Setembro
a Dezembro de 1939
A
Guerra Esquisita
Tópicos
do capítulo:
Um front
em letargia
A Linha
Maginot: abrigo magnífico, arma medíocre
Lições
da campanha da Polônia
A chuva
põe em discussão a ofensiva alemã
A volta
dos submarinos
Primeira
arma secreta alemã: a mina magnética
Morte do
Royal Oak
Fuga e
suicídio do Graf Spee
Nova
guerra, a 30 de novembro: a URSS contra a Finlândia
Revés
soviético às margens do Lago Ladoga
O OKW
julga o Exército Vermelho
Expectativa
Esquisita guerra. Diariamente,
trens passam às dezenas, pela margem direita do Reno, a 500m das
armas francesas, postas na ponte de Chalempe: as sentinelas contam os
vagões e prestam conta...
Uma enchente do rio carrega
algumas lanchas; os estados-maiores procuram uma linha reta para
fazê-las afundar pelas casamatas da margem, sem que os projéteis
atinjam a margem alemã... Soldados alemães trabalham a todo risco,
sob painéis, prometendo que não atirarão em primeiro lugar; um
Fieseler-Storch faz a sua ronda, com um ruído de motocicleta rouca;
alto-falantes gritam que os ingleses se baterão até o último
francês: ninguém tenta dispersar os trabalhadores, abater o avião
ou fazer calar essa voz destrutiva do moral. Esquisita guerra!
Exércitos contendo centenas de milhares de homens terminam assim sua
prestação de contas cotidiana: “Perdas para o inimigo: nada.
Perdas por acidentes: tanto (muito grande)”. No Grande QG a seção
que desenvolve maior atividade é a do...teatro para os soldados.
Estranhíssima guerra!
O front, se é que se pode
empregar essa palavra pomposa, caiu em letargia. No dia 12 de
setembro, a ofensiva em favor da Polônia foi detida, porque já não
mais havia Polônia. A 30 de setembro, decidiu-se a retirada das
forças para o território francês. Em 16 de outubro, porque Hitler
ordenara libertar o território alemão, as retaguardas, deixadas em
posições conquistada, foram dispersadas, para ficarem à altura, os
franceses evacuaram, espontaneamente, o saliente de Forbach, onde se
encontram suas mais produtivas minas de hulha. O primeiro dogma de
sua religião militar estritamente defensiva era não se bater em
duas frentes. Consequentemente, tudo está subordinado à defesa da
Linha Maginot, principal posição de resistência, onde a guerra
será ganha, contendo o assalto inimigo.
À opinião francesa, a Linha
Maginot inspira uma confiança religiosa. Mas o menos importante
oficial de estado-maior, em gozo de um mínimo de independência de
espírito, conhece os defeitos desse imenso covil de raposa. É,
realmente, “uma linha”, isto é, uma posição sem profundeza,
sobre a qual só se pode travar combate frontal. Os fortes se
defendem mal e seus construtores ignoraram a existência da aviação.
Não tomaram em consideração o bombardeio de mergulho, que tanto
pode vencer os couraçados terrestres quanto os do mar, nem o
desembarque de tropas aerotransportadas sobre as superestruturas. O
obstáculo antitanques, constituído por pedaços de trilhos, é por
demais fraco; os parapeitos da artilharia são vulneráveis; os
campos de tiro podem ser obstruídos por uma preparação de
artilharia; enfim, o poder de fogo das obras é ínfimo em relação
à sua enormidade e a seu custo. A Linha Maginot é um magnífico
abrigo, mas um medíocre instrumento de combate. Diga-se que é
impenetrável e absurda. A prova disso será feita depois de 10 de
maio de 1940. Nesse dia, os alemães se apoderarão, em 4 horas, por
meio de um assalto aéreo, do forte belga de Eben-Emael. Os oficiais
do Estado-Maior francês, reportando-se às suas notas de campanha,
para apreciar o acontecimento, lerão o seguinte: “O forte
couraçado de Eben-Emael, pilastra norte da defesa de Liege, é
comparável às obras mais poderosas de nossas fortificações do
Nordeste...”.
O fato de que a Linha Maginot
se detém em Montmedy escapou menos aos cérebros militares franceses
do que a invenção do avião. Foram elaborados projetos para
prolongá-la até o mar e reforçá-la numa segunda linha, disputando
o acesso da Bacia Parisiense. Foi necessário renunciar a isso, não
somente por motivos financeiros, mas principalmente porque o
acabamento e a duplicação da Linha Maginot absorveram o Exército
francês. As fortificações têm por objetivo economizar os efetivos
e é um costume tão antigo como a guerra mantê-las por tropas de
valor secundário; a Linha Maginot, contrariamente, exige para suas
guarnições tropas numerosas e especializadas. Em Saint-Cyr as
listas de promoções não saem mais “na Legião”, saem “dans
de béton” (na arma de Engenharia). De Basiléia a Sedan, 21
divisões de elite se acumulam em subterrâneos. Imóveis, por
destino, são desprovidas de meios de transporte e inutilizáveis
fora de sua concha. Triplicar a extensão da Linha teria estendido
essa paralisia a 2/3 das grandes unidades.
Mas ainda não é tudo. Feita
para defender, a Linha tem necessidade de ser defendida. A cada uma
das divisões de fortaleza é preciso sobrepor uma ou duas ditas de
intervalo. A destreza insuficiente, a fraca mobilidade do Exército
francês são ainda reduzidas por essa pesada servidão - e, no
entanto, o dogma da Linha Maginot é imposto como uma disciplina
intelectual a toda a hierarquia militar. Aconteceu a um general
moderar o entusiasmo do Duque de Windsor, de volta de uma visita à
Linha; informado disso, pelo Duque, por ocasião de um almoço em
Vincennes, Gamelin pousou o guardanapo e foi ao telefone exonerar o
herético do comando. Em média, a Linha Maginot se encontra a uma
dúzia de quilômetros aquém da fronteira. Cada divisão de
intervalo prolonga, para frente, seu grupo de reconhecimento e um ou
dois batalhões. Frágil cobertura que se subdivide em uma linha de
segurança. Por fim, só esses grupos estão em contato, algumas
vezes em completa quietude, outras em condições bastante severas.
Dois ou três setores, como o de Apach, perto da fronteira
luxemburguesa, ou a região atormentada ao sul de Forbach, fazem
exceção à trégua tácita que os exércitos francês e alemão se
permitiram. Os alemães fazem rápidas incursões de vaivém, com
cobertura do fogo de metralhadoras e de morteiros e, freqüentemente,
tomam de assalto os postos. Os franceses limitam-se a armar
emboscadas, nas quais se deixa prender, de quando em quando, um
inimigo desafortunado. Com tal jogo, enquanto os franceses fazem 100
prisioneiros, os alemães fazem 3.000. O Comando explica que não
deseja deixar-se arrastar na engrenagem de uma luta nos postos
avançados. Só se combate em uma posição.
O impressionante é o deserto
que se estende entre os destacamentos de cobertura e a Linha. Toda a
população foi evacuada - embora os alemães tenham deixado seus
civis nas vizinhanças da fronteira. Nas aldeias, vergonhosamente
pilhadas - falência da disciplina -, mal se encontra um pequeno
elemento da engenharia encarregada de fazer o jogo das destruições.
Da mesma maneira que as aldeias, as cidades foram evacuadas,
inclusive Estrasburgo, transformada em cidade do silêncio e
severamente protegida por barragens de gendarmes, - de tal maneira se
teme que ela seja saqueada. Contidos no Sudoeste da França, os
alsacianos e os lorenos acumulam um velho rancor contra franceses que
não podem admitir que franceses falem alemão.
E a chuva cai. E as perguntas
se multiplicam. Essa guerra sem guerra não será um mal-entendido?
No dia 6 de outubro, em um discurso ao Reichstag, Hitler fizera uma
proposta de paz: a França e a Inglaterra as repeliram, mas a trégua
total nos combates dão a impressão de que as conversações
secretas estão em curso. De resto, consolidara-se nos espíritos a
idéia de que a Linha Maginot e a Linha Siegfried eram inexpugnáveis
e de que o exército que se arriscasse a tomar a ofensiva seria
destruído. Assim, o conflito só pode revestir-se das formas de uma
luta ideológica e econômica. Seria a propaganda e pelo bloqueio que
Hitler iria ser posto de joelhos.
Nascida da dúvida e do tédio,
uma imensa preguiça toma conta do Exército francês. As sondagens
feitas pelo controle postal pintam homens dóceis mas inertes e
convencidos de que serão desmobilizados antes de haverem combatido.
Os acantonamentos são em geral deficientes, mas a alimentação,
regulamentar ou suplementar, é abundante. O Exército francês come
e bebe. Os oficiais, que o regulamento alemão põe no regime do
Goulashkanon, da cozinha rolante, vivem no luxo alimentar. Os QG são
os últimos a ter autoridade para censurá-los: disputam-se os chefes
dos grandes restaurantes parisienses e enviam seus carros de ligação
a buscar trutas nos Vosges ou rodovalho em Boulogne. Uma das mais
importantes cozinhas do GQG, arrastará sua adega pelas estradas da
derrota e a esvaziará, depois do armistício, em Montauban.
A desculpa desse sibaritismo
sob as armas era que o sangue não corria. Mal recuperada da
hemorragia 1914-18, a nação ficava reconhecida, por isso, ao
Comando. Essa segunda guerra de posição não repete as matanças
absurdas, as lutas de gigantes por pedaços de terra. Mas o Exército
francês deveria empregar a trégua que lhe concediam para se
reforçar e se endurecer. Mas foi o contrário que aconteceu: o
Exército francês perdia a têmpera e amolecia.
No entanto, teve, para
instruí-lo, uma lição gratuita. A Wehrmacht deu-lhe, na Polônia,
uma exibição de seus processos de combate. Lição preciosa. Lição
perdida!
Depois de outubro o Deuxieme
Bureau empreendeu, espontaneamente, um estudo crítico da campanha da
Polônia. Prisioneiro do conformismo militar francês, atento para
não se chocar, muito diretamente, com as idéias dos grandes chefes,
não se elevou à simplicidade e à força das conclusões formuladas
no outro campo, através de estudos análogos: falência completa da
defesa linear, preponderância da rapidez sobre a ação do fogo,
etc. Não obstante, enumerou com exatidão todas as características
da nova guerra à maneira alemã. Mostrou que a vitória, na Polônia,
havia sido trabalho quase exclusivo das divisões blindadas,
cooperando com a aviação. Fez ressaltar que não havia apenas um,
mas, na realidade, dois exércitos alemães: um de
infantaria-artilharia e um de tanques-aviação, cada qual operando
com velocidade própria e independentemente do outro. Entrando em
pormenores, o Deuxieme Bureau demonstrou a manobra das duas divisões
Panzer: a 3ª forçando o ferrolho de Mlawa, mudando de rumo para
varrer as margens do Narew, antes de descer para tomar Varsóvia pela
retaguarda; a 5ª desembocando da Eslováquia, a 300 km de sua base
de partida, depois girando 120° para se abater, ela também, sobre
Varsóvia. Os efeitos do bombardeio de mergulho, sobre o moral das
tropas, o uso dos pára-quedistas, a paralisia dos movimentos
militares causada pelas multidões de refugiados que enchiam as
estradas, nada de essencial falta a esse importante documento. A
lentidão de escoamento dessa papelada militar fará com que ele
chegue, a certos estados-maiores, durante a batalha de maio, a tempo
de que possam confirmar seu fundamento. Só terá essa utilidade.
O Comando francês recusa-se a
dar importância a esses ensinamentos da campanha da Polônia -
Kriegspiel, na realidade. Os oficiais que empreenderam seus estudos
estão discretamente desencorajados. O Troisieme Bureau, autoridade
decisiva, declara que não se poderia tomar o que se passara na
Polônia como base de instrução do Exército francês durante o
inverno. As condições são por demais diferentes. Na Polônia, a
Alemanha enfrentara um exército primitivo, mediocremente comandado,
mediocremente equipado, constrangido a guarnecer frentes
desproporcionadas, em terreno desprovido de qualquer organização
defensiva. Na França, está enfrentando um exército moderno,
comandado por um discípulo de Joffre, soberbamente equipado,
instalado num campo de batalha bem dividido e bem isolado, apoiado no
sistema de fortificações mais poderoso jamais construído: a Linha
Maginot.
A maior prova de que nada
existe de comum entre as duas situações é que Hitler não ataca.
Ele se atirara sobre a Polônia. Diante da França, espera.
A chuva põe Hitler em
xeque
A primeira ordem de ataque
contra o exército comandado, equipado, instalado, fortificado,
“maginotado”, fora assinada a 27 de outubro, pelo Fuhrer. A
ofensiva deveria se iniciar a 12 de novembro, 15 minutos antes do sol
nascer.
A decisão de derrotar a
França ainda em 1939 havia sido tomada antes mesmo do fim da guerra
na Polônia. Quando Hitler a anunciou aos principais chefes da
Wehrmacht, a 27 de setembro, Varsóvia ainda resistia. Os generais
recusaram a tomar a sério uma intenção que lhes parecia
desproporcional aos meios de que dispunham. Foram necessárias muitas
reuniões na nova Chancelaria, a instrução n° 6 sobre a condução
da guerra e, por fim, a ordem de 27 de outubro, para convencê-los de
que o Fuhrer cogitava mesmo de se atirar sobre a França,
transportando para o Oeste os métodos de combate que no Leste haviam
sido tão brilhantemente bem sucedidos.
Regressando da Polônia, pelas
ferrovias ou rodovias, os exércitos alemães se concentravam no
Reno. Brauchitsch, conscienciosamente, visitou os QG. A unanimidade
reinava neles: a ofensiva desejada pelo Fuhrer era uma
impossibilidade e a ordem de ataque, para 12 de novembro, uma
loucura. Brauchitsch considerou que era seu dever de comandante-chefe
opor-se a elas.
O dia 5 de novembro era uma
data importante: devia-se decidir, ao meio-dia, se a ordem de ataque
seria ou não mantida. Brauchitsch apresentou-se, pela manhã, à
nova Chancelaria e pediu para ser recebido, a sós, pelo Fuhrer.
Hitler cedeu, de má-vontade. Brauchitsch começou pela leitura de um
memorando em que reunira as considerações militares que
desaconselhavam uma ofensiva a oeste. O Exército francês era forte
demais. O Exército alemão ainda não havia adquirido bastante
resistência. Faltava-lhe artilharia pesada; faltavam-lhe as munições
necessárias para atacar as fortificações francesas. Alcançada
sobre um adversário fraco, a vitória da Polônia não devia iludir
ninguém. Devia ser utilizada a vantagem política que ela dava à
Alemanha, para ser negociada, em boas condições, a paz geral.
Hitler, de início, escutara
em silêncio profundo. A explosão veio quando o Coronel-General
aludiu aos defeitos morais que a campanha da Polônia fizera aparecer
no novo Exército alemão, nascido do nazismo. “A Infantaria -
disse Brauchitsch - não demonstrou o mesmo espírito ofensivo que
teve na guerra precedente. Mesmo em certas divisões da ativa, atos
de indisciplina foram assinalados...”.
Brauchitsch nada mais leu.
Entrou na ante-sala parecendo que ia desmaiar. Hitler havia tomado o
documento de suas mãos, o rasgou e o pisoteou no chão. Depois
chamara Keitel - “Lakeitel”, Keitel, o lacaio - e, através da
porta, ouviram-no rugir contra a estupidez e a covardia dos generais.
Quando Keitel saiu, era meio
dia em ponto. O coronel do estado-maior Warlimont esperava à porta
do Fuhrer. Advertiu que o momento fixado para a confirmação da
ofensiva já tinha passado. No calor da indignação, Hitler e seu
general doméstico haviam se esquecido disto.
Keitel voltou à cova do leão.
Dali saiu logo depois, dizendo que a ordem para 27 de outubro fora
confirmada. Quando Warlimont telefonou essa ordem ao Estado-Maior de
Brauchitsch, o oficial que recebeu a mensagem manifestou surpresa.
“Mas - disse ele - o Coronel-General foi expor ao Fuhrer por que a
ofensiva é impossível...” “O Coronel-General - respondeu
Warlimont - não conseguiu convencer o Fuhrer...”
Brauchitsch pediu demissão.
Hitler negou e ele teve que permanecer no posto, para preparar planos
que desaprovava.
O plano da ofensiva de 12 de
novembro fora preparado pelo Estado-Maior do Exército (OKW), a 19 de
outubro. O Exército alemão deveria penetrar nos três países cuja
neutralidade, um mês antes, Hitler prometera respeitar: Holanda,
Bélgica e Luxemburgo. O centro de gravidade, o Schwerpunkt, era a
região de Liege. A ala a marchar, formada pelos grupos de Von Bock
(grupo B), devia conquistar as costas do mar do Norte, a fim de
proporcionar à Marinha e à Força Aérea uma base de operações
aeronavais contra a Inglaterra. Um papel ofensivo menor estava
determinado ao grupo de exércitos de Von Rundstedt (grupo A), que
devia atravessar as Ardenas e forçar passagem pelo Mosela. Um
terceiro grupo (grupo C), comandado por Von Leeb, manteria a frente
pacífica, de Luxemburgo à Suíça.
Hitler estava parcialmente
satisfeito. “Eles calçaram as botas de Schlieffen” - dissera a
seus dois palacianos - Keitel e Jodl. Haviam-lhes explicado que o
efeito de surpresa produzido em 1914, pela extensão da ala direita
alemã não podia repetir-se. Desta vez, o Comando francês esperava
o ataque pela Bélgica. A fina-flor de suas forças estava disposta
das Ardenas ao mar do Norte - e seria a uma batalha frontal que uma
reedição do Plano Schlieffen se arriscaria a chegar.
Entretanto, Hitler deixou
passar o plano da OKH. Embora dotado de verdadeira intuição
estratégica, não tinha, disse o general francês Koeltz, “a
formação superior de Estado-Maior que lhe permitisse expressar
plena e imediatamente a idéia da manobra, nascente em seu
pensamento”. Na realidade, não era somente Hitler chefe de guerra,
era Hitler, como general, que engendrava suas idéias em estado de
nebulosa e depois as precisava numa alternância de meditações
solitárias e de conversações descosidas. A intuição da
penetração de Sedan lhe veio muito cedo, mas ficou por muito tempo
em gestação, sob forma fluida, em torno de hipóteses instáveis.
O ultraje a Brauchitsch foi
seguido, a 23 de novembro, por violenta repreensão aos comandantes
de Exércitos, reunidos na Chancelaria. Conta Halder: “Hitler
ladrou contra os generais: não posso expressar-me de outra maneira”.
Mesmo assim , alguns
mantiveram sua oposição, e um deles, Leeb, chegou até a propor uma
greve do Alto-Comando, para matar o projeto da ofensiva. Mas o hábito
de obediência e o fatal juramento de fidelidade prestado ao Fuhrer
acorrentaram a imensa maioria desses soldados.
É o céu que se encarrega de
adiar a ofensiva a oeste. Hitler exige bom tempo para que o
rendimento da força aérea e dos blindados seja digna do que foi
durante o luminoso verão polonês. Ora, o outono de 1939 é
execrável. Novembro traz chuvas torrenciais. Os rios enchem e as
inundações estendem, pelas planícies, grandes obstáculos aos
tanques. As previsões meteorológicas anunciam muitas nuvens, vindas
do Atlântico, prometendo dilúvios para os dias seguintes.
No dia 7, Hitler transfere
para dia 9 a decisão relativa ao ataque. E, novamente, para dia 13,
depois para 16, depois para 20. Uma suspeita apodera-se do Fuhrer:
exige que os boletins bicotinados sejam fixados pela Luftwaffe, uma
vez que os generais de terra lhe parecem capazes de subornar os
meteorologistas. Mas os homens-barômetro da aviação não são
menos pessimistas do que os da terra. Os adiamentos da ofensiva se
sucedem: 27 e 29 de novembro; depois 4, 6 e 12 de dezembro...
Estranha guerra. A chuva cai,
torrencialmente. Em seus péssimos acantonamentos, da Alsácia e das
Ardenas, os homens se encharcam, sob a tempestade que não tem fim. A
palha para os colchões apodrece nas granjas. Atingidos por
misteriosa doença ou vítima da negligência dos seus condutores, os
cavalos da artilharia morrem aos milhares. A intempérie é boa razão
para que se cancelem os exercícios e para que sejam suspensos os
trabalhos de organização do terreno. Os homens se unem nos
botequins das aldeias e se entediam ...
No mar, guerra nada
esquisita
Um argumento vem apoiar
aqueles que sustentam que a Segunda Guerra Mundial seria mais
econômica e generalizada do que uma guerra européia: enquanto as
hostilidades terrestres são nulas, as hostilidades navais começaram
desde o primeiro dia e prosseguiram vigorosamente. Após o dia 3 de
setembro, às 21 horas, apenas 10 horas depois da proclamação do
Estado de guerra, uma explosão destruiu o navio inglês Athenia, de
13.500 toneladas, que fazia sua viagem para Nova Iorque. Houve 112
vítimas, das quais 28 passageiros americanos. A Segunda Guerra
Mundial tem seu Lusitânia desde o primeiro dia.
No dia seguinte, o “Volkischer
Beobachter” acusa: fora Churchill quem afundara o Athenia, com a
ajuda de uma máquina infernal, sem dar importância a 1.500 vidas
humanas, para criar um incidente entre a Alemanha e os Estados
Unidos. Churchill (que acabara de voltar a seu posto de 1914:
Primeiro-Lorde do Almirantado) protesta, sem conseguir convencer
totalmente. No entanto o “Volkischer” mente: não fora Churchill,
mas o tenente Lemp, comandante do U 30, quem afundara o Athenia.
Seria preciso, porém, esperar os documentos do processo de Nuremberg
para se ter certeza. A Kriegsmarine falsifica o diário de bordo, faz
com que toda a tripulação jure segredo, infringe sanção
disciplinar a Lemp, culpado de haver aberto as hostilidades, ao
torpedear um navio, sem advertência.
Um segundo navio, o Royal
Spectre, afunda 2 dias depois. Desta vez, o comandante do U 48, o
jovem tenente Herbert Schultze, avisa diretamente a Churchill. Estes
dois navios abrem a lista de 2.603 navios que, de 1939 a 1945, foram
destruídos pelos U-Boote de Hitler.
Mais ainda do que os chefes do
Exército, os chefes da Marinha acham que a guerra é prematura. A
Alemanha só possui uma fraca frota de superfície: 3 couraçados de
bolso, Admiral Graf Spee, Admiral Scheer e o Deutschland, construídos
sob as limitações (10.000 toneladas) do Tratado de Versalhes, 2
cruzadores de guerra, de 26.000 toneladas (Scharnhorst e Gneisenau),
1 cruzador pesado (Prinz Eugen), 5 cruzadores leves e 22 destróieres.
Está terminando a construção dos couraçados de 35.000 toneladas
(Bismark e Tirpitz) e começando dois outros barcos, provisoriamente
denominadas H e J. Ao total, uma frota cuja reconstituição mal
começa e que não pode apresentar-se candidata ao domínio dos
mares.
Por sua vez, a arma submarina
só ressuscitara em 1935, quando o capitão de fragata Karl Doenitz
criou a flotilha Weedingen, composta de 3 pequenos submarinos. Em
1939, o número de submarinos construídos eleva-se a 57, mas a
metade compõe-se de canoes, de menos de 250 toneladas, não
utilizáveis no Atlântico, e muitos ainda não haviam concluído sua
experiências. Várias semanas se passarão até que a Alemanha possa
ter nos mares, simultaneamente, mais de 3 ou 4 submarinos.
Do lado aliado, a majestosa
frota britânica de 1914, 8 esquadras de 8 navios de linha, já não
existe. Um programa de rearmamento naval está em curso, mas os
couraçados da série King George V, assim como os porta-aviões do
tipo Illustrious só começarão a sair do estaleiro em 1941.
Enquanto espera, a frota de alto bordo se compõe de 13 veteranos da
Primeira Guerra, 10 couraçados e 3 cruzadores de guerra, mais 6
porta-aviões, dos quais 5 são velhos couraçados adaptados e,
ainda, dos dois únicos navios de linha construídos depois de 1919,
o Nelson e o Rodney.
O efetivo dos barcos ingleses
de menor tonelagem continua impressionante: 15 cruzadores com canhões
de 8 polegadas, 49 cruzadores com canhões de 6 polegadas, 184
destróieres, 38 corvetas, etc. Mas a Inglaterra deve guardar
caminhos marítimos que, sob o pavilhão inglês, se marca pela
presença cotidiana, no mar, de 2500 navios mercantes.
Se a Itália tivesse entrado
na guerra, a Inglaterra deveria levar em conta uma força naval
poderosa e moderna: 4 couraçados, dos quais dois de 35.000
toneladas, novos em folha, o Vittorio Veneto e o Littorio, 7
cruzadores pesados, 12 cruzadores leves, 59 destróieres, 69 vedette
torpedeiras, 105 submarinos. A não-beligerância de Mussolini
neutraliza essa armada mediterrânea, permite que se junte à luta
contra a Alemanha a totalidade de uma frota francesa que, ao
contrário do Exército, se renovara totalmente. Além de 3
couraçados antigos, conta com 2 grandes navios de 26.000 toneladas,
o Dunkerque e o Strasbourg, que os ingleses classificam como
cruzadores de guerra, e termina, em seus arsenais, o Richelieu e o
Jean-Bart, de 35.000 toneladas, que devem ser os barcos mais
poderosos de sua geração. Dezoito cruzadores pesados, todos
modernos, constituem uma força homogênea e os 28 destróieres (mais
24, em construção) são considerados pelos ingleses como cruzadores
leves. A continuidade nas construções, a habilidade do falecido
Ministro da Marinha, Georges Leygues, a capacidade do chefe de
Estado-Maior François Darlan, explicam por que, no momento mais
intenso de seus crepúsculo militar, a França possua a força naval
mais poderosa que já tivera, depois da Monarquia.
Uma surpresa técnica, porém,
atinge a Inglaterra. Ao longo das costas, nos estuários, navios são
destruídos de uma maneira misteriosa. Seis cargueiros explodem, um
após outro, no Tâmisa, e o encouraçado mais poderoso da esquadra,
o Nelson, fica imobilizado durante várias semanas. Uma tarde,
fumando, nervosamente, o seu curto cachimbo, o First Sea Lord
Almirante Sir Dudley Pound, vem comunicar a Churchill que ao alemães
possuem um engenho secreto, que provoca essas perdas angustiantes.
Não se poderia cogitar de qualquer defesa enquanto esse engenho
permanecesse desconhecido.
Passam-se alguns dias de
ânsia. A 22 de novembro, chega uma informação de
Southend-on-the-Sea, entrada do Tâmisa: um avião alemão, atacado
na entrada do Tâmisa por uma bateria DCA, aliviara-se
precipitadamente de vários objetos luminosos, dos quais, um, caído
sobre um banco de lama de Shoeburynesse, é percebido na maré baixa.
Dois oficiais especialistas em minas, Ouvry e Lewis, partem
imediatamente de Woolwich, em plena neblina. Localizam o engenho,
instalam uma iluminação de emergência e, dentro de uma noite
glacial, sobre o banco de lama, batido pelo vento, empreendem sua
desmontagem. Todos os transes de O Salário do Medo se apegam diante
do trabalho dos dois homens tateando perigosas protuberâncias, com o
tempo medido pelo fluxo da maré enchente. A sorte, cúmplice
necessária desses suspenses, fez com que a tripulação do avião
alemão, sob tensão diante do fogo que o enquadrava, se esquecesse
de armar o dispositivo de explosão. Ouvry e Lewis são bem
sucedidos: levam para Southend uma mina magnética - a primeira arma
secreta de Hitler. Agora só resta organizar a desmagnetização dos
navios, para que seu caso metálico não mais atraia as máquinas
infernais, semeada nas águas pouco profundas.
Dir-se-ia que a guerra de
1914-18 jamais cessara. A principal missão da Navy consiste, de
novo, em proteger a passagem, no continente, da British Expeditionary
Force: isso aconteceu sem que um único homem ou um único veículo
fosse perdido. Cuida-se, depois, de estabelecer o bloqueio da
Alemanha. É iniciada a reconstituição dos imensos campos de minas
ancoradas em 1918, entre a Escócia e a Noruega. Reformam-se a
patrulha Fantasma, os navios transformados em cruzadores auxiliares,
montando guarda nas águas tormentosas do paralelo 60°. No dia 23 de
novembro, ao cair da noite, um desses mobilizados, o Rawalpingi,
distingue a 8000 jardas a silhueta de um grande navio de guerra. Um
momento depois, ele afunda sob as salvas do Scarnhosrst, após uma
desesperada defesa.
A guerra submarina recomeça,
à maneira de 1916. Reaparecem os comboios - rebanhos de navios
conduzidos por 1 a 2 pastores, couraçados ou cruzadores - enquanto
destróieres, barcos armados ou corvetas rondam em torno deles, como
cães. Não obstante, as perdas já são pesadas: 41 navios, em
setembro, 27 de outubro, 21 em novembro, 25 em dezembro, num total de
114 navios e 420.000 toneladas, só em uma parte de 1939, ocupada
pela guerra. Ou seja: um ritmo de destruição igual ao de 1916. Os
navios de guerra não são poupados. No dia 17 de setembro, no canal
de Bristol, o U 29, comandado por Schuhart, surpreende o Courageous
no momento em que este vira, ao vento, para uma manobra de carga.
Quinze minutos depois a marinha inglesa pode deplorar, pela primeira
vez a perda de um porta-aviões.
Em 14 de outubro, registra-se
uma façanha excepcional. Aos 59 minutos do dia, o couraçado Royal
Oak, ancorado na baía de Scapa Flow, é abalado por um choque.
Despertado, o comandante pensa numa ligeira explosão e desce ao
porão para investigar. Durante esse tempo, a menos de 2 milhas, o U
47, do tenente naval Gunther Prien, torna a carregar seus tubos de
torpedos, para recomeçar o ataque. A operação desenvolve-se à
superfície, no meio do porto adormecido, sob um céu claro, em tal
quietude que o oficial de bordo Von Varendorff passeia pela ponte,
para desentorpecer as pernas, e é asperamente repreendido, com voz
abafada pelo seu comandante. Vinte e oito minutos depois da primeira,
à 1:27 horas, nova salva rasga o Royal Oak. Enquanto ele afunda,
arrastando à morte 24 oficiais e 809 marinheiros, o U 47 retorna seu
caminho silencioso, desliza, novamente, entre os dois navios
afundados, que obstruem - e mal - o estreito de Kirk, faz-se ao largo
e toma o rumo da Alemanha, onde justa glorificação aguarda Prien e
seus comandados.
Uma das coisas que fazem com
que esse começo de guerra naval se assemelhe aos grandes dias de
1914 é o fraco papel representado pela aviação. Uma ordem do
Gabinete britânico interditou o bombardeamento dos navios alemães
nos portos, mas o autoriza em alto-mar. Contigentes de Wellington e
de Blenheim, utilizam esta faculdade, ao largo de Wilhelmshaven, mas
só conseguem arranhar o Admiral Scheer. Inversamente, a Luftwaffe,
atacando Scapa Flow, registra como resultado total o fracasso do
ex-navio capitânia de Jellicoe, o velho Iron Duke, convertido em
bateria flutuante. O comandante chefe da Home Fleet, Almirante Sir
Charles Forbes, tira disso a conclusão de que a ameaça aérea foi
exagerada. Pagar-se-á caro este julgamento precipitado.
Última semelhança com 1914:
os Raiders (navios corsários). A caça ao Graf Spee ressuscita todas
as emoções que marcaram, 25 anos antes, a perseguição ao
Konigsberg e ao Emden.
O Almirantado soube que, no
dia 1o
de outubro, o Admiral Graf Spee se encontrava no Atlântico e que
afundou o vapor Clément, ao largo do Brasil. Vinte dias depois, os
sobreviventes do vapor norueguês Lorentz Hansen chegam às Orcades e
comunicam que seu navio fora destruído pelo Deutschland. Dois
couraçados de bolso estão, pois, em ação - um no Atlântico
Norte, outro no Sul. Temíveis navios, obras primas da construção
naval: canhões de 11 polegadas, blindagem de 10 cm, maquinas dando
28 nós, acumulados num deslocamento de 10.000 toneladas, graças à
economia de peso, realizada pela substituição da solda pelo rebite.
É uma ameaça que a qualquer preço deve ser eliminada dos mares.
Os dois navios são idênticos,
mas seus comandantes diferem. O do Deutschland dá prova de excessiva
prudência e regressa a Willhelmshaven, desde 11 de novembro, com
magro quadro de caça. O do Graf Spee, Langsdorff, aplica-se,
obstina-se. De resto, sua conduta é irrepreensível: nenhum navio é
afundado antes de ser completamente evacuado; os comandantes
prisioneiros são recebidos com consideração, o menos mal possível,
no Altmark, que acompanha o couraçado na qualidade de reabastecedor.
Langsdorff se felicita por ainda não ter feito correr uma só gota
de sangue.
Contra os dois corsários,
depois contra o solitário Graf Spee, as frotas aliadas deslocam
forças imensas. Oito divisões navais, compostas de couraçados, de
cruzadores e de porta-aviões, são designadas para setores que vão
do Ceilão às Antilhas. No dia 22 de outubro, um SOS do SS Tevanion
faz esperar que um torno se aperte sobre o couraçado solitário. Mas
passam-se os dias e as semanas. O Graf Spee não está em parte
alguma, na imensidão do mares.
Para despistar os
perseguidores, Langsdorff fez vasto desvio no Oceano Índico.
Regressa ao Atlântico, parcialmente satisfeito com seu cruzeiro.
Seus recursos esgotam-se e, a partir de 30 de setembro, ele só
destruíra 9 cargueiros, perfazendo um total de 50.000 toneladas,
coisa bem modesta para um navio tão poderoso como o seu. Ele quer,
antes de voltar à Alemanha, melhorar seu quadro de combate nas águas
agitadas de tráfico do Rio da Prata.
Às 6:08h, quando o Graf Spee
está a 150 milhas de Montevidéu, seus vigias descobrem uma fumaça.
Langsdorff aproxima-se pela proa, convencido de que se trata de nova
vítima. Oito minutos depois, reconhece um barco de guerra. Suas
ordens lhe prescrevem evitar combate, mas a fuga é difícil, na
manhã de um longo dia de verão, e Langsdorff se considera bastante
forte para impor-se, rapidamente, ao cruzador leve cuja
superestrutura se desenha no horizonte. Instantes depois, dois outros
navios se tornam visíveis, por sua vez - e é tarde demais para
fugir. O alemão tem o sol nos olhos, mas a visibilidade é
excelente, com vento moderado e ligeira corrente marítima, vinda do
nordeste.
O primeiro cruzador avistado
pelo Graff Spee é o Ajax, com canhões de 6 polegadas. O segundo, da
mesma força, é o Achilles, da Marinha neozelandesa. O terceiro é o
Exeter, armado de canhões de 8 polegadas. Eles constituem, sob o
comodoro Harwood, a força G - uma das menores, pois não conta com
couraçados e nem com porta-aviões. Além disso, o quarto navio da
divisão, o cruzador Cumberland, se reabastece nas Falkland. Sozinho
contra três, Langsdorff possui, no entanto, grande superioridade
sobre os adversários. Tem as melhores chances de destruí-los, um
após o outro, sem que o Graf Spee sofra avarias.
Às 6:14h começa o combate. A
distância entre o Graf Spee e seus adversários é de 19 km. Hora e
meia depois, a ação está terminada. O Exeter, com 3 torres, de
suas 4, demolidas, pesadamente adernado a bombordo, interrompe a luta
e tenta, penosamente, voltar à Port Stanley. Os dois cruzadores
ligeiros batem-se com extraordinária teimosia, atraindo, a curta
distância, um adversário cuja artilharia secundária se iguala à
principal deles. Aproveitam-se do duelo entre o Graf Spee e o Exeter,
para atingir, repetidamente, o couraçado inimigo. Mas também sofrem
danos - leves, o Achilles; graves, o Ajax. Ficam sozinhos diante de
um poderoso navio cuja força combativa está intacta; sós, sem
outra superioridade senão ligeira vantagem em velocidade. O Graf
Spee pode forçá-los a fugir.
Mas é o couraçado que foge!
As suas avarias são
importantes, embora não o ponham em perigo. As cozinhas estão
destruídas; o casco, furado; parte da artilharia, inutilizada; o
barco está cheio de feridos. Um espírito menos fanático do que
Langsdorff se faria ao largo, tentaria uma evasão, desaparecendo nos
espaços desertos do oceano. Mas o humanitário comandante do Graf
Spee, que considera absurda a guerra, só sonha encontrar uma angra
para reparar seu navio e desembarcar seus feridos. Montevidéu está
próximo: lança-se para lá. É uma armadilha. Os dois pequenos
cruzadores vitoriosos unem-se contra ele, no limite das águas
territoriais uruguaias e, voltando apressadamente das Falkland, o
Cumberland dá-lhes reforço, no dia seguinte.
Os três dias que se seguem
inflamam o mundo, o Almirantado inglês alardeia o glorioso combate
dos três cruzadores. A curiosidade pública espera, avidamente, a
peripécia seguinte. Hitler, sufocado de raiva, bombardeia Langsdorff
com telegramas, acusa-o de covarde, põe-no sob suspeita de traição.
Quer que tire o Graf Spee de Montevidéu e o afunde, com o pavilhão
hasteado. Mas Langsdorff recusa sacrificar seus homens, resiste ao
Embaixador alemão no Uruguai e aos agentes nazistas que acorreram de
Buenos Aires. As 72 horas de prazo que obtivera do Governo uruguaio
esgotam-se. Torna-se necessário que ele deixe Montevidéu ou que
aceite o internamento, terminantemente vetado pelo Fuhrer.
No dia 17 de dezembro, às
18h, imensa multidão aflui ao cais de Montevidéu. O Graf Spee
parte. Nenhum reforço aliado chega ao Achilles, ao Ajax e ao
Cumberland, a bordo dos quais ressoa o toque de combate. Mas
Langsdorff desembarcou a maior parte de sua tripulação e é um
grupo de afundamento que conduz o magnífico navio ao meio do
estuário, na glória do sol poente. Ouvem-se duas a três explosões
ensurdecedoras. O Graf Spee deixa-se afundar lentamente em águas tão
pouco profundas, que por muito tempo seus destroços serão vistos à
flor d’água.
Langsdorff foi o último a
abandonar seu navio. No dia seguinte, mata-se.
Um temor, ligado ao ocorrido,
apodera-se do supersticioso Hitler: o que acontecera ao Graf Spee
poderia ter acontecido ao Deutschland. O mundo, divertido, teria
visto a Alemanha afundar ignominiosamente. Dá ordem para que se
rebatize, com o nome de Lutzow, o decano dos couraçados de bolso.
O Exército Soviético
entra em cena na Finlândia
Entrementes, acontecimentos de
profundo alcance se desenrolam a leste. A Rússia explorou com
rapidez, sua aliança com Hitler. Ex-províncias do Império
czarista, três pequenos Estados corajosos estendem-se ao longo do
Báltico: a minúscula Estônia (capital, Tallin), a vigorosa
Letônia (capital, Riga), a rústica Lituânia (capital, Kovno).
Análogas e diferentes, essas três sentinelas da Europa, abençoavam
o dia em que se haviam libertado da Rússia e consideravam a Alemanha
como guardiã de sua independência. Hitler submeteu-as a seu jugo.
Depois do 28 de setembro, a
Rússia impõe à Estônia um tratado de assistência mútua. O mesmo
termo falaz serve, no dia 5 de outubro, para a Letônia, e, a 11 de
outubro, para a Lituânia. Os governos procuram resistir, estudam as
condições, embalam-se na ilusão de que pelo menos salvarão sua
autonomia interna. Mas não podem escapar à ocupação militar. As
ilhas de Dago e de Osee, os portos de Windau e de Libau são
convertidos em bases soviéticas. Pela primeira vez, o Exército
vermelho entra em cidades ocidentais transbordantes de riquezas. Um
relatório faz rir os serviços de informações aliados: em Riga, as
mulheres dos oficiais russos haviam ido a um espetáculo de gala, na
Ópera, usando camisola de dormir, que haviam tomado como traje a
rigor!
Resta, porém, um país
báltico - meio báltico, meio escandinavo - que ainda não aceitou
as condições russas: a Finlândia. É um país um pouco mais
importante que os outros três: 4 milhões de habitantes e um vasto
território que se abre sobre o oceano Ártico. Possui longa
experiência dos russos e uma capacidade hereditária de se fazer
respeitar: província czarista, estendendo-se até os subúrbios de
São Petersburgo, sempre conservara sua liberdade política e seus
privilégios militares. Mais tarde, após a independência,
desenvolveu-se, na Finlândia, profundo desprezo pelo russo
bolchevizado - simultaneamente a um irredentismo que reivindica a
Carélia e sustenta que o “Império finês” só termina nos
Urais. Ora, a URSS pede a esse altivo país a cessão de parte de seu
litoral ártico, uma base naval na península de Hango e o recuo da
fronteira, para dar expansão a Leningrado.
Se o governo só tivesse
ouvido a nação, teria dito um não, sem grandes frases. Mas também
ouviu a razão, aceitou sacrificar algumas ilhas, encontrou um
intermediário emérito: Paasikiwi, que, resistindo a Stalin,
conseguiu fazê-lo rir. Os russos insistem, ameaçam e, no dia 27 de
novembro, após um incidente de fronteira, anunciam que o pacto de
não-agressão, com a Finlândia, está assinado. Mas não o está
com o governo usurpador de Helsinki, com o reacionário Marechal
Mannerheim, presidente de uma pretensa República finlandesa! Está
assinado com o governo legítimo do patriota Kuusinen, que a URSS
instalou, provisoriamente, em pequena cidade próxima à fronteira.
Esse governo pede aos russos que intervenham e libertem a Finlândia.
Eles satisfazem no dia 30 de novembro, tomando a ofensiva no istmo da
Carélia.
A Sociedade das Nações
(SDN) tinha ainda um pouco de vida. Amputada da Alemanha, da Itália
e do Japão, viúva dos Estados Unidos desde o nascimento, continuava
a funcionar, à margem da imensa guerra que começava. Acusa a URSS
pela agressão que acabava de cometer. A URSS surpreende-se: jamais
suas relações com a Finlândia haviam sido melhores; por sinal,
Kuusinen e Molotov acabavam de assinar um pacto de amizade. A URSS,
sinceramente, não compreende! Foi excluída - e a SDN, esgotada pelo
seu primeiro gesto enérgico, morre imediatamente.
Ao longe, no entanto, a guerra
começa. O primeiro plano soviético é simples: consiste em marchar
diretamente contra Helsinki, para lá instalar o patriota Kuusinen.
Desdenhando a mobilização, o comandante russo contenta-se em fazer
marchar as unidades do Okrug militar de Leningrado. Mas a resistência
com a qual se chocam as imobiliza. A Finlândia tem, apenas, pequeno
exército permanente de 3 divisões, 33.000 homens, 60 tanques
velhos, 150 aviões desaparelhados. A mobilização espontânea de
todo um povo decuplica esses fracos meios. Mais de 300.000 homens
reúnem as bandeiras, constituem 7 novas divisões e 8 brigadas
autônomas, às quais só falta armas iguais à coragem. No istmo da
Carélia, 40 km de terreno glaciário, entre o golfo da Finlândia e
o lago Ladoga, aquilo que pomposamente se chama Linha Mannerheim -
uma simples cadeia de obras de campanha, blockhaus e abrigos sob
troncos de árvores - resiste a todos os assaltos. Os russos aí
empenham seus tanques, mas os defensores descobrem o defeito de sua
couraça, uma placa de blindagem que o motor, muito exigido, torna
incandescente. Para incendiá-los, valem-se de garrafas de gasolina.
Ao fim de uma semana, a ofensiva é suspensa e o nome da Finlândia
ressoa no mundo com um fragor de epopéia.
Mas a Rússia corrige seus
dispositivos militares, confia a direção da guerra ao Marechal
Timoshenko, manda vir da Ucrânia e do Cáucaso tropas de elite. Uma
vez que a Linha Mannerheim resiste, será pela frente oriental da
Finlândia, pelos 1600 km do lado Ladoga, no Oceano Ártico que o
Exército Vermelho manobrará, usando sua superioridade em material e
efetivos.
Apenas pela via de Murmansk, 3
exércitos - o 8°, o 9° e o 14° - são encaminhados ao Norte. A
neve chegou, o transporte arrasta-se, muitos soldados morrem de frio,
nos vagões - e, no entanto, o estabelecimento se efetua
relativamente depressa. Uma vez mais, o plano é simples. Dez
caminhos atravessam a profunda floresta finlandesa: emprega-se, em
cada um deles, uma divisão, uma pesada divisão russa, equipada com
artilharia e tanques. Todas deverão marchar para oeste, tomarão
pela retaguarda essa dura Linha Mannerheim, diante da qual outro
exército, o 7°, marca passo.
No dia 17 de dezembro,
acreditou-se que a manobra russa ia ter êxito. Uma das colunas
atinge Kursu, na estrada de Kemijarvi, a 150 km do golfo de Bótnia.
Outra atinge Suomossalmi, chave do setor central. Outras avançam na
região do lago Ladoga. O Estado-Maior finlandês empreende a
evacuação da Lapônia e leva a defesa a uma linha que vai de Ulu
(Uleaborg) a Viipuri (Viborg). A hora final da resistência
finlandesa parece próxima.
A reviravolta na situação é
dramática. Distendidas pelos maus caminhos da floresta, as colunas
soviéticas são bloqueadas de frente, enquanto elementos móveis as
assediam pelos flancos. A neve profunda, as altas arvores, os
barrancos de arestas vivas que cortam as florestas neutralizam os
tanques. Calçados de esquis, vestidos de branco, vivendo de leite,
os finlandeses cortam em pedaços a procissão de tanques que o
comando soviético aventura sobre seu solo.
Na estrada de Suomossalmi, a
163ª Divisão de Infantaria é totalmente destruída. Enviada em seu
socorro, a 44ª Divisão, uma das melhores do Exército vermelho, tem
a mesma sorte. As unidades do 8° Exército, que tentam contornar o
lago Ladoga, são cortadas pela retaguarda e aniquilada por partes.
Os russos fixam-se nas clareiras, dispõe seus tanques em círculo,
como carroças dos povos bárbaros, e morrem de frio e fome. Os
finlandeses, em bloco, não farão mais do que 2.000 prisioneiros,
mas recolhem sobreviventes, uns após outros, quando a fraqueza lhes
faz cair as armas das mãos.
O mais importante butim é a
correspondência: milhares de cartas recolhidas dos prisioneiros e
dos mortos. Quase todas vêm de famílias camponesas. Descrevem
incríveis condições de vida. Duas em três falam da vaca, da vaca
que já não podem alimentar ou da que não podem vender, porque não
têm com que se alimentar. O imenso desespero russo vem expressar-se
nesse campo de batalha estrangeiro, onde os filhos da terra russa
preferem a mais horrível das mortes à rendição.
É grande a admiração no
mundo inteiro. Mas é menor a pressa em ajudar a Finlândia.
Esperava-se que a solidariedade escandinava provocaria a intervenção
da Suécia. Esta dá dinheiro, armas, deixa que se organize um corpo
de voluntários, mas recusa sair da santa neutralidade. A Dinamarca
fornece 800 voluntários, e a Noruega, 200 - duas vezes menos que a
Hungria. A solidariedade escandinava é uma palavra vã. Os únicos
que realmente poderiam ajudar a Finlândia são os beligerantes.
Muitos alemães vibram de vontade de fazê-lo, mas a aliança
germano-soviética é, ainda, por demais indispensável a Hitler. A
França e a Inglaterra têm as mãos mais livres. Sentiram
violentamente a traição de Stalin. Acreditaram que a Alemanha
escape aos efeitos de seu bloqueio, graças às reservas de matérias
primas russas. Ajudar a Finlândia é enfraquecer a URSS, é solapar
Hitler, portanto.
Uma consideração de ordem
estratégica reforça as simpatias ocidentais pelos heróicos
combatentes do círculo polar: a ajuda à Finlândia pode fornecer
aos Aliados um pretexto para se estabelecerem na Escandinávia.
Ocupar a Suécia seria privar a Alemanha de um minério de ferro
insubstituível. No dia 12 de dezembro, Churchill redige um de seus
50 memorandos, através dos quais se esforça para esporear a
coligação. Pronuncia-se por um desembarque na Noruega, mesmo, se
preciso, contra o Direito Internacional. “A humanidade e não a
legalidade deve ser nosso juiz” - conclui.
Mas as idéias amadurecem
lentamente, no glacial inverno de 1939/1940. Tudo quanto a França e
a Inglaterra podem fazer de positivo pela Finlândia é enviar-lhes
armas. Um aglomerado de armas. A frança tira de suas lojas de
antigüidades 5.000 fuzis metralhadoras, modelo 1915, detentores de
recorde de acidentes de tiro, e seu material de artilharia, sistema
De Bange, já aposentado em 1914. A marinha envia uma dúzia de
velhos 305, restos da esquadra Rangel, que enferrujava no cais de
Bizerta, desde 1920. Alguns morteiros Brandt, uns 25 antitanques,
alguns fuzis-metralhadoras modelo 24, alguns aviões, entregues pela
Inglaterra, não chegam a compensar a impressão desastrosa,
produzida na Finlândia, pela chegada desta revoada de rouxinóis.
Nos estados-maiores nascem
projetos grandiosos. A Alemanha só se conserva de pé porque se
apoia na Rússia; o conflito da Finlândia demonstra a debilidade da
Rússia. A condução geral da guerra é deduzida dessas duas
proposições: que se derrote a Rússia, e a Alemanha cairá!
Doumenc, o novo chefe do
Estado-Maior do Exército francês, prescreve o estudo de todas as
possibilidades correspondentes. Pensa-se em bombardear Baku, para
estancar o petróleo russo; organizar a insurreição dos povos do
Cáucaso, atacar Murmansk, desembarcar - em pleno inverno - uma a
duas brigadas de caçadores alpinos. Todas estas ridicularias são
escritas, preto no branco, e dão lugar a documentos militares
conscienciosos e quiméricos, napoleônicos e infantis.
Mais técnicas, talvez mais
sérias, são as tentativas de avaliação do Exército vermelho à
luz dos combates dos blindados. Em razão de suas repercussões no
futuro, só se citarão as conclusões do estudo estabelecido pelo
OKW (Oberkommando der Wehrmacht - Alto Comando das Forças Armadas),
para a documentação particular do Fuhrer: “Em quantidade:
instrumento militar gigantesco. Organização, equipamento e meios de
comando: medíocres. Princípio de comando: bom. O próprio comando:
muito jovem e inexperiente. Ligações e transmissões: más. Sistema
de transporte: mau. Tropas: desiguais e desprovidas de iniciativa.
Soldados: bom estado de espírito, contentam-se com muito pouco.
Qualidades combativas das tropas: duvidosa. Em suma: a nação russa
não é um adversário para um exército equipado de maneira moderna
e superiormente comandado”.
Data do documento: 31 de
dezembro de 1939. O ano dos desconcertantes prelúdios termina: sobe
o pano para o ano das surpresas retumbantes.
Nenhum comentário:
Postar um comentário