da Luftwaffe,
Biggin Hill, a estação de setor de Park situada na frente de
Londres, esperava mais dificuldades a 31 de agosto. Um ataque de
baixo nível, breve e intenso, realizado no dia 30, destruíra o
aeródromo e a maioria dos seus prédios, matando 39 e ferindo 26
pessoas. De ordinário, semelhantes perdas de vida e destruição
teriam exigido uma retirada operacional, mas os sobreviventes
realizaram um milagre e repuseram Biggin em funcionamento no dia
seguinte.
Felizmente, o quarteirão de
operações permanecera intato. Ali, usando capacetes de soldados -
seus “chapéus-coco de combate”, como eram chamados - as moças
da Força Aérea Auxiliar Feminina, em mangas de camisa, mantinham
contato telefônico com o mundo exterior, através de linhas
consertadas depois de cada ataque, enquanto que outras WAAFs traçavam
o rumo dos incursores que se aproximavam. Ainda quando as bombas
voavam sobre suas cabeças, as moças permaneciam em seus postos,
numa demonstração de amor ao dever que exigia mais que a coragem
comum, após a carnificina do dia anterior. As bombas que choviam
sobre o aeródromo fazia-o tremer como se houvesse um terremoto, e
uma das bombas atingiu o quarteirão de operações. Mas somente no
fim da tarde do dia seguinte, 1° de setembro, é que Biggin Hill
sofreu a pior provação. Depois de um ataque matutino, o sexto em
três dias, as moças da sala de operações haviam tornado a indicar
a presença de incursores bem sobre suas cabeças, e desta vez os
bombardeadores não erraram: a sala de operações foi destruída.
Tal foi a bravura de duas telefonistas das WAAFs, Sargento Helen
Turner e Cabo Elspeth Henderson, que elas mais tarde foram
condecoradas com a “Medalha Militar”.
Os aeródromos do sudeste da
Inglaterra se transformaram num campo de luta onde a Luftwaffe e a
RAF mediram-se como se estivessem decidindo a Batalha da Inglaterra.
Biggin Hill e os campos costeiros de Manston, Hawkinge e Lympne foram
quase postos fora de ação, e os do interior sofreram igualmente a
fúria dos novos golpes.
Diariamente, formações
alemãs se reuniam sobre a França, em levas, matinais e vespertinas,
de 200 a 300 bombardeiros e caças, abrindo em leque sobre o Canal da
Mancha e dividindo-se em grupo de 10 a 20, e às vezes de 30 a 40,
quando se dispersavam na direção dos aeródromos destacados como
seus objetivos. Tampouco havia trégua à noite.
Por volta de 6 de setembro, a
tensão no sul de Londres, na extremidade do setor de invasão da
Inglaterra, era quase intolerável. Salas de operações destruídas,
aeródromos repletos de crateras abertas pelas bombas, o Comando de
Caças da RAF cambaleava. Então, com a vitória quase à vista, a
Luftwaffe parou repentinamente e lançou-se contra Londres.
Tomado de ira pela represália
de Churchill contra Berlim, Hitler se intrometeu. A 4 de setembro, o
líder alemão subiu ao palanque do Palácio dos Esportes, em Berlim
e vociferou contra Churchill e a Inglaterra: “Esperei três meses
sem responder, pensando que eles pudessem pôr fim a essa maldade.
Herr Churchill viu nisto um sinal de fraqueza... Enquanto eles
declaram que atacarão nossas cidades em grandes números, vamos
destruindo as suas”.
Mas, enquanto falava, Hitler
só pensava numa cidade. Felizmente para a Inglaterra, nem Hermann
Goering, nem qualquer dos militares profissionais se atreveram a
discutir com Hitler sobre a sensatez da sua decisão. Aliás, longe
mesmo de sugerir que o Fuhrer estivesse taticamente errado, Goering e
os líderes da Luftwaffe convenceram-se de que a intuição de
Hitler, ao mudar a direção dos ataques, estava correta.
Mal informada quanto ao
verdadeiro estado das defesas de caça da Inglaterra por relatórios
de inteligência que não retratavam fielmente a situação, a
Luftwaffe acreditava que o ataque a Londres obrigaria Dowding a
reforçar sua defesa com os restos das reservas do Comando de Caças
que estavam nos Midlands e no norte, enfim, uma última colheita que
os caças alemães esmagadoramente mais numerosos, fariam dentro em
breve. Tão ignorante sobre a eficiência e precisão do bombardeio
noturno como quanto aos efetivos de caça da RAF, a Luftwaffe também
acreditava que os violentos ataques noturnos que vinham sendo feitos
sem oposição destruiriam as docas e os serviços essenciais de
Londres. Com a aproximação do inverno, a Luftwaffe ansiava por
encurtar o caminho da vitória, e Londres parecia ser o atalho ideal.
Londres cambaleia
Hermann Goering estava no
convencimento de que a resistência britânica se aproximava do fim.
Desejoso de estar com seus pilotos na hora do triunfo, o
Comandante-Chefe, aboletado em seu suntuoso trem pessoal, chegou ao
Passo de Calais e, no fim da tarde de 7 de setembro, um sábado, o
Marechal do Reich observava, do Cabo Gris-Nez, a enevoada costa da
Inglaterra. Ele chegara para estimular os 300 bombardeiros e 600
caças que se reuniam ali e cujo objetivo era Londres, num percurso
de 35 km sobre o mar e mais 80 km para o interior do território
britânico. Era uma viagem curta para um bombardeiro, mas
perigosamente longa para os caças Me 109, de pouco alcance, posto
que, em 1940, em qualquer ponto da ida ou da volta era certo
encontrar combate.
Lá no alto, dirigindo sua ala
de Dornier 17, estava o mesmo Coronel Fink que tão ansiosamente
procurara os caças, nos céus, na fatídica manhã de 13 de agosto,
quando a confusão havida no “Ataque das Águias” o deixara sem
uma escolta de caças.
E hoje, perversamente, a
presença dos enxames de caças lhe produzia quase tanta ansiedade
quanto a sua ausência no “Dia da Águia”. O esgotamento dos
tanques de combustível talvez eliminasse a escolta de caças nos
momentos em que mais fosse necessária.
Mas Fink e suas tripulações
voltaram a ter sorte no primeiro trecho da viagem. No fim desta tarde
de setembro quase não havia sinal da RAF nos céus e os bombardeiros
puderam aproximar-se livremente, ainda à luz do dia, até as docas
de Londres, onde despejaram mais de 300 toneladas de bombas de alto
explosivo.
Os defensores, interpretando
mal as intenções do inimigo, deixaram a Luftwaffe passar. Após o
ataque matutino normal - desta vez contra Hawkinge - os defensores
esperavam que o “horário comercial” da tarde trouxesse outras
incursões sobre os aeródromos de setor, de acordo com o padrão que
vinha sendo adotado.
Quando o East End de Londres
já estava em chamas, os defensores se haviam recuperado e a viagem
de volta da Luftwaffe, não foi assim tão fácil. As tripulações
de bombardeiros que retornavam às bases foram particularmente
infelizes em cruzar o caminho do Esquadrão 303, de Northolt, pois
este não era um esquadrão comum. Dirigido pelo Líder de Esquadrão
R.G. Kellett, ele era formado de pilotos poloneses altamente
treinados, vindos da Força Aérea Polonesa. Fugindo da Polônia,
esses pilotos haviam jurado vingar a devastação que a Luftwaffe
produziu em seu país. Finalmente liberados depois de meses de
treinamento para se identificarem com os procedimentos da RAF, eles
mergulharam ao avistarem 40 Dorniers 1.200m abaixo do ponto em que se
encontravam. E lá foram Kellett e seu grupo, com seus Spitfires
dotados de mísseis, até que conseguiram colocar os Dorniers na alça
de mira. Um aperto nos botões de disparo e em poucos momentos os
poloneses destruíram ou avariaram seriamente ¼ da formação
inimiga, contribuindo magnificamente para os resultados daquele dia.
Ao todo, durante o período diurno do sábado 7 de setembro a
Luftwaffe foi atacada por 17 Esquadrões do Grupo 11, 1 do Grupo 10 e
3 do Grupo 12, perdendo 41 bombardeiros, e a RAF 28 caças. Mas,
embora as suas perdas fossem grandes, a Luftwaffe não ficou
excessivamente intimidada. Este era o preço da vitória rápida. A
guerra terminaria dentro de poucos dias, porque, com sua capital em
chamas, os britânicos por certo não se animariam a prosseguir com
as hostilidades. Ao anoitecer, era tal o inferno que parecia haver no
céu dois sóis e que um deles se punha a leste.
Naquela noite, o clarão
facilitou a navegação alemã e às 21:00 horas a Frota Aérea 3
reiniciou a incursão contra Londres. As tripulações dos
bombardeiros alemães exultavam ao ver a capital de um grande império
à sua mercê, em chamas e praticamente indefesa. Os 264 canhões
antiaéreos de Londres eram quase ineficazes, só podendo mesmo
manter os bombardeiros a grande altitude. Defesas de caças, à
noite, praticamente não existiam, excetuando-se dois esquadrões de
Blenheims e uma pequena unidade de caças noturnos que estavam
experimentando o radar aerotransportado. Assim, imperturbados, 250
bombardeiros da Frota Aérea 3 roncavam nos céus de Londres. Os
veteranos, sobrevoando os grandes incêndios que lavravam na cidade
indefesa, lembravam-se dos bons tempos de Guernica, Varsóvia e
Roterdã. Para acentuar a impressão de passeio, as tripulações
sintonizaram seus receptores nos programas de música de dança
irradiados pela BBC. Os aviadores que tinham conhecimento do idioma
inglês devem ter ficado perplexos com o que captaram seus
receptores. No momento da agonia de Londres, quando todos os alemães
acreditavam que a Inglaterra estivesse à beira do grande desastre,
as ondas da BBC levavam ao ar a palavra do Major W.H Osman, redator
de The Racing Pigeon, discorrendo doutamente sobre “Os Pombos de
Corrida do ponto de vista da utilidade”, e pedindo o apoio dos
criadores de pombos para o “Fundo Spitfire”.
Contudo, era apenas uma ilusão
ou uma excentricidade o que os alemães pegaram em seus receptores.
Na frente interna alemã, a incursão da RAF contra Berlim, na noite
de 25 para 26 de agosto, produzira um choque considerável no seio da
população civil, condicionada à idéia de que a guerra teria um
fim rápido. Os soldados, os marinheiros e aviadores alemães que se
preparavam para a “Operação Leão-Marinho” iriam aprender, daí
para a frente, que a RAF tinha ainda ânimo para estabelecer mão
dupla no caminho do bombardeio dos aeródromos e dos portos onde se
faziam os preparativos da invasão.
Nesse mesmo sábado, 7 de
setembro, enquanto Londres sofria um bombardeio aéreo noturno, os
aviões de reconhecimento da RAF confirmavam que estavam sendo feitos
acréscimos consideráveis à frota de barcaças de invasão que
vinha sendo reunida na costa ocupada pelo inimigo, na França e nos
Países Baixos, desde fins de agosto. Também nos aeródromos da
Luftwaffe registravam-se mudanças que só poderiam ter uma
interpretação. Bombardeiros da Frota Aérea 5 chegavam da
Escandinávia para reforçar a Frota Aérea 2 e, o que era mais
significativo ainda, bombardeiros de mergulho Stuka, retirados da
batalha depois de haverem sofrido pesadas baixas, reapareciam na
outra margem do Canal da Mancha.
Diante das muitas provas
fotográficas e considerando o que vinha sendo feito contra Londres,
os chefes do Estado-Maior britânico concluíram que era iminente a
invasão. Para os britânicos, a perspectiva de desembarques
inimigos, o risco de conquista jamais pareceram tão reais, desde o
histórico ano de 1066, quando Guilherme o Conquistador veio da
Normandia, cruzou o Canal e derrotou o Rei Haroldo num campo de
batalha perto de Hastings.
Assim, enquanto Londres
desmoronava e ardia, a Home Fleet, em Scapa Flow, preparava-se para
zarpar rumo ao sul e, se preciso fosse, resolver a questão lutando
nos estreitos limites do Canal. O exército, inadequadamente
equipado, após as baixas sofridas na França, ficou a postos, com os
voluntários da defesa local, das Guardas Civil e Nacional, na costa
sul da Inglaterra.
A invasão é iminente! Leva
após leva de bombardeiros passavam rugindo pela costa, a caminho de
Londres, e os comandantes do Exército, nas praias, a imaginar o que
lhes reservava toda aquela atividade aérea. Eles esperavam que a
qualquer momento fossem todos envolvidos por uma descida em massa de
pára-quedistas, e punham alerta os ouvidos para o alarme de
pára-quedas previamente acertado - o soar dos sinos das igrejas nas
aldeias e cidades das áreas de invasão da costa inglesa.
E então, pelas cidades, pelas
aldeias, pelas estradas e campos soou repentinamente o repicar de
sinos. “Chegou o momento”, disseram, de si para consigo, homens e
mulheres, velhos e jovens, dispondo-se a morrer mas “carregando um
deles consigo”, e procurando, para tanto, armar-se com o que lhes
fosse possível encontrar, uma faca de cozinha, um forçado, enfim, o
que quer que desse para derrubar um inimigo.
Mas foi um alarme falso. Nem a
Marinha, o Exército, nem mesmo o povo britânico, no papel de
guerrilheiros, foram chamados a provar se poderiam repelir a Alemanha
invasora sem a RAF, pois Hitler não se atrevia a aparecer sem a
garantia da total superioridade aérea, e isto era algo que ele
jogava fora quando lançava a Luftwaffe contra Londres.
A 8 de setembro, as estações
de rádio alemães noticiaram que Goering assumira o comando das
operações da Luftwaffe contra Londres. Para os defensores, o dia
passou em relativa tranqüilidade; os londrinos aproveitaram a trégua
para sepultar os mortos, tirar os feridos dos escombros, combater os
incêndios e repor os serviços essenciais em funcionamento,
sobretudo em vários dos grandes terminais ferroviários que haviam
sido seriamente danificados.
No Comando de Caças, também
a trégua foi recebida com enorme alívio. Outra concentração
equivalente contra as bases de Park e todo o Grupo 11 seriam
eliminados. Mas, ao mesmo tempo, Dowding procurava respostas para
perguntas perturbadoras: O que é que saíra errado? Como é que as
imensas formações diurnas tinham conseguido passar virtualmente sem
oposição? Afinal onde estavam os mais de 300 Hurricanes e Spitfires
disponíveis dos 21 esquadrões de Park e dos setores imediatamente
vizinhos, nos Grupos 10 e 12?
Basicamente, o problema era
que os controladores, os homens que supervisionavam os percursos nas
salas de operações, avaliando os informes dos radares e do corpo de
observadores, tinham estado esperando a batalha ontem. Fazendo
decolar dois esquadrões para cobrir os aeródromos de setor, eles
tinham escancarado o caminho à passagem da avalancha inimiga.
A defeituosa interpretação
das intenções do inimigo, por acaso cometida na ausência eventual
do Vice-Marechal-do-Ar Park da sala de operações do QG do Grupo 11,
foi, na realidade, custosíssima.
Mas o erro não se repetiria
no dia seguinte. No fim da tarde de 9 de setembro, 9 esquadrões de
Park estavam em vôo, à espera da primeira leva de 100 bombardeiros,
fortemente escoltados, que se aproximava da costa. Evitando os caças,
os pilotos de Park atacaram os bombardeiros com tanta obstinação,
que os tiraram do rumo de Kent e Sussex, que eram o objetivo, e os
forçaram a regressar às bases, depois de lançarem a esmo as bombas
que traziam.
Quanto à maior parte da
segunda leva, embora incessantemente hostilizada e desviada chegou às
áreas o sudoeste de Londres e lançou suas bombas sobre distritos
residenciais muito distantes das áreas das docas, que eram o alvo.
Nessa segunda-feira negra para a Luftwaffe, as tripulações de
bombardeiros começaram a imaginar se Londres seria realmente o
atalho para a vitória que esperavam tão confiantes. O dia para os
alemães saíra caro. A RAF perdeu 19 caças, mas a Luftwaffe deixou
ali 28 aparelhos.
Contudo, se a recepção
violenta de 9 de setembro havia embotado um pouco a confiança dos
homens de Goering, nos círculos oficiais da Inglaterra a preocupação
girava em torno do tempo que Londres poderia resistir aos ataques
aéreos ininterruptos. Em 1940, o bombardeio constante de uma grande
capital era um fato sem precedentes e problemas como o limite de
resistência do moral do povo e o tempo necessário à recuperação
dos serviços essenciais nunca haviam sido equacionados. Além da
probabilidade da invasão - a lua e a maré eram ideais para
desembarques entre 8 e 10 de setembro - as perspectivas eram
excessivamente sombrias.
Mas Hitler não estava ainda
convencido de que a superioridade aérea necessária ao sucesso da
invasão havia-se estabelecido. A 10 de setembro ele anunciou que se
decidiria no dia 14, na verdade adiando a “Operação Leão-Marinho”
para 24 de setembro, se é que ela seria efetuada.
Embora Goering tivesse
recebido mais 4 dias para acabar com as defesas de Dowding, as
possibilidades de vitória da Luftwaffe estavam diminuindo, porque
diariamente os “Poucos” da RAF salvaram a Batalha da Inglaterra.
Não que os defensores tivessem a menor idéia dessa diminuta mudança
de sorte, na época.
A 11 de setembro, Churchill
advertiu a nação: “Se realmente vai haver uma tentativa de
invasão, parece-me que ela não demorará muito... Portanto, devemos
considerar as duas próximas semanas um período muito importante de
nossa história. Ele se iguala à época em que a invencível Armada
espanhola se aproximava do Canal e Drake estava acabando seu jogo de
boliche; ou quando Nelson se interpunha entre nós e o Grande
Exército de Bonaparte, em Boulogne. Temos lido a respeito de tudo
isso nos livros de História; mas o que está acontecendo agora,
realiza-se em escala muito maior e suas conseqüências são muito
mais sérias para a vida futura do mundo, para a civilização do que
os acontecimentos registrados nesses admiráveis tempos passados”.
No domingo, 15 de setembro,
Churchill tinha a impressão de que a História assinalaria de forma
toda especial a passagem desse dia. Ele não sabia que Hitler
vacilara uma vez mais durante o fim de semana, sobre a invasão,
adiando a decisão de 14 para 24 de setembro. Mas algo lhe dizia,
nessa manhã, ensolarada de setembro - “Um daqueles dias de outono,
quando o campo fica mais belo”, como Park recordaria mais tarde -
que ele devia visitar Park no QG do Grupo 11.
Assim, pouco depois das 10:30
horas, e para grande surpresa das moças da WAAF que movimentavam
suas peças no mapa das operações, o Primeiro-Ministro entrava na
sala de operações de Uxbridge, acompanhado de sua mulher. Os
Churchills, que faziam uma visita casual, assim como se fossem à
casa de um vizinho, haviam chegado no momento em que se iniciaria uma
situação histórica.
“Não sei se acontecerá
alguma coisa hoje. Por enquanto está tudo muito calmo”, disse Park
a Churchill. Fascinado pela teatralidade do ambiente, Churchill
estava absorto quando as moças da WAAF começaram a marcar as
primeiras movimentações inimigas. O radar anunciava a presença de
grande número de aviões que se reuniam sobre a costa inimiga.
Calmamente e sem excitação, a defesa estava tomando suas
providências. A sotto voce, os oficiais de operações falavam bem
junto dos seus fones, dando ordens que faziam os pilotos dos
esquadrões de Park correr para seus aviões e os artilheiros
antiaéreos, para seus postos de combate.
Por volta das 11:30 horas,
quando os primeiros aviões alemães cruzaram a costa sul, os
Churchills haviam visto Park fazer decolar seus 21 esquadrões. Para
apoiá-los, os Spitfires do Esquadrão 609 vinham céleres, do Grupo
10. Sua tarefa específica era dar cobertura à fábrica de aviões
em Weybridge e ao Castelo de Windsor, a residência de fim de semana
do rei, em cujos terrenos Beaverbrook estava armazenando secretamente
os novos caças que aguardavam o momento de serem entregues aos
esquadrões. Na retaguarda, atrás de Londres, uma grande ala de 60
caças, de 5 esquadrões do Grupo 12, do Vice-Marechal-do-Ar
Leigh-Mallory, estava-se reunindo sob o comando do Líder de
Esquadrão Douglas Bader, o piloto de caças a quem faltava uma
perna.
O Comando de Caças aprendera
a lição de 7 de setembro e, enquanto Churchill estudava cada
movimento, os controladores das operações punham em prática a
instrução corretiva que Park ordenara a 11 de setembro. Os
controladores deviam emparelhar os esquadrões, Spitfire com
Spitfire, Hurricane com Hurricane. Os primeiros tinham de atacar o
anteparo aéreo defensivo de caças inimigos enquanto que os
Hurricanes combatiam os bombardeiros e seu amontoado de caças de
escolta cerrada.
O radar, o “cesto de gávea”
eletrônico da Inglaterra, com seus pontos-chaves poupados aos
ataques da Luftwaffe, dera o aviso, e agora, decolando dos aeródromos
que a mudança para Londres da ênfase dos ataques de Goering havia
poupado, levantavam-se os caças britânicos que dariam aos 100
bombardeiros e 400 caças da Frota Aérea 2, de Kesselring, uma
acolhida violenta.
A Luftwaffe viu-se em
dificuldades desde o instante em que seu primeiro avião cruzou a
costa leste de Kent, mas as tripulações dos bombardeiros
prosseguiram, ainda confiantes de que bastava que chegassem a Londres
para acabar logo com a guerra. Por todo o caminho, até Londres, os
caças britânicos mergulhavam incessantemente sobe o grosso da
grande ala de bombardeiros, fazendo aviões Dornier, Junker e Heinkel
cair em chamas nos verdes campos lá embaixo, enquanto que, aqui e
ali, um Spitfire ou um Hurricane desafortunado descia rodopiando,
envolto em fumaça e chamas.
Mas não havia como chegar aos
alvos costumeiros, as docas e as instalações petrolíferas do
Tâmisa. O melhor que as hostilizadas tripulações podiam fazer era
despejar suas bombas sobre o centro de Londres e fugir para casa.
O “Big-Ben”,
simbolicamente o emblema oficial do Grupo 11, acabara de soar as 12
badaladas do meio-dia quando as bombas começaram a descer, indo uma
delas cair nos jardins do Palácio de Buckingham, mas sem explodir.
Em casa, nas ruas, noa bares
onde tomavam seu caneco de cerveja, os londrinos imaginando se isto
seria o prelúdio da invasão, liam seus jornais: “Se e quando a
invasão ocorrer, ela não será mantida em segredo. A notícia será
dada pela BBC e pelos jornais”. E uma hora depois o noticiário das
13:00 horas da BBC anunciou: “A primeira incursão aérea contra a
área de Londres, hoje, começou há pouco mais de uma hora. Um ou
dois minutos depois que as sereias começavam a soar, comunicados dão
conta de que no sudeste violento fogo antiaéreo foi aberto contra o
inimigo e de que outras partes da capital foi adotado comportamento
semelhante. Era possível ouvir o silvo das bombas que caiam...
diz-se que pelo menos 50 aviões estão lutando numa área de batalha
dos arredores da cidade”.
A calma reação da BBC foi
tranquilizadora. Os pilotos dos caças da RAF estavam operando a
6.000m acima da radiodifusão. Entre eles estava o Líder de
Esquadrão John Sample, do Esquadrão 504, um corretor de imóveis
que aprendera a voar nos fins de semana, antes da guerra. “cada um
de nós escolhia seu alvo”, lembrou ele, mais tarde. “Nosso
primeiro ataque os dispersou muito bem. O Dornier que ataquei, com
uma rajada de vários segundos, começou a afastar-se dos seus
amigos, desviando-se para a esquerda. Dei-lhe outra rajada de 5
segundos e lá se foi ele, deixando um rastro de fumaça.
“Quando me afastei e comecei
a fazer uma curva ascendente, fechada, olhei para o lado e
vislumbrei, por um buraco nas nuvens, um rio correndo lá embaixo. Vi
as curvas do rio e tentei descobrir onde estava. Não reconheci
imediatamente e foi então que vi o “Kennington Oval” e pensei
comigo mesmo: “É ali que se joga críquete”. É estranho como,
no meio de uma batalha, a gente vê algo em terra e pensa em outra
coisa totalmente diferente do que se está fazendo no momento...
“Não demorei a ver-me
debaixo de outro Dornier que deixava um rastro de fumaça. Ele estava
sendo atacado por Hurricanes e um Spitfire... Como não via outra
coisa para atacar no momento, aproximei-me para participar daquele
ataque. Mergulhando, observei o que parecia ser uma luz vermelha
brilhando na carlinga do artilheiro de ré, mas quando me aproximei
mais, compreendi que estava vendo, através da carlinga do
artilheiro, diretamente a do piloto e do observador. A luz vermelha
era fogo. Disparei uma rajada e, ao passar pela sua direita, olhei
pelo grande nariz de vidro do Dornier. Dentro dele parecia uma
fornalha. O aparelho começou a cair e em poucos segundos a cauda se
soltou. O bombardeiro deu um salto mortal para a frente e começou a
rodopiar. Depois de dois rodopios, suas asas romperam-se perto dos
motores externos, de modo que o que restava era metade de uma
fuselagem e a base das asas, com os motores presos a elas. Nesse
momento, os destroços foram ocultos pelas nuvens e não vi mais
nada. Já então a batalha terminara. Como não vi mais nada para
atacar, retornei à base”.
Depois de reabastecer e
rearmar, o Esquadrão de Sample voltou a decolar às pressas, uma
hora depois, para enfrentar nova leva de bombardeiros de caças.
Entrementes, Bader e sua ala
de 60 caças, que voavam para o sul, por trás de Londres fizeram a
Luftwaffe sofrer o maior choque que já experimentara até então.
Doida por lutar, a ala de Bader - parte do agressivo Grupo 12 de
Leigh-Mallory - era integrado por um grupo cosmopolita de pilotos
representativos da causa aliada. Voando lado a lado dos esquadrões
da RAF havia um Esquadrão de canadenses, um de tchecos e um de
poloneses. Varrendo tudo à sua frente, os furiosos 60 obrigaram a
Luftwaffe a uma veloz retirada de Londres para a costa, com os
Hurricanes atacando os bombardeiros, e os Spitfires, os caças.
Lá embaixo, nas ruas de
Londres, as sereias soavam a nota prolongada e tranquilizadora de
“passou o perigo”, e logo após haver o último dos aviões
inimigos fugido. Enquanto os carros de bombeiros, as ambulâncias e
as turmas de salvamentos trabalhavam em meio aos escombros, os
empregados de escritório saiam dos porões para reiniciar o almoço
interrompido.
Muitos se reanimavam, nos
bares, contando histórias de bombardeiros, de escapadas miraculosas
e de pedaços da ação. Num dos bares houve uma atração especial:
alguém apareceu com uma bota de aviador alemão, de cano longo,
feito de couro preto e fecho “é clair” dos dois lados e, como o
grupo viu, com um buraco de bala. Se dono morrera bombardeando
Londres.
Depois de terrivelmente
maltratada nessa fatídica manhã de domingo, a Luftwaffe retornou à
tarde, mas também dessa os defensores estavam preparados. Quando a
nova leva de 100 bombardeiros e 300 caças cruzou o Canal, mais de
200 caças da RAF decolaram em pares e esquadrões e tomaram posições
na frente de Londres.
Os pilotos de caças
britânicos estavam exultantes por se verem em grandes formações,
depois de semanas ansiosas e decepcionantes em que voavam em grupos
de 3 e 6, ou, na melhor das hipóteses, de 9 ou 12. Isto compensava
em parte o grande cansaço das repetidas surtidas. Também era
tranquilizador verificar que ser derrubado não significava
necessariamente ficar fora da batalha. Não era raro um piloro
abandonar o aparelho atingido sobre Londres, tomar um taxi para o seu
aeródromo e decolar de novo num Spitfire ou Hurricane que chegara
naquela mesma tarde. Graças à organização de reparo e produção
dirigida por Beaverbrook, se a RAF tivesse perdido 200 caças a 15 de
setembro, somente 18 não teriam sido substituídos pela produção
daquela semana. Entretanto, a escassez de pilotos de caça treinados
era um problema muito mais sério que o suprimento de aviões para
eles voarem. Dowding abandonou o sistema de revezamento de unidades
cansadas com esquadrões vindo de fora da área de invasão, e
reforçou temporariamente os esquadrões de Park com a elite dos seus
“meninos” das áreas mais calmas.
A medida era realmente boa,
porque os pilotos inexperientes não duravam tempo suficiente para se
transformarem em veteranos, especialmente porque os Spitfires nem
sempre podiam impedir que a linha de frente formada pelos Me 109
atacassem os Hurricanes, que eram mais lentos e mais vulneráveis.
Apesar disso, os pares de
esquadrões de Park hostilizavam a Luftwaffe, naquela tarde, a
caminho de Londres, com a mesma persistência com que haviam
combatido os incursores de manhã; mas os bombardeiros, apesar das
perdas sofridas, prosseguiram corajosamente. As bombas foram lançadas
a esmo sobre Londres, através das nuvens. Embora despejadas às
cegas sobre a extensa área da capital, algumas bombas danificaram
ferrovias e outros serviços essenciais.
Nessa tarde, após a
experiência vivida pelos bombardeiros, naquela manhã, nas mãos da
ala de caças de Bader, os pilotos de caça de Kesselring estavam
procurando aborrecimentos. As estimativas errôneas da Luftwaffe
garantiam aos pilotos germânicos que mais de 2.000 caças da RAF
haviam sido destruídos desde o começo da batalha, de modo que eles
consideravam que a reação feita naquela manhã eram os estertores
de uma força de caças despachadas desesperadamente para proteger
Londres. Por esta óptica é que viram o aparecimento de Spitfires e
Hurricanes da RAF em números incomumente formidáveis. Ali, nos céus
de Londres, estava a oportunidade de a Luftwaffe conquistar a
superioridade aérea que vinha buscando. Mas a Luftwaffe fracassou.
Nem mesmo o famoso líder de caça, Major Adolf Galland, que em breve
iria a Berlim receber o abraço de Hitler e a condecoração pela 40ª
vitória, as “Folhas de Carvalho”, da “Cruz de cavaleiro”,
conseguiu alguma coisa.
Na Inglaterra, a contagem,
feita de maneira otimista na época, acusava uma bela vitória para a
RAF. No dia seguinte, quando Winston Churchill entrou em sua Sala de
mapas, ele viu escrito, a giz, no quadro - Destruídos, 183;
Prováveis, 42; Danificados, 75; Perdidos, 28. O Primeiro-Ministro
cumprimentou imediatamente a RAF: “O dia de ontem eclipsa todos os
recordes anteriores do Comando de Caças. Auxiliado por esquadrões
dos seus camaradas tchecos e poloneses, usando somente pequena
proporção dos seus efetivos, e em condições de tempo algo
difíceis, ele destruiu três levas de assassinos da população
civil da sua terra natal, infligindo baixas da ordem de 125
bombardeiros e 53 caças ao inimigo, sem falar dos prováveis e dos
avariados, sofrendo apenas a perda de 20 pilotos e 25 aparelhos.
Esses resultados superam todas as expectativas e dão confiança
justa e sóbria na luta que se aproxima”.
Como se descobriu após a
guerra, os números constantes do quadro de totais e da mensagem do
Primeiro-Ministro estavam exageradas. Contudo, as perdas da
Luftwaffe, em cerca de 60 para os 28 da RAF, eram suficientemente
elevadas para pôr fim às esperanças dos alemães de forçarem a
uma paz negociada ou conseguirem uma invasão bem sucedida.
Naquele sábado, à noite, a
Luftwaffe reapareceu, quando 180 bombardeiros atacaram o centro de
Londres.
Na manhã seguinte, o trem de
luxo de Goering chegou a Boulogne e o comandante da Luftwaffe fez uma
palestra aos seus feldmarechais e generais. O mau tempo, disse ele,
deu aos britânicos a oportunidade de se reorganizarem. Ainda
hipnotizado pela sua previsão, o Comandante-Chefe insistia em que 4
dias de tempo favorável dariam à Luftwaffe a superioridade aérea
que há tanto lhe vinha escapando. Rodeado de eufóricos aduladores
em seu trem especial, o Marechal do Reich ordenou outros ataques em
grande escala, usando até 400 bombardeiros e uma só vez, mas
somente quando o tempo estivesse perfeito. Em dias de mau tempo,
disse Goering, para não permitir ao inimigo a oportunidade de se
recuperar, deveria ser repetido o aparecimento de incursores de
inquietação fortemente escoltados. Em condições de tempo
realmente ruins, um único aparelho deveria decolar para provocar o
alarme no sistema de defesa.
Em Berlim, Hitler preferia ser
mais realista. Aceitando o fato de que as condições atmosféricas
piorariam com a aproximação do inverno, adiou a “Operação
Leão-Marinho” até nova ordem. Na verdade, esse adiamento foi
definitivo.
Depois da guerra ficou
esclarecido que o domingo 15 de setembro fora o ponto culminante da
Batalha da Inglaterra, sendo este o dia em que a nação comemora
anualmente a sua salvação da invasão e da escravidão pelos
alemães. Contudo, em 1940, nem a Luftwaffe nem a RAF podiam dizer o
que o amanhã traria. Enquanto permanecesse de pé a possibilidade de
serem feitas pelo inimigo operações da envergadura da que se
verificou a 15 de setembro, a invasão era o grande fantasma dos
defensores. Na verdade, se Kesselring e Sperrle tivessem tido aviões
suficientes para obedecer à risca às últimas ordens de Goering, o
Comando de Caças teria encontrado dificuldade muito grande para
deter o curso até que o inverno fizesse baixar a cortina da
segurança sobre o Canal e o sudeste da Inglaterra. A 15 de setembro,
quando Churchill deixava a sala de operações de Uxbridge, Park
disse-lhe: “Excelência, estamos muito felizes porque o senhor
assistiu a tudo. Isto mostra a limitação dos nossos recursos
presentes. E hoje eles foram estendidos aos seus limites máximos”.
A 16 de setembro, o mau tempo
e a exaustão da Luftwaffe, depois do esforço que fez nas últimas
24 horas, deram à RAF uma trégua merecida. O domingo fora um dia
radioso e a segunda-feira amanheceu chuvosa e nublada, com nuvens a
90m de altura. O caprichoso tempo britânico, aliado secreto que já
ajudara a frustar os planos de “quatro dias” de Goering, viria a
repetir a proeza. Se o Comandante-Chefe da Luftwaffe tivesse dado
mais atenção às considerações meteorológicas desde o início, é
duvidoso que ele tivesse jogado na pouco provável “vitória em
quatro dias”. Mas o fato é que, quando a Luftwaffe finalmente
compreendeu o tempo britânico, ele de tal forma se confundiu com a
mistura de boletins “meteorológicos” que Goering foi obrigado a
intervir, ordenando que, quando as previsões fossem conflitantes, a
decisão caberia aos homens no local, ao meteorologista que estivesse
na unidade encarregada de uma operação aérea.
Graças às nuvens baixas, a
16 de setembro o Vice-Marechal-do-Ar Park encontrou a calma
necessária à revisão do planejamento da luta. Com base no que
observou durante a luta de domingo, estabeleceu ele o emparelhamento
de esquadrões do mesmo tipo depois da penetração inimiga,
destacando os Hurricanes para atacar os bombardeiros e os Spitfires,
para os caças. Embora a medida melhorasse a interceptação, Park
ainda não estava satisfeito. Na prática, os erros de encontro e as
tendências dos pilotos de caça para a luta encarniçada estavam
impedindo que a teoria do Comandante do Grupo II fosse plenamente bem
sucedida. Contudo, enquanto a Luftwaffe desperdiçasse esforço no
alvo infrutífero de Londres, o Comando de Caças poderia respirar
com relativa liberdade. Mas, e se o inimigo voltasse a atacar Biggin
Hill, ou Henley, ou Hornchurch, ou qualquer outro aeródromo de Park?
E se ele fizesse um ataque simultâneo contra as fábricas de avião?
Então, a situação, já de si muito séria, descambaria para o
insuportável.
Felizmente para os defensores,
enquanto setembro se escoava e a batalha aérea ia e vinha pelo
sudeste da Inglaterra, Londres permanecia como alvo principal dos
incursores diurnos e noturnos. Mas, em comparação com os ataques
feitos em fins de agosto e começo de setembro, a intensidade dos
golpes da Luftwaffe começava a diminuir, diminuindo também o sangue
que fluía dos grandes ferimentos de Londres.
A 23 de setembro, quando se
completou a terceira semana de ataques ininterruptos a Londres, foi
dada a ordem para nova retaliação contra Berlim. O Ministério da
Guerra queria que a RAF montasse uma incursão terrorista, com minas
lançasses de pára-quedas, mas a RAF insistia em que os ataques
fossem contra objetivos militares. De qualquer modo, já era difícil
atingir alvos úteis e a RAF não estava preparada para privar a
Luftwaffe do lugar de honra como desperdiçador de bombas. Naquela
noite, enquanto mais de 260 incursores alemães bombardeavam Londres
indiscriminadamente, 119 bombardeiros Wellington, Whitley e Hampden
da RAF receberam ordens de bombardear alvos militares em Berlim.
Comparado à atividade da Luftwaffe, o esforço dos britânicos era
pequeno, mas a notícia da retaliação trouxe enorme sensação de
conforto e satisfação para os londrinos, “que estavam sendo
atacados naquela mesma noite”.
Na manhã seguinte, a
Luftwaffe fez dois ataques, bem cedo, contra Londres. À tarde houve
uma incursão muito mais importante. Usando duas formações de cerca
de 20 Me 109 cada uma, isto é, convertendo seu melhor caça num
caça-bombardeiro, a Luftwaffe surpreendeu os defensores e penetrou
livremente até as fábricas de Spitfire, em Southampton, local
histórico do nascimento do S6B de Mitchell, o pai dos Spitfires.
Felizmente a fábrica escapou de danos muito sérios, mas 100 membros
da equipe da Supermarine morreram quando um abrigo antiaéreo foi
atingido em cheio.
Como Dowding há muito tempo
temia, a Luftwaffe escolhera uma importante fábrica de caças e, de
acordo com a paixão do inimigo pelas manias táticas de pouca
duração, era de esperar que a operação em Southampton ou alhures
se repetisse nos próximos dias.
Na manhã seguinte, 25 de
setembro, uma força de mais de 50 bombardeiros escoltados danificou
seriamente a fábrica da Companhia Bristol Aeroplane e causou mais de
250 baixas.
Os ataques às fábricas de
avião e a utilização de caças-bombardeiros difícil de serem
alcançados tornaram os defensores perturbadoramente cônscios de que
apesar das contínuas incursões sobre Londres, ainda que feitas com
menos aviões que antes, a Luftwaffe estava recuperando a
objetividade revelada nos ataques de fins de agosto, contra os
aeródromos de setor.
Como que confirmando o receio
do Comando de caças, uma força mista de mais de 70 Me 109, He 111 e
Ju 88 subiram de suas bases na Bretanha e atacaram a fábrica de
Spitfire em Southampton, dando um exemplo do novo padrão de
bombardeio adotado. Em poucos minutos, 70 toneladas de bombas já
haviam caído, e como tal efeito que a produção foi suspensa e três
novos caças foram destruídos nas oficinas, dando à Luftwaffe um
ganho nítido naquele dia. Na luta aérea, registraram-se 3 baixas
para cada lado.
Uma vez mais a iniciativa
retornara à Luftwaffe, fato que se tornava patente, durante a
Batalha da Inglaterra, toda vez que a força aérea alemã se
concentrava, ainda que temporariamente, nos alvos táticos ou
estratégicos de valor. Ao mesmo tempo, a Luftwaffe começava a
desnortear os esquadrões interceptadores com um novo estratagema -
entremeando formações de caças verdadeiros com caças-bombardeiros.
Vastas formações de Me 109 despachadas para atrair Spitfires e
Hurricanes para combate podiam ser ignoradas com boa segurança, mas
as formações que continham bombardeiros e caças-bombardeiros
exigiam atenção. Bastava apenas alguns desses ataques contra as
fábricas de aviões - a dispersão estava sendo feita, mas ainda não
era plenamente eficaz - para pôr a superioridade aérea ao alcance
do inimigo antes da chegada do inverno.
Felizmente para os defensores,
a maioria das formações de caça de grande altitude não conseguia
mais que a derrubada de alguns caças da RAF. A 27 de setembro,
voltando às suas antigas formações - bombardeiros Dornier, Heinkel
e Junkers escoltados - à Luftwaffe foi mostrada a sua
vulnerabilidade diurna. De 80 aviões que rumavam para Bristol e dos
300 para Londres, os alemães perderam 55, para 28 da RAF.
A participação dos
bombardeiros Dornier, Heinkel e Junker estava quase no fim. No último
dia de setembro de 1940, os bombardeiros Dio 17 e He 111, tão
eficientes na Espanha, tão proveitosos na França, juntaram-se ao
bombardeiro de mergulho “Stuka” Ju 87 entre os aviões
comprovadamente obsoletos para combate nos céus da Inglaterra. O Ju
88, que era mais veloz e mais recente, também não se saiu bem. Foi
um dia ruim para a Luftwaffe: 47 aviões - na maioria bombardeiros -
derrubados ao preço de 20 caças da RAF.
Em menos de 2 meses, a lenda
da invencibilidade da Luftwaffe fora destruída. Os bombardeiros, que
deveriam ter aberto o caminho para a vitória em apenas 4 dias, foram
obrigados a se ocultar na sombra da noite, e o caça Me 110 de longo
alcance foi de tal forma desacreditado, que necessitava de uma
escolta de Me 109 como bombardeiro de ataque-e-fuga.
Ponto de equilíbrio
Chegara o mês de outubro e em
quase 12 semanas a Luftwaffe tentara por todos os meios a rápida
obtenção da paz com ou sem conquista. Primeiro, saiu para o desfile
de forças sobre o Canal da Mancha; depois, para as incursões curtas
e intensivas sobre as estações de radar, empreendidas de maneira
tão acertada e tão totalmente abandonadas. Em seguida, depois de
perder-se sobre alvos sem importância, mudou a mira para os
aeródromos de caças, particularmente as estações de setor de
Park. Veio a provação de Londres e, por último, os atrasados
bombardeios de precisão das fábricas de aviões.
Abandonando cada nova tática
às vésperas de se vitoriar, a Luftwaffe ganhara pouco, perdera 25%
dos seus efetivos operacionais e não valorizara a reputação que
tinha.
Contudo, visto dos QGs do
grupo de Park e do comando de Dowding, o desempenho da Luftwaffe
ainda era motivo de graves preocupações. No começo de outubro, a
possibilidade de bom tempo sustentava de pé a perspectiva de
invasão; além disso, a nova tática do caça-bombardeiro continuava
criando problemas.
Livres da presença dos
bombardeiros bimotores leves, as formações de caça diurnas voavam
a altitudes de 6.000m a 7.500m, colocando-se fora da área de
detecção pelo radar e altas demais para que o Corpo de Observadores
produzisse um traçado preciso. Insatisfatório também redundou o
esforço feito, por meio de aviões de exploração voando a grande
altura, no sentido de acusar a aproximação do inimigo. Vários
desses aviões foram derrubados. O desempenho do Me 109 acima de
7.500m - graças ao seu superalimentador de dois estágios - era
ainda melhor do que o dos Spitfires e Hurricanes Mark 2 que estavam
então aparecendo.
A técnica noturna do Comando
de Caças melhorara pouco durante os meses de verão. Em outubro
havia apenas 6 Esquadrões de Caça noturno Blenheim e 2 Defiant em
serviço, mas suas surtidas tinham resultados erráticos. O caça
noturno, equipado com radar de interceptação de confiança, estava
ainda por nascer, embora o novo Beaufighter com radar já estivesse
em experiência. Quanto às defesas antiaéreas, os refletores e
canhões davam mais esperança aos civis do que dificuldades para o
inimigo, além de serem mais barulhentos que eficazes. Mas o barulho
não constituía problema, porque a Batalha da Inglaterra estava
sendo travada tanto nas ruas como nos céus de Londres, onde os
rastros tenuêmente marcados pelos aviões em luta mostravam a que
altitude os caças e caças-bombardeiros haviam elevado o conflito.
Embora o domingo 15 de
setembro - o dia supremo da Batalha da Inglaterra - marcasse o ponto
culminante do maciço regime de carga dirigido contra a capital, a
provação subsequente de Londres foi, em alguns aspectos, mais
penosa.
A frase “Londres pode
agüentar” já era um chavão no começo de outubro, mas quantas
semanas mais, de morte e destruição, Londres poderia realmente
agüentar? Entre os que se perguntavam isto estava Goering, que via
no colapso do moral do povo de Londres, aterrorizada e em chamas,
como o caminho mais provável para a vitória do que os “quatro
dias” arbitrários com os quais se hipnotizara durante o verão.
Achando melhor ignorar a
finalidade original dos ataques em massa realizados entre 7 e 15 de
setembro - a destruição dos remanescentes da RAF que decolariam e
dariam tudo na defesa da capital - o marechal do Reich passou a
exigir a desmoralização do povo britânico pela completa destruição
de Londres.
Se as noites insones, a
destruição das ruas e dos lugares que lhe eram familiares, o
avultado número de mortes, de lares reduzidos a escombros pela
explosão de bombas e pelo fogo poderiam combinar-se para vergar o
moral do londrino, então a Luftwaffe por certo venceria a Batalha da
Inglaterra. Goering visualizava o seu término para meados de
outubro; ele tranqüilizou seus pilotos, que já mostravam sinais de
cansaço: “Seus ataques infatigáveis e corajosos ao coração do
Império Britânico, a cidade de Londres, reduziram a plutocracia
britânica ao medo e ao terror. As perdas que vocês tem infligido à
decantada RAF, em decididos combates entre caças, são
insubstituíveis.
Mas a vontade britânica de
continuar lutando, alimentada pela oportuna exaltação de Churchill,
e os caças que saiam das linhas de produção de Beaverbrook
desafiavam as afirmações do Comandante-Chefe da Luftwaffe. Também
a Família Real saiu dos seus castelos para se colocar mais próxima
do povo, para participar da ansiedade de todas as classes. O rei e
rainha, os pais da Rainha Elizabeth II, passavam muitas horas nas
ruas bombardeadas, encorajando os bombeiros e compartilhando dos
sentimentos daqueles cujas casas haviam sido destruídas. De certo
modo, o fato de Hitler haver também bombardeado a residência
londrina do rei ajudou.
O rei, procurando um meio de
expressar sua admiração pela coragem dos civis e dos militares -
todos então igualmente sob ataque - instituiu duas condecorações
pessoais por bravura diante dos ataques aéreos. Falando pelo rádio
do Palácio de Buckingham, o Rei Jorge VI proclamou a instituição
da George Cross e da George Medal, e por coincidência dramática as
sereias soavam enquanto o rei falava. A George Cross, disse o
soberano, só seria superada pela Victoria Cross.
As bombas e minas que não
explodiam, reconhecidas como uma ameaça nos aeródromos e fábricas,
começavam a determinar o fechamento de ruas e a colocar as pessoas
em perigo, como o rei bem sabia, pois tivera uma em seu próprio
jardim, no Palácio de Buckingham. Os primeiros agraciados com as
novas condecorações foram corajosos peritos integrantes das
Unidades de Remoção de Bombas, homens como o Tenente R. Davies, do
Real Corpo de Engenheiros, que desarmara uma bomba de alto explosivo
que caíra junto à Catedral de São Paulo.
Corria o mês de outubro e os
londrinos procuravam conviver com seu “fado”, enquanto os
incursores diurnos se tornavam progressivamente mais esquivos, à
medida que caças e caças-bombardeiros apareciam a altitudes cada
vez maiores.
Os pilotos de Park, que
inicialmente achavam que os Me 109 e Me 110, a 6.000 e 7.5000m,
estavam muito longe, não demorou para que estivessem operando a
9.000m - altitude de combate que os Spitfires e Hurricanes tinham
dificuldade de atingir a tempo de interceptá-los.
Os problemas de rastreamento
de fins de setembro e começo de outubro pioraram com o começo das
condições meteorológicas características do final de outono, e os
primeiros avisos que o radar e o Corpo de Observadores podiam esperar
chegavam quando os incursores estavam a apenas 20 minutos de vôo de
Londres.
Assim, o Vice-Marechal-do-Ar
Park teve de reconsiderar suas táticas mais uma vez. Se seus pilotos
levavam até 30 minutos para atingir a altitude de 9.000m e se a
presença do inimigo era anunciada com 20 minutos de antecipação,
impunha-se a manutenção em vôo de patrulhas de prontidão. “A
experiência amarga”, lembrou Park aos seus controladores de
operações, “tem provado repetidamente que é melhor interceptar o
inimigo com um Esquadrão acima dele do que com toda uma ala voando
abaixo dele, provavelmente depois que o inimigo lançou suas bombas”.
As palavras de Park vinham
repassadas de amargura, porque enquanto ele as escrevia as incursões
de grande altitude estavam se tornando regulares. A 15 de outubro, um
dia típico, 30 Messerschmitts bombardearam Londres às 09:00 horas,
atingindo a Estação de Waterloo; 45 minutos depois, mas 50
Messerschmitts bombardearam os quarteirões financeiros da cidade. Às
11:30 horas, mais outra formação cruzou o estuário do Tâmisa, e
durante toda aquela noite houve incursões à luz do luar. O serviço
de trens parou nos cinco grandes terminais londrinos. O metrô foi
interrompido em cinco pontos, houve 900 incêndios e mais de 400
pessoas morreram. As perdas da Luftwaffe nas operações diurnas e
noturnas totalizaram 14 aviões; a RAF perdeu 15.
Em fins de outubro, no Comando
de Caças, a impressão era de que o pesadelo nunca mais acabaria,
pois não havia muito o que fazer para deter os incursores noturnos.
Dowding e Park ainda estavam procurando a solução do problema.
Depois de um longo verão de
luta incessante, as novas táticas da Luftwaffe impuseram uma tensão
quase intolerável ao Comando de Caças. Em agosto e na primeira
metade de setembro, os esquadrões de caças pelo menos tinham
conseguido descansar e permanecer nos seus aeródromos entre as
corridas para decolar. Depois disso, a necessidade do patrulhamento
de área a 9.000m e de lutar àquela altitude impôs um castigo
físico muito mais severo aos pilotos, que já estavam passando até
5 horas de vôo operacional por dia. As expectativas de vida de um
piloto de caça, na Batalha da Inglaterra passara a ser, desde então,
avaliada em 87 horas de vôo - ou pouco mais de uma quinzena, no
índice máximo de emprego. Por volta de 31 de outubro, 415 pilotos,
de um total de cerca de 1.500 que participaram da Batalha, tinham
morrido.
Quando tudo acabou, quando a
Batalha aérea da Inglaterra pôde ser analisada dentro de uma
perspectiva mais ampla, em conjunto com as operações subsequentes,
quando finalmente, os livros de História exigiram datas, a
oficialidade britânica fixou o período de 10 de julho a 31 de
outubro como o da Batalha da Inglaterra. Evidentemente, batalhas
aéreas foram travadas antes e depois de julho e outubro, mas a
História e a concessão inevitável de condecorações de campanha
para as tripulações aéreas exigiam datas. Em novembro, embora a
situação da Inglaterra continuasse perigosa, o povo parecia sentir
que o momento da morte começava a distanciar-se.
A confiança, raiando mesmo
pela complacência, retornou. As corridas de cavalos com obstáculos
estavam em plena estação e as corridas de galgos começavam a
atrair muito mais que qualquer outro esporte. Nos campos de golfe,
onde Beaverbrook mandara depositar os restos de bombardeiros alemães,
para ressaltar a inoportunidade do passatempo, os gramados começavam
a ser desimpedidos. Um anúncio da época mostrava quatro Spitfires
num céu azul – nenhum caça da Luftwaffe à vista – e dizia:
“Estes são os homens que, quando de licença, perseguem uma bola
de golfe com a mesma determinação com que perseguem sua presa”.
Os britânicos se estavam
condicionando para a guerra e até mesmo abreviando a feia palavra
Blitzkrieg para “blitz”, conseguindo fazer com que o sinônimo de
terror caísse melhor no ouvido dos que tiveram o lar destruído
pelas bombas, do pessoal dos abrigos e dos que trabalhavam durante os
ataques aéreos. “Não se preocupem”, diziam, “tomaremos um chá
quando a blitz terminar”.
Por volta de novembro, os
civis já aceitavam os ataques aéreos como fato da vida diária.
Muitos se sentiam até orgulhosos por se mostrarem mais na linha de
frente do que os soldados. Contudo a RAF não podia aceitar os
ataques aéreos com a mesma resignação. Afinal de contas, seu
trabalho era impedir a entrada do inimigo, ou pelo menos desviá-lo
dos alvos importantes, e nem sempre o estava conseguindo. Entre 7 de
setembro e 13 de novembro, Londres foi bombardeada por 160 aviões,
em média, durante 67 noites consecutivas, descansando neste período,
apenas uma. Com as incursões diurnas diminuindo e roubando à RAF a
oportunidade de derrubar aviões inimigos, o desalento pela sua
relativa incapacidade à noite aumentava. Mas houve um momento de
alívio que chegou a ser até cômico.
Para constrangimento da
Luftwaffe, a Regia Aeronáutica de Mussolini, decidida a dar também
a sua contribuição para a conquista da Inglaterra, foi-se
estabelecer em bases na Bélgica. Desde fins de outubro, bombardeiros
italianos vinham atacando os portos ao longo da costa leste da
Inglaterra, à noite. A 11 de novembro, introduzindo um momento de
opereta no cenário diurno que se fechava, os italianos, usando
capacetes de latão e baionetas, apareceram durante o dia, voando
sobre o Mar do Norte em 10 bombardeiros Fiat BR20, escoltados por 40
caças, biplanos, Fiat CR42. Depois de se recuperarem do espanto, os
pilotos de dois esquadrões interceptadores de Hurricanes derrubaram
três bombardeiros e três caças sem perder nenhum dos seus.
Com esta nota de alívio,
terminou o período das grandes operações diurnas contra a
Inglaterra, em 1940. A 14 de novembro, o bombardeio de Conventry
iniciaria um inverno de bombardeios de terror por toda a Inglaterra.
Mas Londres resistiria, assim como todas as outras grandes cidades; a
destruição de um centro após o outro, longe de provocar o clamor
público pela paz, aumentou a determinação do povo britânico de ir
até o fim. Mas a história do inverno de terror da Inglaterra, da
blitz noturna que quase arranca o coração das suas cidades, até a
invasão da Rússia, pela Alemanha, em 1941, está fora dos limites
deste livro.
Em meados de novembro, a
Batalha diurna da Inglaterra, que atingiu seu ponto culminante a 15
de setembro e prosseguiu até o fim de outubro, fracassara com o
sombrio desempenho da Força Aérea de Mussolini. A possibilidade de
a Alemanha conquistar a Inglaterra em 1940 começava a diluir-se.
O veredito da História
Basicamente, a Luftwaffe
estava mal equipada para a Batalha da Inglaterra. Os primeiros
sucessos na Espanha, Polônia, frança e Bélgica deram à Força
Aérea Alemã uma idéia falsa de sua capacidade. Em primeiro lugar,
os pais da Luftwaffe, alimentando o filho intelectual no texto do
Tratado de Versalhes, haviam construído uma arma aérea para apoiar
tanques e infantaria na campanha, trabalho que a Luftwaffe realizou
de maneira magnífica no continente.
A França resistiu tão pouco,
que a Luftwaffe pôde funcionar de maneira impecável. Em maio de
1940, a excelência da tática da Luftwaffe no apoio cerrado a um
exército que avançava colocara as Frotas Aéreas 2 e 3, de
Kesselring e Sperrle, na costa do Canal da Mancha. Tudo indicava que
a Inglaterra estava à mercê dos comandantes das Frotas Aéreas.
Erroneamente, suas tripulações viam o Canal apenas como um rio Mosa
mais largo e agitado. Apenas 35 Km, no seu ponto mais estreito, e,
uma vez na outra margem, a Luftwaffe prosseguiria na sua acalentada
função de apoio tático ao exército – marchando finalmente sobre
Londres. Contudo, a Luftwaffe, pelo que se conseguiu saber, não
estava corretamente equipada para estabelecer o requisito prévio de
uma invasão, a completa superioridade aérea sobre o ponto de
invasão, no sudeste da Inglaterra. Mas, curiosamente, a incapacidade
era acidental.
Deixando momentaneamente de
lado os erros de critério, as mudanças caprichosas de ênfase que
precederam e sucederam o “Ataque das Águias”, em meados de
agosto de 1940, a Luftwaffe carecia de uma rama essencial para o
sucesso: o bombardeiro quadrimotor pesado. Esse avião estaria
disponível em grandes números não fosse a morte acidental do
General Walther Wever, o primeiro Chefe do Estado-Maior da Luftwaffe
e o mais ardente defensor do bombardeiro estratégico, na Alemanha.
Perspicaz e dotado de mentalidade tecnológica, Wever planejara a
produção em massa do bombardeiro quadrimotor, com um raio de ação
que atingiria o norte da Escócia, onde toda a Home Fleet britânica
ficava ancorada, em 1940. Encorajadas por Wever, as companhias
Dornier e Junkers construíram em 1935, os protótipos do Do 19 e do
Ju 89. Mas, naquele ano, Wever morreu num acidente de avião e os
bombardeiros estratégicos Dorniers e Junkers, que poderiam ter dado
à Alemanha a vitória em 1940, morreram com ele. Os dois aviões
foram cancelados por Kesselring, em favor do bombardeiro de mergulho
“Stuka” e dos bombardeiros bimotores médios que me breve se
tornariam tão conhecidos.
Se Goering tivesse uma frota
de bombardeiros estratégicos para lançar contra cadeia de radar, os
aeródromos do setor de Grupo 11, as fábricas de aviões e talvez
também contra a Marinha Real, seu sonho de “quatro dias” talvez
se tivesse realizado. Teria apenas de controlar suas mudanças de
ênfase. O dano que os bombardeiros médios e os caças-bombardeiros
produziam quando atacavam alvos importantes – como a incursão
contra a fábrica de Spitfires, em Southampton – mostra o quanto
seria diferente a presença do Do 19 e do Ju 89 que foram mandados
cancelar.
Contudo, Wever morreu e a
Luftwaffe justificou muito bem a decisão de Kesselring até alcançar
a costa do Canal da Mancha. Mesmo então, na pior das hipóteses, ela
poderia ter criado condições 50% favoráveis a uma invasão, não
fosse a incapacidade crônica de Goering de encontrar um plano e
ater-se ao mesmo. Isto porque, durante a maior parte da campanha, ele
fora um Comandante-Chefe ausente, dando ordens de Berlim ou de
Karinhall. Apesar de excelente piloto de caça da Primeira Guerra,
Goering era tecnológica, estratégica e taticamente ignorante. Ele
permanecia mentalmente na carlinga aberta da incipiente aviação de
1914-18. O seu conceito de guerra aérea moderna em nada ajudou ao
desajudado por natureza tirocínio militar de Hitler. Fosse Goering
uma vocação para o cargo que ocupava, tivesse ouvidos para os
conselheiros tecnológicos, facilmente teria avaliado a importância
do radar no sistema de defesa de Dowding. O serviço de informações
da Luftwaffe mostrou-se ruim e impreciso antes e durante a batalha
aérea. O radar não era nenhum segredo, desde que as altas torres
começaram a ser erguidas, antes do início da guerra. A Luftwaffe
perdeu terreno vital quando abandonou as investigações iniciadas
pelo “Graf Zeppelin” após os primeiros resultados
desapontadores.
Se os quadrimotores tivessem
bombardeado os locais do radar e tornado as estações de setor
insustentáveis, então os “Stukas” poderiam ter sido usados
novamente em apoio de um exército invasor. As dispendiosas incursões
de setembro, contra Londres, que finalmente roubaram à Luftwaffe
quaisquer possibilidades de conquistar a superioridade aérea sobre a
Inglaterra, não teriam ocorrido.
Em suma, um corpo de elite –
até setembro as baixas o alteraram bastante – integrado por
alguns homens excelentes, abandonados por uma liderança muito ruim,
fez o máximo que pôde, com algumas máquinas excelentes mas mal
distribuídas. Falando dos pilotos alemães, Dowding, o arquiteto da
sua derrota, disse: “Eles se portaram com muita dignidade. Tiveram
momentos terríveis, mas não esmoreceram”.
Poderia a Inglaterra ter-se
saído melhor?
Superficialmente, a pergunta
parece impertinente. A sobrevivência nacional estava em jogo e a
RAF, para garanti-la, enfrentou desvantagens avassaladoras no começo
da batalha e deteve o seu rumo para, aproveitando-se dos erros do
inimigo, impor a sua experiência. Porém, o aspecto mais importante
do extraordinário desempenho que teve foi que ela quebrou a
exagerada reputação de invencibilidade da Luftwaffe e o excesso de
confiança de seus integrantes.
Em Londres e nas grandes
cidades da Inglaterra, a população apoiou “Os Poucos”
demonstrando magnífico moral sob os ataques. Enquanto que, no ar, a
vitória sobre a Luftwaffe criava uma dívida eterna para com “Os
Poucos”, o estoicismo dos civis, inspirados por Winston Churchill,
suscitava uma dívida difícil de ser atirada ao esquecimento. Por 12
semanas, a nação manteve-se de pé por uma parceria espiritual
estimulada por Churchill: o piloto, o povo e o Primeiro-Ministro.
Grandes parceiros nessa jornada inesquecível foram também Dowding,
o cérebro do Comando de caças; Park, o capataz no local, e
Beaverbrook, que sustentou miraculosamente, com caças novos ou
reparados, o esforço desses homens a quem tanto tantos devem.
Entretanto, estes homens não escaparam aos golpes da crítica
posteriormente feita. Houve queixa de que Park, e implicitamente
Dowding, deixara o inimigo passar muitas vezes, não matara alemães
em quantidade suficiente e não dava ouvidos a conselhos; que
Beaverbrook interrompeu temerariamente os programas a longo prazo da
indústria aeronáutica para produzir caças. Mas, estando a
sobrevivência em jogo, será que Dowding e Park ignorariam qualquer
proposição prática? Teria Beaverbrook, que de fato deu a atenção
possível à produção de quadrimotores pesados, cometido erro ao
estabelecer as metas prioritárias?
A crítica dirigida a Park e,
indiretamente, a Dowding e à direção geral do Comando de Caças,
partia sobretudo de um setor.
À medida que a batalha
esquentava, em julho, a frustração natural dos pilotos do Grupo 11,
que se sentiam furiosamente refreados, não era nada em comparação
com a do Grupo 12, onde havia até ressentimento. Enquanto que os
pilotos de Park reclamavam porque só lhes permitiam atacar o inimigo
em pequenos grupos, os esquadrões do Vice-Marechal-do-Ar
Leigh-Mallory achavam que estavam vendo a guerra passar enquanto a
Inglaterra caía. Para agravar a exasperação compreensível ao
nível de esquadrão, o comandante do Grupo era um líder
naturalmente agressivo, doido por uma luta. Mas Dowding construíra
um sistema cuidadosamente ponderado de defesa e, nesse sistema, o
homem-chave, Park, era um lutador defensivo, fazendo seus movimentos
de olho no amanhã.
Poderia a RAF ter-se saído
melhor com Leigh-Mallory no lugar de Park? Leigh-Mallory achava que
sim. Insistia na grande ala, 5 formações de Esquadrões de 60
caças, como a que finalmente colocou nos céus de Londres a 15 de
setembro, e que perseguiu o inimigo desde Westminster até o interior
do mar. Mas acontece que a tática que logrou êxito nas condições
vigentes a 15 de setembro representaria o desastre em junho e agosto.
É verdade que as grandes alas
poderiam ter aumentado o número de aviões inimigos abatidos, uma
vez que tivessem reunido e localizado o adversário. Mas, enquanto
estivessem ganhando altitude, reunindo-se e procurando o inimigo,
danos irreparáveis teriam sido causados aos aeródromos sob ataque.
O trabalho nesse estágio da guerra, quando os esquadrões não
dispunham de meios de se comunicar entre si uma vez no ar. Além
disso o fato de oferecer à Luftwaffe as grandes alas, compostas de
elevada percentagem dos efetivos operacionais da RAF, teria ajudado o
plano inimigo de eliminar a resistência de caça no canto sudeste de
invasão da Inglaterra. Embora pequenas as forças de interceptação
de Park, nas primeiras semanas da batalha, elas conseguiram
repetidamente romper as formações inimigas e muitas vezes desviar
os caças de escolta, deixando a força de bombardeiros aberta ao
ataque. Quando, mais tarde, durante a batalha, Park começou a
emparelhar esquadrões e até mesmo a reunir formações maiores não
foi por causa da pressão exercida pelo Grupo 12, mas porque as
táticas da Luftwaffe estavam mudando. Quando, em virtude da
introdução dos caças-bombardeiros, Park colocou patrulhas de
prontidão a alturas superiores a 6.000 m, o fator tempo na reunião
de uma ala não era tão premente.
Apesar de tudo isto, em
novembro de 1940 a autoridade superior foi atraída para a teoria da
grande ala e deixou-se levar por uma descrição emocionante do que
poderia ter acontecido e do que poderia acontecer no futuro.
Quando a invasão já não era
mais provável, quando os incursores diurnos já haviam sido expulsos
dos céus da Inglaterra pelo inverno, Dowding, algo ignobilmente -
embora já contasse 60 anos - foi demitido, como já esperava desde
que tudo começara, em 1936.
A 25 de novembro, ele foi
substituído pelo Marechal-do-Ar Sholto Douglas, mais tarde promovido
a marechal da RAF, honra jamais concedida a Dowding. Pouco depois,
Park foi substituído por Mallory, que o vinha vigiando há muito
tempo. Essas injustiças foram parcialmente reparadas pela
subsequente elevação de Dowding a Par do Reino e pelos importantes
comandos dados a Park em Malta e no Sudeste Asiático. A contribuição
conjunta de Dowding e Park para a sobrevivência nacional igualou, se
não superou, a folha de serviços de Nelson em Trafalgar, o maior
heróis da Inglaterra até então conhecido.
E quanto a Beaverbrook, o
terceiro homem do trio? Churchill e Dowding não deixaram a
posteridade em dúvida quanto à opinião que tinham sobre o
milionário jornalista da Fleet Street que produziu os caças.
Dowding considerava a nomeação de Beaverbrook uma decisão
importante como o veto de Churchill ao envio de reforços de caças à
frança, em maio de 1940. Churchill precisava da sua “energia vital
e vibrante”.
Beaverbrook, rico, poderoso,
com 61 anos de idade, era impedido por um curioso incentivo. “Londres
tem muitos postes de iluminação”, dizia ele, “e Hitler reservou
um para mim - e nele eu teria sido enforcado se não tivesse
produzido os caças”.
Vitoriosa a Luftwaffe, o
exército alemão teria ocupado Londres e, em poucas semanas, entre
as muitas medidas de opressão que estava decidida a tomar, a
Alemanha teria ativado o programa do Coronel das SS, Professor Six,
que previa a deportação de todos os homens fisicamente aptos entre
17 e 45 anos.
Sem a cobertura aérea, é
improvável que a Marinha Real tivesse conseguido o controle dos
mares.
A mensagem da Batalha da
Inglaterra é inequivocadamente a de que, sob a inspiração nacional
de Winston Churchill, “Os Poucos” salvaram o povo britânico de
ser escravizado pela Alemanha de Hitler.
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